sábado, 17 de fevereiro de 2007

Preconceito e xenofobia explícitos em Hollywood


Turistas, de John Stockwell, é mais um roteiro com uma coleção de descabidos estereótipos sobre o Brasil que revelam o ranço da xenofobia e da ignorância típica do descomprometido cinema de entretenimento americano.

Nós somos feios, sujos, selvagens e malvados. Eles são belos, ricos e inocentes. O Brasil é um país miserável e perigoso, onde todos são traidores e brutos. Não há infra-estrutura, nem autoridades. Nada funciona, as praias são tomadas pelo som de rap, violência desregrada, caipirinha, açaí e sexo fácil. Exuberante só a natureza, ainda assim tomada por saúvas carnívoras. Esse é o Brasil do filme Turistas, de John Stockwell, que chega nesta sexta-feira, 16, aos cinemas.

Na trama, um grupo de jovens turistas americanos e europeus tiram férias em busca de sol, aventura e mulheres, mas acabam sendo vítimas de um esquema de contrabando de órgãos liderado por um psicopata numa cidadezinha em algum lugar do litoral. Os turistas são mantidos em jaulas e têm os rins retirados para abastecer o mercado negro e vez ou outra salvar uma criancinha vitimada pela violência carioca.

Os estrangeiros todos falam a mesma língua, são todos loiros de olhos azuis e unem-se frente às atrocidades de um paraíso enganador. Os nativos são quase todos negros, com trejeitos indígenas, que rosnam e grunhem em vez de falar. É a selvageria do país incorporada aos costumes dos seqüestradores do grupo de mochileiros.

Num roteiro de excessos, cada fotograma parece jorrar sangue. Os capangas a serviço da máfia dos órgãos amarram as vítimas em pedaços de pau e os carregam como fariam selvagens imaginários em rituais canibais. O líder do bando fura o olho de um rival com um espetinho de queijo coalho, enquanto um dos turistas sutura um corte na cabeça de um brasileiro acidentado com um grampeador.

Turistas segue a linha de outras produções sobre estrangeiros em terras longínquas e cruéis como A Viagem (Brokedown Palace, 1999), de Jonathan Kaplan, A Praia (The Beach, 2000), de Danny Boyle, e o recente O Albergue (The Hostel, 2006), dirigido por Eli Roth e produzido por Quentin Tarantino. A diferença entre as produções é que, no caso do filme ambientado no Brasil, o país foi a bola da vez na onda de caricaturas grotescas a serviço do entretenimento barato.

Mas interpretar o filme como um ataque direto a um país específico seria dar crédito demais à produção, que não tem ambições políticas ou intelectuais. O roteiro original previa que a história se passasse na Guatemala, mas, segundo a produção, a falta de estrutura daquele país deslocou o enredo e elenco para o Brasil. É só mais um roteiro com o ranço da xenofobia e da ignorância, que poderia se passar na Indonésia, Camboja ou qualquer outro paraíso tropical procurado por americanos e europeus.

Num único momento em que parece haver o esboço de um discurso político, o médico responsável pela retirada dos órgãos, interpretado pelo brasileiro Miguel Lunardi, recapitula o histórico colonial do país. Lembra que, no Brasil, já foram explorados açúcar, ouro e borracha e descamba para a baboseira ao afirmar que é a hora da vingança com o roubo de fígados e rins dos filhos das potências imperialistas.

Se não fosse ficção tão ruim, poderia causar acidentes diplomáticos. Nos Estados Unidos, a campanha publicitária do filme apresenta o Brasil como uma terra selvagem, onde vale tudo. Mas, pensando bem, para eles, poderia ser qualquer lugar ensolarado bem distante da bonança norte-americana.

Ou mudamos ou morremos!!!

Leonardo Boff*

Hoje vivemos uma crise dos fundamentos de nossa convivência pessoal,
nacional e mundial. Se olharmos a Terra como um todo, percebemos que quase
nada funciona a contento. A Terra está doente e muito doente. E como somos,
enquanto humanos, também Terra (homem vem de húmus = terra fértil), nos
sentimos todos, de certa forma, doentes. A percepção que temos é de que não
podemos continuar nesse caminho, pois nos levará a um abismo. Fomos tão
insensatos nas últimas gerações que construímos o princípio de
autodestruição. Não é fantasia hollywoodiana.

Temos condições de destruir várias vezes a biosfera e impossibilitar o
projeto planetário humano. Desta vez não haverá uma arca de Noé que salve a
alguns e deixe perecer os demais. Os destinos da Terra e da humanidade
coincidem: ou nos salvamos juntos ou sucumbimos juntos.

Agora viramos todos filósofos, pois nos perguntamos, entre estarrecidos e
perplexos: como chegamos a isso?

Como vamos sair desse impasse global? Que colaboração posso dar como pessoa
individual?

Em primeiro lugar, há de se entender o eixo estruturador de nossas
sociedades hoje mundializadas, principal responsável por esse curso
perigoso. É o tipo de economia que inventamos. A economia é fundamental,
pois ela é responsável pela produção e reprodução de nossa vida. O tipo de
economia vigente se monta sobre a troca competitiva. Tudo na sociedade e na
economia se concentra na troca. A troca aqui é qualificada, é competitiva.
Só o mais forte triunfa. Os outros ou se agregam como sócios subalternos ou
desaparecem. O resultado desta lógica da competição de todos com todos é
duplo: de um lado, uma acumulação fantástica de benefícios em poucos grupos
e, de outro, uma exclusão fantástica da maioria das pessoas, dos grupos e
das nações.

