sexta-feira, 21 de maio de 2010

A crise económica global


A Grande Depressão do século XXI

Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marshall*
Michel Chossudovsky 

Publicamos hoje o prefácio de Michael Chossudvosky e Andrew Gavin Marshall ao livro colectivo The Global Economic Crisis. The Great Depression of the XXI Century. Numa linguagem despida dos jargões do economês, Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marshall dizem-nos como “A opinião pública continua a ser enganada quanto às causas e às consequências da crise económica, para não falar as soluções políticas. As pessoas são levadas a acreditar que a economia tem uma lógica por si própria a qual depende da livre inter-actuação de forças de mercado e que os poderosos actores financeiros, que puxam os cordéis nos gabinetes das administrações corporativas, não poderiam, sob quaisquer circunstâncias, ter deliberadamente influenciado o curso dos acontecimentos económicos.”
Em todas as regiões do mundo a recessão económica está profundamente enraizada, resultando no desemprego em massa, no colapso de programas sociais do Estado e no empobrecimento de milhões de pessoas. A crise económica é acompanhada por um processo de militarização à escala mundial, uma «guerra sem fronteiras» liderada pelos Estados Unidos da América e seus aliados da NATO. O comportamento do Pentágono na «longa guerra» está intimamente relacionado com a reestruturação da economia global.
Estamos a tratar de uma crise ou recessão económica definida de modo estreito. A arquitectura das finanças globais sustenta objectivos estratégicos e de segurança nacional. Por sua vez, a agenda militar EUA-NATO serve para endossar uma poderosa elite dos negócios a qual implacavelmente eclipsa e mina as funções do governo civil.
O livro conduz o leitor através dos corredores do Federal Reserve e do Council on Foreign Relations, por trás das portas fechadas do Bank for International Settlements, dentro de luxuosos gabinetes de conselho de administração na Wall Street onde transacções financeiras de extremo alcance são rotineiramente efectuadas a partir de terminais de computador ligados aos principais mercados de acções, ao toque de um botão de rato.
Cada um dos autores aqui reunidos escava por trás da superfície dourada para revelar uma complexa teia de enganos e distorções dos media, os quais servem para esconder os trabalhos do sistema económico global e os seus impactos devastadores sobre as vidas das pessoas. A nossa análise centra-se no papel de poderosos actores económicos e políticos num ambiente forjado pela corrupção, pela manipulação financeira e pela fraude.
Apesar da diversidade de pontos de vista e de perspectivas apresentados neste volume, todos os colaboradores acabam por chegar à mesma conclusão: a humanidade está na encruzilhada da mais grave crise económica e social da história moderna.
O colapso dos mercados financeiros em 2008-2009 foi o resultado da fraude institucionalizada e da manipulação financeira. Os «resgates bancários» foram implementados com base nas instruções da Wall Street, levando à maior transferência de riqueza monetária da história registada, enquanto simultaneamente criava uma dívida pública inultrapassável.
Com a deterioração à escala mundial de padrões de vida e o afundamento dos gastos de consumo, toda a estrutura do comércio internacional de mercadorias está potencialmente em risco. O sistema de pagamentos de transacções em dinheiro está caótico. Em consequência do colapso do emprego, o pagamento de salários é quebrado, o que por sua vez dispara uma queda nas despesas com bens e serviços de consumo necessários. Esta queda dramática do poder de compra faz ricochete no sistema produtivo, resultando numa cadeia de despedimentos, encerramentos de fábricas e bancarrotas. Exacerbado pelo congelamento do crédito, o declínio na procura do consumidor contribui para a desmobilização de recursos materiais e humanos.
Este processo de declínio económico é cumulativo. Todas as categorias da força de trabalho são afectadas. O pagamento de salários deixa de ser cumprido, o crédito é interrompido e os investimentos de capital estão paralisados. Enquanto isso, em países ocidentais, a «rede de segurança social» herdada do estado previdência, a qual protege os desempregados durante uma retracção económica, está também em perigo.
O mito da recuperação económica

A existência de uma «Grande Depressão» na escala da década de 30, se bem que muitas vezes reconhecida, é obscurecida por um consenso inflexível: «A economia está a caminho da recuperação».
Apesar de haver conversas acerca de uma renovação económica, comentadores da Wall Street persistentemente e intencionalmente têm deixado de lado o facto de o colapso financeiro não ser unicamente composto por uma bolha – a bolha imobiliária da habitação – que já explodiu. De facto, a crise tem muitas bolhas que superam a explodida bolha habitacional de 2008.
Embora não haja desacordo fundamental entre os analistas da corrente dominante acerca da ocorrência de uma recuperação económica, há debates tempestuosos sobre quando ocorrerá, se no próximo trimestre ou no terceiro trimestre do próximo ano, etc. Já no princípio de 2010, a «recuperação» da economia dos EUA fora prevista e confirmada através de uma barragem de desinformação dos media com palavras cuidadosamente escolhidas. Enquanto isso, os problemas sociais do desemprego agravado na América foram criteriosamente camuflados. Economistas houve que viram a bancarrota como um fenómeno microeconómico.
As informações dos media acerca de bancarrotas, ainda que revelando realidades a nível local que afectam uma ou mais fábricas, não apresentam um quadro geral do que está a acontecer aos níveis nacional de internacional. Quando todos estes encerramentos simultâneos de fábricas em cidades por toda a terra são somados, emerge um quadro muito diferente: sectores inteiros de uma economia nacional estão a fechar.
A opinião pública continua a ser enganada quanto às causas e às consequências da crise económica, para não falar as soluções políticas. As pessoas são levadas a acreditar que a economia tem uma lógica por si própria a qual depende da livre inter-actuação de forças de mercado e que os poderosos actores financeiros, que puxam os cordéis nos gabinetes das administrações corporativas, não poderiam, sob quaisquer circunstâncias, ter deliberadamente influenciado o curso dos acontecimentos económicos.
A implacável e fraudulenta apropriação de riqueza é sustentada como uma parte integral do «sonho americano», como um meio de difundir os benefícios do crescimento económico. Como foi dito por Michael Hudson, arreiga-se o mito de que «sem riqueza no topo, nada poderia gotejar para baixo». Tal lógica enviesada do ciclo de negócios ofusca o entendimento das origens estruturais e históricos da crise económica global.
Fraude financeira

