quarta-feira, 28 de novembro de 2007


A BELA DA TARDE (1967)
Belle de Jour (França)
Bella di Giorno (Itália)

Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Luis Buñuel, Jean-Claude Carrière
Produção: Henri Baum, Raymond Hakim, Robert Hakim
Fotografia: Sacha Vierny
Edição: Louisette Hautecoeur
Design de Produção: Robert Clavel
Figurino: Yves Saint-Laurent
Efeitos Sonoros: Pierre Davoust, René Longuet
País: França, Itália
Gênero: Comédia Dramática
Tempo de Duração: 100 minutos
Prêmios: Festival de Veneza - Prêmio Leão de Ouro (Luis Buñuel)
Festival de Veneza - Prêmio Pasinetti de Melhor Filme
Sindicato dos Críticos de Cinema, França - Prêmio da Crítica de Melhor Filme
Indicações: Academia Britânica - Indicado ao Prêmio de Melhor Atriz (CatherineDeneuve)
RMVB Legendado
Cor




Elenco:
Catherine Deneuve .... Séverine Serizy
Jean Sorel .... Pierre Serizy
Michel Piccoli .... Henri Husson
Geniviève Page .... Madame Anais
Pierre Clémenti .... Marcel
Françoise Fabian .... Charlotte
Macha Méril .... Renee
Muni .... Pallas
Maria Latour .... Mathilde
Francisco Rabal



Sinopse:
A história de Séverine (Catherine Deneuve), jovem rica e infeliz que procura um discreto bordel para realizar suas fantasias sexuais e conseguir o prazer que seu marido não consegue lhe dar.

Links Rapidshare em quatro partes:
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As oligarquias contra a democracia

Emir Sader - CartaMaior

É uma lei de ferro da história: as oligarquias dominantes lutam sempre desesperadamente para não perder o poder que controlam, a ferro e fogo, há séculos. Quando o povo e as forças populares ameaçam esse poder, elas apelam para a violência. Primeiro apelavam diretamente à intervenção militar dos EUA, depois, às FFAA, formadas e coordenadas com os EUA. Agora seguem suas estratégias de violência e obstáculo aos processos de democratização no continente, onde quer que ele se dê, sob a forma que seja.

Essas ações violentas são parte da história do nosso continente. As mais recentes foram os golpes militares, que derrubaram governos eleitos legitimamente pelo povo, para substituí-los por ditaduras militares, demonstrando a tese enunciada acima: no Brasil, na Argentina, no Chile, no Uruguai, na Bolívia, a violência introduziu regimes de terror em todo o cone sul.

São partidos políticos, personagens da política tradicional, grandes empresas privadas, corporações empresariais, que apoiaram e tiveram gigantescos benefícios durante as ditaduras militares, que hoje encarnam a direita latino-americana, disfarçados de democratas, opondo-se aos novos avanços populares. São os mesmos que apoiaram as ditaduras, as intervenções norte-americanas, a violência contra o povo, que agora resistem à vontade democrática da maioria.

Eles estão perdendo em praticamente todas as eleições, quando o monopólio oligárquico da mídia não consegue convencer o povo de que seus interesses representam o país. Perdem na Argentina, no Brasil, no Equador, na Bolívia, na Venezuela. E aí apelam de novo para a violência e as tentativas de ruptura da democracia, quando esta não lhes serve mais, porque o povo passa a reconstruir democracias com alma social.

Órgãos de imprensa que promoveram os golpes militares, apoiaram as ditaduras e se beneficiaram com elas – na Argentina, no Brasil, na Bolívia -, que apoiaram tentativas de golpe – na Venezuela -, que pregaram os processos de privatização que dilapidaram os Estados latino-americanos – agora vestem roupas “democráticas” e pretendem brecar os processos de transformação em curso. Querem contrapor a violência e as ameaças aos movimentos populares que colocam em prática processos de nacionalização, de integração regional, de políticas sociais favoraveis às grandes maiorias da nossa população, sempre desconhecidas pelas oligarquias tradicionais, os direitos dos povos indígenas e negros, das mulheres, dos jovens, crianças e idosos, do meio ambiente, de democratização dos meios de comunicação.

A Bolívia, situada no coração do continente, concentra hoje as principais ações da direita oligárquica contra os processos de democratização que se desenvolvem na América Latina. As oligarquias brancas, que privatizaram os patrimônios fundamentais do Estado e do povo boliviano, que apoiaram regimes ditatoriais e participaram deles, que tentaram impedir, por séculos, que as grandes maiorias indígenas acedessem ao poder, que desenvolvem campanhas racistas sistemáticas de discriminação, tentam agora impedir que a vontade majoritária do povo boliviano realize, pela primeira vez na história desse país, as políticas de um governo dirigido por um líder indígena.

Apesar da campanha eleitoral racista – em que 92% das notícias foram contrárias a Evo Morales e com caráter racista, conforme atestou a comissão internacional de acompanhamento da cobertura de imprensa -, o povo boliviano – de que 64% se reconhece como indígena – elegeu, em dezembro de 2005, a Evo Morales, no primeiro turno, com a maior votação que um presidente boliviano já obteve.

A reação das oligarquias locais não se fez esperar, assim que o governo passou a cumprir sua plataforma de campanha, nacionalizando os recursos naturais, convocando a Assembléia Constituinte, desenvolvendo políticas de distribuição de renda, começando o processo de reforma agrária, avançando na integração latino-americana, reconhecendo os direitos dos povos indígenas. Embora derrotada na grande maioria dos estados, a direita boliviana, apoiada na estrutura de seus partidos tradicionais, conseguiu eleger 6 governadores, mesmo onde Evo Morales havia triunfado e, baseado neles, tenta promover a divisão do país. Ou ameaça com ela, para tentar manter o poder regional sobre a terra, os recursos naturais, os impostos sobre as exportações e o poder para continuar submetendo aos povos indígenas.

Com minoria na Assembleia Constituinte, a direita tenta desestabilizar o pais, mediante mobilizações violentas, com metralhadoras, pistolas, bombas molotov, querendo bloquear o direito soberano e majoritário do povo boliviano de decidir o carater multi-étnico, multi-nacional, da nova Cosntituição. Usam os mesmos métodos violentos de sempre, se valem da atuação da embaixada dos EUA e de governos europeus, que alentam a oposição, preocupados em defender as empresas transnacionais que sempre exploraram a Bolivia, em conluio com essas forças que agora se rebelam contra a vontade popular.

Perder o poder sobre a terra, sobre os recursos naturais, que passam às mãos do povo boliviano, democrático representado pelo governo de Evo Morales, além do reconhecimento dos direitos de autonomia dos povos indígenas – torna-se insuportável para uma oligarquia que acostumou-se à apropriação privada do país para realizar seus interesses particulares.

O povo boliviano se pronunciará sobre o projeto de nova Constituição, aprovado pela maioria dos delegados e dotará ao país, pela primeira vez na sua história, de uma estrutura política e jurídica democrática e pluralista. Conta com o apoio popular na Bolívia e com a solidariedade dos povos e governos democráticos da América Latina.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Beleza Roubada,
de Bernardo Bertolucci



Sinopse:
Após o suicídio de sua mãe, uma jovem de 19 anos (Liv Tyler) viaja para a Itália, com o propósito aparente de reencotrar alguns amigos e ter seu retrato pintado, mas planeja rever especialmente um jovem com quem ela dera seu primeiro beijo, quatro anos antes. Simultaneamente pretende decifrar um enigma que foi encontrado no diário da sua mãe, mas gradativamente sua presença exuberante transforma a vida dos seus amigos.