Atualmente, o grande crime da humanidade é o da exclusão social. Por todas
as partes reina fome crônica, aumento das doenças antes erradicadas,
depredação dos recursos limitados da Natureza e um ambiente geral de
violência, de opressão e de guerra.

Mas, reconheçamos: por séculos essa troca competitiva abrigava a todos, bem
ou mal, sob seu teto. Sua lógica agilizou todas as forças produtivas e criou
mil facilidades para a existência humana. Mas, hoje, as virtualidades deste
tipo de economia estão se esgotando. A grande maioria dos países e das
pessoas não cabe mais sob seu teto. São excluídos ou sócios menores e
subalternos, como é o caso do Brasil. Agora, esse tipo de economia da troca
competitiva se mostra altamente destrutiva, onde quer que ela penetre e se
imponha. Ela nos pode levar ao destino dos dinossauros.

Ou mudamos ou morremos, essa é a alternativa. Onde buscar o princípio
articulador de uma outra sociabilidade, de um novo sonho para frente? Em
momentos de crise total precisamos consultar a fonte originária de tudo, a
Natureza. Que ela nos ensina? Ela nos ensina – foi o que a Ciência já há um
século identificou – que a lei básica do Universo não é a competição que
divide e exclui, mas a cooperação que soma e inclui. Todas as energias,
todos os elementos, todos os seres vivos, desde as bactérias e vírus até os
seres mais complexos, somos inter-retro-relacionados e, por isso,
interdependentes. Uma teia de conexões nos envolve por todos os lados,
fazendo-nos seres cooperativos e solidários. Quer queiramos ou não, pois
essa é a lei do Universo. Por causa desta teia chegamos até aqui e poderemos
ter futuro.

Aqui se encontra a saída para um novo sonho civilizatório e para um futuro
para as nossas sociedades: fazermos desta lei da Natureza, conscientemente,
um projeto pessoal e coletivo, sermos seres cooperativos. Ao invés de troca
competitiva, onde só um ganha, devemos fortalecer a troca complementar e
cooperativa, onde todos ganham. Importa assumir, com absoluta seriedade, o
princípio do prêmio de economia John Nesh, cuja mente brilhante foi
celebrada por um não menos brilhante filme: o princípio ganha-ganha, onde
todos saem beneficiados sem haver perdedores.

Para conviver humanamente, inventamos a economia, a política, a cultura, a
ética e a religião. Mas, nos últimos séculos, o fizemos sob a inspiração da
competição que gera o individualismo. Esse tempo acabou. Agora temos que
inaugurar a inspiração da cooperação que gera a comunidade e a participação
de todos em tudo o que interessa a todos.

Tais teses e pensamentos se encontram detalhados nesse brilhante livro de
Maurício Abdalla, O princípio da cooperação. Em busca de uma nova
racionalidade.

Se não fizermos essa conversão, preparemo-nos para o pior. Urge começar com
as revoluções moleculares. Comecemos por nós mesmos, sendo seres
cooperativos, solidários, compassivos, simplesmente humanos. Com isso
definimos a direção certa. Nela há esperança e vida para nós e para a Terra.

* Leonardo Boff é teólogo, filósofo, espiritualista e ecologista. É
professor emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Brasil paga US$ 100 mi a mais por gás boliviano


O governo Lula firmou um acordo com a administração de Evo Morales. A coisa foi explicada na manha desta quinta-feira (15), em Brasília. Em meio a muito blábláblá, coube ao ministro boliviano dos Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, fazer o melhor resumo: o Brasil vai pagar anualmente US$ 100 milhões a mais pelo gás que compra da Bolívia.

A conta refere-se ao reajuste dos contratos que asseguram o abastecimento da região Sudeste, que tem em São Paulo o seu maior consumidor. Na véspera, já se havia anunciado que o Brasil topara aumentar também o preço do gás comprado por Mato Grosso. O que, pelas contas do mesmo ministro Villegas, renderá à Bolívia um adicional de US$ 44,86 milhões por ano.

Tudo somado, Evo viu em Brasília uma mega-uva de US$ 144,86 anuais. As autoridades brasileiras esforçam-se para demonstrar que o acordo-companheiro é justo. Difícil concordar integralmente com o raciocínio sem torturar o significado do vocábulo.

Vá lá que Lula queira rasgar contratos legitimamente firmados para ajudar um vizinho pobre. Trata-se de uma graciosidade imposta à Petrobras. Mas o reajuste não é dos mais expressivos. O que incomoda é a impressão de que o governo está alisando a cabeça de uma serpente.

O morubixaba Evo invadiu militarmente instalações da Petrobras. Depois, pôs-se a destratar o Brasil. Disse que o Acre foi anexado ao território brasileiro em troca de um cavalo. Chamou a Petrobras de chantagista. Acusou a e empresa de prática de contrabando.

A diplomacia-companheira ficou devendo aos nacionais que pagam os seus contra-cheques uma resposta à altura das provocações. Agora vem o Evo a Brasília e Lula mostra-lhe suas melhores uvas. Quem garante que, amanhã, depois de fartar-se, Evo não vai virar a cara para o Brasil de novo? Se proceder assim, não poderemos culpá-lo. Lula deixou-o mal acostumado.

Escrito por Josias de Souza

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Em 20 anos, faltará água para 60% do mundo, diz ONU


Menino bebe água
Consumo de água dobrou em relação a crescimento populacional
Dentro de 20 anos, uma proporção de dois terços da população do mundo deve enfrentar escassez de água, de acordo com a FAO, agência das Nações Unidas para agricultura e alimentação, sediada em Roma.

