Direita paramilitar boliviana parte para ação fora-da-lei
Como denunciou o Partido Comunista Boliviano (PCB) – uma lúcida e conseqüente força revolucionária no atual processo – está em macha “um golpe de Estado civil” para derrubar Evo e pôr fim à experiência da chamada Revolução Democrática e Cultural boliviana.
Nos últimos meses, criou-se o que alguns chamaram de “empate catastrófico”. As forças da mudança buscavam efetivar a aprovação da nova Constituição boliviana, de caráter democrático e popular, antineoliberal. Enquanto as de direita tentavam aprovar os chamados “Estatutos autonômicos”. As duas propostas são antagônicas em seu conteúdo e representativas de projetos opostos de país.
Mas em 10 de agosto o povo foi chamado a dirimir o contencioso, através do referendo para revogar ou confirmar o mandato do presidente Evo Morales e de oito dos nove prefeitos (governadores) bolivianos. E deu seu veredito: Evo foi ratificado em 95 das 112 provincias do país. Nacionalmente, recebeu 67,41% dos votos, mais ainda que os 53,3% que elegeram Evo presidente em 2005. Sua votação cresceu em oito dos nove departamentos – após 30 meses de governo. Além disso, foram ratificados os dois governadores do MAS (Oruro e Potosi) e revogados dois dos governadores oposicionistas.
Já na celebração da vitória, Evo fez um chamado à conciliação e à unidade. Num gesto inédito, cogitou um acordo que juntasse aspectos da nova Constituição proposta com os Estatutos autonômicos. Mas de nada adiantaram os gestos do presidente boliviano.
Numa inversão da lógica política, a oposição não apenas ignorou os apelos conciliatórios do presidente como decidiu radicalizar suas posições. Acuada pelo voto popular de mais de dois terços dos bolivianos pró-Evo, a direita boliviana – entrincheirada no mal chamado Conalde (Conselho Nacional Democrático), que reúne cinco Departamentos bolivianos e os chamados Comitês Cívicos – decidiu intensificar ações golpistas.
A radicalização da oposição
O método da oposição para a radicalização tem sido a conformação de bandos violentos, a partir do recrutamento de lúmpens e delinqüentes para conformar milícias paramilitares, como por exemplo a União “da Juventude” Cruzenha (a UJC de Santa Cruz). Armada de enormes porretes e circulando em caminhonetes, a UJC dedica-se a ocupar e destruir instalações públicas e postos de arrecadação tributária do governo central, bloquear estradas e postos de fronteira. Chega a atacar fisicamente pobres e camponeses com feições de indígenas das terras altas bolivianas.
Dentre os slogans que animam essas milícias, está: “Terminemos com os 'collas', raça maldita”. ''Collas'' são os indigenas e mestiços com origem no altiplano e que se espalharam por todo o país, dedicando-se em geral a tarefas agrícolas e ao trabalho de vendedor de rua.
A Embaixada dos EUA está envolvida diretamente na formação destes grupos, segundo denunciou Evo Morales. Patrocina política e materialmente essas milícias, através da Usaid (Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional, na tradução do inglês).
“Tenho informações de algumas autoridades, especialmente do Departamento de Santa Cruz, de que há pessoas que trabalham para a embaixada americana e organizam esses grupos”, disse o presidente no último domingo. O embaixador estadunidense, Philip Goldberg – o mesmo que, como embaixador dos EUA na ex-Iugoslávia, operou a crise de Kosovo, há dez anos – circula intensamente pelos departamentos dominados pela oposição, distribuindo apoio político e financeiro.
Numa tentativa de desmoralizar o presidente e forçar uma repressão estatal, as milícias da direita passaram a impedir a própria mobilidade de Evo Morales pelo território boliviano. No último dia 27, em Riberalta (Beni), um desses grupos ocupou o aeroporto da cidade, forçando o presidente boliviano a cruzar o Rio Mamoré de barco até Guajará-Mirim, em Rondônia, para só então voltar a La Paz. Noutro episodio, em 5 de agosto no sul do país, em Tarija, as milícias tomaram o aeroporto e impediram o desembarque dos presidentes Cristina Kirchner (Argentina) e Hugo Chávez (Venezuela), para assinar acordos de cooperação.
A direita se empenha também em regionalizar a crise. Nos últimos dias, as ameaças são as de bloquear a venda de gás a Brasil e Argentina, através da ocupação de instalações da estatal boliviana YPFB.
Seria algo grave: 75% do gás importado pelo Brasil junto à Bolívia abastece a industria paulista. Também foram bloqueados postos de fronteira, como os de San Matias e San Vicente – na divisa de Santa Cruz com o Mato Grosso do Sul – e outro em Beni, perto de Guajará-Mirim, em Rondônia.
Aqui, chama a atenção o cínico silêncio dos grandes grupos de comunicação no Brasil, os mesmos que fizeram um escândalo quando da nacionalização do gás boliviano em 2006 – alguns articulistas mais exaltados pediram tropas brasileiras na Bolívia. Mas desta vez se calam, mesmo diante das ameaças de corte no fluxo de gás ao Brasil, num apoio tácito à oposição de direita na Bolívia.
Também chamam a atenção as provocações das milícias paramilitares às Forças Armadas. Na última sexta-feira (5), em Cobija (Pando), elas sequestraram um pequeno avião militar, aprisionando por algumas horas um general. Em Trinidad, capital de Beni, há a ameaça de invasão de um quartel do exército. No mesmo departamento a oposição “exige” a saída do comandante militar da região. Em Santa Cruz, forças paramilitares chegaram ao extremo de cercar por todo um dia o Quartel da Polícia. O objetivo dessas provocações parece claro: provocar uma reação que gere muitos cadáveres visando desestabilizar o governo Evo.
Um golpe civil em marcha
É urgente a solidariedade ativa das forças progressistas ao povo boliviano e ao governo Evo. Da mesma forma, os governos progressistas da América Latina precisam urgentemente dar novos e claros sinais de repúdio à regionalização do conflito e a qualquer tentativa de separatismo.
O conflito na Bolívia possui os sintomas de um radicalizado e agudo conflito de classes. Não se trata, ao contrário do que do que faz parecer a grande mídia, de um conflito regional. Dados empíricos do referendo de agosto deixam claro que, mesmo nos departamento governados pela oposição, é enorme o apoio ao presidente. Em Santa Cruz, por exemplo, a votação favorável a Evo beirou os 40% dos votos. As bandeiras e o discurso da oposição, para além de “perfumarias”, são abertamente anticomunistas e neoliberais, além de racistas.
Está na ordem do dia a solidariedade ao povo boliviano, ao governo Evo Morales, ao Movimento ao Socialismo (MAS), ao Partido Comunista Boliviano e às demais forças progressistas do país. A derrocada do governo Evo, grande objetivo da direita boliviana, representaria um duro revés na luta por fazer avançar a tendência democrática, progressista e antiimperialista que ascende na América Latina.
* Membro da Comissão de Relações Internacionais do PCdoB, foi observador internacional no referendo de 10 de agosto passado