quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Nazismo: a conexão norte-americana

Como se deu a intensa colaboração intelectual entre o nazismo e cientistas e personalidades dos EUA, nos anos 1920 e 30. Por que Hitler encantou-se com Henry Ford. Omitidos pela história oficial, fatos sugerem repensar as relações entre modernidade, homogenização e totalitarismo

Michael Löwy e Eleni Varikas

Certos autores, como Daniel Goldhagen, tentam explicar o nazismo como uma perversidade anti-semita exclusivamente alemã. Outros, como Ernst Nolte, com um espírito visivelmente apologético, falam de comportamento "asiático" ou de imitação dos bolcheviques. E, se o racismo e o anti-semitismo nazistas tinham origens ocidentais [1] e, até mesmo, filiações norte-americanas? Entre as leituras favoritas dos fundadores do Terceiro Reich encontra-se o livro de um personagem norte-americano bastante representativo: Henry Ford. Aliás, as doutrinas científicas e as práticas racistas políticas e jurídicas dos Estados Unidos tiveram um impacto não negligenciável sobre as correntes equivalentes na Alemanha.

Essa conexão norte-americana remonta, antes de tudo, à longa tradição da fabricação jurídica da raça — uma tradição que exerce grande fascínio sobre o movimente nazista desde suas origens. Realmente, por razões históricas ligadas, entre outras, à prática ininterrupta, durante séculos, da escravatura dos negros, os Estados Unidos representem, talvez, o único caso de uma metrópole que exerceu tão cedo, e no seu próprio território, uma classificação racista oficial como fundamento da cidadania. Isso se dá por meio das definições da "brancura" e da "negritude" que, apesar de sua instabilidade, perduram há três séculos e meio como categorias jurídicas, e também por políticas de imigração admiradas por Adolf Hitler desde os anos 1920. Ou ainda, por práticas de esterilização forçada praticadas em determinados Estados, várias décadas antes da ascensão do nazismo na Alemanha. A conexão norte-americana, embora não seja a única, oferece um terreno privilegiado para repensar as origens propriamente modernas do nazismo, e suas continuações inconfessas com determinadas práticas políticas das sociedades ocidentais (inclusive democráticas).

Denunciar o anti-semitismo e o genocídio judeu é, hoje, um dos importantes componentes da cultura política dominante nos Estados Unidos. Tanto melhor. Impera, em contrapartida, um silêncio incômodo sobre alianças, afinidades e conexões entre personagens importantes da elite econômica e científica dos Estados Unidos com a Alemanha nazista. Foi somente ao longo dos últimos anos que surgiram livros que abordam diretamente essas questões embaraçosas. Duas dessas obras merecem uma atenção particular: The Nazi Connection. Eugenics, American Racism and German National Socialism [2], de Stefan Kühl, e The American Axis. Henry Ford, Charles Lindbergh and the Rise of the Third Reich [3], de Max Wallace. Stefan Kühl é um universitário alemão que fez pesquisas nos Estados Unidos e Max Wallace, um jornalista norte-americano estabelecido há muito tempo no Canadá.

Políticas de migração racistas e esterilização forçada nos EUA seduziram nazistas

"Atualmente, existe um país no qual podemos ver os primórdios de uma melhor concepção da cidadania", escreveu Hitler em 1924. Ele se referia ao esforço dos Estados Unidos para manterem a "preponderância da raça nórdica" por meio de sua política relativa à imigração e à naturalização. O projeto de "higiene racial" desenvolvido em Mein Kampf tomava como modelo o Immigration Restriction Act (1924), que proibia a entrada nos Estados Unidos dos indivíduos portadores de doenças hereditárias, como também de migrantes provenientes da Europa do Sul e do Leste. Quando, em 1933, os nazistas instauraram seu programa para a "melhoria" da população, por meio da esterilização forçada e da regulamentação dos casamentos, eles se inspiraram abertamente nos Estados Unidos, onde vários Estados já aplicavam há décadas a esterilização dos "defeituosos", uma prática sancionada pela Suprema Corte em 1927.

O estudo notável de Stefan Kühl rastreia essa sinistra filiação, pesquisando os estreitos laços que se tecem entre os eugenistas norte-americanos e os alemães, no período entre as duas guerras; as trocas de idéias científicas e de práticas jurídicas e médicas. Bem documentada e defendida com rigor, a tese principal do autor é: o apoio contínuo e sistemático dos eugenistas norte-americanos aos seus colegas alemães, até a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, e sua adesão à maioria das medidas da política racial nazista constituíram uma fonte importante de legitimação científica do Estado racista de Hitler.

Contrariamente a uma parte considerável da historiografia dominante, Kühl mostra que os eugenistas norte-americanos que se deixaram seduzir pela retórica nazista da limpeza racial não eram um punhado de extremistas ou de marginais, mas um grupo considerável de cientistas cujo entusiasmo não se atenuou quando a retórica nazista tornou-se realidade. O estudo das transformações dessas relações entre as duas comunidades científicas permite ao sociólogo e historiador alemão evidenciar a múltipla influência que os "progresssos" da eugenia norte-americana (notadamente a eficácia de uma política de imigração que "combinava a seleção étnica e eugenista") exerceram sobre os adeptos da limpeza racial. Kühl também aponta o sucesso que obteve o movimento eugenista dos EUA ao conseguir que fossem adotadas as leis a favor da esterilização forçada.