Segundo a FAO, o consumo de água dobrou em relação ao crescimento populacional no último século.

Pouco mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo já não têm acesso a água limpa suficiente para suprir suas necessidades básicas diárias, disse Pasquale Steduto, diretor da unidade de gerenciamento dos recursos hídricos da FAO.

Segundo ele, mais de 2,5 bilhões não têm saneamento básico adequado.

Steduto pediu maior esforços nacionais e internacionais para proteger os recursos hídricos do planeta.

A irrigação para cultivos agrícolas atualmente responde por mais de dois terços de toda a água retirada de lagos, rios e reservatórios subterrâneos.

Em várias partes do mundo, agricultores que tentam produzir alimentos suficientes e obter renda também enfrentam estiagens sistemáticas e crescente competição por água.

O que os agricultores têm que fazer, diz a FAO, é armazenar mais água da chuva e reduzir o desperdício ao irrigar suas plantações.

"A comunidade global tem conhecimentos para lidar com a escassez de água. O que é necessário é agir", afirma a agência das Nações Unidas.

Fonte: BBC

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Futebol: Curiosidades

Foram os ingleses que trouxeram o futebol para o Brasil. Por isso, a maior parte dos termos utilizados nesse esporte é de origem inglesa. Não só os termos, frise-se, mas também nome de clubes. Afinal, de onde você acha que vêm os nomes Sport Club do Recife e Sport Club Corinthians, entre muitos outros? Lógico que da terra dos Beatles.


Até os anos 50, o predomínio de formas inglesas na terminologia do futebol brasileiro era esmagador. Torcedores e cronistas esportivos escreviam e falavam palavras como football, goal, penalty, score, shoot, team, back, goalkeeper; referee, corner, hands. Com a popularização cada vez maior do esporte bretão, nacionalistas, principalmente mestres do vernáculo, se insurgiram contra esse abuso de anglicismos. E, assim, entraram em campo os aportuguesamentos futebol, gol, pênalti, escore, chute, time, beque, goleiro, juiz/árbitro, escanteio e toque, substituindo as forma estrangeiras.
Mas o inglês não foi o único exportador das palavras futebolísticas. Por exemplo, do francês placard, veio placar; zagueiro, que substituiu o aportuguesamento de origem inglesa beque, veio do espanhol zaguero. E o espanhol platino importou do quíchua, língua nativa do Peru, cancha e a exportou para nós, que a assimilamos sem nenhuma modificação.
Dos aportuguesamentos futebolísticos, a novela mais polêmica foi sem dúvida a que tratou do nome do esporte. Alguns puristas mais radicais não aceitavam a palavra futebol por não ser de origem vernácula. Por isso, propuseram a substituição dela por palavras criadas a partir de elementos gregos e latinos. Veremos isso agora.


BOLAPÉ, BALÍPODO E LUDOPÉDIO


Somos o país do futebol. Agora, imagine se em vez de "país do futebol", o Brasil fosse chamado de "o país do bolapé". Ou se fôssemos pentacampeões de "balípodo". Ou se a competição que mobiliza nosso país de quatro em quatro anos fosse a "Copa do Mundo de Ludopédio". O que acha? Não está entendendo? Eu explico: bolapé, balípodo e ludopédio foram três propostas de nacionalização do inglês football, que, por motivos que vão desde a sonoridade à falta de bom gosto, não pegaram. Preferimos dar uma roupagem vernácula à inglesa football, grafando-a futebol, de acordo com os moldes da nossa ortografia. Isso é uma prova de que em língua não adiantam decretos, intervenções oficialescas e até pitacos de "gênios", como o do filólogo Castro Neves, criador de balípodo, e o do poeta Fernando Pessoa, o pai de bolapé. O povo é a língua. E a língua é do povo. Purismos, nacionalismos lingüísticos, para ser fortes, para sobreviver, têm de partir do povo. Esse é o fato.

CURITIBA x CORITIBA


A capital do Paraná é "Curitiba", com U. O clube, porém, é "Coritiba", com O. Se você é aficionado do futebol, conhece essa distinção gráfica muito bem. Agora, o porquê disso certamente você desconhece. A questão é a seguinte: quando o clube foi fundado, a cidade tinha duas grafias: uma de origem indígena (Curityba, que em tupi-guarani significa "muito pinhão") e uma aportuguesada (Coritiba). Na época da fundação, o clube escolheu a forma aportuguesada e com ela está até hoje. Foi diferente com a cidade, que, depois da reforma gráfica que proibiu o uso do Y em nossas palavras, adotou a grafia Curitiba.

O CORINTHIANS E OS CORÍNTIOS


Já ouviu falar da cidade grega Corinto? E do Club Corinthians Paulista? Do clube certamente você já ouviu falar. Da cidade, talvez não. E o que o Corinthians tem a ver com Corinto? Tudo, pois a palavra inglesa "corinthians" corresponde à nossa "coríntios". É que os ingleses que fundaram o clube paulista quiseram homenagear os habitantes de Corinto, os coríntios (em português) ou the corinthians (em inglês).



GANDULA


Na década de 40, jogava no Vasco da Gama um argentino muito ruim de bola. Esse "hermano" perna-de-pau chamava-se Gandulla. O coitado era tão ruim, que os técnicos quase nunca o escalavam para as partidas. Geralmente ficava na margem do campo, assistindo aos jogos. Quando a bola saía, "lépido e fagueiro", o gringo ia atrás da pelota para repô-la ao jogo. E assim, todas as vezes que a bola ia para fora, a torcida cobrava: "Pega a bola, Gandulla!" Graças a isso, o nome próprio Gandulla virou o substantivo comum gandula, sinônimo de profissional responsável pela reposição de bolas nas partidas de futebol.