Título Original: Stealing Beauty
Gênero: Drama
Origem/Ano: ITA/FRA/UK/1996
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Bernardo Bertolucci e Susan Minot

Formato: rmvb
Áudio: Inglês/Francês/Alemão/Espanhol/Italiano
Legendas: Português
Duração: 118 min
Tamanho: 386 MB
Partes: 4
Servidor: Rapidshare
Créditos: RapaduraAzucarada - Zé Qualquer

Elenco:
Liv Tyler (Lucy)
Carlo Cecchi (Carlo Lisca)
Sinéad Cusack (Diana)
Joseph Fiennes (Christopher)
Jason Flemyng (Gregory)
Anna-Maria Gherardi (Chiarella Donati)
Jeremy Irons (Alex)
Jean Marais (M. Guillaume)
Donal McCann (Ian)
D.W. Moffet (Richard)
Ignazio Oliva (Osvaldo Donati)
Stefania Sandrelli (Noemi)
Francesco Siciliano (Michele Lisca)
Rebecca Valpy (Daisy)
Alessandra Vanzi (Marta)
Rachel Weisz (Miranda)






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segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Quanto Vale ou é por Quilo?,
de Sergio Bianchi



Sinopse:
Uma interessante comparação entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração das empresas, através de duas histórias: a de um capitão-do-mato que captura uma escrava fugitiva, e a de uma jovem que descobre que a caridade de um projeto na periferia é, na verdade, uma fachada para esconder um superfaturamento. Baseada na obra Pai Contra Mãe de Machado de Assis.

Gênero: Drama
Origem/Ano: BRA/2005
Direção: Sergio Bianchi
Roteiro: Sabina Anzuategui e Eduardo Benain

Formato: rmvb
Áudio: Português
Duração: 108 min
Tamanho: 352 MB
Partes: 4
Servidor: Rapidshare
créditos:RapaduraAzucarada - Zé Qualquer

Elenco:
Caco Ciocler
Milton Gonçalves
Lázaro Ramos
Caio Blat
Ana Carbatti
Cláudia Mello
Herson Capri
Zezé Motta
Ana Lúcia Torre






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ISTVÁN MÉSZÁROS E SUA ARDOROSA DEFESA DA HUMANIDADE

Por Ricardo Antunes*

O filósofo marxista István Mészáros é um autor referencial para tantos que lutam contra a lógica destrutiva que preside o mundo contemporâneo. Aluno e colaborador direto do filósofo húngaro G. Lukács, com que trabalhou diretamente na Universidade de Budapesp, na primeira metade dos anos 1950, tornou-se, dentre todos os antigos colaboradores de Lukács, o que mais efetivamente contribuiu para a realização de uma obra original, crítica e devastadora em relação às tantas mistificações hoje presentes.

Mészáros iniciou sua vida como operário na Hungria. Quando chegou à Universidade, destacou-se pelo brilhantismo, competência e radicalidade. Sempre calibrando a atuação na Universidade com as necessidades vitais da humanidade e a busca de sua transformação, tornou-se desde logo um espírito anticapitalista excepcional. Dotado de erudição enciclopédica, domina economia política, filosofia e teoria social como poucos. Sua obra dialoga criticamente com toda a produção relevante neste século, navegando dos clássicos aos contemporâneos, dotado de uma força invejável.

Uma breve passagem por sua ampla produção seria bom exemplo. Mas basta dizer que seus livros Marx’s Theory of Alienation (1970), The Power of Ideology (1989) e Beyond Capital (1995) – todos publicados pela Boitempo – apareceram em diversos países, do Norte ao Sul do mundo, incluindo a China, a Índia, o Japão, Oriente Médio, sendo inúmeras vezes reedidada.

István Mészáros é Professor Emeritus da Universidade de Sussex (Inglaterra). Trabalhou também em universidades na Escócia, Itália, Canadá, México, sendo que sua obra ecoa em várias partes do mundo, despertando sempre crescente interesse. Seria impossível, nesta breve nota sobre sua trajetória, falar de tantas teses e proposições que marcam a empreitada de István Mészáros. Destaco, então, três teses, das mais originais em seu pensamento.

Em Para Além do Capital empreendeu uma crítica devastadora às engrenagens que caracterizam o sistema do capital. Desde logo o autor, fortemente inspirado em Marx, em contraste com a totalidade da literatura sobre o tema, diferencia capital e capitalismo. O primeiro antecede ao capitalismo e é a ele também posterior. O capitalismo é uma das formas de realização do capital, a forma dominante nos últimos três séculos. Mas, assim como existia capital antes do capitalismo, há capital após o capitalismo (o que o autor denomina como capital pós-capitalista), vigente na URSS e demais países do Leste Europeu, durante várias décadas deste século XX. Estes países, embora pós-capitalistas, foram incapazes de romper com o domínio do capital.

Isso porque, para Mészáros, o sistema de metabolismo social do capital tem seu núcleo central formado pelo tripé capital, trabalho assalariado e estado, três dimensões fundamentais e inter-relacionadas, sendo impossível superar o capital sem a eliminação do conjunto dos elementos que compreende este sistema. Não basta, portanto, eliminar um ou mesmo dois dos pólos do sistema do capital, mas é preciso eliminar os seus três pólos. E essa tese tem uma força explicativa que contrasta com tudo que se escreveu até o presente, sobre o desmoronamento da URSS.

Segunda tese: sendo um sistema que não tem limites para a sua expansão, o capital acaba por tornar-se incontrolável e essencialmente destrutivo. A produção e o consumo supérfluos, a destruição ambiental em escala global, o desemprego e a precarização do trabalho, ambos estruturais, para não falar da política bushiana da “guerra permanente”, são exemplares. Expansionista, destrutivo e, no limite, incontrolável, a forma dominante do sistema do capital é, então, a da crise endêmica, cumulativa, crônica e permanente, o que (re)coloca, como imperativo atual, frente ao espectro da destruição global, a alternativa socialista. Mais um claro contraste com quase tudo que conforma a mesmice do pensamento dominante.

Terceira tese: qualquer tentativa de superar este sistema de metabolismo social que se restrinja à esfera institucional e parlamentar está fadada à derrota. Só um vasto movimento de massas, radical e extraparlamentar, pode ser capaz de destruir o sistema de domínio social do capital e sua lógica destrutiva. Os exemplos aqui são abundantes e bastaria lembrar a derrota cabal do PT e seu governo.

Muitas outras teses poderiam ser indicadas, mas o espaço aqui não permite. Fique a sugestão para que os jovens aceitem o convite para ler uma das obras mais originais, instigantes e críticas, elaboradas por um autor assumidamente de esquerda, neste período que (quase) se parece com o tempo das trevas. Até porque, conforme o sugestivo título do novo livro de István Mészáros - O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico - a humanidade não tem mais muito tempo pela frente...

* Professor Titular de Sociologia do IFCH/UNICAMP e autor de O Caracol e sua Concha (Boitempo), Os Sentidos do Trabalho (Boitempo), Uma Esquerda Fora do Lugar (Ed. Autores Associados) e Adeus ao do Trabalho? (Cortez), dentre outros livros.