A desinformação dos media serve em grande medida os interesses de um punhado de bancos globais e especuladores institucionais, que utilizam o seu comando sobre mercados financeiros e de commodities para acumularem vastas quantias de riqueza monetária. Os corredores do Estado são controlados pelo establishment corporativo, incluindo os especuladores. Enquanto isso, os «resgates bancários», apresentados ao público como um requisito para a recuperação económica, facilitaram e legitimaram um processo ulterior de apropriação de riqueza.
Vastas quantias de riqueza monetárias são adquiridas através da manipulação do mercado. Mencionada muitas vezes como «desregulamentação», o aparelho financeiro desenvolveu instrumentos refinados de manipulação e engano sem rodeios. Com informação interna e conhecimento antecipado, os principais actores financeiros, utilizando os instrumentos do comércio especulativo, têm a capacidade para manipular e burlar os movimentos do mercado em seu proveito, precipitar o colapso de um competidor e arruinar economias de países em desenvolvimento. Estas ferramentas de manipulação tornaram-se uma parte integral da arquitectura financeira; elas estão incorporadas no sistema.
O fracasso da teoria económica dominante
A profissão das Ciências Económicas, particularmente nas universidades, raramente trata do funcionamento de mercados no «mundo real». Construções teóricas centradas em modelos matemáticos servem para representar um mundo abstracto e ficcional no qual os indivíduos são iguais. Não há distinção teórica entre trabalhadores, consumidores ou corporações, todos eles referidos como «actores individuais». Nenhum indivíduo isolado tem o poder ou a capacidade para influenciar o mercado; nem pode haver qualquer conflito entre trabalhadores e capitalistas dentro deste mundo abstracto.
Ao deixar de examinar a interacção de actores económicos poderosos na economia da «vida real», os processos de falsificação do mercado, a manipulação financeira e a fraude são ignorados. A concentração e centralização da tomada de decisão económica, o papel das elites financeiras, os thinks-tanks económicos, os gabinetes dos conselhos de administração das corporações: nada destas questões é examinada nos programas de ciências económicas das universidades. A construção teórica é disfuncional; ela não pode ser utilizada para o entendimento da crise económica.
A ciência económica é uma construção [construct] ideológica que serve para camuflar e justificar a Nova Ordem Mundial. Um conjunto de postulados dogmáticos serve para preservar o capitalismo de livre mercado pela negação da existência da desigualdade social e a natureza orientada para o lucro do sistema é negada. O papel de actores económicos poderosos e como estes actores são capazes de influenciar o funcionamento dos mercados financeiros e de commodities não é um assunto que preocupe os teóricos da disciplina. Os poderes de manipulação de mercado que servem para a apropriação de vastas quantias de riqueza monetária raramente são tratados. E quando são reconhecidos, considera-se que pertencem ao âmbito da sociologia ou da ciência política.
Isto significa que a estrutura política e institucional por trás deste sistema económico global, a qual foi moldada no decorrer dos últimos trinta anos, raramente é analisada pelos economistas da corrente principal. Segue-se que a teoria económica como disciplina, com algumas excepções, não proporcionou a análise necessária para compreender a crise económica. De facto, os seus principais postulados do livre mercado negam a existência de uma crise. O foco da teoria económica neoclássica está no equilíbrio, desequilíbrio e »correcção de mercado» ou «ajustamento» através do mecanismo de mercado, como meio de colocar a economia outra vez «dentro do caminho do crescimento auto-sustentado».
Pobreza e desigualdade social
A política económica global é um sistema que enriquece muito pouco a expensas da grande maioria. A crise económica global contribuiu para ampliar desigualdades sociais tanto dentro como entre países. Sob o capitalismo global, a pobreza que aumenta cada vez mais não é o resultado de uma escassez ou de uma falta de recursos humanos e materiais. Exactamente o oposto é que é verdadeiro: a depressão económica é marcada por um processo de separação de recursos humanos e de capital físico. Vidas de pessoas são destruídas. A crise económica está profundamente enraizada.
As estruturas de desigualdade social foram, de modo muito deliberado, reforçadas, levando não só a um processo generalizado de empobrecimento como também ao fim dos grupos de rendimento médios e acima da média.
O consumismo da classe média, sobre o qual este modelo desregrado de desenvolvimento capitalista está baseado, também está ameaçado. As bancarrotas atingiram vários dos sectores mais activos da economia do consumidor. As classes médias no ocidente foram, durante várias décadas, sujeitas à erosão da sua riqueza material. Se bem que a classe média exista em teoria, é uma classe construída e sustentada pelo endividamento das famílias.
Os ricos, ao contrário da classe média, estão rapidamente a tornar-se a classe consumidora, levando ao crescimento inexorável da economia de bens de luxo. Além disso, com a secagem dos mercados de bens manufacturados para a classe média, verificou-se uma mutação central e decisiva na estrutura do crescimento económico. Com o fim da economia civil, o desenvolvimento da economia de guerra da América, suportado por um colossal orçamento de defesa de quase um milhão de milhões de dólares, atingiu novos patamares. Quando os mercados de acções caiem a pique e a recessão alastra, as indústrias de armamento de elevada tecnologia, os militares, empreiteiros da segurança nacional e as prósperas companhias de mercenários (entre outras) vivem uma expansão e um crescimento desmedido das suas actividades.
Guerra e crise económica
A guerra está umbilicalmente ligada ao empobrecimento do povo, internamente e em o mundo. A militarização e a crise económica estão intimamente relacionadas. O fornecimento de bens e serviços essenciais para atender necessidades humanas básicas foi substituído por uma «máquina de matar» orientada para o lucro a apoiar a «Guerra global ao terror» da América. Os pobres existem para combater os pobres. Mas a guerra enriquece a classe superior, a que controla a indústria, os militares, o petróleo e a banca. Numa economia de guerra, a morte é um bom negócio, a pobreza é boa para a sociedade e o poder é bom para os políticos. Os países ocidentais, particularmente os Estados Unidos, gastam centenas de milhares de milhões de dólares por ano para assassinar pessoas inocentes em distantes países empobrecidos, enquanto internamente o povo sofre as disparidades de pobreza, classe, género e racial.
Uma «guerra económica» total que resulta em desemprego, pobreza e doença é executada através do livre mercado. As vidas de povos estão em queda livre e o seu poder de compra é destruído. Num sentido muito real, os últimos vinte anos de economia global de «livre mercado» terminaram, através da pobreza e da exclusão social, com as vidas de milhões de pessoas.
Em vez de impedir a catástrofe social, os governos ocidentais, que servem os interesses das elites económicas, instalaram uma polícia de Estado «Big Brother», com mandato para confrontar e reprimir todas as formas de oposição e discordância social.
A crise económica e social não atingiu de forma alguma o seu clímax e todos os países, incluindo a Grécia e a Islândia, estão em risco. Basta apenas olhar para a escalada da guerra no Médio Oriente e Ásia Central e para as ameaças dos EUA-NATO à China, Rússia e Irão para testemunhar como a guerra e a economia estão intimamente relacionados.

A nossa análise neste livro
Os colaboradores deste livro revelam as complicações da banca global e o seu insidioso relacionamento com o complexo militar industrial e os conglomerados petrolíferos. O livro apresenta uma abordagem inter-disciplinar e multi-facetada, dando também um entendimento das dimensões históricas e institucionais. As relações complexas da crise económica com a guerra, o império e a pobreza mundial são destacadas. Esta crise tem um alcance verdadeiramente global e sobre as repercussões que se reflectem em todos os países e sociedades.
Na Parte I, as causas gerais da crise económica global bem como os fracassos das teorias económicas dominantes são evidenciados. Michel Chossudovsky foca a história da desregulamentação financeira e da especulação. Tanya Cariina Hsu analisa o papel do Império Americano e o seu relacionamento com a crise económica. John Bellamy Foster e Fred Magdoff asseguram uma revisão abrangente da política económica da crise, explicando o papel central da política monetária. James Petras e Claudia von Werlhof apresentam uma revisão pormenorizada e crítica do neoliberalismo, centrando-se sobre as repercussões económicas, políticas e sociais das reformas do «livre mercado». Shamus Cooke examina o papel central da dívida, tanto pública como privada.
A Parte II, que inclui capítulos de Michel Chossudovsky e Peter Philips, analisa a maré ascendente de pobreza e desigualdade social resultante da Grande Depressão.
Com contribuições de Michel Chossudovsky, Peter Dale Scott, Michael Hudson, Bill Van Auken, Tom Burghardt e Andrew Gavin Marshall, a Parte III examine o relacionamento entre crise económica, Segurança Nacional, a guerra conduzida pelos EUA-NATO e o governo mundial. Neste contexto, descrito por Peter Dale Scott, a crise económica cria condições sociais que favorecem a instauração da lei marcial.
A atenção da Parte IV incide sobre o sistema monetário global, sua evolução e seu papel cambiante. Andrew Gavin Marshall examina a história da banca central bem como várias iniciativas para criar sistemas de divisas regionais e global. Ellen Brown foca a criação de um banco central global e de uma divisa global através do Bank for International Settlements (BIS). Richard C. Cook examina o sistema monetário baseado na dívida como um sistema de controle e apresenta linhas mestras para democratizar o sistema monetário.
A Parte V foca o funcionamento do Sistema Bancário Sombra, o que provocou o colapso dos mercados financeiros em 2008. Os capítulos de Mike Whitney e Ellen Brown descrevem em pormenor como o esquema de Ponzi da Wall Street foi utilizado para manipular o mercado, transferir milhares de milhões de dólares para os bolsos dos banksters.
Estamos em dívida para com os autores pela sua investigação cuidadosamente documentada, análise incisiva e, acima de tudo, pelo compromisso inquebrantável para com a verdade: Tom Burghardt, Ellen Brown, Richard C. Cook, Shamus Cooke, John Bellamy Foster, Michael Hudson, Tanya Cariina Hsu, Fred Magdoff, James Petras, Peter Phillips, Peter Dale Scott, Mike Whitney, Bill Van Auken e Claudia von Werlhof apresentaram, com absoluta clareza, um entendimento dos diversos e complexos processos económicos, sociais e políticos que estão a afectar as vidas de milhões de pessoas por todo o mundo.
Temos uma dívida de gratidão para com Maja Romano da Global Research Publishers, incansavelmente supervisionou e coordenou a edição e produção deste livro, incluindo a ideia criativa da capa. Agradecemos a Andréa Joseph a cuidadosa foto composição do manuscrito e dos gráficos da capa. Também estendemos nossos agradecimentos a Isabelle Goulet, Julie Lévesque e Drew McKevitt pelo seu apoio na revisão e correcção do manuscrito.
TABLE OF CONTENTS
Preface Michel Chossudovsky and Andrew Gavin Marshall
PART I THE GLOBAL ECONOMIC CRISIS
Chapter 1 The Global Economic Crisis: An Overview Michel Chossudovsky
Chapter 2 Death of the American Empire Tanya Cariina Hsu
Chapter 3 Financial Implosion and Economic Stagnation John Bellamy Foster and Fred Magdoff
Chapter 4 Depression: The Crisis of Capitalism James Petras
Chapter 5 Globalization and Neoliberalism: Is there an Alternative to Plundering the Earth? Claudia von Werlhof
Chapter 6 The Economy’s Search for a “New Normal” Shamus Cooke
PART II GLOBAL POVERTY
Chapter 7 Global Poverty and the Economic Crisis Michel Chossudovsky
Chapter 8 Poverty and Social Inequality Peter Phillips
PART III WAR, NATIONAL SECURITY AND WORLD GOVERNMENT
Chapter 9 War and the Economic Crisis Michel Chossudovsky
Chapter 10 The “Dollar Glut” Finances America’s Global Military Build-Up Michael Hudson
Chapter 11 Martial Law, the Financial Bailout and War Peter Dale Scott
Chapter 12 Pentagon and Intelligence Black Budget Operations Tom Burghardt
Chapter 13 The Economic Crisis “Threatens National Security” in America Bill Van Auken
Chapter 14 The Political Economy of World Government Andrew Gavin Marshall
PART IV THE GLOBAL MONETARY SYSTEM
Chapter 15 Central Banking: Managing the Global Political Economy Andrew Gavin Marshall
Chapter 16 The Towers of Basel: Secretive Plan to Create a Global Central Bank Ellen Brown
Chapter 17 The Financial New World Order: Towards A Global Currency Andrew Gavin Marshall
Chapter 18 Democratizing the Monetary System Richard C. Cook
PART V THE SHADOW BANKING SYSTEM
Chapter 19 Wall Street’s Ponzi Scheme Ellen Brown,
Chapter 20 Securitization: The Biggest Rip-off Ever Mike Whitney
* Michel Chossudovsky, Professor (Emérito) de Teoria Económica na Universidade de Ottawa e Director do Centre for Research on Globalization, Montreal, é amigo e colaborador de odiario.info. Andrew Gavin Marshall, que se tem debruçado sobre as estruturas contemporâneas do capitalismo e a história da política económica global, é investigador associado do Centre for Research on Globalization.
 