Enquanto, na República de Weimar, os trabalhadores sociais e os responsáveis pela saúde pública preocupavam-se em reduzir os gastos com a proteção social, os especialistas em higiene racial estavam com os olhos voltados para as medidas de esterilização forçada, praticadas em diversos Estados da América do Norte para reduzir o custo com os "deficientes". A referência aos Estados Unidos, primeiro país a institucionalizar a esterilização forçada, abunda em todas as teses médicas da época. Uma das explicações comumente utilizadas para interpretar esse status de vanguarda do qual gozava a eugenia norte-americana era a presença dos negros, que teria "obrigado, muito cedo, a população branca a recorrer a um programa sistemático de melhoria da raça". Essa mesma explicação será apresentada mais tarde pelos apologetas norte-americanos do regime nazista, como o geneticista T. U. H. Ellinger, que comparava a perseguição dos judeus ao tratamento brutal dos negros nos Estados Unidos.

Até a II Guerra, eugenistas norte-americanos aplaudem e colaboram com Hitler

Com a ascensão do nazismo, os eugenistas norte-americanos, a exemplo de Joseph De Jarnette, membro do movimento de esterilização de Virgínia, descobrem, surpresos e fascinados, que "os alemães nos superam no nosso próprio jogo". O que não impede — ao menos até os Estados Unidos entrarem na guerra (dezembro de 1941) — o apoio ativo às políticas racistas dos nazistas, como também o silêncio da grande maioria dos eugenistas diante da perseguição dos judeus, ciganos e negros.

Na verdade, a comunidade eugenista não foi homogênea, como demonstram as acusações virulentas de cientistas como Herman Muller e Walter Landauer; as do geneticista progressista L.C. Dunn e do célebre antropólogo Franz Boas. Mas, contrariamente aos dois últimos, que eram críticos da eugenia, Muller e Landauer faziam uma crítica científica do nazismo. Ao mesmo tempo em que negavam a hierarquia das raças, reconheciam a necessidade de aperfeiçoar a espécie humana por meio da reprodução de indivíduos "capazes" e da proibição da reprodução dos indivíduos "inferiores".

O Capítulo 6 do livro de Kühl, (Ciência e racismo: A influência de diferentes conceitos de raça sobre as atitudes em relação às políticas racistas nazistas) apresenta um desmentido à tese canônica, segundo a qual as tendências "pseudocientíficas" da eugenia norte-americana — responsáveis pela lei racista de 1924 sobre a imigração — teriam dado lugar, a partir dos anos 1930, a uma eugenia progressista, mais "científica", totalmente dissociada da higiene racial.

A complexa tipologia que o autor constrói demonstra que as diferenciações no seio do movimento eugenista norte-americano nada têm a ver com seu futuro mais "científico". Ele sublinha que a luta no interior da comunidade científica internacional a respeito da política racial nazista era, antes de tudo, uma luta entre posições científicas divergentes, relativas ao aperfeiçoamento da raça e aos meios científicos, econômicos e políticos de consegui-lo.

Por isso, o autor propõe duas noções que considera necessárias para a compreensão do fenômeno estudado — "racismo étnico" e "racismo genético". O primeiro foi condenado abertamente pelo tribunal de Nuremberg. Já o segundo foi mais difícil. A maioria dos higienistas raciais não foi julgada pela esterilização forçada de 400 mil pessoas. E pesquisas recentes mostraram que uma parte da acusação tentou apresentar os massacres em massa e as experiências nos campos de concentração como práticas separadas da "eugenia autêntica".

Henry Ford: bem mais que um retrato na parede do Fuhrer

Em 1939, T. U. H. Ellinger escreveu, no Journal of Heredity, que a perseguição aos judeus não era uma perseguição religiosa, mas "um projeto de criação em grande escala, visando eliminar da nação os caracteres hereditários da raça semítica". E acrescentava: "Mas quando se trata de saber como o processo de criação pode ser realizado com maior eficácia, uma vez que os políticos julgaram-no de utilidade econômica, a ciência pode ajudar até os nazistas". Alguns anos mais tarde, Karl Brandt, médico responsável pelo programa de eliminação das pessoas deficientes físicas, declarava perante os seus juízes que esse programa tinha sido baseado em experiências norte-americanas, algumas das quais datavam de 1907. Ele citava, para sua defesa, Alexis Carel, que foi nome de um centro de estudos francês até há pouco tempo atrás [4].

A obra de Max Wallace analisa as relações com o nazismo de dois ícones norte-americanos do século 20: o construtor automobilístico Henry Ford e o aviador Charles Lindbergh. Esse, consagrado herói da aviação depois de ter atravessado pela primeira vez o Atlântico (1927), desempenha um significativo papel político, nos anos 1930, como norte-americano simpatizante do Terceiro Reich e, a partir de 1939, como um dos organizadores (juntamente com Ford) da campanha contra Roosevelt, acusado de desejar intervir na Europa contra as potências do Eixo.