LAÉRCIO LUTIBERGUE é professor de português, consultor e revisor de texto

Dois pesos;duas medidas:pobre mídia!!!!

ESPERIZAÇÃO
(Liberada a caça aos pobres)
Volnei Batista de Carvalho

Que ingenuidade minha pedir aos donos do poder para que mudassem o poder(Giordano Bruno antes de ser queimado vivo)

Esperização é “o fenômeno psicosocial de travestir a realidade com justificações hipócritas aos desvios de conduta da elite dominante à defesa da impunidade por crimes cometidos por seus membros”.
Esperização é denominação colhida do nome do famoso costureiro, Ronaldo Ésper, branco e rico, flagrado roubando vasos de flores em cemitério. O fato sociológico e criminológico observado comparativamente outro caso acorrido à mesma época com a anônima empregada doméstica, Angélica Aparecida de Souza Teodoro, negra e pobre, flagrada em furto de um pote de manteiga em supermercado.
Ésper foi prontamente socorrido pelo espírito imunizante da elite nacional. Angélica ficou 128 dias no “cadeião”, perdeu a guarda do filho e teve quatro habeas-corpus negados. Ésper foi prontamente colocado em liberdade, desnecessitando de habeas-corpus. As “embaixatrizes socialites”, Hebe Camargo e Luciana Gimenez, valendo do espaço da mídia, mídia que no geral permaneceu calada, ao contrário quando do caso Angélica, partiram para defesa de Ronaldo Ésper, inclusive abrindo espaço especial na televisão para defesa própria do ladrão. Ele dramatiza o ato criminoso, cinicamente chora e ri na frente das câmeras, com cena transmita para milhões telespectadores. Ora se justifica inocente com falácias pueris, ora, como réu confesso, pede perdão às “clientes” e familiares. Foi calorosamente aplaudido pela platéia. Ronaldo Ésper foi premiado com um programa na TV – “educador de massa”. Deste fato social, o fenômeno esperização.
Verifica-se a esperização como um fenômeno social abrangente, a partir da nítida divisão em duas classe distintas na estrutura da sociedade. A “elite” governante e a massa plebéia, governada. Diferenciam-se em deveres e obrigações sociais e legais, no acesso às instituições políticas, no uso de bens e serviços públicos, na repartição da produção social da riqueza, mascarando a idealização de um Estado Democrático de Direito. O direito e o fático: a um, lei nenhuma, ou as benesses; a outro, toda lei, e seus rigores.
As justificativas hipócritas se dão no ajuste da realidade arquitetada e o fato concreto. O máximo de uma sociedade civilizada é o direito e a justiça, mas é no proceder ao direito para a justiça que a esperização falseia a idéia do injusto em justo, afastando ao longe dos olhos a impunidade e a aproximando do inconsciente. A impunidade só é definida quando comparativamente significa punição desigual.
A esperização é a falsa realidade de que temos um Estado democrático quando na verdade vivemos um “Estado feudal moderno”, nepótico e despótico. Ao contrário da servidão medievalista, o povo é “coisificado”, nada valendo a não ser o de justificar o poder numa fantasiada sociedade politicamente organizada. Nosso país é uma grande sociedade anônima – Brasil SA. Tudo se traduz em rentabilidade e utilidade, desde que à fartura da elite.
Como aceitar passivamente, sob justificativas das mais absurdamente irracionais, que a elite use dos aparelhos do Estado para assassinar impunemente milhões do povo? Quem acusa a elite? O desvio de recursos à saúde, à educação, ao atendimento às necessidades sociais, que reflete conseqüência de sofrimento e morte, é ou não crime, assassinato, genocídio? Quem julga a elite? Tem-se uma sociedade politicamente organizada, um Estado Democrático de Direito, com os poderes institucionais abrigando horda governando? Quem pune a elite?
A esperização é a detecção do supra-sumo da miséria intelectual nacional, refletida nos governantes, juízes, artistas, jornalistas, professores, policiais, pastores... O que mais execrável que ter um Parlamento como covil? Sermos governados como coisas em mesa de negociação sindical? Ser julgado por juízes condenáveis? Artistas venais? Jornalistas tendenciosos? Professores ignorantes? Policiais assassinos? Pastores imorais? São minorias, poucos, inexpressivas... Se, minorias, poucos, inexpressíveis, porque permanentes e sem reação e precaução da maioria, dos muitos, da parte mais expressiva? No mínimo, o crime de cumplicidade pela convivência ou conivência omissiva.
E onde entra a questão do menino arrastado até a morte pelas ruas do Rio de Janeiro?
A princípio, há que todo ser humano profundamente se condoer com a morte de inocentes... e também de culpados. A morte de João Hélio foi de evidente horror e pavor, a merecer todos protestos em nome da civilização. Porém, por mais que tentem situar o caso na barbárie para justificar exemplo de punição ou punição coletiva contra os pobres, a esperização os desmascaram.
Por mais horrenda e pavorosa que tenha sido a morte daquela criança, não justifica que os assassinos sejam conduzidos esgoelados, literalmente, por mãos de policiais ao olhar de todo. Nem quem, por causa desse fato insólito, se queira reduzir a idade penal punitiva, a pensarem em punir crianças de até 13 anos.
Porque não puniram os filhos da elite que queimaram vivo o índio patachó? Qual a punição dada àqueles assassinos? A matança daquelas crianças na porta da igreja da Candelária, a tiros, enquanto dormiam? Qual a punição dada aos assassinos? E a tortura e morte de crianças, filhos de pobres, nas Febens? Em fim, etc, etc, assim ad infinitum e ad eternum...
Que o Estado seja amoral, mas a elite governante o transforma em imoral. Que as instituições sejam públicas, mas a elite dominante transforma as instituições a serviço do nepotismo e o corporativista insano. Que temos leis escritas, mas desigualmente aplicadas, em benefício da impunidade à glorificação da força do poder da elite. As armas que mais matam são acionadas pelos agentes do Estado. Que os grandes traficantes não estão nas favelas, se confundem entre agentes políticos.
Disso, como entender a tolerância com toda a barbárie policial praticada diariamente, décadas, secularmente, em flagrante violação dos mais comezinhos direitos humanos? Como justiçar a massa encarcerada de pessoas humildes do povo? Dos privilégios de prisões especiais para certos indivíduos, qualificados por elitizados? De foro privilegiado, que deveriam temer e rejeitar, por ser tribunais superiores?
Ora, não é o Estado, nem as instituições, as leis, as armas, as drogas e as bebidas alcoólicas, o responsável direto a tamanha violência reinante. Nem a se imputar como mal da natureza humana, nem resultado de intervenção de forças malignas transcendentais. O povo miúdo é bom (está deixando de ser), pacífico (está deixando de ser), solidário (está deixando de ser), alegre (está deixando de ser). O que há é um comportamento de relacionamento social nacional, entre um extrato social distinto, a classe dominante, e o restante do povo, a massa, subjacente a toda a forma de expressão de violência social. Esse comportamento das elite é culturalmente histórico, e para mudar significa processo abrupto de ruptura. Esse relacionamento é também sistêmico porque se define e se manifesta através do ordenamento jurídico, econômico e político. O ordenamento jurídico, injusto; o econômico, desumano; e político, excludente. E ideológico, na esperização, na medida da produção e reprodução de realidades inconcretas. Disso, é de se entender que toda esse estado permanente de violência do Brasil repousa na única e exclusiva responsabilidade da classe dominante, agente e mandante de toda miséria e criminalidade que crassa a sociedade brasileira.
O problema da mudança é que a nação acostumada à servidão, agora passivamente aceita a “coisificação” gradativa, até ser coisa descartável. Contenta-se em aplaudir idéias manipuladas de dominação e a jogar a liberdade a um salvador transcendental. Enquanto seu filhos rebeldes, premidos em reagir para sobreviver, são tratados como animais e dizimados pelas ruas e prisões.
Só uma maneira da caça resistir, se voltar contra o caçador.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