Este texto foi originalmente publicado em
www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=19025

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Capitalismo em crise....

O medo dos europeus. E dos Estados Unidos

Fears Intensify That Euro Crisis Could Snowball
por NELSON D. SCHWARTZ e ERIC DASH


Do New York Times (em inglês, aqui) via Viomundo

Depois de uma breve pausa que se seguiu ao anúncio na semana passada de um plano de ajuda de 1 trilhão de dólares da Europa, o medo nos mercados financeiros está crescendo novamente, desta vez com preocupações com o fato de que os grandes bancos continentais vão enfrentar dificuldades que poderão prejudicar as economias europeias.
Num sinal de profunda ansiedade, o euro caiu na sexta-feira a seu ponto mais baixo desde o início da crise financeira, quando investidores abandonaram a moeda, assim como ações, em favor de ouro e de outros bens que oferecem mais segurança.
Nas negociações de segunda de manhã, o euro caiu de novo, chegando num momento e atingir um patamar recorde de quatro anos em relação ao dólar.
O presidente do Banco Central europeu, Jean-Claude Trichet, numa entrevista publicada sábado, advertiu que a Europa está diante de “severas tensões” e que os mercados estão frágeis.
Para os bancos europeus, os problemas são duplos. Os custos de empréstimos de curto prazo estão aumentando, o que poderia levar as instituições a evitar novos empréstimos ou se desfazer dos antigos, ameaçando o crescimento econômico.
Ao mesmo tempo, instituições mais seguras em economias sólidas como a França e a Alemanha tem grande quantidade de ações de seus vizinhos trêmulos, como Espanha, Portugal e Grécia.
Os investidores temem que com muitos governos sob o peso de grandes déficits, a dívida das nações mais fracas que usam o euro como moeda terá de ser reestruturada, reduzindo profundamente o valor de seus papéis. Isso acertaria duramente as instituições financeiras europeias e poderia ricochetear em todo o sistema bancário global.
Papéis ligados aos bancos europeus perderam valor na sexta-feira por causa deste temor, e Wall Street seguiu. As ações também cairam em Tóquio e na Austrália no início dos negócios da segunda-feira.
“Este resgate não foi feito para salvar os gregos; foi feito para ajudar os bancos franceses e alemães”, disse Niall Ferguson, um historiador de economia de Harvard. “Jogaram alguma água no fogo, mas o fogo não foi extinto”.
O plano de resgate europeu, totalizando 750 bilhões de euros, tem o objetivo de evitar o risco de quebra, mas aumentaria vastamente os empréstimos. Isso poderia impedir a nascente recuperação econômica da Europa.
Na verdade, foram as dívidas que causaram o problema inicial: um novo relatório do Fundo Monetário Internacional adverte que “os altos graus de endividamento público poderiam pesar no crescimento econômico por anos”.
O déficit mundial como porcentagem do PIB está em 6%, quando estava em apenas 0,3% antes da crise financeira. Se o endividamento público não for reduzido ao nível de antes da crise, diz o relatório do FMI, o crescimento econômico das economias avançadas poderia cair 0,5 ponto percentual anualmente.
Mas nem todas as tendências são negativas. Um euro mais baixo vai tornar as exportações europeias — sejam os automóveis alemães ou os objetos de couro italianos — mais competitivos em todo o mundo.  E a Grécia, a Espanha e Portugal tomaram medidas de austeridade na semana passada para reduzir os seus déficits orçamentários.
Esses passos não foram suficientes para prevenir o sumiço de dinheiro dos fundos “money market”, uma esquina pouco notada mas crucial do sistema financeiro na qual os investidores americanos oferecem mais de 500 bilhões de dólares em empréstimos para que os bancos europeus financiem suas operações diárias.
O dinheiro vem de fundos conservadores que controlam a poupança de grandes corporações dos Estados Unidos e de consumidores individuais.
Até agora, o pacote de resgate proposto não conseguiu reduzir a preocupação destes fundos, que cortaram os empréstimos para os bancos europeus e estão exigindo maiores taxas de juros e repagamento mais rápido.
“Mais gente está tomando decisões de sim ou não para cair fora deste mercado e manter o dinheiro mais perto de casa”, disse Lou Crandall, o economista-chefe do Wrightson ICAP, uma empresa de pesquisa do mercado.
Inicialmente, foram os bancos gregos e portugueses que foram desprezados pelos investidores americanos. Mas nas últimas duas semanas os grandes bancos da Espanha, da Irlanda e da Itália tiveram dificuldades para assegurar empréstimos de curto prazo dos Estados Unidos por causa do aumento da ansiedade.
Na sexta-feira, mesmo os bancos de sólidas economias europeias, na França, Alemanha e Holanda, foram afetados, de acordo com corretores e analistas de mercado.
“Os investidores estão esperando para ver se o pacote de estabilização é de fato adotado”, disse Alex Roever, um analista da J.P. Morgan Securities.
“Enquanto os investidores sentem a situação, ficamos pendurados no limbo”.
Por causa do recuo dos investidores americanos, a taxa que os bancos cobram uns dos outros para empréstimos, conhecida como Libor para London Interbank Offered Rate, tem subido constantemente. E a importância da Libor vai muito além da Europa: é a taxa que ajuda a determinar as taxas de juros em muitos empréstimos imobiliários e nos cartões de crédito dos consumidores dos Estados Unidos.
As taxas de empréstimo dos bancos ainda estão bem abaixo do ápice da crise financeira. Temor de que os problemas da Europa façam efeito nos Estados Unidos, no entanto, levou o Banco Central americano a retomar linhas de crédito para o Banco Central Europeu e outros bancos centrais em conjunção com o pacote de resgate europeu anunciado uma semana atrás.
A medida garantiu que as instituições europeias poderão tomar dólares para emprestar a seus clientes, mas isso é mais caro do que contar com o dinheiro de investidores privados.
“Não fizemos isso por amor especial à Europa”, Narayana R. Kocherlakota, o presidente do Banco Central de Minneapolis, disse a um grupo de pequenos empresários de Wisconsin na quinta-feira. “Somos autoridades dos Estados Unidos  e tomamos decisões para manter a economia americana forte”. No entanto, ele disse, “os problemas de liquidez nos mercados europeus podem criar problemas perigosos de falta de liquidez em nossos próprios mercados financeiros”.
Não é o único dominó que pode cair.
Se a exposição direta de bancos americanos à Grécia é mínima, as instituições financeiras dos Estados Unidos estão fortemente interligadas a grandes bancos europeus, os quais tem grandes investimentos nas nações mais fracas da Europa.
Por exemplo, os bancos portugueses devem 86 bilhões de dólares a bancos da Espanha, que por sua vez devem 238 bilhões a bancos alemães e 220 bilhões de dólares a bancos franceses. Os bancos americanos também controlam grande quantidade de dívida de bancos espanhóis,  cerca de 200 bilhões de dólares, de acordo com o Banco de International Settlements, uma organização global que serve a bancos centrais.
Além disso, os formuladores das políticas financeiras se encontram quase sem armas em seu arsenal.
Depois de emprestar trilhões para estimular suas economias e acabar com as preocupações de crédito durante a última onda de medo no fim de 2008 e início de 2009, os governos não podem emprestar outros trilhões sem causar inflação e atropelar outros emprestadores, como indivíduos e companhias. As taxas de juros de curto prazo, próximas de zero nos Estados Unidos, não podem mais ser reduzidas. E passos vitais como o aumento de impostos ou corte de investimentos poderiam atrapalhar o início da recuperação econômica do norte da Europa e piorar a situação de economias em dificuldades como a da Espanha, onde o desemprego recentemente ultrapassou 20%.
Com a exceção dos tempos de guerra, “as finanças públicas da maioria dos países industriais avançados estão em estado pior hoje do que em qualquer outro período desde a revolução industrial”, Willem Buiter, o principal economista do Citibank, escreveu em um relatório recente.

“Restaurar o equilíbrio financeiro vai emperrar o crescimento por muitos anos”.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Crise...