Menos conhecido, o caso de Ford é mais importante. Como demonstra muito bem Max Wallace — é um dos pontos fortes do seu livro — a obra The International Jew (O judeu internacional), de Ford, inspirado pelo mais brutal anti-semitismo, teve um impacto considerável na Alemanha. Traduzida a partir de 1921 para o alemão, ela foi uma das principais fontes do anti-semitismo nacional-socialista e das idéias de Adolf Hitler. Em dezembro de 1922, um jornalista do New York Times, em visita à Alemanha, contou que "a parede situada atrás da mesa de Hitler, no seu escritório particular, é decorada com um grande quadro representando Henry Ford". Na ante-sala, uma mesa estava coberta por exemplares de Der Internationale Jude. Um outro artigo do mesmo jornal norte-americano publicou, em fevereiro de 1923, as declarações de Erhard Auer, vice-presidente da Dieta bávara, acusando Ford de financiar Hitler, por ser favorável ao seu programa que previa "o extermínio dos judeus na Alemanha".

Wallace observa que tal artigo é uma das primeiras referências conhecidas aos projetos exterminadores do dirigente nazista. Em 8 de março de 1923, em uma entrevista para o Chicago Tribune, Hitler declarou: "Nós consideramos Heinrich Ford como o líder do movimento fascistifascisti bávaros" [5]. Em Mein Kampf, publicado dois anos mais tarde, o autor presta homenagem a Ford, o único indivíduo que resiste aos judeus na América (mas sua dívida para com o industrial é bem maior). As idéias do International Jew estão onipresentes no livro, e certas passagens são extraídas quase que literalmente — em particular no que se refere ao papel dos conspiradores judeus nas revoluções ocorridas na Alemanha e na Rússia. crescente na América. Admiramos, particularmente, sua política anti-judia, que é a mesma da plataforma dos

Um livro que influenciou alguns dos maiores dirigentes nazistas

Alguns anos mais tarde, em 1933, já tendo o partido nazista assumido o poder, Edmund Heine, gerente da filial alemã da Ford, escreveu ao secretário do industrial norte-americano, Ernest Liebold, para contar-lhe que The International Jew era utilizado pelo novo governo para educar a nação alemã na compreensão da Questão Judaica [6]. Ao reunir essa documentação, Max Wallace estabeleceu, de forma incontestável, que o empresário automobilístico dos EUA fazia parte das mais significativas fontes do anti-semitismo do nacional-socialista.

Como lembra Max Wallace, Hitler concedeu a Henry Ford, em 1938, a Grande Cruz da Ordem Suprema da Águia Alemã — uma distinção criada em 1937 para homenagear as altas personalidades estrangeiras — por intermédio do cônsul alemão nos Estados Unidos. Anteriormente, a medalha, uma cruz de Malta cercada de suásticas, havia sido concedida a Benito Mussolini.

Entretanto, Wallace não explica por que, considerando a abundância de trabalhos anti-semitas europeus, particularmente alemães, o autor de Mein Kampf era fascinado pela obra estadunidense. Por que ele decorou seu escritório com o retrato de Henry Ford, ao invés de decorá-lo com o de Paul Lagarde, Moeller van der Bruck e muitos outros ilustres ideólogos anti-semitas alemães? Além do prestígio associado ao nome do industrial, parece que três razões podem explicar esse interesse pelo The International Jew: a modernidade do argumento, seu vocabulário "biológico", "médico" e "higienista"; seu caráter de síntese sistemática, articulando, em um discurso grandioso, coerente e global, o conjunto das diatribes anti-semitas do pós-I Guerra; e sua perspectiva internacional planetária, mundial.

Wallace mostra, baseado em documentos, que Hitler não foi o único dos dirigentes nazistas a sofrer a influência do livro editado em Dearborn. Baldur von Schirach, líder da Hitlerjugend [7] e, mais tarde, gauleiter [8] de Viena, declarou, durante o processo de Nuremberg, em 1946: "O livro anti-semita decisivo que li naquela época, e o livro que influenciou meus colegas foi o de Henry Ford, O Judeu Internacional. Eu o li e me tornei anti-semita". Joseph Goebbels e Alfred Rosenberg figuram, igualmente, entre os dirigentes que mencionaram tal obra entre as referências importantes da ideologia do Partido Nacional-socialista Alemão (NSDAP) [9].

Indagações incômodas sobra a relação entre Ocidente, Modernizade e Terceiro Reich

Em julho de 1927, ameaçado de um processo de difamação e preocupado com a queda das vendas dos seus automóveis, Ford retratou-se devidamente. Em um comunicado da imprensa, afirmou, sem corar, que "não tinha sido informado" sobre o conteúdo dos artigos anti-semitas publicados no Dearborn Independent, e pedia aos judeus "perdão pelo mal involuntariamente causado" pelo panfleto The International Jew [10]. Considerado pouco sincera por uma boa parte da imprensa norte-americana, a declaração, entretanto, permitiu a Ford eximir-se da responsabilidade penal. Ela não o impediu de continuar a apoiar, clandestinamente, uma série de atividades e de publicações de caráter anti-semita [11].

"Henry Ford, precursor do nazismo" foi amplamente ocultado nos Estados Unidos, em benefício do grande industrial, criador do automóvel fabricado em série e vendido a preços baixos. Era esse homem que o escritor inglês Aldous Huxley apresentava ironicamente, em sua distopia Admirável Mundo Novo (1932), como uma divindade moderna, com a oração dirigida ao "Our Ford" substituindo a antiga, dirigida ao "Our Lord" ("Nosso Senhor").

