As lutas populares o financiamento
Elaine Tavares
Eu
lembro quando era bem menina e fazíamos campanha para os chamados
anticandidatos do MDB. Era a ditadura militar e tudo se fazia
escondido. Ainda assim, num mutirão de poucas pessoas recolhia-se
dinheiro e faziam-se os panfletos que eram empurrados por baixo das
portas durante a madrugada. Depois, no final dos anos 70, quando se
começou a construção da CUT e do PT, os lutadores sociais faziam a
mesma coisa. Era uma romaria com o chapéu para gente ir a encontros,
reuniões, para organizar o povo. Todo o financiamento da luta era feito
pelos próprios trabalhadores, pela gente em movimento. Ninguém media
esforço. Era brechó, venda de disco, de livro velho, de tudo o que se
podia imaginar, e na solidariedade de classe, íamos construindo o sonho
da anistia, da democracia, da libertação.
Naqueles
dias, as coisas também eram feitas por nossas próprias mãos. As faixas
de papel, a cola de farinha, as tintas malucas para as pichações nos
muros. Jamais se pensaria em pagar alguém para produzir um panfleto.
Tudo era artesanalmente produzido, com os talentos que arrebanhávamos
nas fileiras da luta. E, na azáfama de fazer acontecer, se dava a
mística da solidariedade, da partilha, da cooperação.Hoje os tempos
mudaram, os velhos militantes apaixonados assumiram postos de mando nos
sindicatos, nas centrais, nos partidos e tudo perdeu a sua aura. Agora,
para não se perder tempo, os materiais de divulgação e propaganda são
feitos por assessores, as faixas são terceirizadas e parece que todo
mundo fica paralisado quando não há dinheiro para fazer as coisas.Outro
dia, durante uma discussão sobre a Conferência Nacional de Comunicação,
a qual acredito que não servirá para nada, a não ser respaldar os
desejos dos grandes empresários da comunicação, sugeri que fizéssemos
uma conferência paralela, assim, com as nossas regras e não com as que
foram impostas pelos empresários. Foi interessante observar a reação
dos lutadores. A idéia soou como um completo absurdo. “Como vamos
trazer as pessoas do interior?” “Como vamos alugar um lugar para o
encontro? E onde as pessoas vão dormir? E todos os custos, quem vai
bancar?” Perguntas tolas, diante da grandiosidade da liberdade...
Então
eu lembrei a todos daqueles dias em que nós movíamos o mundo sem grana
dos sindicatos, sem ajuda das fundações estadunidenses, sem grana do
governo. Nós construímos partidos, centrais, mudanças importantes. Nós
fizemos coisas demais com o financiamento dos próprios trabalhadores,
com gente dormindo na nossa cama, comendo nossa comida, dividindo as
parcas economias. Mas, naqueles dias, nós éramos movidos por uma paixão
infinda, um desejo abissal de mudar o mundo e nossa pobreza jamais foi
obstáculo para nada.
Hoje
vejo alguns lutadores com ares de saciedade, descansando nos aparelhos,
aceitando dinheiro das fundações estrangeiras, esperando migalhas do
governo e, por conta disso, se rendendo às regras impostas pelos
patrões.Eu repilo isso. Tenho nojo e ódio. Quero de volta a luta
renhida, feita por nós mesmos, financiada por nós mesmos, na
solidariedade, no amor. Quando ninguém nos impunha pautas e ninguém nos
infligia regras. Éramos livres! Pois quero outra vez essa liberdade...
Ou nada!