Ações nos bastidores
por Silvio Caccia Bava
Estamos entrando em um período de grandes mudanças. E são sinais dos tempos ouvir que o Fundo Monetário Internacional quer regular e taxar a circulação internacional dos capitais. Mesmo os grandes bancos privados começam a se dar conta, porque vários quebraram, que deixados à sua sina caminham para uma disputa alucinada e para a própria destruição.
Por outro lado, avaliações do impacto da crise nos diferentes países ressaltaram o importantíssimo papel que tiveram os bancos públicos, com uma ação coordenada, para enfrentar esse cenário adverso. Países como a Índia, que nacionalizou seus bancos, ou o Brasil, que tem quase metade do seu sistema financeiro público, sofreram menos por disporem desses recursos públicos e da capacidade de gestão para mobilizá-los na crise. 
Abre-se, assim, um debate represado há muitos anos, que hoje conta com uma maior audiência: o do controle público sobre o sistema financeiro nacional e internacional e as transações financeiras internacionais. Dito de outra forma, mais abrangente: a crise abriu a possibilidade de se instituir novos controles democráticos sobre a economia.
No auge da crise foram eles, os principais agentes financeiros privados, que desenharam o pacote de ajuda do governo estadunidense a si próprios. E aceitaram, pelo impacto social enorme de suas próprias ações, pelos efeitos sociais perversos da crise, pelas questões de governabilidade, debater um novo pacto de regulação do sistema financeiro, incluindo um maior controle sobre os paraísos fiscais.
As últimas estimativas são de que, globalmente, foram destinados mais de US$ 13 trilhões de recursos públicos para salvar as grandes corporações privadas. Nunca havia se visto tanta riqueza mobilizada do dia para a noite. Como essas grandes corporações foram capazes de impulsionar, com tamanha rapidez, tantos recursos públicos no seu interesse privado?
John Dewey, um dos mais proeminentes filósofos americanos do século XX, concluía que a política em nossos países é definida, nos bastidores, pelas grandes corporações, e que vai continuar sendo assim enquanto o poder residir nos negócios orientados para o lucro, através do controle privado dos bancos, da terra, da indústria, reforçado pelo comando da imprensa, dos jornalistas e de outros meios de publicidade e propaganda.1
O neoliberalismo dos anos 1990 fez mais. Construiu todo o arcabouço legal e institucional para que a política não tocasse na economia, não tocasse nos interesses “do mercado”. Políticas como a de um Banco Central independente são expressão dessa engenharia institucional. 
No Brasil, dinheiro e poder continuam associados, mas temos tido avanços nas dimensões republicana e democrática das ações do poder público. Há uma ação mais efetiva do sistema judiciário e da polícia federal no combate à corrupção na política, que acabou por afastar governadores, executivos e parlamentares dos cargos, acusados de uso privado do dinheiro público, de captação ilícita de recursos para campanhas eleitorais, de favorecimentos a empresas em licitações para obras e serviços públicos. Mas, apesar desses avanços, não se tem notícia da penalização das empresas envolvidas – supostamente, os agentes corruptores. Há também várias iniciativas da sociedade civil, que vão desde a defesa de uma reforma política até o projeto de lei que impede a candidatura de pessoas condenadas pela Justiça, batizado de Ficha Limpa, apresentado ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular, respaldado por 1,5 milhão de assinaturas.
A abordagem mais comum para tratar do tema dos abusos do poder econômico na arena da política acaba por acusar a natureza humana – e os políticos de maneira geral – por se deixar seduzir pelo dinheiro. Esquecem do que Dewey aponta como “as ações nos bastidores”, que são constitutivas mesmo do modo de fazer política das grandes corporações.
Pois o que está em questão agora é justamente a possibilidade de um novo desenho institucional, da realização de um novo pacto, no qual, em nome do interesse de todos, os atores econômicos passam a atuar nos marcos de um planejamento público e um controle democrático. Serão novos paradigmas de produção e consumo, serão novas formas de exercício da democracia e do controle social incidindo sobre os poderes públicos e os atores econômicos.
Ainda que as lutas sociais tenham ampliado, ao longo do tempo, o que hoje entendemos por democracia, o reconhecimento de direitos e a extensão de políticas sociais, na dimensão propriamente política parece não ter havido grandes avanços. A pergunta continua sendo como garantir que a democracia controle a economia – e não o contrário.
Para que essa política dos bastidores e a corrupção na política possam ser superadas, as regras do jogo precisam mudar. O financiamento das campanhas eleitorais está no centro desse debate. E se adotássemos, por exemplo, as regras de financiamento de campanhas eleitorais de Quebec, no Canadá, onde todos os candidatos têm um teto para a arrecadação de contribuições? Ou o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, proibindo as contribuições do setor privado?
O tema central do pacto pode ser o de tirar a política dos bastidores e trazê-la para o centro do espaço público, apaziguar a sociedade brasileira, promover a redução da enorme desigualdade social, a redução da violência em nossa sociedade e garantir a extensão das políticas públicas de qualidade por todo o território.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

1 Citado por Noam Chomsky à pág. 206 em Failed States, Metropolitan Books, NY, 2006.

Luta contra a Homofobia...

Marcha contra a homofobia reunirá manifestantes de todo o Brasil

Image CNTE estará no evento com a campanha Respeito à Diversidade e Educação Andam Juntos
 
 
Nesta quarta-feira (19), Brasília vai ser palco da 1ª Marcha Nacional Contra a Homofobia e o 1° Grito Nacional pela Cidadania LGBT. Segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), organizadora do evento, a mobilização deve reunir, a partir das 9h, cerca de 1500 pessoas de todos os estados, na Esplanada dos Ministérios. A Marcha celebra o Dia Internacional de Combate à Homofobia (17 de maio) e traz à tona grandes reivindicações da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).

  “Queremos combater o fundamentalismo religioso, defender o estado laico (sem interferência da religião), mobilizar pela aprovação do Projeto de Lei 122/2006 – da senadora Fátima Cleide (PT-RO), que torna crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero –, exigir cumprimento do Plano Nacional LGBT e pressionar o julgamento de várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) pelos direitos da categoria”, declara o presidente da ABGLT,  Tony Reis.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação convidou suas entidades afiliadas para participarem do evento e reforçar a campanha Respeito à Diversidade e Educação Andam Juntos. “A maioria dos integrantes do Coletivo Nacional de Diversidade Sexual da CNTE, que tem o objetivo de diminuir o preconceito nas escolas, participará da Marcha”, informa o secretário de Políticas Sindicais da CNTE, José Carlos Prado, o Zezinho. 

De acordo com a ABGLT, 40% dos adolescentes não gostariam de estudar com um gay, uma lésbica ou um travesti. “Funcionários e professores nunca tiveram uma formação específica para saberem lidar com a diversidade sexual em sala. Isso contribui para o aumento do preconceito no ambiente escolar, incentivando o abandono das escolas por homossexuais. E os culpados por essa negligência são os governantes”, lamenta Zezinho.

De segunda (17) a quarta-feira (19), a ABGLT se reúne com 12 ministros de Estado, incluindo Fernando Haddad, da Educação. O encontro com o MEC será nesta terça-feira (18), a partir das 16h. “Vamos cobrar do MEC como a diversidade sexual será discutida no ensino básico e superior. Queremos  a inserção de materiais didáticos nas instituições para trabalhar a questão LGBT de forma científica e sem preconceitos e incluir no currículo uma disciplina sobre o respeito à diversidade humana”, defende Tony.

Ser gay não é doença
O Dia Internacional de Combate à Homofobia foi instituído em 17 de maio por causa de uma decisão histórica da Organização Mundial da Saúde. Há 20 anos, nessa mesma data, a OMS tirou a Homossexualidade da sua lista de doenças mentais. Desde então, também não se usa o termo “homossexualismo”, já que o prefixo “ismo” se remete a uma enfermidade.

Fonte: CNTE, 17/05/2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

Os ruralistas são blindados pela mídia(mérdia?) corporativa....

 Mídia oculta os crimes dos ruralistas

A Agência Câmara noticiou nesta semana que a Polícia Federal ouviu os depoimentos de três ex-diretores do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), entidade vinculada aos ruralistas, suspeitos de fraudes em licitações que causaram rombo de R$ 10 milhões aos cofres públicos.


Por Altamiro Borges, em seu blog

A mídia hegemônica, que clamou pela instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) contra o MST, simplesmente evitou tratar do assunto. Ela faz alarde contra as entidades ligadas à reforma agrária, mas silencia totalmente sobre as falcatruas dos barões do agronegócio.

A reportagem revela que o esquema foi descoberto durante a “Operação Cartilha”, desencadeada em fevereiro passado. “Um dos ouvidos, segundo informações da PF, foi indiciado por formação de quadrilha e fraude em licitação. A Polícia Federal não revelou os nomes dos ouvidos e nem quem foi indiciado. Prestaram depoimento ao delegado Irene Pereira, esposa do deputado federal Homero Pereira (PR) e outros dois ex-diretores do Senar. Sendo que ela foi indiciada”. Irene e outros cinco executivos sob investigação sigilosa faziam parte da alta gerência do Senar.

Desvio para a campanha eleitoral?

A “Operação Cartilha” foi solicitada pela Controladoria-Geral da União para apurar o desvio de materiais destinados ao Programa de Formação Rural do Senar. A CGU estima que o prejuízo ao erário seja de R$ 9.926.601,41. “Investigações da PF indicam que contratações de entidades sem fins lucrativos visavam, na realidade, favorecer empresas do ramo gráfico de Brasília”. Inúmeras contratações foram executadas sem licitações e com preços superfaturados. Há suspeitas de que o dinheiro seria desviado para as campanhas eleitorais de candidatos vinculados aos ruralistas.

