A nova muralha: Palestinos à beira da 3ª intifada
Nicola Nasser, Counterpunch
Nicola Nasser é jornalista. Trabalha em Bir Zeit, Cisjordânia, Território Palestino Ocupado
“Ante a ausência de qualquer esperança, imponhamos o nosso grito de
esperança”. Com essa frase, os líderes cristãos palestinos de várias
igrejas e organizações ligadas a elas, reunidos em Belém, dia 11/12,
concluíram o documento final do encontro, intitulado “Kairos Palestine
– 2009: A Moment of Truth”.
O documento pode ser lido (em inglês) em
“Teologia da Libertação”.
Ali, os cristãos de todo o mundo são convocados para lutar contra a
ocupação israelense dos territórios palestinos. O grito desses
católicos simboliza ao mesmo tempo uma disposição popular e o status
quo político.
Os palestinos sobrevivem e lutam, divididos entre a Cisjordânia
governada pelo Fatah (apoiado pelos EUA, com deputados intimidados pelo
poder de Israel, potência ocupante, com quem o Fatah coordena suas
ações ‘de paz’ e ‘de segurança’, via pela qual o ‘processo de paz’
chega aos 16 anos em impasse total; e prosseguem as construções ilegais
de colônias israelenses em territórios ocupados) e a Faixa de Gaza
governada pelo Hamas.
Na Faixa de Gaza, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas)
dedica-se a manter o cessar-fogo, ao mesmo tempo em que participa de
negociações mediadas pelo Egito e pela Alemanha sobre troca de
prisioneiros. Até agora, falharam todas as vias tentadas, sejam
militares sejam políticas; e sucessivas negociações fracassadas fizeram
abortar qualquer perspectiva de paz. A paz parece ser miragem –
perfeita metáfora do futuro de uma comunidade internacional liderada
pelos EUA de Obama. Se se examina o futuro, a única certeza é que a
Palestina está à beira de explodir.
“Não há solução bilateral. O caminho mais curto até o próximo round de
violência passará agora pelo fracasso de mais um ‘processo de paz’, que
sim, certamente fracassará. Talvez aconteça em 2010. A Palestina está
madura para explodir” – disse Gershon Baskin do Israel-Palestine Center
for Research and Information, em debate patrocinado pelos russos na
Jordânia, semana passada.
O “perigoso impasse” exige que se organize “missão de resgate”,
disseram os palestrantes, segundo a Agência Reuters. O
ex-primeiro-ministro russo Evgeny Primakov alertou para a evidência de
que “uma crise real” acontecerá, se a comunidade internacional não
intervier; acrescentou que o chamado “Quarteto para o Oriente Médio”
(EUA, ONU, Rússia e União Europeia) deixou de operar. Dia 15/12, o
presidente Mahmoud Abbas da Autoridade Palestina disse, em reunião do
Conselho Central da OLP em Ramallah: “Agora, a bola está no campo da
comunidade internacional. A bola está com os EUA.”
Abbas parece estar batendo à porta errada. Barack Obama entrará para a
história como o primeiro presidente dos EUA que arrastou um tradicional
aliado dos EUA, como Abbas, a declarar publicamente que “a Palestina
está desapontada com os EUA”, que fracassaram no papel de mediadores no
conflito Israel-Palestina.
Isso, apesar da ‘euforia’ que, segundo Obama, teria tomado os
palestinos quando Abbas foi ungido com a honra de receber o primeiro
telefonema de Obama, no instante em que pisou na Casa Branca como
presidente. O governo Obama até agora obteve “avanço zero. Não falhou
apenas ao não conseguir manter ativas as negociações. Falhou também
porque ninguém espera que Obama consiga, mais tarde, o que não
conseguiu no pico de popularidade, nos primeiros dias de governo.” –
Essa é a opinião de Barry Rubin, diretor do Global Research in
International Affairs (GLORIA) Center, Interdisciplinary University,
publicada em Global Politician, edição de 19/12.
Obama detonou a missão de seu próprio enviado especial ao Oriente
Médio, George Mitchell, ao mandar para lá a secretária de Estado
Hilária Clinton, em março, aparentemente para que reunisse líderes
palestinos e israelenses para que reiniciassem as negociações. Fato é
que a visita de Hilária Clinton levou a resultado exatamente oposto e
marcou completa inversão dos objetivos de quem, para os palestinos,
seria negociador honesto e equilibrado. Depois da passagem de Hilária
Clinton pela região, deixou de haver mediador e mediação; e os
interesses de Israel passaram a dominar todos os contextos; e as
negociações foram imediatamente suspensas.
Evento seguinte foi a operação coordenada entre EUA e Israel para matar
na manjedoura o Relatório Goldstone – alegadamente porque o relatório
criaria “obstáculo substancial” entre os dois lados (nas palavras do
secretário de Estado assistente P.J. Crowley, dia 10/12). Com isso,
viu-se que o fracasso da missão Clinton não foi apenas resultado das
trapalhadas de Hilária Clinton, mas fracasso de toda uma política
ideada pelo governo Obama cujo primeiro movimento foi ‘exigir’
“congelamento” de todas as construções de colônias israelenses.