Discografia do Raul Seixas



1968 - Rauzito E Os Panteras
1971 - Sessão das Dez
1973 - Krig-ha Bandolo
1973 - Os 24 Maiores Sucessos Da Era Do Rock
1974 - Gita
1975 - Novo Aeon
1976 - Há 10 Mil Anos Atrás
1977 - Raul Rock Seixas
1978 - Mata Virgem
1978 - O Dia Em Que A Terra Parou
1979 - Por Quem Os Sinos Dobram
1980 - Abre-te Sésamo
1983 - Raul Seixas
1983 - Raul Vivo
1984 - Metrô Linha 743
1985 - Let Me Sing My Rock N Roll
1986 - Raul Rock Seixas 2
1987 - Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Be n-Bum
1988 - A Pedra Do Gênesis
1989 - A Panela Do Diabo
1992 - O Baú Do Raul
1995 - Se O Rádio Não Toca
1998 - Documento
1998 - MPB No JT Ao Vivo

Fonte: http://www.baixenamoleza.com

Assim se colonizou a África negra

No século 16, as invasões portuguesa e marroquina iniciaram a desestruturação dos reinos e impérios ao sul do Saara — onde havia cidades de mais de 100 mil habitantes. Após três séculos de guerras, e escravidão ocidental e árabe, a população estaria reduzida a um quarto da original e as sociedades, arrasadas

Louise Marie Diop-Maes

No século 16, na maior parte das regiões da África subsaariana, existiam cidades de tamanho considerável para a época (de 60 mil a 140 mil habitantes ou mais), aldeias grandes (de mil a 10 mil habitantes), parte de reinos e impérios notavelmente organizados, territórios de habitat disperso denso. É isso que revelam os vestígios e escavações arqueológicas, bem como as fontes escritas, tanto externas (árabes e européias, anteriores a meados do século 17) como internas (autóctones, escritas em árabe, língua da religião, ou no latim da Europa). A agricultura, criação de animais, caça, pesca, artesanato muito diversificado (tecidos, metais, cerâmica etc.), navegação fluvial e lacustre, comércio local e distante, com moedas específicas, eram bem desenvolvidos e ativos.

O nível intelectual e espiritual era análogo ao do Norte da África na mesma época. O grande viajante árabe do século 14, Ibn Battuta, louva a segurança e a justiça encontrada no império do Mali. Antes da utilização de armas de fogo, o comércio árabe permanecia secundário em relação à atividade econômica e ao volume da população. Leão, o Africano (início do século 16), menciona que o rei de Bornu (região chadiana) organizava apenas uma expedição por ano para capturar escravos [1].

A partir do século 16, a situação modifica-se radicalmente. Os portugueses penetram ao sul da foz do rio Congo, conquistam Angola, destróem os principais portos da costa oriental e alcançam o atual território de Moçambique. Os marroquinos atacam o império songai, que resiste durante nove anos. Os agressores dispõem de armas de fogo; os subsaarianos, não. Milhares de habitantes são mortos ou capturados e condenados à escravidão. Os vencedores se apossam de tudo: homens, animais, provisões, objetos preciosos e o que mais possam pegar.

Reinos e impérios são pulverizados em principados — levados a guerrear com freqüência cada vez maior, a fim de ter prisioneiros que possam ser trocados, principalmente por fuzis, indispensáveis na defesa e no ataque. Populações são deslocadas — provocando novos choques, campos de refugiados, a propagação de um estado de guerra latente até o coração do continente. As investidas militares multiplicam-se, ao ponto de atingir, no nordeste da África Central do início do século 19, o número de 80 por ano, segundo o erudito tunisiano Mohamed el Tounsy, que viajou por Darfur e Ouaddaï (atual Chade) nessa época [2]. A porcentagem de cativos em relação ao conjunto da população aumenta continuamente, entre o século 17 e o fim do 19. “Distritos outrora densamente povoados foram reconquistados pelo mato” ou pela floresta [3].

A partir das invasões portuguesa e marroquina,
toda a estrutura social entra em colapso

O tecido sócio-econômico e político-administrativo, que fora constituído aos poucos, se corrompe e arruína inteiramente. Nos locais onde o cultivo de alimentos e a obtenção de água são difíceis, as pessoas vêem-se, com freqüência, reduzidas à auto-subsistência. Uma regressão enorme ocorre em todos os domínios. O destino dos cativos se agrava. Uma nova categoria social nociva emerge: a dos agentes comerciais, dos encarregados de caravanas, dos intérpretes, dos intermediários, dos abastecedores — os “colaboracionistas” da época, enfim. Alguns príncipes tentam, em vão, se opor a esse comércio cada vez maior de seres humanos. Mas o rei de Portugal responde negativamente às cartas de protesto de Alfonso, o rei do Congo — convertido ao cristianismo. Um de seus sucessores é reduzido ao silêncio pelas armas. O mesmo em Angola.

O posto de comércio francês no Senegal fornece armas aos mouros para que ataquem o damel [4], que não autoriza a passagem das caravanas de escravos. É portanto a demanda externa que provoca uma enorme disseminação e proliferação da escravidão na África negra.

No começo, os reis entregavam apenas os condenados à morte. Mas os portugueses desejam efetivos mais volumosos, que eles próprios se encarregam de capturar, atacando sem qualquer outro pretexto. De 1575 a 1580, Dias Novais, primeiro governador de Angola, expedia cativos a um ritmo de 12 mil por ano em média [5]. É duas vezes mais, só partindo de Angola, que todo o tráfico transaariano na mesma época, se tomarmos como referência, por exemplo, os números colhidos pelo historiador norte-americano Ralph Austen.

No século 17 e, principalmente, no 18, a maior parte dos armadores europeus — sobretudo os holandeses, ingleses e franceses — dedica-se a tal tráfico marítimo ultra-lucrativo. Na segunda metade do século 18, atingem-se números extraordinários: exceto nos anos de guerra entre franceses e ingleses, centenas de navios embarcam de 150 mil a 190 mil cativos por ano [6]. A insegurança generalizada e crescente multiplica a penúria, fome, doenças locais e, pior de tudo, doenças trazidas de fora — particularmente, a varíola. As endemias se instalam e as epidemias se alastram.

Guerras, tráfico de escravos, queda da natalidade: um enorme déficit demográfico reduz a um quarto a população

Surge um enorme déficit demográfico. Ele é devido, em primeiro lugar, a todos os que morreram por causa dos ataques e durante as transferências do interior para os pontos de partida e os entrepostos; aos que se suicidaram e aos revoltosos executados no momento do embarque; aos óbitos resultantes da multiplicação das investidas e das guerras internas provocadas pela desarticulação de entidades políticas, pela fuga das populações, pela vontade cada vez maior de fazer prisioneiros; aos mortos pela fome (após pilhagem de colheitas e estoques) e por doenças de todo tipo; aos que padecem devido à introdução de armas de fogo e álcool adulterado, ao retrocesso da higiene e dos conhecimentos adquiridos.

A todos esses mortos somam-se os cativos e cativas arrancados do subcontinente. O próprio número de nascimentos entra em queda, devido à desarticulação da sociedade. Como durante a Guerra dos Cem Anos, que levou a França a perder metade de sua população, o decréscimo se fez de maneira irregular, variando conforme a região. Acentua-se fortemente a partir do fim do século 17. De meados do século 18 em diante, o decrescimento global é maciço e rápido.

É possível avaliar esse decrescimento? Para medir os efeitos demográficos da Guerra dos Cem Anos na França, comparamos o número de residências existente antes da guerra com o número contabilizado depois. Na África, tanto quanto na Índia, não dispomos de registros de batismos e outros, mas sabemos, a partir dos viajantes e exploradores do século 19, que, na parte ocidental, as maiores aglomerações não contavam com mais de 30 mil a 40 mil habitantes. Eram, portanto, cerca de quatro vezes menores do que as maiores cidades do século 16.