O Brasil e a experiência chinesa



Wladimir Pomar

Enquanto no Brasil as estatais eram privatizadas na forma escusa que se conhece, na China, elas foram elevadas a um novo papel estratégico, ganhando autonomia para atuar no mercado e fazer associações de diferentes tipos com empresas privadas, nacionais e estrangeiras, tanto para expandir o capital privado nacional, quanto para internalizar altas e novas tecnologias, levadas por empresas estrangeiras.

Apesar de os neoliberais serem ignorantes sobre as estratégias chinesas de crescimento, eles têm certa razão quando afirmam que alguns aspectos dessas estratégias não são adaptáveis às condições brasileiras. Por exemplo, quando as reformas chinesas tiveram início, em 1980, havia uma poupança popular incalculável naquele país, fruto de 30 anos de uma combinação de pleno emprego, escassez de oferta, preços baixos, subsídios à educação, saúde e moradia, inflação perto de zero e baixo endividamento público.

Esta combinação, alavanca importante para o desenvolvimento chinês, está ausente da situação brasileira. No Brasil, serão necessários mecanismos não apenas para redistribuir a renda, mas também para desconcentrá-la fortemente, e democratizar a propriedade capitalista, de modo que a desconcentração não seja revertida rapidamente. Nesse sentido, reforçar o papel do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, como bancos de desenvolvimento, voltados fortemente para o financiamento de pequenos e médios projetos industriais e agrícolas, com mecanismos ágeis, como os das cooperativas de crédito e do banco popular, é essencial. Algo que não passa nem perto do pensamento neoliberal.

Outro aspecto da estratégia chinesa, desconhecido dos neoliberais, é o papel das estatais na reforma pós-1980. Com uma estrutura industrial e comercial constituída apenas por empresas de propriedade estatal e coletiva, os chineses não tinham experiência na transferência de tecnologias para o setor privado e no adensamento dos segmentos nacionais de suas cadeias produtivas. Isso eles aprenderam com a Petrobras, a Vale do Rio Doce e outras estatais brasileiras.

Assim, enquanto no Brasil as estatais eram privatizadas na forma escusa que se conhece, na China, elas foram elevadas a um novo papel estratégico, ganhando autonomia para atuar no mercado e fazer associações de diferentes tipos com empresas privadas, nacionais e estrangeiras, tanto para expandir o capital privado nacional, quanto para internalizar altas e novas tecnologias, levadas por empresas estrangeiras.