Dado que Obama ‘exigiu’, Abbas também teve de ‘exigir’. Nessa
operação, Abbas converteu-se em refém de uma ‘exigência’ que Obama
‘exigiu’, não conseguiu impor e não obteve, em jogada na qual Obama...
perdeu. Com Obama, perdeu também Abbas, que pagou caro pelo erro de
deixar todos os seus ovos na cesta de Obama.
Obama e seu governo não dão sinais de arrependimento e seguem os passos
da aliança estratégica tradicional entre EUA e Israel, na contramão de
todas as ‘mudanças’ que Obama-candidato prometeu aos eleitores. Semana
passada, Obama assinou o orçamento da ajuda para segurança que os EUA
distribuirão aos seus aliados em 2010; a quota de Israel subiu, para o
próximo ano, para US$2,775 bilhões; dos 2,500 bilhões de 2009,
alcançará em 2013 $3,1 bilhões.
Árabes, inclusive os palestinos, veem aí o dinheiro de que Israel
precisa para alimentar intransigência cada vez mais absoluta contra
qualquer paz. Os $500 milhões alocados para a Autoridade Palestina (nos
quais estão incluídos os 100 milhões do general Keith Dayton), são
suficientes, no máximo, para que a Autoridade Palestina mantenha o
nariz fora d’água e possa continuar operando como força auxiliar do
exército israelense.
Nunca antes, nem em tempos melhores, muito antes de os palestinos
dividirem-se entre Fatah e Hamas, antes da reocupação militar em 2002
do território da AP na Cisjordânia e antes do bloqueio imposto a Gaza,
a Autoridade Palestina dependeu tanto de patrocinadores. O processo
começou, de fato, quando foi assinado em Washington, em 1993, a
“Declaração de Princípios” entre a OLP e Israel, pela qual Israel
conseguiu livrar-se de todos os deveres e obrigações que, como exército
ocupante, a lei internacional lhe impunha.
Confusa, mas muito agradecida, a OLP aceitou o dinheiro que lhe davam
como arranjo temporário, à espera de negociações que seriam retomadas e
só seriam dadas por concluídas com a criação de um Estado palestino
independente que existiria ao lado de Israel, com liberdade e
segurança. Essa foi a promessa que os EUA (e a comunidade internacional
liderada pelos EUA) fizeram aos palestinos, primeiro em 1999, depois em
2005, depois novamente em 2008 e que, agora, o governo Obama está
‘re-prometendo’!
Mas o dinheiro dos patrocinadores internacionais converteu-se, de
arranjo temporário em prática permanente. Assim, o orçamento de Israel
foi aliviado, dentre outras despesas, de boa parte de seus gastos com a
ocupação militar; e de boa parte de seus gastos com ‘prêmios’ dados a
qualquer ação de provocação que possa servir de pretexto para novos
atos de violência contra palestinos. Não bastasse, a Autoridade
Palestina e a OLP caíram na armadilha e, hoje, tornaram-se reféns das
condições políticas que interesse aos patrocinadores impor.
A desilusão com o uso dado ao dinheiro dos patrocinadores
internacionais cresce entre os palestinos, tanto quanto cresce a
desesperança em relação a qualquer ‘processo de paz’. Os palestinos,
que contribuíram muito substancialmente para a construção do Estado em
termos regionais e nacionais, e que ainda contribuem significativamente
em várias economias regionais e locais, são povo cheio de recursos, de
capital, de conhecimento, de competências e talentos para trabalho
manual e intelectual, perfeitamente capazes de construir a sociedade
que desejem ser e ter.
Para tanto, precisam obter o direito à autodeterminação, liberdade,
direito de fazer e de ir e vir, e plena soberania. À medida que cresce
a desilusão, o papel dos patrocinadores políticos internacionais gera
cada dia maiores suspeitas, criando humilhações, exacerbando a
frustração e a desesperança. Em resumo, os patrocínios e o mau uso
dados a essas verbas enfraquecem, na sociedade palestina, todas as
forças e os argumentos da conciliação e da prudência. É como se já
ninguém conseguisse manter tampada a panela, enquanto, dentro, a
pressão só aumenta. O desespero transitório vai-se convertendo em
realidade do dia a dia, em status quo que não se altera.
A frustração dos palestinos em relação à comunidade internacional não é
novidade; nasceu na assembleia geral da ONU de 1947, da Resolução n.
181 – que determinou a divisão da terra dos palestinos em dois Estados
– e da Resolução n. 194, de 1948. O mesmo sentimento de terem sido
traídos encontrou expressão forte na Cisjordânia, no “desapontamento”
de que falou Abbas. Em seguida, o presidente da AP anunciou que não
concorreria às eleições presidenciais: “Para mim, todos os caminhos
estão fechados. Decidi não me candidatar a novo mandato. Não sou
otimista nem quero cultivar ilusões” – disse Abbas ao jornal Ash-Sharq
Al-Awsat editado em árabe, em Londres.
