Desde a publicação do relatório da pesquisa patrocinada por
universidades e por centros de investigação reunidos no Clube de Roma a
respeito da crise ambiental (Limites do Crescimento. 1975), o
"establishment" capitalista internacional passou a preocupar-se com a
destruição do meio ambiente.
A pesquisa, realizada pela primeira vez com computadores aptos a
processar simultaneamente uma quantidade enorme de dados, permitiu
fazer previsões globais a respeito do impacto destruidor da produção
econômica capitalista.
As medidas adotadas pelas instâncias internacionais para deter essa
destruição tiveram, sem dúvida, efeitos positivos, pois as previsões
mais catastróficas sobre o esgotamento de recursos naturais básicos não
se realizaram. Entretanto, o problema não foi resolvido, e, na verdade,
agravou-se, como vem anunciando o ex-vice presidente dos Estados
Unidos, Al Gore.
Portanto, estes 35 anos de ecocapitalismo demonstraram a incapacidade
desta proposta para dar uma solução efetiva ao problema ecológico. Com
efeito, o ecocapitalismo é incompatível com a solução do problema
ecológico em razão da própria racionalidade interna desse sistema
econômico baseado na acumulação infinita de capital. A própria lógica
desse sistema impõe rígidos limites às medidas de defesa do meio
ambiente, porque tais medidas, para serem de fato eficazes, afetam
necessariamente a acumulação de capital. O ecocapitalismo não se opõe à
restrição da acumulação de capital, mas - atenção! – desde que tais
restrições não ultrapassem limites considerados intransponíveis e
fixados pelo próprio "establishment" capitalista. Essa linha de "no
trespassing" demonstrou, nestes 35 anos, ser absolutamente insuficiente
para afastar da humanidade o risco de uma hecatombe ambiental.
O ecocapitalismo é diametralmente oposto ao ecosocialismo. Este,
considerando as limitações impostas pela conjuntura de hegemonia do
capitalismo, propõe medidas (bem mais drásticas do que as da senadora
Marina) que ainda se enquadram no marco do capitalismo, ou seja, ainda
parciais e insuficientes para deter completamente o processo
destrutivo. Porém, ao propô-las, deixa bem claro seu caráter limitado e
aponta simultaneamente para os passos que podem levar a uma situação em
que seja possível adotar um modo de produção ajustado às condições de
reprodução saudável do meio ambiente. Ora, tais passos somente são
possíveis nos marcos de governos não capitalistas. Trata-se, portanto,
de uma proposta pedagógica, conscientizadora – a única que justifica a
participação dos socialistas numa campanha eleitoral de cartas marcadas
como a de 2.010.
A contradição antagônica entre o ecosocialismo e o ecocapitalismo não
impede, em princípio, a aliança entre essas duas forças, com o
propósito de confrontar conjuntamente o "establishment" capitalista em
aspectos pontuais da luta ambientalista. Contudo, tal aliança é
evidentemente impossível na atual conjuntura nacional em que o
"establishment" trata de esmaecer diferenças, ocultar divergências,
fantasiar a realidade, a fim de consolidar sua atual hegemonia
política.
Não tem, portanto, cabimento algum o movimento de alguns setores
socialistas para celebrar uma aliança eleitoral com a candidatura da
senadora Marina Silva, cuja atuação política na defesa do meio ambiente
nunca culpabilizou o capitalismo, como primeiro e universal predador.
Não se pode desconsiderar que durante mais de seis anos a senadora
participou de um governo que aceitou servilmente todos os vetos do
capital às medidas que a própria senadora quis aplicar (transgênicos,
destruição de florestas, titulação do "grilo" amazônico e vários
outras).
Quando, finalmente, a senadora deixou o PT, ficando livre para tomar um
caminho claramente socialista, procurou o PV, uma legenda que sempre se
aliou e hoje integra a base de vários governos de direita.
Para escapar do impasse, os setores que estão defendendo a candidatura
Marina sugerem que se exija uma declaração formal da senadora em favor
de uma plataforma ecosocialista. É preciso ser muito ingênuo para
acreditar que uma conversa deste tipo possa dar alguma garantia
concreta. Mesmo admitindo-se que a senadora assine a mais radical
plataforma, sabemos que, dada a correlação de forças do bloco político
que ela integra, tal plataforma não será para valer.
Por isso, independentemente da figura pessoal da candidata, não há como
deixar de qualificar esse movimento de parte de alguns setores do
socialismo como uma postura oportunista, eleitoreira, incompatível com
uma proposta que, de fato, faça avançar a caminhada socialista em
2.010.
Plínio de Arruda Sampaio é diretor do Correio da Cidadania.