O longo silêncio é compreensível. O "caso" Henry Ford levanta questões delicadas sobre o lugar do racismo na cultura norte-americana e sobre as relações entre nossa "civilização ocidental" e o Terceiro Reich, entre a modernidade e o mais delirante anti-semitismo, entre o progresso econômico e a regressão humana. Aliás, o termo "regressão" não é pertinente: um livro como The International Jew não poderia ter sido escrito anteriormente ao século 20, e o anti-semitismo nazista também é um fenômeno radicalmente novo. O dossiê Ford lança uma luz crua sobre as antinomias daquilo que Norbert Elias chamava de "o processo civilizatório".

Tradução: Maria Alice Farah
alicefarah@uol.com.br



[1] Conforme a demonstração feita por Hannah Arendt, no que diz respeito ao colonialismo, imperialismo e anti-semitismo europeus, no primeiro e no segundo volume do livro As Origens do Totalitarismo. Para uma atualização e enriquecimento desta tese, cf. Enzo Traverso, La violence nazie, Paris, La Fabrique, 2002.

[2] Stefan Kühl, The Nazi Connection. Eugenics, American Racism and German National Socialism, Oxford University Press, Nova Iorque, 1994.

[3] Max Wallace, The American Axis. Henry Ford, Charles Lindbergh and the Rise of the Third Reich, St. Martin’s Press, Nova Iorque, 2004.

[4] A faculdade de medicina Lyon-I, até 1996

[5] Max Wallace, The American Axis, pp.45-46.

[6] Max Wallace, The American Axis, p. 130.

[7] Juventude Hitlerista (Nota da Tradutora).

[8] Chefe de um gau (distrito) da Alemanha nacional-socialista (Nota da Tradutora).

[9] Max Wallace,‭ ‬The American Axis,‭ ‬p.42,‭ ‬57

[10] Max Wallace,‭ ‬The American Axis, ‬pp.‭ ‬31-33.

[11] A respeito das conexões filonazistas de Ford nos anos 1930, e sobre sua aliança com Lindbergh, cf. Max Wallace,The American Axis, Ch. 5, "Hate by proxy"., pp. 124-145 et Ch. 9, "America First", pp. 239-266.

Michael Brecker & Pat Metheny, in "Every day I thank you, Tv Special.

Jimi Hendrix, in "Wild thing", Live, Los Angeles

Creedence Clearwater Revival - 1973 - Live Europe

Creedence Clearwater Revival - Live Europe


Copiado de:Mate-Couro

Perguntas que têm sido caladas

Emir Sader * Adital -
Perguntas que têm sido caladas
1. Por que nenhum grande traficante brasileiro - similar ao colombiano detido recentemente aqui - está preso? São presos ou mortos dirigentes locais do tráfico nas favelas ou em outras zonas periféricas das grandes cidades, mas que se revelam ser pessoas "pé-de-chinelo", sem grande riqueza, incomparáveis, por exemplo, a esse traficante colombiano. Quem são os correspondentes no Brasil, que têm que existir, dada a imensa quantidade de recursos que o tráfico e suas atividades paralelas movimenta diariamente? Por que não se busca, via sistema bancário, suspendendo ou abolindo o segredo bancário, essas riquezas e seus detentores?
2. Por que - como no caso de Renan Calheiros - só quando um político passa a sofrer acusações públicas, é que saem à tona enorme quantidade de irregularidades de sua vida? A imprensa não sabia? (A mãe do filho dele trabalhou durante anos na TV Globo, era personagem muito conhecida em Brasília, impossível que não se soubesse do problema.) Ou era conivente? Ou esse personagem era funcional à direita, tempo no qual se deixava correr suas ilegalidades, para pilhá-lo quando deixasse de lhes ser útil? Cada caso desses, com ramificações de ilegalidades de personagens que estão na vida nacional há muitos anos, é uma acusação à imprensa: incompetente ou conivente?
3. Por que o governo deixa o Banco Central atuar de forma praticamente independente, assistindo que a política monetária comande a política econômica e não o inverso? Por que o governo se conforma que os bancos ganhem como nunca?
4. Por que donos de empresas da mídia entregam na mão dos seus filhos as direções dos grupos que dominam a imprensa no país, de forma totalmente oligárquica e nepotista, e ainda assim esses órgãos consideram que podem dar lições de democracia, dizer que e como se é democrático? Por que não existe democracia nas redações dos jornais, televisões, rádios e revistas? E por que se pode dizer o mesmo do Vaticano: um Estado teocrático se julga em condições de julgar quem é democrático e quem é ditatorial?
5. Por que um país que tenta fazer aprovar uma decisão do Conselho de Segurança da ONU para invadir o Iraque, não consegue, se une a um aliado tradicional e, contra a ONU, invade o Iraque, destrói o país, o faz mergulhar numa guerra civil, se apropria do seu petróleo, destrói suas bibliotecas e museus, não é chamado de imperialista?
6. Por que os ditadores brasileiros são chamados pela mídia monopolista de "ex-presidentes"? Quem os elegeu? Com delegação de quem? Não tomaram o poder pela força e governaram com a ponta da baioneta, contra a vontade do povo, tendo atacado e destruído a democracia? E por que toda referência a Fidel Castro tem que vir acompanhada de "o ditador"?
Governo não consultou rádios comunitárias para elaborar Lei