Retomando sua antiga experiência, o Brasil poderia dar, a suas estatais restantes, autonomia para atuar no mercado e adensar suas cadeias produtivas, através de associações com o capital privado nacional, atração de capitais estrangeiros e internalização de novas e altas tecnologias. Mesmo que não seja possível reverter as privatizações fraudulentas, a transformação das estatais em instrumentos de política econômica pode fortalecer o papel do Estado na economia e dar-lhe capacidade para orientar o seu rumo futuro. Sabendo-se, de antemão, que a grita neoliberal será intensa.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Fonte: correio da cidadania

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Justiça aceita denúncia contra ex-chefes do BNDES

Processo questiona privatização da Eletropaulo

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO


A Justiça Federal acolheu uma denúncia do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro contra cinco ex-presidentes do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O Ministério Público apura a suposta ocorrência de irregularidades na concessão de empréstimos para a privatização da Eletropaulo, distribuidora de energia que atua em São Paulo.
Os cinco ex-presidentes citados são Luiz Carlos Mendonça de Barros, José Pio Borges de Castro Filho, Andrea Santos Calabi, Francisco Gros e Eleazar de Carvalho Filho. Eles negam irregularidades.
A denúncia inclui nomes de outros 12 funcionários do alto escalão do BNDES à época. Os ex-presidentes e funcionários são acusados de gestão temerária e crime contra o sistema financeiro.
Em 1997 e 1998, o governo deu início ao projeto de privatização das empresas estatais, com destaque para a venda de distribuidoras estaduais de energia. O BNDES aprovou, à época, o Programa de Estímulo à Privatização Estadual.

Amortização
O governo estimulou a venda por meio do BNDES com a antecipação de 50% do preço mínimo aos Estados para amortização de dívidas com a União e com o financiamento de até 50% do preço mínimo definido para cada leilão. As garantias das operações eram ações que seriam vendidas pelo governo estadual e uma "confort letter" (documento de banco ou empresa que dá garantias para a realização da operação) dos acionistas controladores, segundo a denúncia.
As ações ordinárias (com direito a voto) da Eletropaulo foram adquiridas pela Lightgás -subsidiária da Light que tinha como controladores AES, EDF International, Houston Industries Energy, BNDES Participações e CSN- por R$ 2,026 bilhões. A AES deixou de ser acionista da distribuidora. A EDF vendeu a Light em março do ano passado para um consórcio que inclui a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais).
O banco decidiu financiar até 50% do valor, equivalente a R$ 1,013 bilhão.
De acordo com a denúncia, o BNDES avaliou os riscos da EDF, da AES, da Houston e de outras por meio de relatórios de agências internacionais, mas em nenhum momento avaliou o risco da Light, empresa que efetivamente adquiriu o controle da Eletropaulo.
Na avaliação do Ministério Público, era previsível a insuficiência de recursos da empresa, criada exclusivamente para participar do leilão, para o pagamento das dívidas.
"A atuação do BNDES foi marcada por um rol de ações e omissões dos diretores que, no exercício de suas funções públicas, descumpriram os deveres que lhes são impostos por força da lei", afirma a denúncia.

Base da denúncia
A base da denúncia é um relatório do Tribunal de Contas da União. Ele diz que o banco deixou de realizar análises essenciais na concessão do financiamento, como a avaliação econômico-financeira prévia das empresas interessadas, conforme regulamento do banco, a avaliação da compatibilidade entre o fluxo de caixa das empresas interessadas e o fluxo dos encargos que seriam cobrados pelo banco e o nível de endividamento da empresa vencedora do leilão, antes e pós-privatização.
O BNDES também não teria previsto a obrigatoriedade de aporte de recursos próprios das controladoras para o pagamento das dívidas com o banco e não previu o risco de descasamento de correção entre as receitas em reais das empresas privatizadas e a dívida assumida pelos compradores com variação cambial.
O Ministério Público destaca ainda que também ocorreram irregularidades na renegociação do contrato de financiamento da Lightgás (atual AES Elpa). Para o Ministério Público, a extensão do prazo de carência em 48 meses, sem a adoção de medidas para garantir o crédito do BNDES, permitiu a manutenção dos erros que prejudicavam o contrato.

. Diz Janaina: “A Justiça Federal acolheu uma denúncia do Ministério Publico Federal do Rio de Janeiro contra cinco ex-presidentes do BNDES”.



. Janaina se esqueceu de dizer, em todo o texto, que os cinco foram presidente nomeados pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.



. Quem lê a reportagem assim, rapidinho, pode achar que isso se tenha passado no Governo Rodrigues Alves. Não, foi no Governo FHC.



. Os réus são: Luiz Carlos Mendonça de Barros, Jose Pio Borges, Andréa Calabi, Francisco Gros, e Eleazar de Carvalho Filho.




Fonte: conversaafiada

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Isso tem a ver com Religião??

Prisão de líderes freia projeto da Igreja Renascer
ELVIRA LOBATO
da Folha de S.Paulo, no Rio

A prisão dos fundadores da Igreja Renascer em Cristo, apóstolo Estevam Hernandes e bispa Sônia Haddad Hernandes, nos Estados Unidos, e a ação judicial do Ministério Público de São Paulo contra o casal por lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e estelionato interromperam o megaprojeto de radiodifusão da igreja que estava em andamento.

Levantamento exclusivo da Folha revela que a igreja havia comprado em licitações públicas duas concessões de TV e 23 de rádio, por intermédio de três empresas em nome de dirigentes da instituição. Paralelamente, as empresas e a Fundação Renascer têm 155 pedidos de retransmissoras de TV e de rádios FM educativas no Ministério das Comunicações.

A igreja não se manifestou sobre o assunto. Na quarta-feira, sua assessoria de imprensa foi informada sobre os principais pontos da reportagem. Na quinta, informou que o assunto estava sendo examinado pela assessoria jurídica. Até a noite de sexta, não houve resposta.