Segundo os mesmos testemunhos, pode-se observar que a diferença era ainda maior entre a população rural ou entre o número de combatentes que um príncipe ou um líder guerreiro podia arregimentar. Será a relação aproximada de 4 para 1, observada na África Ocidental, representativa da diminuição do conjunto da população africana negra entre os séculos 16 e 19? Do cabo das Palmas [7] ao sul de Angola, as perdas foram ainda mais elevadas. Gwato (Ughoton), o porto de Benin, contava 2 mil residências quando os portugueses lá chegaram e não mais que 20 ou 30 quando os exploradores do século 19 apareceram [8]. O historiador norte-americano William G. Randles mostra que a população de Angola havia igualmente se reduzido em proporções imensas [9]. Por outro lado, as regiões do Chade, no interior, permaneceram bastante povoadas até cerca de 1890 — com cidades de 3 mil habitantes em 1878.

A mesma destruição da Guerra dos Cem Anos na Europa,
porém por mais de três séculos...

No atual Sudão, o despovoamento começa com a dominação escravista do paxá egípcio Mohammed Ali, em 1820. Na África Oriental, os planaltos elevados, como em Ruanda e Burundi, permanecem densamente povoados, em torno de 100 habitantes por quilômetro quadrado, contrariamente ao que se deu na região do lago Niassa. Na África do Sul, a partir da primeira metade do século 19, a ação dos ingleses se soma à dos bôeres [10] para dizimar as populações autóctones. No conjunto, parece razoável considerar que a população da África negra era, no século 19, três a quatro vezes menor do que no século 16.

Mas será possível saber o tamanho da população da África negra perto de meados do século 19? A conquista colonial (artilharia contra fuzis de tráfico), o trabalho forçado multiforme e generalizado, a repressão das numerosas revoltas por meio do ferro e do fogo, a subalimentação, as diversas doenças locais e, de novo, as doenças importadas e a continuação do tráfico oriental reduziram ainda mais a população que baixara para quase um terço, já em 1930. Nessa época, medidas administrativas e sanitárias propiciaram a retomada do crescimento demográfico, que foi cada vez maior.

Essa avaliação foi possível porque, com a presença européia no interior dos territórios, certos dados estatísticos foram acrescentados às fontes narrativas [11]. Em 1948-1949, um recenseamento geral e coordenado foi efetuado em toda a África subsaariana. Após a correção por falta de declaração, a população foi estimada em, aproximadamente, 140 a 145 milhões de pessoas. Pode-se supor que, em 1930, a população somava de 130 a 135 milhões de indivíduos. Esses representavam, então, dois terços da população aproximada das décadas de 1870-1890 — cerca de 200 milhões. Segundo o resultado de minhas pesquisas, a população era da ordem de pelo menos 600 milhões (uma média de 30 habitantes por km2) no século 16 . Os números antigos de 30 a 100 milhões são totalmente imaginários, como bem o mostrou Daniel Noin, ex-presidente da Comissão de População da União Geográfica International (IGU, segundo as iniciais em inglês) [12].

Entre meados do século 16 e 19, a população subsaariana decaiu em cerca de 400 milhões. Desse total, a porcentagem dos que foram deportados do litoral e do Sahel é impossível de precisar, em função do volume do contrabando e do número muito elevado de clandestinos, antes e depois da proibição do tráfico. Segundo diversas fontes e pesquisas, os números oficiais para o tráfico europeu são, na realidade, o dobro [13]. As estimativas do tráfico árabe são também aleatórias. Para fornecer uma ordem de grandeza, digamos que o número, para os dois tráficos somados, deva se situar entre 25 e 40 milhões. Continua ainda um tanto discutível, mas não resta dúvida que as estimativas frágeis não dão conta da enormidade das dissimulações. Cerca de 90% da perda de população deveram-se a mortes ocorridas na própria África. Isso se explica pela situação de grave insegurança no conjunto do território, que persistiu por quatro séculos, resultado dos efeitos destrutivos, diretos e indiretos, de dois tráficos simultâneos, cada vez mais intensos.

Uma Guerra dos Cem Anos que durou três séculos, com as armas da Guerra dos Trinta Anos, e depois as dos séculos seguintes. A conquista e a ocupação colonial determinaram, de forma permanente, a dependência do exterior, tanto cultural como econômica, e tornaram, problemática, a reestruturação do conjunto subsaariano e de cada uma de suas regiões. Não faz nem dez anos que a África negra recuperou o nível populacional que detinha no século 16. E o fez de forma muito desequilibrada, devido à congestão das capitais.



[1] Jean-Léon l’Africaine, Description de l’Afrique, Paris, Adrien-Maisonneuve, 1956.

[2] Pierre Kalck, Histoire de la République centrafricaine, Paris, Berger Levrault, 1995.

[3] Charles Becker, "Les effets démographiques de la traite des esclaves en Senegambie", em De la traite de l’esclavage, actes du Colloque de Nantes, t. 2, Nantes-Paris, CRHMA e SFHOM, 1988.

[4] Título dado aos soberanos animistas do reino de Cayor (Senegal).

[5] William G. Randles, De la traite à la colonisation: les Portugais en Angola, em Annales ESC, 1969.

[6] Idem.

[7] Localizado na fronteira entre o que são hoje a Libéria e a Costa do Marfim, margem Norte do Golfo da Guiné (Nota da edição brasileira)

[8] Raymond Mauny, Les siècles obscurs de l’Afrique, Paris, Fayard, 1970

[9] Charles Becker, op. cit.

[10] Colonizadores holandeses (e franceses).

[11] Wiliam Randles, op. cit.

[12] Idem.

[13] Daniel Noin, La population de l’Afrique subsaharienne, Éditions Unesco, 1999.

Até onde irá a crise financeira

Um dos maiores estudiosos das finanças internacionais investiga, em diálogo com dois livros recém-publicados, os tremores dos últimos meses. Seu diagnóstico: vêm aí grandes solavancos, que podem atingir a Ásia e mudar a economia do planeta

François Chesnais

No início de agosto, surgiu uma crise financeira no setor dos empréstimos hipotecários, nos Estados Unidos. Imediatamente, ela se propagou para outras partes do sistema financeiro mundial, com uma rapidez e uma amplitude que surpreenderam a comunidade dos investidores e dos operadores (os “mercados”), bem como os observadores. Os bancos centrais intervieram rapidamente, principalmente com o fornecimento de crédito a taxas baixíssimas para os bancos em dificuldade (a que se dá o nome de "criação de liquidez") [1] Desde o início de setembro, fases de tranqüilidade têm alternado com o anúncio de novas dificuldades dos bancos e outras instituições financeiras.

Para compreender todo o alcance do processo iniciado no mês de agosto, é preciso recorrer a uma obra assinada por Michel Aglietta e Laurent Berrebi (economista-chefe da empresa Groupama Asset Management), Désordres dans le capitalisme mondial [2]. O período de 2003-2007 constituiu-se de “anos milagrosos”, com efeitos euforizantes. Na França, tanto a UMP (União para um Movimento Popular, centro-direita) quanto o PS (Partido Socialista, de centro-esquerda), os políticos e a grande mídia louvaram o exemplo norte-americano. O mesmo se deu na maioria dos outros países. Em seu trabalho, extenso e bem documentado, os autores explicam a dinâmica perversa dessa alta conjuntura e anunciam seu fim inevitável.

O interesse do livro deve-se à escolha metodológica dos autores — criar um quadro analítico único, propriamente mundial —, bem como ao volume de fatos e análises reunidos. Na introdução, eles definem “a globalização como um sistema de interdependências multilaterais em que as potências emergentes (isto é, a China e, em menor grau, a Índia) exercem uma influência determinante sobre as economias desenvolvidas”, acrescentando que “foi a partir da virada do século 21 que o termo ‘globalização’ se tornou adequado aos fenômenos que ele supostamente deve designar”.

No terreno específico da macroeconomia, que é a especialidade deles, Aglietta e Berrebi percebem a economia mundial como uma totalidade diferenciada e hierarquizada, cujos pólos são os Estados Unidos e a China. Nesse quadro situam-se desenvolvimentos muito mais tímidos na União Européia e no Japão. Esse aparece com uma economia e uma sociedade marcadas por fatores de inegável debilidade, mas também com trunfos. Em contrapartida, “a Europa está deserdada” (título do capítulo 6). A União Européia estimula “as atitudes não-cooperativas dos governos, numa busca interminável de diminuição dos custos salariais”. Trata-se de “uma zona de livre-câmbio que engloba uma falsa união monetária”, já que “a zona do euro não tem nem federalismo orçamentário, nem cooperação orçamentária entre seus membros, nem sequer regras mínimas comuns”. Depreende-se do livro de Aglietta e Berrebi a quase certeza de que, em caso de crise financeira acentuada e de recessão mundial, é na União Européia que os impactos serão os mais graves [3].

Inverte-se a dinâmica da década passada: agora, crise começa nas finanças (EUA) e se espraia para produção (Ásia)

A referência à virada do século 21 também é importante. O ano de 2001 não é somente o dos atentados de 11 de setembro e da declaração da “guerra sem fim” por George W. Bush. É também o ano da entrada da China na OMC (Organização Mundial do Comércio), que representa o ponto mais avançado das medidas para fazer do planeta um espaço único de valorização do capital. Enfim, 2001 é o ano que vê as autoridades monetárias norte-americanas adotarem a ampliação do crédito hipotecário, como resposta à crise da bolsa de ações de alta tecnologia (a Nasdaq) e a seus desdobramentos industriais (falência da Enron etc.). A análise parte das interconexões entre a crise asiática de 1997-98, que Aglietta e Berrebi apresentam corretamente como uma crise de superprodução. Trata das medidas de salvaguarda de fundos especulativos e de criação de liquidez tomadas pelo Federal Reserve e, em seguida, do estouro da bolha das bolsas de valores na primavera de 2001.

A seqüência mostra a que ponto essas interconexões se consolidaram e seus efeitos se agravaram. A análise nos prepara para a interconexão, análoga, porém bem mais grave, entre uma crise de superprodução, centrada no Sudeste Asiático — e, principalmente, na China — e uma crise financeira sistêmica mundial, cujo epicentro só pode se situar nos Estados Unidos. A primeira lição da crise iniciada em agosto é a de que a direção dos desdobramentos se inverteu em relação a 1997-98/2001. Dessa vez, a crise financeira internacional, nascida nos Estados Unidos, precede a crise de superprodução, cuja lenta gestação na Ásia aparece em muitos índices.

Comecemos pelos sobressaltos financeiros e tentemos compreender suas raízes profundas. A leitura conjunta dos livros de Paul Jorion — Vers la crise du capitalisme américain? — e de Aglietta e Berrebi é muito útil desse ponto de vista. O primeiro permite compreender por que era quase inevitável que o choque ocorresse no setor hipotecário norte-americano. O autor, decerto porque não vem das finanças, nem da economia, lança um olhar bem severo sobre práticas financeiras que ele não hesita em caracterizar como quase permanente e intrinsecamente fraudulentas, mesmo nos casos em que, como no da Enron (que ele analisa bem), não se abriu nenhum processo penal.

Aglietta e Berrebi, por seu turno, explicam de que modo a atual fase do capitalismo, posta sob o signo do valor acionário, só pode gerar, em intervalos próximos, crises financeiras cujo epicentro são os Estados Unidos. Também revelam como a globalização financeira se propaga rumo ao conjunto das praças mundiais. Colocar o interesse dos acionistas à frente dos objetivos das empresas e estabelecer normas de rendimento dos capitais investidos (o return on equity ou ROE) [4] tem como resultado, fora das fases muito curtas de difusão de novas tecnologias, onerar o investimento produtivo e permitir “a uma elite financeira, no topo da hierarquia profissional das grandes empresas e das profissões jurídicas e financeiras associadas, capturar a maior parte dos ganhos de produtividade”.

Crédito imobiliário: durante décadas, a rede principal que protegeu economia dos EUA das grandes crises

Para manter um nível de atividade elevado, “é necessária uma demanda dinâmica”. Ao menos por enquanto, ela não provém dos países emergentes (China, Índia, Brasil), onde a distribuição de renda e as relações entre cidade e campo freiam o crescimento do consumo interno e onde os excedentes externos asseguram o financiamento dos déficits dos Estados Unidos. A demanda “também não pode ter como origem as rendas salariais, cujo crescimento é fraco. Ela provém das rendas distribuídas aos acionistas e à elite dirigente, mas sua massa global é insuficiente para sustentar uma demanda agregada em crescimento rápido. A resposta a esse dilema encontra-se no poder de expansão do crédito. É aí que o capitalismo contemporâneo encontra a demanda que permite realizar as exigências do valor acionário. Esse mecanismo atinge seu paroxismo nos Estados Unidos. […] Empurrando para o alto os preços dos ativos patrimoniais, o crédito desconecta o consumo da renda disponível”.

Esses ativos não têm, necessariamente, a forma de títulos. Contrariamente ao que se pensa, os lucros com a bolsa são, nos Estados Unidos, a segunda fonte de enriquecimento patrimonial das famílias (20%). A primeira fonte (60%) provém dos lucros realizados na compra e na revenda das residências individuais. Portanto, não é por acaso que o Fed escolheu o imóvel residencial como base das medidas para impedir a quebra da bolsa de 2001 e relançar a economia por meio do consumo dos particulares.

Da análise minuciosa de Jorion depreende-se que o objetivo de dar ao capitalismo norte-americano uma base social ampla, favorecendo o advento de uma “sociedade de proprietários” (ownership society), vem sendo perseguido há quase um século. Desde 1913, uma lei permite deduzir do imposto os juros sobre os empréstimos para a habitação. A isenção foi estendida aos lucros com as vendas. Entre as medidas tomadas durante o New Deal, para enfrentar os efeitos da crise de 1929, aparece a criação de uma agência federal da habitação (Federal Housing Authority, FHA). Ela ainda existe e continua a ajudar na constituição do patrimônio pessoal. É o caso também das entidades semipúblicas, com nomes pitorescos, encarregadas de assegurar um mercado secundário para os empréstimos concedidos pelos bancos e instituições financeiras.

A primeira (Fannie Mae) foi estabelecida, em 1938, para compensar os impactos políticos e sociais da grande crise. Foi preciso criar uma segunda, em 1970 (Freddy Mac), para enfrentar o aumento rápido das necessidades de transformação dos empréstimos hipotecários em ativos realizáveis. O recurso à securitização [5] das hipotecas, portanto, é antigo e sua utilização vem aumentando sem parar. Ao longo dos anos, as entidades semipúblicas beneficiaram, sobretudo, as classes média e alta, permitindo-lhes realizar lucros na revenda de sua residência. O ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, avaliava-os, em 1999, em 25 mil dólares em média. Dois terços das famílias tiveram acesso, desse modo, à propriedade. Em 2003, o objetivo da “sociedade proprietária” foi novamente fortalecido, ao menos no nível da propaganda, pela criação de um fundo de auxílio à primeira residência cujo nome é um programa em si mesmo: “American Dream Downpayment Initiative” (iniciativa de aporte inicial para o sonho americano).