Esta não é a primeira, nem será a última, denúncia envolvendo os barões do agronegócio, que se travestem de “paladinos da ética” e lideram a histeria contra os subsídios públicos concedidos às entidades vinculadas à reforma agrária. O Senar, administrado pelas federações estaduais filiadas à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), presidida pela fascistóide Kátia Abreu, gerencia milhões de reais dos cofres públicos sem qualquer transparência. Levantamento recente confirma os seguintes valores doados às entidades ruralistas para a “qualificação dos produtores rurais”:


- Senar/Acre – R$ 978.854,63




- Senar/Alagoas – R$ 778.188,26




- Senar/Amazonas – R$ 663.270,90




- Senar/Amapá – R$ 426.151,81




- Senar/Bahia – R$ 2.171.477,38




- Senar/Ceará – R$ 3.782.325,73




- Senar/Distrito Federal – R$ 352.188,11




- Senar/Espírito Santo – R$ 411.689,98




- Senar/Goiás – R$ 1.634.195,00




- Senar/Maranhão – R$ 1.670.632,30




- Senar/Minas Gerais – R$ 11.274.446,00




- Senar/Mato Grosso do Sul – R$ 1.752.641,00




- Senar/Mato Grosso – R$ 3.813.263,87




- Senar/Pará – R$ 1.517.276,68




- Senar/Paraíba – R$ 184.633,07




- Senar/Pernambuco – R$ 400.000,00




- Senar/Piauí – R$ 345.638,43




- Senar/Paraná – R$ 6.710.444,31




- Senar/Rio de Janeiro – R$ 1.105.468,25




- Senar/Rio Grande do Norte – R$ 318.511,33




- Senar/Roraima – R$ 502.979,08




- Senar/Rondônia – R$ 1.047.509,27




- Senar/Rio Grande do Sul – R$ 4.817.230,00




- Senar/Santa Catarina – R$ 2.838.636,77




- Senar/Sergipe – R$ 609.533,90




- Senar/São Paulo – R$ 9.625.122,90




- Senar/Tocantins – R$ 650.523,70.


Kátia Abreu sob suspeição

Este enorme volume de recursos, porém, geralmente não é destinado à formação dos produtores. Ele serve, inclusive, para o pagamento de altos salários aos dirigentes das entidades ruralistas – o que é ilegal. A Federação da Agricultura de São Paulo, por exemplo, já foi condenada a devolver um milhão de reais, desviados para o pagamento de diárias dos seus dirigentes. As entidades dos ruralistas do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso do Sul também já estão sob investigação.

No caso da federação dos ruralistas do Tocantins, presidido por Kátia Abreu entre 1995-2005, as suspeitas são ainda mais graves. O Tribunal de Contas da União (TCU) já questionou a prestação de contas do Senar e até convocou Kátia Abreu para esclarecimentos. O caso é tão sinistro que a própria CNA, antes da eleição da senadora para sua presidência, decretou intervenção na unidade do Tocantins.

A sujeira parece ser brava. Mas a mídia prefere ocultar os crimes dos ruralistas – inclusive porque Kátia Abreu é sondada para ser vice na chapa do demo-tucano José Serra.

Lula, o Irã e a mídia corporativa...

Demonização da viagem de Lula ao Irã ancora-se em argumentos falaciosos e tendenciosos
Escrito por Luiz Eça no Correio da Cidadania  
 
Dificilmente a visita de um chefe de Estado a outro país causou tantas críticas quanto a que Lula está fazendo ao Irã.
 
Desde Hillary Clinton até deputados brasileiros, passando por Bernard Kouchner (ministro das Relações Exteriores da França), jornalistas nacionais , congressistas e colunistas americanos, entre outros, criticaram o nosso presidente de diversas maneiras.
 
A maioria considerou essa viagem uma aproximação, digamos, vil, com uma ditadura cruel que prende, mata e tortura opositores. Não se pode negar que estas afrontas aos direitos humanos têm acontecido no Irã, depois das manifestações de repúdio à eleição de Ahmadinejad.
 
Pelo menos episodicamente, o governo iraniano não ficou omisso. Está processando 12 indivíduos suspeitos de torturar até a morte 3 oposicionistas. Além disso, depois de repetidas denúncias sobre barbaridades cometidas na prisão de Kahizak, ordenou seu fechamento.
 
Claro, devia fazer muito mais, especialmente porque, ao que se sabe, as violências contra adversários continuam. No entanto, nesse quesito, EUA e Israel ficaram atrás, pois nesses países os violadores dos direitos humanos continuam livres e tranqüilos.
 
Ao reconhecer as torturas da gestão Bush, Obama declarou que seus autores não seriam punidos. Ele proibiu essas práticas, mas, infelizmente, parece que elas continuam. Só para ficar em exemplos recentes, ainda na primeira semana de maio, a Cruz Vermelha denunciou a existência no Afeganistão de uma prisão secreta para suspeitos na base aérea de Bagran. E 9 ex-prisioneiros, liberados por falta de provas, declararam que foram submetidos a abusos no local. Simon Hersh, o famoso repórter que denunciou My Lay e Abu Ghraib, revelou, em Genebra, na Conferência Global do Jornalismo Investigativo, que inimigos capturados na guerra do Afeganistão, em vários casos, foram executados no próprio campo de batalha pelo exército americano.
 
Quanto a Israel, as autoridades do emirado de Dubai (grande amigo dos EUA) continuam acusando o Mossad de ter executado um homem do Hamas em plena cidade árabe. Pediram até à Interpol a prisão de vários agentes e do chefe do serviço secreto israelense. Lembramos ainda o inquérito da ONU, presidido por um juiz judeu, que acusou o exército do governo de Telaviv de crimes de guerra e contra a humanidade no ataque a Gaza, o qual vitimou mais de 1.000 civis. Nem os judaicos, nem os oficiais das forças armadas receberam as devidas punições.
 
Apesar destes fatos criminosos de responsabilidade dos governos dos EUA e de Israel, ninguém jamais pensou em censurar Lula quando viajou para estes países.
 
Curiosamente, são eles que clamam com maior fúria por sanções ao Irã, que o forçassem a abandonar um programa de engenhos nucleares ainda não provado. Dizem que o enriquecimento do urânio demonstraria as intenções iranianas de produzir armas nucleares. O que seria uma catástrofe nas mãos de um “rogue state” (um estado entre delinqüente e irresponsável) que já prometera jogar Israel no mar.
 
Embora Ahmadinejad tenha declarado que fora mal entendido, que jamais pretendera atacar Israel, que a História é que acabaria com o regime sionista, por seu caráter racista – o ato de fundação afirma Israel como estado judaico -, a grande imprensa internacional e brasileira ignoraram suas explicações. Como também ignoraram que, na verdade, quem toca os tambores de guerra na região, comportando-se como autênticos ‘rogue states”, são os EUA – com menções ao célebre “todas as opções estão sobre a mesa” - e Israel, com sucessivas ameaças de ataque ao Irã.
 
Os exemplos são muitos. Novamente mencionaremos apenas os mais recentes.
 
Neste mês, Gary Samore, coordenador na Casa Branca do controle de armas de destruição em massa, informou à Reuters que seu governo havia pressionado Moscou a não entregar ao Irã o sistema antimíssil S-300, já contratado. “Deixamos claro aos russos que isso traria um impacto em nossas relações bilaterais significativo. Os russos entenderam que as conseqüências seriam severas”. E nós entendemos que o governo Obama está zelando para enfraquecer as defesas iranianas e, por conseqüência, tornar eventuais ataques ao país mais destrutivos. Nada mais bizarro da parte de um Prêmio Nobel da Paz
 
Na semana que passou, Moshe Ya´alon, vice-primeiro ministro de Israel, anunciou que suas forças aéreas estavam prontas para a guerra contra o Irã. Ya´alon, apesar do alto posto que ocupa num governo que se diz empenhado na paz com os palestinos, já os qualificou como um “câncer”.
 
Estes fatos não são levados em conta pelos críticos da viagem de Lula, que ajuntam a seus argumentos a consideração de que a amizade com o Irã está afastando o Brasil da comunidade internacional. A maioria dos nossos comentaristas e muitos políticos enchem a boca quando falam nessa “comunidade internacional”, sem perceber que este termo está sendo usado de maneira pelo menos incorreta, para não dizer arrogante e até racista, pois os 118 países não alinhados já se manifestaram contra as sanções. Será que estes 118, por serem asiáticos, africanos e latino-americanos, não integram a “comunidade internacional”? Será que dela só merecem fazer parte os europeus e norte-americanos, talvez, por coincidência, povos basicamente brancos? Aparentemente, eles esqueceram que os tempos dos impérios coloniais já se foram. E que agora países negros, amarelos e vermelhos são membros do mundo civilizado.
 
A última observação que essa peculiar “comunidade internacional” faz é que, dialogando com o Brasil e a Turquia, co-participante das conversações de paz em Teerã, estão fazendo o jogo dos aiatolás que visam ganhar tempo, adiar ao máximo as sanções contra seu país, até poderem concluir seus artefatos nucleares. Hillary Clinton acaba de telefonar para o presidente turco advertindo-o insistentemente desta falácia islâmica.
 
Parece um argumento pífio. Se todas as autoridades técnicas concordam que o Irã precisaria de ao menos 5 anos para produzir sua primeira bomba de destruição em massa, seria uma missão impossível para o governo de Teerã conseguir enrolar o mundo por um prazo tão avultado.
 
O Financial Times de 13 de maio considera que, ao tentar mediar um diálogo com o Irã, o Brasil “desafia a política externa dos EUA”. É verdade, essa política tem um norte hoje muito claro: impor sanções tão terríveis que isolem o Irã do comércio mundial e o levem a uma crise capaz de provocar a queda do regime dos aiatolás. E sua substituição por gente mais cordata.
 
Alega-se que Obama passou um ano estendo a mão a Ahmadinejad sem obter respostas. Não foi bem assim. Suas mãos estendidas tinham os punhos fechados, ameaçando socos, pois, desde junho de 2009, não houve uma única tentativa de aproximação concreta dos EUA, apenas retórica, coisa em que seu presidente é mestre, enquanto as ameaças, partidas especialmente da gaviã Hillary Clinton, foram constantes.
 