O ministro Hélio Costa, das Comunicações, determinou a suspensão de todos os processos, até o término dos processos judiciais, incluindo os das concessões compradas nas licitações públicas que ainda tramitam no governo.

Além disso, a igreja corre o risco de perder a concessão de sua principal geradora: a TV Gospel (SP). O prazo de vigência da concessão, de 15 anos, acabou em 2003. Segundo Costa, a renovação só foi pedida em 2006, o que, em tese, permitiria o cancelamento da concessão.

A TV Gospel ocupa um canal educativo. O ministro quer que a Fundação Evangélica Trindade, dona da concessão, prove que a TV cumpre o papel educativo. O ministro já havia cancelado, no final de janeiro, a autorização que dera para uma retransmissora da TV Gospel, da Renascer, no Espírito Santo.

R$ 20 milhões

Informações obtidas pela Folha em Juntas Comerciais, cartórios e na página do Ministério das Comunicações na internet dão uma visão do megaprojeto de radiodifusão.

Em 1997, as empresas Ivanov, Mello e Bruno e FH Comunicação e Participações foram registradas em nome de bispos, para comprar concessões de rádio e de TV nas licitações públicas do governo. Disputaram 117 licitações, em 2000, e venceram 25.

Segundo especialistas do mercado, elas ofereceram preços muito elevados por concessões no interior, e estariam sem dinheiro para honrar os lances feitos nas licitações, no total de R$ 10,2 milhões. Para instalar as 23 rádios, duas TVs e as 155 retransmissoras solicitadas, a igreja gastaria mais R$ 10,3 milhões em equipamentos.

Até a semana passada, nem o governo tinha visão precisa das empresas ligadas à Renascer. Costa soube, pela reportagem da Folha, que a FH é um braço da igreja. Ela é uma das empresas acusadas pela Promotoria de São Paulo de integrar um suposto esquema de lavagem de dinheiro da Renascer.

Ilegalidade

A FH Comunicação e Participações foi registrada na Junta Comercial de São Paulo, em 1997, em nome da bispa Sônia Hernandes e do filho Felipe Daniel Hernandes, o bispo Tid. Os dois figuram como donos da empresa no cadastro do Ministério das Comunicações, mas a Junta Comercial informa que 100% das cotas mudaram de mãos em 2002, sendo transferidas para um outro casal de bispos da Renascer: Hamilton Gomes e Ana Lúcia Gomes.

A troca não foi comunicada ao ministério, o que tornaria ilegal a vitória da empresa nas licitações. Pelo mesmo motivo, o apresentador de TV Gugu Liberato perdeu uma concessão de TV em Cuiabá, em 2002.

Segundo o ministro Hélio Costa, a legislação só permite a mudança de controle de concessionárias de radiodifusão decorridos cinco anos de funcionamento.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

A incrível briga entre Yeda Crusius e Paulo Feijó

PORTO ALEGRE - Considerado um dos estados mais politizados do país, o Rio Grande do Sul está assistindo a cenas insólitas desde o final de 2006. Em dezembro do ano passado, a então recém-eleita governadora Yeda Crusius (PSDB) comandava uma equipe de transição para assumir no lugar de Germano Rigotto (PMDB). A primeira decisão de impacto de Crusius foi propor a prorrogação de um tarifaço aplicado por Rigotto e um aumento adicional de impostos, contrariando o que havia dito durante toda a campanha eleitoral. Na campanha, ela dizia que propor aumento de impostos era uma prática do “velho jeito de governar”. O vice-governador Paulo Feijó (PFL) acreditou nisso e decidiu bater pé. Participou ativamente dos protestos contra a proposta da futura governadora, que acabou sendo derrotada na Assembléia Legislativa. Entre os aliados de Yeda, Feijó não foi o único a se opor à proposta. Deputados de outros partidos, inclusive do PSDB, acabaram votando contra ela.

O episódio foi apenas o início de uma briga que iria explodir publicamente logo no primeiro mês do governo Yeda-Feijó. Uma briga que, na verdade, teve suas sementes lançadas ainda na campanha eleitoral de 2006. Escolhido para acomodar uma aliança entre PSDB, PFL e PPS, o empresário Paulo Feijó foi escondido da propaganda eleitoral de Yeda. Neoliberal assumido, o ex-presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviço do Rio Grande do Sul (Federasul) é um entusiasta das privatizações e da idéia de Estado mínimo. Sempre disse isso em alto e bom tom. Ao longo de sua trajetória política recente, Yeda Crusius também defendeu essas idéias, apoiando e participando do processo de privatizações levada a cabo no RS pelo governo Antônio Britto (PMDB) e, em nível nacional, pelo governo FHC. Mas, na campanha para o governo gaúcho, Yeda optou por se apresentar de “cara nova”, dizendo apenas que era representante de “um novo jeito de governar”. Assim, na campanha, enquanto ela garantia que não iria privatizar nenhuma empresa pública, Feijó dizia o contrário. Era só o início do que estava por vir.

Fogo amigo e liturgias
As primeiras semanas do novo governo gaúcho confirmaram o que havia acontecido na campanha e no período de transição. O vice-governador foi descartado por Yeda e, sem função definida no governo, passou a fustigar a governadora através de declarações pela imprensa. O “fogo amigo” atingiu inclusive o marido da governadora, o economista Carlos Crusius, que desempenho um papel central na campanha e no período de transição. Feijó acusou a ingerência de Crusius no governo, observando que ele não havia sido eleito para nada e não tinha nenhum cargo no Executivo. O episódio serviu para azedar, definitivamente as relações entre o empresário e o casal Crusius. A partir daí, a situação só iria piorar. O último episódio dessa briga teve seu ápice na quarta-feira (7), quando Yeda Crusius, em entrevista à rádio Gaúcha, bateu forte em Paulo Feijó, reclamando de sua “falta de preparo para a vida pública e de sua irresponsabilidade”.