Quanto à Faixa de Gaza, o último capítulo da traição da Palestina pela
comunidade internacional foi enunciado em Paris, dia 22/12, por 16
grupos de direitos humanos, dentre os quais Anistia Internacional,
Oxfam e Christian Aid: “A comunidade internacional traiu o povo de Gaza
quando não uniu ação aos discursos contra o bloqueio israelense (...).
As potências mundiais falharam e traíram o povo comum que sobrevive em
Gaza. Houve reuniões e declarações, mas praticamente nenhuma ação
contra Israel” – diz o documento final daquela reunião em Paris.
A consciência de terem sido traídos e abandonados é fermento explosivo
na Palestina, sobretudo por causa do bloqueio político imposto pela
ocupação militar direta dos territórios – o cerco contra a OLP e a
Autoridade Palestina na Cisjordânia; e o violento bloqueio israelense
imposto na Faixa de Gaza. Todas as condições estão maduras para a
eclosão da violência mais brutal: uma 3ª intifada palestina na
Cisjordânia, e novo ataque militar por Israel contra os cidadãos em
Gaza.
Abbas, em entrevista ao The Wall Street Journal dia 22/12,
alertou para a intifada iminente. De fato, disse que “enquanto eu
estiver no governo não admitirei que ninguém deflagre uma nova
intifada, nunca, nunca. Mas depois que me afastar do governo as coisas
mudarão. Não posso oferecer quaisquer garantias.”
Simultaneamente, na Faixa de Gaza, o Hamas – às vésperas do primeiro
aniversário da invasão pelo exército israelense (Operação Chumbo
Derretido) – alerta para o risco iminente de nova invasão israelense.
O indicador mais visível de que Israel prepara-se para novo ataque é um
novo muro de aço, uma muralha que o Corpo de Engenheiros do Exército
dos EUA está construindo para cercar toda a área na qual se estima que
haja 1.500 túneis operados por palestinos – ao longo dos 14 quilômetros
da fronteira Sinai-Gaza. Em janeiro de 2008, milhares de árabes
palestinos conseguiram entrar em território egípcio – no momento em que
pelo menos um governo árabe conseguiu manifestar alguma solidariedade
com o sofrimento dos palestinos que se acumulavam na fronteira à espera
de água, comida, remédios, socorro médico. Imediatamente, Israel fechou
todas as fronteiras. Então os palestinos começaram a construir túneis.
Agora, soldados dos EUA estão construindo um muralha com placas de aço
de 18 metros, testadas em laboratórios norte-americanos para resistirem
a bombas e armas de alto calibre, que penetram no solo até uma
profundidade de 30 metros. Essas placas de aço, além do mais, desviarão
o curso e contaminarão os reservatórios naturais de água subterrânea.
Quando a barreira estiver concluída – no máximo dentro de 18 meses –,
toda a região perderá acesso a 60% da água hoje existente, segundo
Karen Koning AbuZayd, comissária-geral da UNRWA.
Para AbuZayad, que falou em fórum organizado na American University no
Cairo, a nova muralha de aço é mais resistente que a Linha Bar Lev,
construída pelo exército de Israel na costa leste do Canal de Suez
depois de ter ocupado a Península do Sinai, do Egito, em 1967.
Nenhum povo ou país no mundo toleraria esse tipo de muralha ‘defensiva’
em suas fronteiras – caso não conhecido no mundo moderno –, ou deixaria
de considerar a construção da muralha como ato de guerra. A muralha de
aço só interessa aos objetivos políticos e militares de Israel, embora
a muralha, de fato, seja ‘made in USA’ – segundo depoimento de AbuZayd
– e esteja sendo construída por soldados da guarda de fronteira egípcia.
Assim, do ponto de vista dos palestinos, a muralha é vista como
parte da ocupação israelense e ato de agressão – e, claro, como alvo
possível de ataque. Contudo, os palestinos, pelo menos na Faixa de
Gaza, estão em estado de guerra contra Israel, mas não contra o Egito.
Consequentemente, qualquer ato violento que se materialize contra a
muralha deverá ser entendido como ato das hostilidades entre palestinos
e israelenses.
Segundo as análises feitas pelo Hamas, o Egito ter-se-ia precavido
contra a reação palestina, árabe, muçulmana e internacional ante mais
esse ato de punição coletiva de 1,5 milhão de palestinos, a menos que o
Cairo já esteja contando com uma invasão israelense, que levantará “os
protestos de sempre”, ante os quais mal se ouvirão protestos
específicos contra a muralha.
Israel está trabalhando para desviar a atenção do mundo e ocultar a
iminente explosão na Palestina. Por isso, tanto tem falado a respeito
de uma “ameaça iraniana” que não poderia ser deixada sem resposta. Tudo
indica que o governo Obama já deu luz verde para a agenda sionista e já
arrastou consigo os aliados europeus. Pelo que se vê, tudo se passa
como se não houvesse outro problema no mundo... além da “ameaça
iraniana” e, claro, como sempre, a ‘ameaça’ palestina.