Adital -
A Coordenação de Rádios Comunitárias do Uruguai (Ecos), em comunicado público, repudia o projeto de Lei para a Radiodifusão Comunitária que se encontra atualmente na Câmara de Senadores para ser votado. Segundo a Coordenação, eles promoverão a luta contra o Projeto de Lei que consideram ‘inconsulto’, "que promove a censura prévia e que mantém o outorgamento de freqüências a decisão do Poder Executivo, ou seja: do governo da vez".
Segundo a Ecos, o Projeto contradiz os princípios das rádios comunitárias formados em vários documentos aprovados pela Ecos; não respeita a forma organizativa da Ecos, exigindo Pessoa Jurídica e colocando outros empecilhos burocráticos que desvirtuam a natureza de coletivos horizontais que orientam essa atividade; mantém a discrença do Poder Executivo na administração das freqüência.

Ademais "reconhece e legitima à URSEC, que para nós, é um órgão repressor que ainda mantém equipamentos confiscado das rádios comunitárias; e contém aspectos punitivos, já que mantém em vigência um decreto de lei imposto na ditadura (Decreto Lei 14670) onde se estabelecem sanções àquelas rádios que, com critérios pouco claros para definir casos pontuais, transgrediram ditas normativas".

A Coordenação entende que as rádios comunitárias devem ser controladas pela sociedade; ser de expressão direta; sem fins de lucro; de propriedade e gestão coletiva; na qual a comunidade e as organizações sociais se expressam diretamente; sem condicionamentos de organizações políticas, estatais ou religiosas; resgatando assim a independência de classe e a autonomia das organizações sociais de nosso povo, não é o que se observa no Projeto.

"Esse Projeto de Lei não é nosso Projeto de Lei; não promove realmente a participação social nas comunicações e suspeitamos que várias rádios de nossa coordenação Ecos, não vão ser contempladas na regularização prevista; finalmente, sobre essa base, cremos que não se está direcionando para democratizar o espectro radioelétrico, mas sim estreitá-lo para controlar as vozes do povo", disse o comunicado.

A Lei de Radiodifusão uruguaia deveria contemplar todas as rádios comunitárias que estejam transmitindo no momento de ser aprovada a lei, desde que não tenha fins de lucro, objetivos religiosos ou partidários. Também a Lei deveria explicitar os requisitos técnicos que o Poder Executivo e a Ursec objetivam e permitir que as próprias rádios comunitárias auto-regulem o espectro radioelêtrico.

A democratização da comunicação passa pela construção de meios de comunicação nos quais o povo possa ouvir e falar. Mas os grupos comerciais que há anos controlam os meios no Uruguai fazem de tudo para que não haja mudanças efetivos no sentido de democratizar a informação: "Nossa crítica toma distância da crítica que fazem os ‘blancos’ e ‘colorados’ (partidários do Partido Blanco e Colorado, respectivamente) que estiveram sempre do lado dos poderosos, e que é óbvio que esta regularização atenta contra seus interesses".