As declarações foram uma resposta à nota oficial divulgada no dia anterior por Feijó, que tratou das denúncias feitas por ele contra o presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), Fernando Lemos, confirmado por Yeda para permanecer no cargo. O vice-governador advertiu-a sobre os riscos de manter Lemos no cargo, dizendo que sua gestão não resistiria à uma auditoria. Na nota, entre outras coisas, o vice-governador reclama da falta de diálogo por parte de Yeda. Após entregar uma carta à governadora, Feijó pediu uma audiência com a mesma, mas não foi atendido. A resposta veio na entrevista à rádio Gaúcha: “Ele não se preparou para ser uma pessoa pública, não tem o perfil (...) Não sabe respeitar a liturgia do cargo (...) Precisa ter responsabilidade, sentir-se parte do governo e não querer ser um rei (...) Espero que amigos e parentes o ajudem”, disparou a governadora. Se alguém tinha alguma dúvida acerca do rompimento entre as duas principais autoridades políticas do Estado, deixou de tê-las após esse episódio.

“Um inimigo na trincheira”
Feijó tornou-se um sério problema para o governo Yeda Crusius. A governadora trabalha para isolá-lo politicamente, o que vem conseguindo fazer, com a ajuda do próprio vice, que não mede palavras em suas declarações e coleciona atritos. Mas ele ainda é o vice-governador e tem, entre suas atribuições, a de substituir a governadora quando esta se ausentar do Estado por períodos mais longos. Em função disso, Yeda tornou-se uma espécie de prisioneira no Palácio Piratini. Ela foi convidada para ir ao Japão em uma missão oficial e recusou pois não quer transmitir o cargo para o vice. A crise só não adquiriu proporções maiores ainda porque a mídia gaúcha vem tratando o assunto em pequenas notas. A exceção foi um editorial publicado quarta-feira pelo jornal Zero Hora, lamentando a briga: “é doloroso para os rio-grandenses constatar a cada dia o péssimo relacionamento entre a governadora e seu vice. Na falta de um papel claro para desempenhar, ele está se transformando num verdadeiro inimigo na trincheira”.

O editorial reproduz o tom geral da crítica que Yeda Crusius faz ao comportamento do vice; “Tudo bem que discorde da política governamental, especialmente nas áreas do seu conhecimento. É compreensível, inclusive, que manifeste suas opiniões sobre medidas econômicas e políticas que firam as suas convicções. Neste aspecto, pode até praticar um saudável contraponto e estimular os demais integrantes do governo a uma reflexão plural. Só não pode é se aproveitar da imunidade do mandato para boicotar sistematicamente a administração de que faz parte”. Um dos temores, no núcleo duro do governo Yeda, é que a figura do “inimigo na trincheira” se transforme na de um “homem-bomba”. Na tarde de quarta, cresceram os rumores de que Feijó não recuaria da briga e que, além de levar suas denúncias contra o presidente do Banrisul ao Tribunal de Contas do Estado, traria outras novas relativas ao financiamento da campanha eleitoral de 2006.

Preocupação na Assembléia
A guerra entre a governadora e o vice já está repercutindo na Assembléia Legislativa gaúcha. A deputada Stela Farias (PT) anunciou que a Comissão de Serviços Públicos convidará nos próximos dias o vice-governador para prestar esclarecimentos sobre as denúncias envolvendo a gestão de Fernando Lemos, no Banrisul. “Do nosso ponto de vista, o que menos nos importa é a polêmica, que não é nova, entre a governadora Yeda Crusius e seu vice. O que nos preocupa é o prejuízo à imagem do banco público”, disse a deputada, que buscará o apoio das demais bancadas da casa para promover uma audiência pública na Comissão de Serviços Públicos. Feijó ainda não respondeu se aceitará o convite, mas, segundo seus raros aliados no governo, há boas chances de fazê-lo, uma vez que está ficando cada vez mais isolado e sem espaço no governo. Uma clara expressão disso é o tratamento que ele recebe no site do governo do Estado. Na seção de notícias dedicada ao vice-governador, desde o início do governo, há apenas uma nota, em 16 de janeiro, falando de um encontro que ele manteve com o secretário da Fazenda, Aod Cunha.

A estratégia de Yeda Crusius é isolar cada vez mais Paulo Feijó, tentando vencê-lo pelo cansaço. Esse mesmo movimento foi utilizando durante a campanha eleitoral quando se cogitou, inclusive, substituí-lo na chapa. Na época, Feijó disse que não renunciaria de jeito nenhum. Repete o mesmo discurso agora. A crise entre as duas autoridades fragiliza o discurso de eficiência administrativa da governadora. Nos últimos dias, uma pergunta repete-se no Estado: quem foi mesmo que escolheu Feijó como vice? Originalmente, o empresário seria candidato a senador pelo PFL, mas um acordo entre este partido, o PSDB e o PPS, colocou-o como vice da chapa, ficando a vaga do Senado para o PPS. O “novo jeito de governar” anunciado por Yeda nasceu marcado por uma escolha de conveniência que está cobrando um alto preço agora. Esse preço só não está sendo maior em função da generosidade da mídia local que vem tratando o tema com notável discrição.

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior