Caminhos da revolução digital
Hernani Dimantas, Dalton Martins
Aprendemos que as redes são orgânicas. Aprendemos também que as redes são emergentes. Emergência é um processo de auto-organização. "A única diferença é o material de que são feitas: células de enxames, calçadas, zeros e uns". Isso não importa. Relevante é observar a tendência do pensamento de baixo para cima, bottom up, modificando a forma da humanidade pensar. Continuamente, ouvimos falar das experiências de organização de comunidades de seres vivos, da capacidade de construção de redes descentralizadas das formigas, dos cupins, das abelhas. Seriam reflexos da capacidade orgânica da colaboração?
Mutação, transformação e modificação são palavras que uso bastante no cotidiano digital. A internet trouxe a idéia de revolução, e traz consigo críticas inequívocas de como a sociedade moderna está estruturada. Romper paradigmas significa destruir os preconceitos nos quais estamos inseridos. E muitos desses preconceitos estão diretamente ligados à forma como nos organizamos e conversamos. Mesmo de forma sutil, sem exatamente compreendermos porque agimos de determinada maneira.
Se debatemos tal desconstrução da sociedade de massa, podemos admitir as mudanças e passar a agir de acordo com essa nova possibilidade. E existe uma tendência de utilizarmos cada vez mais os meios binários — seja para comprar e vender, ou para distribuir informação. Comercial ou não. E essa tendência acompanha a forma de organização dos grupos sociais e sua capacidade de conversarem de múltiplas maneiras.
Nessa corrida maluca, percebemos que os mercados também se transformam. O Manifesto Cluetrain é claro. Propõe o fim dos negócios como conhecemos. Por quê? Os mercados são conversações. E essa conversação faz as pessoas se aproximarem, não só para trocar informações cotidianas, muitas vezes descartáveis. Mas para uma auto-organização da sociedade civil. As conversações seriam a democratização do processo organizacional coletivo?
Linux, o primeiro produto moderno e competitivo criado de modo não-capitalista
Essa é a proposta do movimento dos códigos livres. Uma organização colaborativa, anárquica e disforme. Poderosa pela essência que une as pessoas num projeto comum. A rede faz tal movimento aflorar. O Linux foi o primeiro produto moderno e competitivo criado num modo de produção não capitalista. Entender isso é compreender que as mudanças atingem o meio digital. E devem repercutir construtivamente para outros setores.
Mas o mundo dos negócios é avesso a críticas. Idéias sustentadas em fatos reais são mostradas como se fossem apenas utopia. Lunáticos que não entendem o dinamismo do dinheiro. Pois o vil metal move o mundo. No entanto, qual foi o investimento inicial no Linux? Nada!
E esse nada está apavorando o grande monopólio. É difícil combater a organização de pessoas comuns. Estamos vendo o Linux e outros programas abertos aumentando a participação nos mercados. Essa realidade é inexorável. Uma realidade que modifica a essência da forma como conversamos, como estamos buscando nos organizar. A mudança é estrutural, topológica, elementar e, absolutamente, transformadora.
Colaboração é a novidade da sociedade da informação. Linus Torvalds causou um alvoroço enorme ao liberar o código de seu programa numa lista de debates. A frase Release early and release often (Libere cedo e libere freqüentemente) passou a redesenhar um modelo de produção. Colaboração como capital social. Colaboração para fazer qualquer coisa que o desejo provoque. Colaboração como condição de sobrevivência. Colaboração como viés estrutural no desenvolvimento das novas organizações, veia latente dos processos de inovação tecnológica, canal de viabilização da interação entre fornecedores, clientes e comunidades de usuários dos múltiplos produtos hoje oferecidos pela internet.
Por meio das redes sociais, novas geografias de poder, nas quais o link subverte a hierarquia
Com as tecnologias da comunicação e da interação, as redes passam a facilitar a convivência à distância em tempo real. Provocam e potencializam a conversação. Reconduzem a comunicação para uma lógica de sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições de forma descentralizada e participativa. Reorientam fluxos criativos e abrem novas possibilidades de circulação da riqueza.
O capitalismo, apesar de dominante, não consegue mais sustentar a lógica da acumulação e do trabalho. Seus principais alicerces, a economia, o paradigma da ética burocrática e a cultura de massas, estão em crise. Essa aponta a necessidade de uma nova ordem, uma reestruturação. Marx escreveu sua crítica em O Capital, num momento que a sociedade industrial estava aflorando, mas não se apresentava, ainda, como o paradigma dominante. O século 21 exige, portanto, modificações estruturais no poder para atender a nascente sociedade informacional. É nesse cenário que as redes sociais adquirem importância, pois em seu elemento constitutivo trazem uma nova possibilidade organizacional, logo, estrutural dos fluxos de conversação e da forma como o poder é exercido a partir dos relacionamentos entre pessoas.
A tecnologia catalisa a inteligência das pessoas. A revolução das tecnologias da informação atua remodelando as bases materiais da sociedade e induzindo a emergência de agenciamentos colaborativos como base de sustentação social. Não podemos atribuir tais mudanças apenas à tecnologia. A internet torna possível o florescimento de novos movimentos sociais e culturais em rede. Possibilita organizar a sociedade civil em novas formas de gestão e retornar às redes humanas depois de um longo período de domínio das redes de máquinas e da burocracia. No limite da ruptura dos paradigmas, a colaboração aparece como um potencializador das energias produtivas. A sociedade está se tornando mais aberta e de uma forma ampla, mais colaborativa.
O software livre é o caso mais conhecido da resistência digital — e o que teve maior impacto. Uma nova dinâmica, que demonstra a produção de conhecimento livre como alternativa economicamente viável e sustentável. O código aberto está trazendo para a inovação o que a linha de montagem trouxe para a produção em massa. Estamos caminhando para uma era em que a colaboração substituirá a corporação. Uma opção pela descentralização do poder catalisado pelas conversações de uma sociedade em rede.
Ao invés de telespectadores, pessoas que desejam protagonizar suas existências e colaborar
As pessoas não querem mais ser telespectadores. Elas têm a possibilidade de interagir com as comunidades na internet e, assim, protagonizar as próprias existências. Buscando na comunidade digital os interesses comuns. Uma alternativa para o crescimento colaborativo.
Entra a internet. E por incrível que possa parecer, essa ferramenta fez um estrago nas idiossincrasias dos poderosos. A internet é maquínica. Pois recria um poder nômade no âmago. Um poder que se recria a cada instante. Catalisados pelos nós das redes. Uma reviravolta acontece nos dogmas ocidentais. Onde se lia transcendência, agora se enxerga e vive a imanência
Nesse sentido, estamos num processo de progressão jamais visto. Pois qualquer pessoa tem a possibilidade de publicar na rede, seja em forma de email, artigos, blogs, músicas ou imagem. A internet é um meio multimídia que dá às pessoas inúmeras formas de expressão. A cultura cibernética não é nada mais do que uma compilação de tal diversidade. Está em curso um processo silencioso, uma revolução que não será televisionada, que provocará mudanças profundas na sociedade.