Juremir Machado
Optou-se por reservar vagas por critérios étnicos e para estudantes oriundos de escolas públicas. Depois do vestibular da Ufrgs, porém, muitos estudantes resolveram entrar na Justiça por terem ficado de fora mesmo alcançando índices de rendimento mais altos do que aqueles obtidos por cotistas selecionados. Parece até piada de português. Esse é o princípio mesmo das cotas. Com índices superiores aos dos concorrentes, ninguém precisaria de reserva de vagas. Elementar. Trocando em miúdos, os defensores do mérito acima de tudo estão, mais uma vez, tentando melar o sistema de cotas. Mas ele é necessário. Basta dar um passeio nas universidades gaúchas para ver que nelas praticamente não há negros.
A questão das cotas para estudantes oriundos de escolas públicas poderia ser vista até como mais injusta. A escola pública é deficiente porque os governos não lhes dão as condições de serem muito boas. Então se deve garantir ao seu egresso a possibilidade de chegar à universidade mesmo sendo pior. É uma forma de absolver os governos da incompetência e do desinteresse pela educação básica. Em vez de se elevar o nível das escolas públicas, diminui-se o nível de exigência na entrada para o ensino superior. Claro que as cotas étnicas também expressam a incompetência dos governos em resolver problemas sociais históricos. Mas, ao mesmo tempo, elas permitem enfrentar o racismo dissimulado da cultura brasileira e começar a pagar uma dívida secular e vergonhosa. Não há outro jeito. Sem cotas, os negros continuarão excluídos.
Há uma forma muito simples de se eliminar a necessidade de cotas: garantia de vagas em universidades para todos os estudantes que forem aprovados num exame de saída do ensino médio. Na França é assim. Pode-se fazer isso com ensino público e gratuito para todo mundo ou com um sistema misto como o nosso, concedendo-se bolsas em instituições privadas para o excedente das públicas. A limitação de vagas, a serem disputadas em vestibular, não é o sistema do mérito, mas o sistema da hipocrisia. A sociedade brasileira, em lugar de criar condições para que todos os seus jovens cursem uma universidade, algo que custa caro, manda que eles se engalfinhem e decidam na base de uma competição falsamente meritória. Quem perde é o país. A sociedade lava as mãos bem sujas.
Somos originais. Queremos sempre o caminho mais longo. Ele nos parece tão curto. É mais interessante do que pagar a conta da educação completa de todos os nossos jovens. Não há mérito algum em vencer um candidato que nunca teve condições de preparar-se para a competição.(GRIFOS MEUS)
texto enviado por Marco Vargas
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