Não há dúvida de que o Irã vem praticando violências altamente reprováveis contra a oposição. Mas, como diria a filósofa Denise Charuto, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. As justas críticas às ações repressivas do governo dos aiatolás não o transformam em réu na presente crise nuclear. Até os opositores mais ardorosos de Ahmadinejad defendem o direito do país de ter um programa nuclear pacífico e condenam as sanções que os EUA e seguidores querem lhe impor.
 
Nesta semana, as coisas podem se encaminhar bem. Já se sabe que o Irã está disposto a fazer concessões às propostas dos chefes do governo do Brasil e da Turquia – de envio do urânio iraniano de baixo enriquecimento ao território turco, onde ficaria até ser trocado com o urânio enriquecido a 20 graus na França ou na Rússia.
 
Além disso, de Bruxelas, a agência DPA reportou que está sendo agendada uma reunião entre Catherine Ashton, chefe de Política Internacional da União Européia, e o chefe das negociações nucleares do Irã, Saeed Jalili, por iniciativa de Ahmed Davotaglu, ministro das Relações Exteriores da Turquia.
 
Há possibilidades de que a tão criticada viagem do presidente Lula a Teerã poderá representar um princípio da solução da crise.
 
Luiz Eça é jornalista.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A sociedade do consumismo.....

O império do consumo

por Eduardo Galeano
Cartoon de Poderiu. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos as suas ordens imperiosas de consumo, difunde entre todos a febre compradora; mas sem remédio: para quase todos esta aventura começa e termina no écran do televisor. A maioria, que se endivida para ter coisas, termina por ter nada mais que dívidas para pagar dívidas as quais geram novas dívidas, e acaba a consumir fantasias que por vezes materializa delinquindo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efémera, que se esgota como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas para que outro mundo vamos mudar-nos?

A explosão do consumo no mundo actual faz mais ruído do que todas as guerras e provoca mais alvoroço do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco: quem bebe por conta, emborracha-se o dobro. O carrossel aturde e confunde o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço. Mas a cultura de consumo soa muito, tal como o tambor, porque está vazia. E na hora da verdade, quando o estrépito cessa e acaba a festa, o borracho acorda, só, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos partidos que deve pagar. A expansão da procura choca com as fronteiras que lhe impõe o mesmo sistema que a gera. O sistema necessita de mercados cada vez mais abertos e mais amplos, como os pulmões necessitam o ar, e ao mesmo tempo necessitam que andem pelo chão, como acontece, os preços das matérias-primas e da força humana de trabalho.

O direito ao desperdício, privilégio de poucos, diz ser a liberdade de todos. Diz-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa dormir as flores, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores são submetidas a luz contínua, para que cresçam mais depressa. Nas fábricas de ovos, as galinhas também estão proibidas de ter a noite. E as pessoas estão condenadas à insónia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem a metade dos sedativos, ansiolíticos e demais drogas químicas que se vendem legalmente no mundo, e mais da metade das drogas proibidas que se vendem ilegalmente, o que não é pouca coisa se se considerar que os EUA têm apenas cinco por cento da população mundial.

"Gente infeliz os que vivem a comparar-se", lamenta uma mulher no bairro do Buceo, em Montevideo. A dor de já não ser, que outrora cantou o tango, abriu passagem à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. "Quando não tens nada, pensas que não vales nada", diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, de Buenos Aires. E outro comprova, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: "Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas e vivem suando em bicas para pagar as prestações".

Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade e a uniformidade manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todo lado as suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.

O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde a quantidade com a qualidade, confunde a gordura com a boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a "obesidade severa" aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou uns 40% nos últimos 16 anos, segundo a investigação recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar só sai do automóvel par trabalhar e para ver televisão. Sentado perante o pequeno écran, passa quatro horas diárias a devorar comida de plástico.

Triunfa o lixo disfarçado de comida: esta indústria está a conquistar os paladares do mundo e a deixar em farrapos as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que vêem de longe, têm, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade, são um património colectivo que de algum modo está nos fogões de todos e não só na mesa dos ricos. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão a ser espezinhadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hamburguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida à escala mundial, obra da McDonald's, Burger King e outras fábricas, viola com êxito o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.

O campeonato mundial de futebol de 98 confirmou-nos, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola brinda eterna juventude e o menu do MacDonald's não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército de McDonald's dispara hamburguers às bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O arco duplo desse M serviu de estandarte durante a recente conquista dos países do Leste da Europa. As filas diante do McDonald's de Moscovo, inaugurado em 1990 com fanfarras, simbolizaram a vitória do ocidente com tanta eloquência quanto o desmoronamento do Muro de Berlim.

Um sinal dos tempos: esta empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. A McDonald's viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama a Macfamília, tentaram sindicalizar-se num restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas no 98, outros empregados da McDonald's, numa pequena cidade próxima a Vancouver, alcançaram essa conquista, digna do Livro Guinness.

As massas consumidoras recebem ordens num idioma universal: a publicidade conseguiu o que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que o televisor transmite. No último quarto de século, os gastos em publicidade duplicaram no mundo. Graças a ela, as crianças pobres tomam cada vez mis Coca-Cola e cada vez menos leite, e o tempo de lazer vai-se tornando tempo de consumo obrigatório. Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisor e o televisor tem a palavra. Comprados a prazo, esse animalejo prova a vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as virtudes dos automóveis último modelo, e pobres e ricos inteiram-se das vantajosas taxas de juro que este ou aquele banco oferece. Os peritos sabem converter as mercadorias em conjuntos mágicos contra a solidão. As coisas têm atributos humanos: acariciam, acompanham, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o automóvel é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados. As angústias enchem-se atulhando-se de coisas, ou sonhando fazê-lo. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas te escolhem e te salvam do anonimato multitudinário. A publicidade não informa acerca do produto que vende, ou raras vezes o faz. Isso é o que menos importa. A sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias: Em quem o senhor quer converter-se comprando esta loção de fazer a barba? O criminólogo Anthony Platt observou que os delitos da rua não são apenas fruto da pobreza extrema. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social do êxito, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Sempre ouvi dizer que o dinheiro não produz a felicidade, mas qualquer espectador pobre de TV tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro produz algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX pôs fim a sete mil anos de vida humana centrada na agricultura desde que apareceram as primeiras culturas, em fins do paleolítico. A população mundial urbaniza-se, os camponeses fazem-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação, e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em toda parte, mas por experiência sabem que atende nas grandes urbes. As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os que esperam vêem passar a vida e morrem a bocejar; nas cidades, a vida ocorre, e chama. Apinhados em tugúrios, a primeira coisa que descobrem os recém chegados é que o trabalho falta e os braços sobram. Enquanto nascia o século XIV, frei Giordano da Rivalto pronunciou em Florença um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam "porque as pessoas têm o gosto de juntar-se". Juntar-se, encontrar-se. Agora, quem se encontra com quem? Encontra-se a esperança com a realidade? O desejo encontra-se com o mundo? E as pessoas encontram-se com as pessoas? Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente se encontra com as coisas? O mundo inteiro tende a converter-se num grande écran de televisão, onde as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. As estações de auto-carros e de comboios, que até há pouco eram espaços de encontro entre pessoas, estão agora a converter-se em espaços de exibição comercial.

O shopping center, ou shopping mall, vitrina de todas as vitrinas, impõe a sua presença avassaladora. As multidões acorrem, em peregrinação, a este templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que os seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora submete-se ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A multidão, que sobe e baixa pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago, e para ver e ouvir não é preciso pagar bilhete. Os turistas vindos das povoações do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas bênçãos da felicidade moderna, posam para a foto, junto às marcas internacionais mais famosas, como antes posavam junto à estátua do grande homem na praça. Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam ao centro. O tradicional passeio do fim de semana no centro da cidade tende a ser substituído pela excursão a estes centros urbanos. Lavados, passados e penteados, vestidos com as suas melhores roupas, os visitantes vêm a uma festa onde não são convidados, mas podem ser observadores. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas. A cultura do consumo, cultura do efémero, condena tudo ao desuso mediático. Tudo muda ao ritmo vertiginoso da moda, posta ao serviço da necessidade vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje a única coisa que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, resultam ser voláteis como o capital que as financia e o trabalho que as gera. O dinheiro voa à velocidade da luz: ontem estava ali, hoje está aqui, amanhã, quem sabe, e todo trabalhador é um desempregado em potencial. Paradoxalmente, os shopping centers, reinos do fugaz, oferecem com o máximo êxito a ilusão da segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, para além das turbulências da perigosa realidade do mundo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efémera, que se esgota como esgotam, pouco depois de nascer, as imagens que dispara a metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas a que outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar no conto de que Deus vendeu o planeta a umas quantas empresas, porque estando de mau humor decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha caça-bobos. Os que têm a alavanca simulam ignorá-lo, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro a corrigir, nem um defeito a superar: é uma necessidade essencial. Não há natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.

O original encontra-se em www.resumenlatinoamericano.org , nº 2199

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Violência na Nigéria....