Empresas de crédito sem controle concedem empréstimos usurários a famílias pobres. Os bancos garantem o jogo

Jorion explica que, de fato, metade dos “proprietários” só são proprietários no nome, pois possuem apenas 10% do valor real de suas casas. Num contexto econômico em que as disparidades de riqueza são extremamente elevadas para um país industrializado (os 50% mais pobres da população possuem somente 2,8% do patrimônio, e o 1% mais rico, 32,7%), o sonho norte-americano de “todo mundo proprietário” sempre foi, diz o autor, “no melhor dos casos, um sonho, e no pior, um simples efeito de propaganda”.

A partir de 2001, num contexto de taxas de juros muito baixas e de desregulamentação financeira, tal sonho imobiliário serviu de fundamento para numerosas operações fraudulentas. Desde então, ele transformou-se em pesadelo, sobretudo para as famílias mais pobres submetidas a um regime de “empréstimos de rapina”. Entre os fatos pouco conhecidos citados por Jorion figura o voto, em 1980 (no momento da liberalização financeira orquestrada por Paul Volker, no final da presidência de Jimmy Carter), de uma lei revogando as disposições sobre a repressão das taxas de juros usurárias.

A desregulamentação acelerada das décadas de 1990 e 2000 permitiu o crescimento rápido das empresas independentes de empréstimos hipotecários, e o Fed reconhece que não pode fiscalizá-las ou controlá-las. Em 2002 (último indicador citado), tais empresas ofereciam apenas 12% dos empréstimos, mas 62% dos mutuários tinham vínculos com elas. Foram elas que apanharam na armadilha as famílias pobres, que têm pagado prestações usurárias, por se endividar a taxas elevadíssimas. Jorion analisa minuciosamente técnicas que em muitos países seriam consideradas fraudulentas. Ele anuncia a catástrofe social atualmente em curso. Os processos de arresto de moradias atingiram 180 mil só no mês de julho, ou seja, duas vez mais do que em julho de 2006. Eles ultrapassaram a linha do milhão desde o início do ano, isto é, 60% a mais do que um ano atrás. A expectativa é de que haja no total 2 milhões de arrestos em 2007.

Para que o mercado mafioso (não há termo mais conveniente) dos empréstimos “subprime” [6] se desenvolvesse, era preciso satisfazer uma última condição: que as empresas independentes de empréstimos hipotecários encontrassem empresas financeiras sólidas (ao menos na aparência), junto às quais pudessem securitizar os contratos assinados com elas. A partir de 2005, esse mercado encontrou fundos especulativos de alto risco (os hedge funds), filiais de grandes bancos de investimento ou de grandes bancos comerciais americanos e estrangeiros, prontos para comprar “lotes de ativos” contendo promissórias hipotecárias “subprime”.

O fator-China empobrece assalariados em todo o mundo. Mas cria enorme massa de recursos financeiros

É aqui que voltamos ao trabalho de Aglietta e Berrebi e à ênfase que eles dão à passagem dos mercados de ações a um regime “de inclinação deflacionista”. É o efeito não desejado e não previsto da extensão da globalização no rumo da Ásia. Ele se traduziu por uma baixa do rendimento das ações e das obrigações, enquanto volumes crescentes de fundos líquidos buscavam se valorizar. Provocou a enxurrada dos fundos especulativos e das aplicações cada vez mais arriscadas.

Com algum atraso, a plena integração da China à economia mundial — e, em grau menor, a da Índia — provoca uma tomada de consciência dos efeitos planetários que ela acarreta para os assalariados. Que efeitos? Os da competição direta entre os trabalhadores, em razão da “duplicação da oferta de trabalho global”, como o “excesso estrutural de mão-de-obra” que ela cria no seio de uma economia mundial liberalizada e desregulamentada. Isso permite que as empresas “façam incidir sobre os assalariados o essencial do ajuste às novas condições de concorrência”.

A transformação da China em “fábrica do mundo” e da Índia em país de relocação das atividades de serviços de informática e de produção de softwares teve também efeitos importantes no domínio financeiro. A transferência para os assalariados das pressões deflacionistas sofridas pelas empresas se fez acompanhar, na esfera financeira, de uma baixa das taxas de juros a longo prazo e de uma modificação do movimento de longa duração das ações.

Do lado das empresas, as aposentadorias com prestações definidas foram maciçamente convertidas em fundos de previdência privada, onde são os assalariados que suportam os riscos. Do lado dos fundos de aplicação financeira, ocorreu uma fuga na direção das operações cada vez mais arriscadas sobre ativos cada vez mais opacos. O “regime de inclinação deflacionista” empurra para as aplicações especulativas. Ele fortalece as “finanças carniceiras”, dos quais os fundos de “private equity”, freqüentemente filiais de bancos, se tornaram a expressão mais temida [7].O acúmulo de excedentes comerciais e de reservas em divisas, sobretudo em dólares, pelos países asiáticos, mas também por grandes países fornecedores de matérias-primas, que foram colocados em bônus do Tesouro, em obrigações privadas e em ações, em Nova York, tem permitido, aos Estados Unidos, exibir índices financeiros invejáveis e deixar escoar os déficits externos. Também vem permitindo que o governo Bush financie suas guerras, sem parar de baixar os impostos. Esses excedentes também vêm constituindo a base de um processo de criação de “liquidez”, isto é, de meios amplamente fictícios de financiamento de operações especulativas de alto rendimento.

Crescimento da China é dependente das vendas aos EUA. Será possível encontrar outros mercados?

Um dos meios encontrados pelos grandes bancos de investimento de Nova York, por bancos internacionais (como BNP-Paribas), mas também, para surpresa geral, pelos bancos regionais alemães, foi a criação de filiais com status de hedge funds. Os riscos incorridos foram subestimados, pois a “comunidade financeira” acreditou ter criado anteparos importantes sob a forma, principalmente, de mecanismos de parcelamento do risco. A crise de agosto mostrou a extrema vulnerabilidade e o potencial de contágio muito elevado.

Hoje, é nos Estados Unidos e, em menor grau, no Reino Unido que se situam os impactos mais fortes da crise hipotecária e seus desdobramentos bancários. Em prazos um pouco mais longos, o elo crítico se situará na Ásia, sobretudo na China. Ainda que a crise financeira tenha sido (mais ou menos) contida, a baixa dos preços imobiliários — e, portanto, dos ativos e das capacidades de endividamento dos proprietários — vai provocar uma desaceleração da demanda global. Ora, mais de 70% da economia chinesa depende de seu comércio exterior. Desde 2005, as exportações brutas representam mais de um terço de seu crescimento econômico.

Os Estados Unidos são o principal mercado da China. O grupo de distribuição Wal-Mart, que possui uma densa rede de franqueados na China, assegura quase 10% das vendas chinesas no estrangeiro — a maior parte para os Estados Unidos. Pequim buscará compensar a desaceleração da demanda norte-americana voltando-se para outros mercados, mas pode chegar um momento em que, como no caso da Coréia do Sul em 1997, os efeitos do superacúmulo transformem-se em fator imediato de crise.

É aqui que precisamos nos deter nos capítulos que Aglietta dedica à China em seu livro com Berrebi, bem como no trabalho centrado exclusivamente nesse país — (La Chine vers la superpuissance) —, escrito com Yves Landry. Aglietta considera que as chaves da estabilidade macroeconômica internacional nos próximos anos, e independentemente do futuro da economia mundial, encontram-se na China. Embora dê mostras de muita solicitude para com os dirigentes chineses [8], ele não consegue esconder sua grande preocupação. É o caso da criação de sobrecapacidades muito fortes.

