POR ROSE ANA DUEÑAS — especial para o Granma Internacional
OS médicos e professores cubanos já são familiares no mundo. Nas últimas cinco décadas, sua solidariedade tem contribuído para a saúde e a educação de milhões de pessoas fora da Ilha e milhares de jovens dos países do Terceiro Mundo estudam gratuitamente em Cuba.
No entanto, muitas pessoas desconhecem a ajuda histórica de Cuba aos movimentos de libertação nacional, nomeadamente na África, por várias razões: em primeiro lugar, pela omissão e/ou deturpação dessa história nos meios de comunicação social; em segundo, pela discrição necessária para proteger a vida dos lutadores, tanto cubanos quanto outros; e finalmente, pelo silêncio modesto dos indivíduos cujas ações contribuíram para mudar a história do mundo.
No passado, os inimigos da Revolução aproveitaram este desconhecimento — inclusive, do mesmo povo cubano — para difundir mentiras e calúnias, visando desacreditar Cuba e os movimentos antiimperialistas.
Tentaram comparar os internacionalistas cubanos com mercenários europeus e norte-americanos. Também afirmaram que Cuba só foi a Angola como fantoche da URSS, criando assim uma imagem completamente falsa dos fatos, e outros repetem a idéia de que o sacrifício não valeu a pena.
Na verdade, a única coisa que os cubanos jamais tiraram de Angola — um país rico em diamantes e petróleo ambicionado pelos imperialistas — foi seus mortos. Além disso, os cubanos determinaram prestar ajuda militar ao novo governo independente só depois, e não antes, de informarem os soviéticos.
Mas, agora, o governo cubano, as Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e os mesmos combatentes estão preenchendo esse vazio de informação sobre o que é chamado em Cuba da "epopéia da África".
AGORA PODEMOS FALAR
"Durante certo tempo, preferimos que os próprios povos fizessem a história", comentou o membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, Jorge Risquet, um dos organizadores da colaboração cubana com Angola.
"Contudo, já decorreram 30 anos. Agora, os que fomos protagonistas daquelas façanhas, daqui a uns anos, já não estaremos mais. Por isso, é melhor que, os que estivemos aí, escrevamos a história. Foi resolvido desclassificar uma série de documentos secretos que foram arquivados durante certo tempo."
Risquet convesou com o Granma Internacional, após um encontro, em 26 de maio passado, do qual participaram 190 dos 437 combatentes cubanos que cumpriram missão na Guiné-Bissau e em Cabo Verde no período de 1966-74.
Organizada pela Associação de Combatentes da Revolução Cubana, se realizou uma reunião destes veteranos, por ocasião do 41º aniversário do início da ajuda a essa luta pela libertação nacional, que fez com que os portugueses compreendessem que o colonialismo na África não podia se manter por mais tempo, como afirmou o general-de-brigada (aposentado) Harry Villegas "Pombo", Herói da República de Cuba, máximo dirigente das missões cubanas na África e vice-presidente da Associação de Combatentes.
Ao lado de Risquet, estava o coronel (aposentado) Pedro Rodríguez Peralta, que comandou as forças cubanas no front sul da Guiné-Bissau e foi preso pelos portugueses desde 1969 até 1974.
"Atualmente, não há combatentes na África, mas sim batas brancas, o exército de batas brancas (referindo-se à ajuda solidária médica)", sublinhou Risquet.
DOIS DOCUMENTÁRIOS NOVOS
A guerra, de per si, não é gloriosa: traz morte e penúrias. Em Angola, esse povo e os cubanos enfrentaram um inimigo que assassinou civis inocentes, como a notória chacina de Cassinga; e às vezes, foram presas da fome e da solidão.
Houve, ademais, heroísmo. Foram ensinados a ler e escrever aqueles que não sabiam. Foram atendidas as vítimas das forças invasoras. Os comboios cubanos de mantimentos fizeram milagres entre a floresta e a caatinga. Compartilharam tudo com seus irmãos africanos na luta, inclusive, na glória, como na decisiva batalha de Cuito Cuanavale, o princípio do fim para o regime racista da apartheid na África do Sul.