Na Nigéria, o regresso do “Genio do Mal”

Jean-Christophe Servant* Odiario.info

 
“A maior parte das pessoas detidas são menores que não podem legalmente ser sujeitos a condenações penais. Grande número dos suspeitos detidos afirmam que foram mandados, mas no fim de contas os responsáveis por isso não são perseguidos e os nomes deles não são revelados ao público”. Afirmações terríveis as do nigeriano Shamaki Gad Peter, director de uma ONG com sede em Jos: a Liga pelos Direitos Humanos.
Infelizmente, é também uma declaração de grande banalidade. Recolhida pelo Irin (“Nigéria: Responsabilizar os Perpetradores da violência de massas – ou não”, 13 de Abril de 2010), confirma realmente o que todos os nigerianos sabem muito bem desde a implantação duma democracia de fachada, a “Democrazy”, em 1999: de Kano a Jos, de Kaduna a Lagos, os verdadeiros responsáveis pelos conflitos étnico-religiosos que ensanguentam a enorme federação desde o regresso dos civis ao poder – mais de 13 000 vítimas em dez anos – continuam a manobrar, quase sempre impunes, nas antecâmaras do poder central.
Dos cerca de 36 estados da Federação, às antecâmaras dos 774 governos locais, estes homens e estas mulheres, que sacrificaram tudo por uma carreira política, fazem parte dos principais intermediários das sequências de violência que regularmente cobrem de sangue o país, com saldos assassinos à imagem da dimensão demográfica da gigantesca África: 150 milhões de habitantes. Na Nigéria, a ferocidade das lutas políticas para a conquista da melhor parte do bolo nacional continua com efeito a ser a grelha principal com a qual é preciso continuar a descodificar o menor abalo étnico-religioso.
O caso de Jos, capital do estado do Plateau, na linha fronteiriça entre um mundo muçulmano de etnia haoussa-fulani que desceu do norte, e um puzzle de minorias autóctones maioritariamente cristianizadas, é um verdadeiro caso de referência. Desde os 1 000 mortos de Setembro de 2001 – um drama que passou completamente desapercebido quando o mundo estava de olhos cravados nas ruínas do World Trade Center -, a cidade foi teatro de várias réplicas, como as de Novembro de 2008 e as do inverno que há pouco terminou. Ora, prossegue o Irin, as diversas comissões de inquérito iniciadas para julgar os culpados «não deram provas de transparência e acabaram com poucos resultados concretos, perpetuando a impunidade».
No que se refere às inúmeras execuções extrajudiciais efectuadas pelos membros das forças policiais anti-motim (MOPOL) executadas no local em Novembro de 2008 – 118 casos confirmados – a ONG Human Rights Watch conclui que não conduziram a nenhuma condenação («Mortes Arbitrárias pelas Forças de Segurança», 20 de Julho de 2009). Para o investigador Eric Guttschuss, encarregado deste relatório para a HRW, «As execuções são um meio que aparenta reagir à violência mas, à medida que o tempo passa e que diminuem as pressões incitando o governo a agir, cada vez há menos medidas concretas destinadas a atacar as raízes da violência e a apresentar à justiça os [presumíveis] autores».
Deve-se ao antigo homem forte nigeriano, Ibrahim Badamasi Babangida, no poder entre 1985 e 1993, a operação da redistribuição eleitoral de 1991 que acrescentou uma centena de governos locais ao mapa eleitoral já complexo da Nigéria. “Esta reorganização”, esclarece o investigador nigeriano Philip Ostien, que ensina direito na Universidade de Jos, “resultou essencialmente duma manipulação concertada visando favorecer os membros chave da administração Babangida, assim como os seus principais conselheiros, apoiantes dos lobbystas”. (“Jonah Jang and the Jasawa: Ethno-Religious Conflict in Jos, Nigeria” [PDF], Agosto 2009).
No Estado de Jos, este decreto serviu para dividir o governo local da capital – até então nas mãos dos beroms cristianizados – em duas circunscrições, Jos Sul e Jos Norte, permitindo assim à comunidade muçulmana haoussa-fulani, até aí mantida afastada da vida política do Estado, dispor de uma praça forte e de um representante. Confrontando dois sistemas clientelistas em volta duma cidade que estende a sua influência urbana sobre os bairros suburbanos, essa clivagem contribuiu fortemente para acentuar o ressentimento interconfessional que, conforme vimos, se desencadeou a partir de 2001. «Segundo os cânones ocidentais, um maior número de governos locais deveria permitir que a democracia se aproximasse das organizações de base e estivesse mais apta a auscultar as reivindicações locais», refere Philip Ostien. «Mas na prática, na Nigéria, isso só serviu para contribuir para multiplicar a prevaricação política e a violência». «A Nigéria do general Babangida dividiu o país cinicamente, institucionalizando a corrupção e avivando as rivalidades entre as três etnias principais, os yorubas, os ibos e os haoussa-fulani», lembram Jean Claude Usunier e Gérard Verna, autores em 1994 de La Grande Triche. Corruption, éthique et affaires internationales, (A Grande Falcatrua. Corrupção, ética e questões internacionais) das edições La Découverte. Como realçava na época Didi Adodo, um dirigente sindical nigeriano, «Os colonialistas não fizeram tanto mal à alma nigeriana como Babangida».
«A África precisa de instituições fortes, e não de homens fortes». Afastado do poder desde as desastrosas eleições gerais de 1993 que roubaram a vitória ao defunto milionário yoruba Moshood Abiola e permitiram que o cleptocrata Sani Abacha se instalasse no poder até à sua morte em 1998, Ibrahim Badamasi Babangida, aliás IBB, aliás «The Evil Genius» («O génio do mal»), nunca mais largou a cena política. Regularmente consultado no seu palácio de Minna, no estado nortenho de Níger, manteve-se um dos principais «fabricantes de reis» nigerianos, como um garante da estabilidade da Federação. Uma influência que repousa sobretudo na imensa fortuna acumulada durante o seu mandato, exercido em parte durante a crise petrolífera da primeira guerra do Golfo: terão desaparecido dos cofres do Estado nigeriano 12,4 mil milhões de dólares de receitas do petróleo entre 1990 e 1991.
Actualmente, M. Babangida encara seriamente ser investido pelo partido que está no poder desde 1999, o PDP, o Partido Democrático Popular, a fim de concorrer às cruciais eleições gerais de 2011, e suceder ao presidente interino Goodluck Jonathan. G. Jonathan instalou-se no palácio de Aso Rock, em Abuja, depois de seis meses de crise constitucional devida à longa doença do chefe de Estado em exercício, Umaru Yar’Adua. Entrevistado por Christine Ananpour da cadeia de informações americana CNN, por ocasião da sua primeira viagem oficial ao estrangeiro – na ocorrência, os Estados Unidos – G. Jonathan ocultou a questão da sua participação nas eleições de 2011 (“I won’t force myself to meet Yar’Adua, diz Johathan, 14 de Abril de 2009).
É certo que, em nome do princípio de «mudança» nigeriana – que pretende que se alterne entre os dois mandatos entre um presidente saído do norte muçulmano e um chefe de Estado originário do sul cristão – deveria ser novamente uma figura política muçulmana a assumir a chefia do país. Ora as aspirações de Babangida, que aceitou manter-se no banco desde 1999, mediante a garantia da sua impunidade, parecem desde já ter sido entendidas por Washington. Os observadores, com os nigerianos em primeiro plano, repararam com inquietação que este último se encontrou discretamente, em 24 de Fevereiro passado, no seu refúgio de Mina, com dois elos de contacto da administração Obama: O secretário de Estado para os Assuntos Africanos, Johnny Carson, assim como o embaixador americano na Nigéria, Robin Sanders. Não transpirou nada deste encontro, organizado enquanto diversas outras figuras americanas se encontravam no país: o antigo presidente George W. Bush e a sua antiga secretária de Estado, Condoleezza Rice.
Tratava-se de abordar a questão da instalação da Africom na Nigéria? De analisar a crise de governação de que o país acabava de sair? De falar sobre petróleo? Ou de encarar, pura e simplesmente, o futuro? O artigo do advogado nigeriano, Funmi Feyde-John, publicado pelo site Pambazuka News («A crise constitucional da Nigéria e a ingerência americana», 22 de Março de 2010), aponta algumas pistas. Johnny Carson declara nomeadamente: «A Nigéria tem necessidade de um dirigente forte, eficaz e de boa saúde a fim de garantir a estabilidade do país e para reagir aos inúmeros desafios político, económico e da segurança da Nigéria». «A África precisa de instituições fortes, não de homens fortes» responde-lhe Gerard LeMelle, director executivo de Africa Action, a mais antiga das organizações americanas de defesa dos direitos humanos dedicadas ao continente, no site do grupo de reflexão americano Foreign Policy In Focus («África Precisa de Instituições Fortes, Não de Homens Fortes», 5 de Março de 2010). «Este encontro secreto, mesmo que tenha sido organizado por outras razões, liga a administração Obama a uma célula cancerosa da política nigeriana». Como é que os nigerianos, principalmente os do Delta do Níger que foram vítimas do reinado de Babangida, vão reagir a esta novo evolução? E o que é que vocês fariam se estivessem no seu lugar?
Numa entrevista concedida à BBC («O ex-lider da Nigéria, Babangida, “não vai comprar a presidência”», 13 de Abril de 2010). Babangida, que reconhece ser «o nigeriano vivo mais vigiado do seu país, e sobre o qual se investigou mais», declarou que não compraria a presidência… Para Goodluck Jonathan, um ijaw originário do Delta petrolífero, uma «etnia» principal na história do país, o tempo parece contado. O presidente interino, que acaba de assinar uma parceria estratégica com os Estados Unidos, decide nomear um novo presidente da muito contestada comissão eleitoral independente a fim de substituir Maurice Iwu, na linha da mira de Washington. M. Iwu foi especialmente encarregado de dirigir as eleições gerais de 2007, enodoadas por irregularidades. Esta substituição garantirá eleições gerais credíveis? Com o regresso de M. Babangida, mais parece que o país vai avançar para uma nova zona de temporais. E desta vez, é em Lagos, um caldeirão yoruba, especialmente hostil a IBB, que eles se poderão desencadear.