Brasil - Salvemos a escola pública

Frei Betto

Antes de ingressar na faculdade, em 1964, estudei oito anos em escola pública. Como ocorre agora com as universidades, em geral elas superavam em qualidade os colégios particulares. Além da inigualável vantagem de serem gratuitas.
Hoje, nossas escolas públicas de ensino básico estão sucateadas. Foram deterioradas pela má administração pública, a corrupção, o descaso para com alunos e professores. Há, no Brasil, 55 mil escolas públicas. Segundo a OCDE, apenas 0,2%, ou seja, 160 alcançam um índice de desempenho considerado médio.
Adotam-se no Brasil, para classificar nossas escolas de ensino básico, o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), feito por amostragem, e o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que dá nota de 0 a 10 às instituições de ensino, tendo por critério o desempenho dos alunos na Prova Brasil, exame aplicado a todos os alunos de 4a e 8a séries.
Em todo o país, apenas 160 escolas mereceram nota 6 ou acima. Nas séries iniciais do ensino fundamental nossa nota é 3,8. Os cursos de 5a a 8a séries ganharam nota 3,5. No ensino médio, 3,4. A meta do MEC, estimulado pela campanha "Compromisso Todos pela Educação", é que a maioria de nossas escolas atinja a nota 6 em 2021. O Ideb atual da Holanda é 7; do Reino Unido, 6,5. Há no Brasil colégios, raros, que receberam nota 8,5, como a Escola Professora Guiomar Gonçalves Neves, em Trajano de Morais (RJ). É a de melhor qualidade no país.
Será que daqui a 15 anos - véspera do bicentenário da independência do Brasil - alcançaremos a meta almejada? No Estado do Rio, 20 mil crianças não freqüentam salas de aula por falta de professores. O índice nacional de reprovação é 11,9%. A distorção idade/série é 17,3%.
O que faz uma boa escola? Muitos fatores, entre os quais disciplina, ou seja, não tolerar atrasos de alunos; contar com professores efetivos e qualificados (mestrado, doutorado ou especialização) trabalhando em tempo integral; remunerar dignamente o corpo docente; aumentar a permanência do aluno na escola; contar com oficinas de música, teatro e artes plásticas; laboratórios de idiomas, ciências e informática; grêmio estudantil; salas de leitura e vídeo etc.
O MEC promete que o governo haverá de liberar, ainda este ano, R$ 30 milhões para as escolas urbanas, e R$ 66 milhões para as rurais. As 5 mil escolas com piores índices no Ideb terão direito, cada uma, a módicos R$ 6 mil para investirem em infra-estrutura, material pedagógico e apoio metodológico. Através de sistema de educação à distância - a Universidade Aberta do Brasil -, o MEC pretende qualificar 2 milhões de professores do ensino básico.
Recente pesquisa realizada pela Unesco, em parceria com o governo federal, comprovou que 82,4% dos alunos reprovados no ensino fundamental culpam a si mesmos pelo fracasso. A mesma pesquisa indica que a culpa não pode ser atribuída às crianças. Ela recai na falta de motivação dos professores, na péssima infra-estrutura das escolas e no fato de diretores e professores não darem importância à realidade pessoal e familiar do estudante.
Não se pode culpar uma criança de 10 anos pelo fracasso escolar. No entanto, se isso não fica claro para ela, se não se sente valorizada na escola e querida pelos professores, ficará com sentimento de derrota, o que pode revoltá-la ou levá-la ao desânimo precoce.
A maioria de nossos estudantes chega à 4a série com dificuldade de leitura e redação. Falta estímulo ao professor, muitas vezes submetido à carga excessiva de trabalho, sem condições de aprimorar sua qualificação e humilhado por salário irrisório.
Em fins de junho, o Banco Mundial divulgou o relatório "Jovens em situação de risco no Brasil". As conclusões preocupam: nossos jovens entre 15 e 14 anos matam e morrem mais, iniciam a vida sexual cada vez mais cedo e são vulneráveis às drogas. Dados da Secretaria Nacional da Juventude mostram que, hoje, 9,5 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam e estão desempregados. Desses, 4,5 milhões não completaram o ensino fundamental. É entre estes que se inclui a maioria dos assassinos e dos assassinados.
O que fazer diante desse quadro aflitivo? Pressionar o poder público? Sim. Votar ano que vem em vereadores e prefeitos comprometidos com a prioridade Educação? Também. Mas por que não reunir as famílias de seu bairro ou comunidade e promover um mutirão para a melhoria das escolas públicas da região? Por que não assegurar instrução e/ou emprego a um ou dois desses 9,5 milhões de jovens vulneráveis ao narcotráfico?

* Frei Dominicano, escritor (Autor de "Alfabetto - autobiografia escolar", Ática, entre outros livros).

Um Ano Antes!!!!! Inesquecível.....

Parte I



Parte II


Líder cubano ensina como ''ler a linguagem do inimigo''


''É útil estudar o que o adversário faz e diz agora mesmo". A advertência é de uma notável intervenção de Ricardo Alarcón, presidente da Assembléia do Poder Popular de Cuba, no painel A democracia e o socialismo do século 21, dia 1º de agosto, em Caracas. Veja a íntegra, que vem de ser reproduzida no sítio cubano Cuba Debate (cujo lema é ''Contra o terrorismo midiático'').


Alarcón: todo mundo fala de Fukuyama, mas quem o leu?

Alla Glinchikova, do Instituto de Estudos sobre a Globalização e os Movimentos Sociais, da Rússia, referia-se neste fórum à utilização da linguagem do inimigo. Há que conhecer essa linguagem, e também as ideias do inimigo.


É preciso ler Margaret Thatcher


Concordo em que não haverá no século 21 um só socialismo e sim vários socialismos, que partem das experiências anteriores e que sem dúvida devemos estudar a fundo. Mas não basta que nós os de esquerda, os socialistas, os revolucionários e os que assim pensam aprofundem e meditem só entre si. Para entender o que ocorreu na União Soviética é preciso ler, por exemplo, as memórias de Margaret Thatcher – The Path to Power e The Downing Street Years –, que vejo raramente citadas nos círculos da esquerda e que falam directamente na linguagem do inimigo.


A senhora Thatcher explica como foi decisiva a estratégia acertada entre ela e [Ronald] Reagan, que provocou uma viragem na Guerra Fria e a corrida armamentista com a chamada Guerra das Estrelas. Provocaram uma ferida mortal na URSS. Obrigaram a sociedade soviética, que queria ser socialista, a investir desenfreadamente na defesa. Que outra coisa podia fazer a URSS, se aquilo que a acometia era nada menos que uma guerra a partir do espaço?


Conseguiram identificar as lacunas que teria a sociedade e descobriram que tinham de obrigar os soviéticos a desperdiçar recursos e inteligência em objetivos que não eram socialistas. A senhora Tatcher diz que a guerra das estrelas a princípio pareceu-lhe uma loucura, mas depois compreendeu que este era um objetivo principal a fim de por fim ao socialismo soviético e à Guerra Fria. E assim foi.


O que quero dizer com isto? Que não só é útil olharmos para nós mesmo, a partir de nós mesmos, como também estudar o que o adversário faz e diz agora mesmo. Isto traz outro problema e em certas ocasiões um enorme desafio para todos nós: por vezes é preciso esperar décadas para conhecer textos-chave onde se pormenoriza o que fez o inimigo, assim como o que deve estar fazendo agora mesmo.