Aglietta e Berrebi observam que “o governo chinês decidiu esfriar o motor do investimento e até mesmo, em alguns setores (imobiliário, siderúrgico e automobilístico), proibir quaisquer novos investimentos. No entanto, os números recentes disponíveis mostram que, apesar dessas medidas estritas, ele tem dificuldades para frear os gastos no imobiliário, nas infra-estruturas rodoviárias e nas construções de outras fábricas. Essa situação se deve, em parte, às províncias e aos industriais locais. As províncias buscam afirmar sua autonomia frente ao poder central, encorajando sem discernimento a implantação de indústrias locais, e os industriais locais tentam se aproveitar da euforia geral”.

Nos EUA e China, nós políticos dificultam a adoção de soluções que poderiam reverter a crise

Atenuando suas críticas com observações sobre a herança positiva do confucionismo, Aglietta detém-se longamente nos estragos da corrupção (ver a introdução do livro escrito com Landry). O único remédio para a superprodução, dizem os autores, seria “uma reorientação da atividade de um crescimento extrovertido para um crescimento mais autocentrado”.

Aqui se coloca, evidentemente, a questão da liberdade de organização política e o direito dos assalariados de construir verdadeiros sindicatos. Aglietta e Landry sublinham assim que, “passada a fase de recuperação quantitativa, em que basta investir para gerar crescimento, vem a fase qualitativa, em que só a melhoria da produtividade e o fortalecimento institucional fundamentam o crescimento e o transformam em desenvolvimento sustentável. Nesta segunda etapa, os fatores-chave são a educação, a valorização da iniciativa e a criatividade, que permitem a emergência de novos modos de organização e de novas estruturas. A liberdade dos debates e a presença de contrapoderes são então elementos essenciais que dão uma flexibilidade indispensável às estruturas”. Os autores sublinham que “a China ainda está longe disso”.

Um dos fios condutores do diagnóstico de Aglietta sobre a economia mundial, e sobre os remédios que seria preciso aplicar a ela, diz respeito à taxa de poupança. Ela é baixa demais em alguns países, alta demais em outros. Os Estados Unidos, onde ela se tornou negativa, e a China representam os pólos extremos dessa distorção. A reconstituição de uma taxa de poupança que deixasse de fazer dos Estados Unidos a sede, quando não o transmissor mais imediato, de crises financeiras sucessivas “requer uma consolidação orçamentária incompatível com as orientações políticas da maioria conservadora no poder. Implica sobretudo uma recuperação considerável da poupança das famílias. Isso supõe uma revisão dilacerante do consumo a crédito, combinado com o desperdício aterrorizante dos recursos não-renováveis, que constitui o modo de vida norte-americano”.

Dúvida: será necessária uma grande crise econômica global para reintroduzir a regulação da moeda e crédito

Coincidindo com as conclusões de Jorion, eles acrescentam que “isso supõe também uma mudança na concepção que os dirigentes norte-americanos têm do lugar dominante e do papel hegemônico dos Estados Unidos no mundo”. Quanto à China, além dos reflexos de entesouramento que mergulham suas raízes na história, lida-se com “uma poupança de precaução ante a degradação dos sistemas públicos de proteção social, de educação, de aposentadoria, diante do risco de perda de emprego nas empresas estatais subsistentes”, problemas, portanto, que conduzem à liberdade de organização e de reivindicação.

O concentrado dos mecanismos suscetíveis de conduzir a uma situação em que as “mudanças estruturais maiores [sejam] impostas por uma crise” encontra-se na moeda internacional (as divisas e suas taxas de câmbio). Em razão do “caráter de bem público da moeda”, sua regulação “só pode ser política”. Para Aglietta e Berrebi, “a responsabilidade de sua gestão é necessariamente intergovernamental”. Os Estados Unidos sempre se opuseram a isso por causa dos privilégios que tiram do regime de semipadrão dólar. Mas, atualmente, uma responsabilidade compartilhada seria de absoluta necessidade.

Não existe nenhum outro meio de criar “uma estrutura ordenada das taxas de câmbio, de um lado, e de regular a liquidez global em função da demanda de meios de pagamentos internacionais, do outro”. Ora, o que fizeram os bancos centrais desde meados de agosto senão criar mais liquidez ainda e travar entre si uma espécie de guerra das moedas, da qual o euro sofreu as piores conseqüências pelas razões vistas anteriormente? Será necessário que o sistema capitalista mundial passe por uma crise enorme antes de serem recriados os fundamentos de uma regulação monetária e financeira? É preciso se preparar para isso? Seja como for, Aglietta e Berrebi terão soado o alarme.



[1] Ver Frédéric Lordon, O mundo refém das finanças, em Le Monde Diplomatique Brasil setembro de 2007.

[2] Michel Aglietta e Laurent Berrebi, Désordres dans le capitalisme mondial, Paris, Odile Jacob, 2007. O livro se beneficiou dos recursos do serviço de estudos econômicos da empresa, bem diferentes dos de um laboratório universitário.

[3] Ver, no mesmo sentido, o livro bem recente de Patrick Artus, Les incendiaires: les banques centrales dépassées par la globalisation, Paris, Perrin, 2007, que examina a possibilidade de uma explosão do euro.

[4] Para uma definição desses conceitos e de sua importância, ver Frédéric Lordon, Enfin une mesure contre la démesure de la finance, le SLAM!, Le Monde Diplomatique, fevereiro de 2007.

[5] A securitização consiste em “transformar os créditos em posse dos bancos, das instituições financeiras, das companhias de seguro ou das sociedades comerciais (as contas clientes) em títulos negociáveis” (ver Bertrand Jacquillat, Les 100 mots de la finance, Paris, PUF, 2006). A etapa seguinte, que se desenvolveu principalmente a partir de 2002, consiste em “fundir” junto certo número de créditos para fazer deles uma linha de obrigações negociáveis. Os títulos assim “manufaturados” podem ser vendidos nos mercados em pequenos pacotes aos diversos investidores institucionais ou fundos especulativos que quiserem comprá-los.

[6] A palavra pode ser traduzida pela perífrase “inferior à norma de qualidade”. Designa os empréstimos com risco de falência elevado.

[7] Ver por exemplo “Public versus private equity”, The Economist, 7 de julho de 2007. Há alguns meses, o semanário da City londrina se tornou o eco da preocupação crescente de uma parte dos melhores financistas quanto aos private equity, cujos perigos agora são sistematicamente expostos.

[8] É espantoso ver Aglietta e Berrebi retomarem, por conta própria, uma das “justificativas” dadas pela direção do Partido Comunista Chinês para a repressão do movimento estudantil da praça Tiananmen em 1989, isto é, “a ajuda considerável que o movimento recebia do exterior”.

No Paraná, produção agroecológica abastece entidades carentes


Em parceria com programa do governo federal, assentamento do MST no Paraná envia mais de 30 alimentos diferentes para organizações filantrópicas da região metropolitana de Curitiba

Em parceria com programa do governo federal, assentamento do MST no Paraná envia mais de 30 alimentos diferentes para organizações filantrópicas da região metropolitana de Curitiba


Solange Engelmann


A produção agroecológica dos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está abastecendo entidades filantrópicas e carentes, que atendem populações de baixa renda. No município de Lapa (à 70 km de Curitiba), por exemplo, 32 famílias que moram no assentamento Contestado entregam alimentos para entidades de Campo Largo e Lapa, na região metropolitana de Curitiba, Paraná.