Operação Carlota e A Epopéia de Angola, documentários realizados pelo jornalista cubano Milton Díaz Cánter para a televisão cubana, e transmitidos nos finais de 2005 e de dezembro de 2006 a 1º de maio de 2007, respectivamente, são fruto do empenho do realizador, para que os protagonistas preservem e narrem esta historia verdadeira.
Díaz Cánter, combatente internacionalista que cumpriu duas missões em Angola (1976-1977 e 1985-1986), capta a dor, o orgulho e a convicção revolucionária dos combatentes cubanos, muitos deles, bem novos.
O primeiro documentário, Operação Carlota, que mostra dezenas de testemunhos de cubanos sobre a missão militar em Angola — cujo nome em código era operação Carlota — foi dividido em três etapas históricas. Foi transmitido em Cuba nos finais de 2005, por ocasião do 30º aniversário da operação Carlota, cujo nome foi tomado de uma escrava africana que, com um facão na mão, dirigiu uma revolta de escravos na província de Matanzas, em 1843.
O segundo documentário, A Epopéia de Angola, é composto por 22 capítulos — 11,05 horas de duração no total — e inclui, além de imagens valiosas e inéditas, entrevistas a centenas de cubanos e africanos. Destaca não só dirigentes, mas também homens e mulheres comuns que mudaram a história para sempre.
"Os dois seriados foram vertidos para outras línguas; de fato, foram realizados levando em conta sua difusão em outros países", disse Díaz Cánter. Agora está trabalhando num seriado curto (de três horas de duração) para terminar nos finais deste ano uma versão resumida de Epopéia.
LIVROS ÚTEIS
Um livro essencial para compreender a presença cubana na África é Missões em Conflito: Havana, Washington e África, 1959-1976. (2002, University of North Carolina, Chapel Hill), de Piero Gleijeses, professor da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. Este volume é fruto de muitos anos de pesquisas, incluindo o acesso que teve o autor aos arquivos cubanos, europeus e norte-americanos, bem como entrevistas com oficiais e líderes africanos.
É completado com Cuba e África: História Comum de Luta e Sangue, de Piero Gleijeses, Jorge Riquet e Fernando Remírez de Estenoz (editora Ciencias Sociales, 2007), dividido em três partes: um ensaio sobre a presença cubana na África de 1975 a 1988; o discurso de Risquet pelo 40º aniversário da missão no Congo, e um ensaio sobre a solidariedade cubana nesse continente desde a década de 1980 até hoje.
Eis outros livros:
• Cem horas com Fidel (2006, várias editoras, em espanhol, francês, italiano e inglês), de Ignacio Ramonet.
• Passagens da Guerra Revolucionária: Congo (editora Grijalbo-Mondadori, 1999), de Ernesto Che Guevara. (O diário do general-de-brigada Harry Villegas "Pombo" no Congo está em processo de publicação pela Editora Política).
• De la Sierra del Escambray al Congo. En la vorágine de la Revolución Cubana (Pathfinder, 2002; Editora Política o publicará neste ano), de Víctor Dreke Moja.
• Secretos de generales: desclasificado (editora SIMAR, 1996), de Luis Báez.
• Histórias secretas de médicos cubanos (Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005), de Hedelberto López Blanch.
• El segundo frente del Che en el Congo. Historia del batallón Patricio Lumumba (editora Abril, 2000), de Jorge Risquet.
• Operação Carlota (Revista Verde Olivo), de Milton Díaz Cánter. Compilação de transcrições do documentário.
• Nuestra historia aún se está escribiendo: La historia de tres generales cubano-chinos en la revolución cubana (Pathfinder, 2005), de Armando Choy, Gustavo Chui e Moisés Wong.