As previsões da CIA para 2015


Quando analisamos o mundo hoje, gosto muito de recorrer a um documento em inglês elaborado pela Agência Central de Inteligência (CIA): por muito poder de imaginação que tenham os revolucionários, é bom ver como a CIA vê o mundo e o futuro. Numa análise que a Agência tornou pública, intitulada Tendências globais para 2010 (Global Trends 2010), que no ano 2000 atualizaram até 2015 (Global Trends 2015) , projetaram quatro cenários da possível evolução do mundo, tendo em conta todos os fatores: econômico, político, tecnológico...


Estes quatro cenários do capitalismo neoliberal globalizado, com diferentes possibilidades de desenvolvimento, chegam a um mesmo ponto: a influência dos Estados Unidos da América continuará a declinar. No entender dos analistas da CIA, que levaram em conta informações de fontes científicas planetárias muito diversas, antes dos famosos atentados do 11 de Setembro de 2001, o mundo já vivia no declínio do poderio norte-americano e previam para o futuro diferentes cenários, todos com essa característica comum.


Estou certo de que esse relatório foi lido pelos conservadores norte-americanos, os mesmos que elaboraram a política de uma administração que por vezes é julgada com certa rudeza – como irresponsável, aventureira, etc. Não é isso; eles estão cumprindo uma missão: tentar deter esse declínio que eles sabem inevitável e reverter – digamos, à moda antiga – ''a marcha da História''.


Autocrítica do fim da história


Retornemos ao idioma do inimigo e citemos pessoas que não são da nossa própria filiação ideológica. Quero mencionar Francis Fukuyama, possivelmente o homem mais citado na última década do século passado. Todo mundo fala dele. Nem todo o mundo leu o seu livro mais famoso, mas todos conhecem a sua tese fundamental.

Quantos leram os seus estudos posteriores ao seu célebre O fim da História?
Fukuyama publicou este ensaio em 1992, mas não teve que esperar muito tempo para fazer uma séria autocrítica e uma crítica ao pensamento neoconservador, ao assinalar que o mundo não podia ser governado. Bastaram dez anos a esse burocrata norte-americano para reconhecer o erro e gravidade dessa política, para admitir que, apesar de haver emergido vitoriosa e como única superpotência, os Estados Unidos não podem reinar, como ele próprio acreditava nos inícios dos anos 90.


Outro investigador que não costuma ser mencionado nos círculos da esquerda é o senhor Jospeh Schumpeter, auto-norte-americano que em 1942 publicou um livro – Capitalism, Socialism and Democracy – onde formulou uma teoria que lhe acarretou muitíssimos cascudos dos seus colegas acadêmicos. Ainda não lhe perdoam sua declaração desconcertante: ''Uma forma de socialismo surgirá inevitavelmente da também inevitável decomposição do capitalismo''.


A única discordância que tenho com o famoso prognóstico de Schumpeter é sobre a quantidade das formas de socialismo que surgirão. Inclino-me antes a pensar que não surgirá uma e sim umas quantas formas de socialismo.


Ele imaginou a situação atual: a vitória final do capitalismo em escala global e que, quando chegasse essa fase, inevitavelmente iria se manifestar sua decomposição e inevitavelmente se expressaria uma forma de socialismo. Uma das grandes ironias do século 20 é que a confrontação Leste-Oeste, a grande batalha que significou a Guerra Fria – que nunca chegou a desencadear-se mas que pôs o mundo em constante inquietação –, foi ganha pelo imperialismo norte-americano; e contudo, ao ganhá-la começou a percorrer a sua fase de derrota.


Na América Latina, por razões que foram aqui mencionadas, vivemos uma etapa que nos permite não só avançar com formas independentes do socialismo como ser um ponto de referência para outros que também começam a dar-se conta de que não foi tão real a vitória do capitalismo, nem a história se deteve tão abrutamente como disse Fukuyama.


Revolução socialista, mas à cubana


Se aprofundarmos a nossa história, vamos verificar que na nossa região contamos precisamente com as expressões mais autênticas do socialismo, com uma visão criadora, anti-dogmática, inclusive nos dias iniciais desse modelo na Europa. Impressionou-me muitíssimo a leitura do artigo dedicado a Lênin, após a morte deste, por Julio Antonio Mella – principal dirigente e fundador do Partido marxista-leninista de Cuba.


Mella publicou-o em Fevereiro de 1924 num jornal do Partido Comunista de Cuba e intitulou-o Lênin coroado. Ninguém no nosso país, naquele momento, prestou tamanho tributo nem tantas homenagens a Lênin como Mella. Ele falava de uma figura que indubitavelmente respeitou e a quem quis muitíssimo. Mas advertiu que não aspirava reproduzir em Cuba a experiência bolchevique, que não queria comunistas que seguissem a linha de outro partido, que o que seu partido se propunha era contar com seres humanos pensantes, que não fossem dirigidos, nem domesticados, nem disciplinados por outros, e sim que estivéssemos ''sempre a pensar com a nossa cabeça'', ''seres pensantes, não seres conduzidos. Pessoas, não bestas''. Este rapaz – ainda não havia completado 21 anos – disse que Cuba queria uma revolução socialista, mas à cubana.