Os trabalhadores doam a cada mês cerca de 7 mil quilos de alimentos, entre verduras, legumes, frutas, pão, geléias, feijão, arroz, mandioca, batata doce, milho verde, através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do governo federal.

Todas as terças-feiras, um veículo do Provopar de Campo Largo recolhe mais de 30 tipos de produtos que são distribuídos à Fundação João XXIII, Lar Sagrada Família, Associação dos Deficientes Físicos, Ação Social Santa Cecília, Associação Bibi Meiréles, Lar Escola Odila Portugal Castagnoli, de Campo Largo, e o Instituto Contestado de Agroecologia, na Lapa.

A coordenadora do Lar Escola Odila Portugal Castagnoli, Maria de Lourdes Norberto, conta que a iniciativa dos assentados está sendo fundamental para manter a entidade. “Recebemos apenas R$ 17,00 por criança, por mês, então a ajuda do assentamento é muito bem-vinda. Estamos torcendo para que o projeto continue, porque se não tivéssemos esse tipo de doação não tinha como alimentar as crianças”, afirma.

O Lar Escola recebe os produtos do assentamento Contestado há 9 meses. A entidade atende cerca de 70 crianças de baixa renda, de três meses a cinco anos de idade, oferecendo quatro refeições por dia.

Sustentabilidade

As entidades recebem alimentos produzidos de forma agroecológica, respeitando o meio ambiente, sem o uso de agrotóxicos. No assentamento, 28 famílias possuem certificação agroecológica da Rede Ecovida de Certificação Participativa. O assentamento Contestato conta com 108 famílias assentadas e foi criado em 1999.

Com a participação no PAA, os assentados estão fortalecendo o grupo agroecológico de 35 famílias, criado no assentamento, com o nome de Terra Livre, profissionalizando os agricultores na produção de verduras e legumes, e obtendo um aumento significativo na renda. “Ao mesmo tempo que estamos doando para entidades que necessitam de uma diversidade de alimentos, foi importante, porque ajudou as pessoas a acreditar no seu potencial de produção e organização”, destaca o assentado e coordenador do grupo agroecológico, Paulo Rodrigues Brizola.

Continuidade

Atualmente 70% da renda dos agricultores vem do PAA. Com o projeto, os trabalhadores obtêm uma média mensal de R$ 280, por família. O assentado Celso José Chagas comemora a parceira com a Conab. “Deu uma segurança a mais, porque tudo que nós vamos produzindo já tem uma venda garantida na cidade e é um orgulho saber que a produção vai direto para entidades e escolas”, afirma.

Além do programa do governo federal, as famílias produzem para o auto sustento e comercialização no mercado local. Segundo Brizola, estão sendo discutidas outras alternativas para a venda da produção, em feiras livres e direto ao consumidor.

O segundo ano do programa termina neste mês. Os trabalhadores já apresentaram uma proposta de renovação, que está sendo analisada pela Conab. A participação do assentamento Contestado no PAA, começou em 2005, com o envolvimento de 15 famílias. No ano seguinte, o número foi ampliado para 32 famílias e, se for aprovado, em 2008, 34 famílias participarão do programa.

Avaliação

Para avaliar os dois anos de funcionamento do projeto, os assentados que participam do programa e representantes de entidades benefíciadas se reuniram nesta quarta-feira (14), no assentamento Contestado. O objetivo é aproximar agricultores e entidades que vêm sendo beneficiadas e discutir a continuidade da parceria.

Sarkozy e Lula: tão longe, tão perto



Fernando Silva


A França voltou a ser sacudida neste mês de novembro por uma série de greves de trabalhadores do setor de transportes, do serviço público e dos estudantes.

Reforma da Previdência, ataques a universidade pública, restrições a direitos salariais e sociais, precarização do emprego na juventude. O reacionário Sarkozy, com o aval da burguesia e da pequena burguesia francesa e dos governos da comunidade européia, tenta impor a agenda do Estado neoliberal, da hegemonia de um capitalismo financeirizado ao extremo e que continua dando as cartas.

Uma agenda de medidas e reformas iguais àquelas que nos atormentam aqui, do lado de cá do Oceano Atlântico, desde os idos dos anos 90, da era FHC, e que se manteve impávida sob o governo Lula.

Ainda não deixa de ser um pouco chocante observar que um governo oriundo do movimento operário e popular, de um país dependente e tão espoliado na sua história, tenha os mesmos pilares de política econômica e de agenda de contra-reformas neoliberais de um governo de um país capitalista central, como a França, liderado por um representante de uma burguesia profundamente anti-popular, cada vez mais racista, cada vez mais divorciada e avessa a qualquer vestígio de um distante passado iluminista.

Mas cá como lá, o ano que deu início ao 2º mandato do governo Lula vai se encerrando com os mesmos traços dessa política econômica e com desdobramentos perversos para 2008.

Exceção feita, grosso modo, ao tema da CPMF que envolve a questão tributária, uma reforma cuja negociação não está resolvida na classe dominante e na sua relação com o Estado e os governos, o tom do grande capital é de apoio à política econômica global do governo federal e sua agenda de contra-reformas.

É preciso destacar que a retomada de emprego formal na economia brasileira não foge a essa lógica de uma política global neoliberal e anti-popular. Pois há uma ampla extensão da terceirização e precarização de salários e direitos, mesmo nos novos empregos de carteira assinada, que em geral já surgem sob grande patamar de arrocho salarial. As amplas terceirizações em setores de ponta da economia, como, por exemplo, telecomunicações, reduziram em até dois terços os salários dos trabalhadores (as) deste setor em relação às mesmas funções quando estes serviços eram controlados pelo Estado.

E assim como Sarkozy, o governo brasileiro não mostra qualquer disposição em recuar dessa agenda. A insensibilidade do governo Lula diante de qualquer pressão ou debate do movimento popular é estarrecedora. Vejamos alguns exemplos:

Em relação ao impasse da reforma agrária que não veio e das legítimas e desesperadas ocupações de terra, o governo e o grande capital respondem com o etanol, com o aumento da super-exploração do trabalho na indústria de cana, e, por fim, para não ficar dúvidas nesse terreno, com a promoção de um usineiro como novo ministro das Relações Institucionais.

Diante do esmagador rechaço dos 4 mil participantes da Conferência Nacional da Saúde ao Projeto das Fundações na Saúde, o ministro José Gomes Temporão disse, com todas as letras em jornais e TVs, que “é zero a chance de o governo recuar deste projeto”.

Os estudantes fazem greves, ocupam reitorias contra o REUNI; docentes, servidores e renomados intelectuais ligados à comunidade universitária fazem inúmeros apelos, alertas e manifestações contra o desmonte e a mercantilização da universidade pública; o governo responde com aprovações sumárias do seu projeto, com o aval de reitorias comprometidas, sem debates, quase que na calada da noite.

E diante das dificuldades do Fórum Nacional da Previdência Social em apresentar um projeto de consenso para a nova reforma previdenciária, o governo já sinaliza que não vai passar vontade: vai apresentar diretamente o seu projeto ao Congresso Nacional.

Lula e seu governo não têm nada a aprender com Sarkozy.

Para os trabalhadores e movimentos sociais brasileiros, que não se dobram a essa agenda - tal como fazem os milhares e milhares de companheiros (as) da classe trabalhadora do lado de lá do Oceano -, será importante continuar tentando construir as condições para uma forte resistência unificada, capaz de deter essa ofensiva do Capital, que ainda não está concluída no nosso país.

Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do conselho editorial da revista Debate Socialista.