• Cangamba (Verde Olivo, 2006), de Jorge Martín Blandino.
• A Batalha de Cabinda (Verde Olivo, 2000), de Ramón Espinosa Martín.
• Vitória a sul de Angola (Verde Olivo, 2006), de Pedro Hedí Campos Perales.
• Angola: Saeta al norte (editora Letras Cubanas, 2003), de Jorge R. Fernández Marrero e José Ángel Gárciga Blanco.
• Trueno justiciero, mis campañas en cielo angolano (editora José Martí, 1998), de Humberto Trujillo Hernández.
O presidente Fidel Castro, no discurso proferido por ocasião do 30º aniversário da missão militar em Angola, e do 49º do desembarque do iate Granma, Dia das Forças Armadas, em 2 de dezembro, disse:
"A história da pilhagem e do saque imperialista e neocolonialista da Europa na África, com o apoio dos Estados Unidos e da OTAN, assim como a solidariedade heróica de Cuba com os povos irmãos, não têm sido suficientemente conhecidas, embora só fosse como estímulo merecido às centenas de milhares de homens e mulheres que escreveram aquela página gloriosa que, para exemplo destas e das futuras gerações, jamais deveriam ser esquecidas. Tudo isso não contradiz a necessidade de continuar divulgando-a."
Solidariedade revolucionária
APÓS a vitória da Revolução, a primeira nação à qual Cuba demonstrou sua solidariedade foi a Argélia, onde lutavam para derrubar o colonialismo francês. Em 1961, um navio cubano levou armas à guerrilha e voltou carregado de feridos e órfãos. Depois, tropas cubanas foram à Argélia para defender suas fronteiras ameaçadas. Além disso, foi o primeiro de muitos países africanos a receberem médicos e pessoal da saúde cubana, tanto os que viviam em paz como aqueles que travavam guerra.
De 1964 a 1965, a chefatura do país respondeu ao pedido das forças de libertação nacional no antigo Congo-Léopoldville — hoje República Democrática do Congo — e o comandante Ernesto Che Guevara, junto a dezenas de combatentes cubanos, foram lutar com eles; outro grupo foi enviado ao antigo Congo-Brazzaville. Nesse tempo, o colonialismo português enfrentava vários movimentos de independência entre os povos da África subsaariana. Em 1966, os cubanos prestaram sua ajuda — militar, médica e material — às forças antiimperialistas do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), depois de uma década de luta armada, Portugal reconheceu sua derrota e em 10 de setembro de 1974, a Guiné-Bissau alcançou sua independência. Também os cubanos combateram junto aos revolucionários de Moçambique e da Etiópia e ajudaram os nascentes governos independentes a fundarem e treinarem suas forças armadas.
De 1975 a 1990, uns 400 mil cubanos abandonaram suas famílias e cruzaram os mares para lutarem voluntariamente ao lado do povo angolano, que, após se ter independizado de Portugal, enfrentava as invasões dos regimes da África do Sul e do Zaire e as forças contra-revolucionárias aliadas a esses governos e apoiadas pelos Estados Unidos. Mais de 2 mil internacionalistas cubanos entregaram suas vidas para defenderem a independência de Angola, alcançarem a da Namíbia e contribuírem decisivamente para a derrubada do regime racista da apartheid na África do Sul.
Muitos cubanos participaram destas lutas, alguns que combateram no Congo também lutaram — e morreram — por exemplo, em Angola.
"Os cubanos vieram a nossa região como médicos, professores, soldados, especialistas agrícolas, mas nunca como colonizadores", afirmou o líder sul-africano Nelson Mandela. "Estiveram nas mesmas trincheiras conosco durante a luta contra o colonialismo, o subdesenvolvimento e a apartheid. Centenas de cubanos entregaram suas vidas numa luta que era, em primeiro lugar, nossa e não deles. Juramos que nunca esqueceremos este exemplo extraordinário de internacionalismo desinteresseiro."