Além desta figura, há que recordar o paradigma dos revolucionários latino-americanos, José Carlos Mariátegui [fundador do Partido Comunista do Peru], que também exprimiu algo semelhante há décadas: que o socialismo na América não será um decalque nem cópia e sim criação heróica. Se é criação, não pode ser um só, tem que ser diverso, deve fundar com heroísmo um socialismo aqui e outro acolá. É o que estamos vivendo, como afirmou o presidente Rafael Correa: ''não uma época de mudança e sim uma mudança de época'', que tem a ver com esta fase declinante do imperialismo norte-americano.


Uma teoria para a fase atual do capitalismo


Faz-nos falta uma teoria para a fase atual do capitalismo globalizado neoliberal, que tenta deter sua queda e reimpor-se sobre o mundo.


Por que os Estados Unidos gastam hoje muito mais em recursos militares do que todos os países da Terra juntos, mais do que quando havia Guerra Fria? Por que essa incessante produção de novos e novos instrumentos de morte de guerra? Para atacar a União Soviética? Para atacar o Eixo do Mal? Claro que não.


Por um lado, é o reflexo de uma economia enferma numa sociedade enferma – Margaret Thatcher sabia que aquele armamentismo irracional precipitaria a destruição da URSS, enquanto nos Estados Unidos e a Grã Bretanha significava mais lucros para os monopólios e a indústria armamentista. E, por outro lado, caso se produzam estas ofensivas tão violentas que copiam o fascismo e reproduzem os mecanismos da época da Guerra Fria, é porque eles estão na defensiva, cercados diante do avanço dos povos.


Sem dúvida faz-nos falta uma teoria para a fase do capitalismo neoliberal que tenta deter a sua queda. Vivemos num mundo que nos oferece muitas possibilidades, mas que também tem grandes riscos, ilustrado com infinitas evidências no atual regime norte-americano. Não sei o que vai se passar nas próximas eleições, mas o que não tenho a menor dúvida é que o senhor que hoje está na Casa Branca não chegou ali por acaso. É o resultado da ação dos grupos de poder que existem nos Estados Unidos, cuja mentalidade deveria causar pelo menos ansiedade e grande preocupação a todo o ser humano minimamente responsável.


Onde está Luis Posada Carriles?


A América Latina é testemunha de como, para impedir a queda, eles são capazes de recorrer a qualquer coisa. Eu cometeria uma falta imperdoável se não mencionasse porque digo isto. Aos jornalistas que me fazem as perguntas de sempre – como está Fidel?, quando volta ao poder?, etc – respondo: onde está Luís Posada Carriles? É o que deveriam perguntar; e, a propósito, denunciar que há mais de dois anos a República Bolivariana da Venezuela solicitou a extradição deste homem, para que prossiga o julgamento que aqui se fazia.


Perante as duas possibilidades que tem – extraditá-lo para a Venezuela ou julgá-lo imediatamente nos Estados Unidos, como obrigam os acordos internacionais – Bush descobriu uma fórmula melhor: ignorar o assunto, não fazer caso.


Algum dia pode ser que conheçamos alguns documentos escritos na língua do inimigo onde estes senhores expliquem como foi que se conluiaram na obscuridade para salvar Posada Carriles.


Que significa isso na prática? Simplesmente dizer a Cuba, à Venezuela e aos demais povos desta região que o que torturou, o que assassinou, o que mandou matar tanta gente inocente, vai continuar a contar com o favor dos Estados Unidos. E ao mesmo tempo apresenta-nos a outra face da moeda: a situação dos Cinco Cubanos, com quadro prisões perpétuas e 75 anos de prisão, por descobrir os planos dos Posadas Carriles que eles protegem para que se dediquem a exercer o terrorismo contra os nossos países.


The New York Times publicou na semana passada as declarações do Departamento de Justiça acerca de Leandro Aragocillo, um norte-americano de origem filipina condenado por espionagem. Apreenderam com ele nada mais nada menos que 733 documentos secretos da Casa Branca, do Pentágono, do Departamento da Defesa e de outros. Condenaram-no a dez anos de prisão. Tenho compatriotas meus condenados a quatro prisões perpétuas sem que lhes houvessem encontrado nem um pedacinho de papel comprometedor. Condenaram-os sem apresentar provas, e além disso depois de o tribunal ouvir os depoimentos das testemunhas que ali compareceram, e disseram não haver ali espionagem alguma. A moral: prisão perpétua se tu vais vigiar Posada Carriles, dez anos de prisão se tu realmente praticas a espionagem, inclusive na Casa Branca.


O Departamento da Justiça acrescentou uma frasezinha que me emocionou, francamente: dez anos é a pena máxima; se tiver bom comportamento na prisão, o filipino pode sair muito antes.


Nossos cinco companheiros são professores nas suas prisões: ensinam inglês, matemática, espanhol. Trabalham nos escritórios dessas prisões com uma disciplina exemplar. Jamais foram criticados por mau comportamento. Mas estarão encerrados por quatro vidas e 75 anos só por combater o terrorismo.


Qual é a mensagem para os nossos povos? Foi implantado nos Estados Unidos um regime que é capaz de Não são absolutos, mas têm força suficiente para destruir a Terra e a todos nós. Por isso, num momento de auge das aspirações revolucionárias, particularmente na América Latina, num momento de grandes possibilidades e também de enormes desafios, necessitamos muito pensamento, muita reflexão e sobretudo muita união.


O original encontra-se em Cuba Debate (http://www.cubadebate.cu); a partir da tradução de Resistir; intertítulos do Vermelho