Origem: Les blogs du Diplo

* Jornalista

Tradução de Margarida Ferreira

domingo, 16 de maio de 2010

PNDH3: a grande mídia vence mais uma


O curto período entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que militares, ruralistas, Igreja Católica e a grande mídia conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do PNDH.

O curto período de menos de cinco meses compreendido entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que as forças políticas que, de fato, há décadas, exercem influência determinante sobre as decisões do Estado no Brasil, conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (Decreto n. 7.037/2009). Refiro-me, por óbvio aos militares, aos ruralistas, à Igreja Católica e, sobretudo, à grande mídia.

Em editorial com o sugestivo título de “O Poder da Pressão”, publicado no dia 15 de maio, o jornal O Globo não poderia ter sido mais explícito. Para o jornalão carioca, os interesses dessas forças políticas são confundidos deliberadamente com “um forte sentimento coletivo” e com o interesse da “sociedade”. Afirma o editorial:

“Decorridos cinco meses do seu lançamento, o PNDH foi alvo de críticas de militares, da Igreja, de agricultores e de órgãos de comunicação, pela visão unilateral com que abordava questões polêmicas. Entre estas, a atuação dos órgãos de segurança durante o regime militar de 64, o aborto, as invasões de terra e a liberdade de expressão. (...) O recuo do Planalto não deixa de corresponder a uma vitória significativa da sociedade, cujo poder de pressão ficou evidente no episódio.”

Direito à Comunicação
No que se refere especificamente ao direito à comunicação, o novo Decreto mantém a ação programática (letra a) da Diretriz 22 que propõe "a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados". Agora, no entanto, foram excluídas as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas. Foi também excluída a letra d, que propunha a elaboração de “critérios de acompanhamento editorial” para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.

Abaixo o que foi alterado:

Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos.

Objetivo Estratégico I:

Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos.

Ações Programáticas:


Era assim:

a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.

Ficou assim:

a) Propor a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados.
(...)


A ação programática contida na letra d foi revogada:

d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.

O poder da grande mídia
Na verdade, os principais grupos de mídia atingiram seus objetivos em período ainda menor do que o necessário para as outras forças políticas: entre 8 de janeiro e 12 de maio, pouco mais do que quatro meses.
Na primeira data foi publicada uma Nota à Imprensa conjunta, assinada pela ABERT, pela ANJ e pela ANER. A Nota terminava afirmando:

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros esperam que as restrições à liberdade de expressão contidas no decreto sejam extintas, em benefício da democracia e de toda a sociedade.”

Agora, logo depois da publicação das alterações do plano (Decreto n. 7.177/2010), as mesmas entidades voltam a publicar Nota à Imprensa, dessa vez considerando “louvável” o recuo do governo.

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros consideram louvável a iniciativa do governo de suprimir pontos críticos que ameaçavam a liberdade de expressão do Decreto nº 7.037, que aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3.”

Não vou repetir aqui os argumentos de que o PNDH3 original não propunha nada que fosse inconstitucional ou que ameaçasse a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa.

Registro apenas que a realidade fala mais alto e confirma que ainda não foi dessa vez que o interesse público prevaleceu sobre os interesses da grande mídia.

E, assim, caminhamos.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010 (no prelo).

Um jornalista de(a) Verdade...


 

André Pereira no Sul21

Lula, o presidente mais amado da história da Nação, é simplesmente um gênio político, dotado de uma sabedoria inata. Esta definição, adjetivada e superlativa, poderia nascer da boca de um assessor presidencial “baba-ovos” - para ficar na contundência verbal do personagem a seguir aludido. Ou ser gestada pela credulidade de uma velhinha do agreste de Garanhuns. Ou, ainda, ser incorporada ao jargão dos marqueteiros em ritmo de campanha eleitoral para 2010. Mas, não: a frase é da autoria de um dos jornalistas mais respeitados do país, com reconhecimento internacional e dono de um acúmulo profissional invejável que inclui, no mais recente escaninho curricular, a revista Carta Capital, de leitura imprescindível como diz seu anfitrião, Ruy Carlos Ostermann, no "Encontros com o professor", em uma terça-feira de março, no StúdioClio inteiramente lotado.
Mino Carta, o jornalista genovês de 76 anos que adotou o Brasil desde os 14 anos, define Lula como "o presidente mais amado da história da Nação. É simplesmente um gênio político, dotado de uma sabedoria inata que foi sendo aperfeiçoada ao longo da sua trajetória de vida". Mino considera que a eleição de um ex-metalúrgico, um ex-operário que se identifica com o povo, para presidente do Brasil, é um divisor de águas na história de um país como o nosso que padece, entre outros males de origem, de uma colonização feita por predadores e de ostentar o título inglório de a última nação a declarar o fim da escravidão.
Sentado sobre uma das pernas, repuxando a calça cinza de bainha italiana e deixando à mostra botinas marrons de presumíveis origens itálicas que servem sobretudo para alimentar a fama de homem elegante que acompanha suas descrições pessoais, dividindo duas garrafas da cerveja artesanal Coruja com seu entrevistador, no palco, Mino foi aplaudido de pé,  por uns cinco minutos,  ao final de quase duas horas de descontraída conversa que contemplou algumas indagações do público mas abrigou, sobretudo, provocações certeiras do professor decidido a desvendar uma personalidade jornalística única na mídia atual.
Único mesmo? "Outros jornalistas talvez não tiveram as oportunidades que eu tive", especula. "Ou conquistei as oportunidades que tive porque sou como sou", filosofa ele, quando Ruy indaga se haveriam outros jornalistas da estirpe rebelada dele trafegando na imprensa nacional, do tipo que não manda recados para assumir suas posições, normalmente opostas as ideais camuflados da grande imprensa, da grande midia que ele define como continuadamente golpista e a favor dos senhores do poder, das elites. 
Para Mino, uma das geniais percepções de Lula está na proposta de criar um clima plebiscitário para o embate eleitoral deste ano, com Dilma Rousseff encarnando sua continuidade para opor-se ao candidato  José Serra travestido de retrocesso tucano vinculado a Fernando Henrique Cardoso. "Em todos os aspectos que se for comparar, o governo de Lula é infinitamente superior ao de Fernando Henrique", Mino não tem a menor dúvida. "O governo de Fernando Henrique levou o Brasil à bancarrota, quebrou o país, deixando um rombo enorme para Lula administrar."
Mino se orgulha de ter percebido a diferencial capacidade política do líder sindical antes da maioria dos colegas, mais precisamente  há 33 anos, quando colocou o operário Lula estrelando reportagem na capa da revista IstoÉ.
Em 2002, quando Lula venceu pela primeira vez o pleito presidencial, a população queria mudanças e o candidato petista soube interpretar o cenário forjado pelo anseio e pela sensibilidade geral. Hoje, ao contrário, o brasileiro quer continuidade das políticas de sucesso praticadas nos oito anos de gestão lulista. Nem tanto pelo bem sucedido programa Bolsa Família como querem alguns analistas, mas acima de tudo, pela abertura de crédito que permitiu à população ampliar o poder de compra. "O Bolsa Família abarca uma realidade que me entristece, assim como me entristece ver uma favela, ver a miséria. Por isso me cheira um pouco a algo como esmola", diz ele, assinalando que faltou audácia a Lula e que muito ainda precisa ser feito no Brasil para enfrentar seu mais agudo e violento problema: a má distribuição de renda. Segundo ele, "conquistar  a liberdade não é importante se não existir a igualdade".
Mino acredita que o golpe de 1964 impôs danos terríveis, que o Brasil ainda não compensou. "Naqueles idos formava-se um proletário que se robustecia e poderia ter resultado em uma classe econômica e social que faria grande diferença no país". Ele também minimiza o protagonismo militar no episódio. "Quem deu o golpe foram os donos do poder, as elites; os milicos fizeram o trabalho sujo".
Conhecido pelos textos primorosos e pelo nível superior dos veículos impressos que criou (Veja, IstoÉ, Senhor, Quatro Rodas, Jornal da Tarde, Jornal da República, Carta Capital), Mimo fez TV, também, mas como relembrou, sofreu contrariedades. Um desses programa, da extinta TV Tupi, sequer foi ao ar, proibido no nascedouro pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão, que considerou uma discussão sobre o machismo, atentatória à moral e aos bons costumes da ditadura brasileira. Para diversão da platéia, ele lista entre os convidados do debate o que classifica como atores garanhões do cinema pornô tupiniquim como David Cardoso e Jece Valadão.O outro programa sobreviveu por alguns meses.
 E a terceira experiência televisa, "Jogo de Carta", exibido na antiga TV Record, este, sim, vingou por  três anos em sua pretensão de fazer a defesa disfarçada de Tancredo Neves contra o indigitado Paulo Maluf. Até que o governo incomodou demais os proprietários da família de Paulo Machado de Carvalho (aquele mesmo bonachão Marechal do Bicampeonato Brasileiro de Futebol) pressionando e pedindo sua cabeça.
Mino incomoda-se com a pergunta de um estudante de Jornalismo que, na platéia, menciona, de passagem, sua polêmica demissão da revista Veja. O menino quer sua apreciação sobre outro tema que se perde porque Mino fixa este episódio e ressalta definitivo: "Eu me demiti, não fui demitido", diz para repetir, várias vezes depois, como se sua honra profissional estivesse em jogo. Narra, indignado, que contou sua saída da revista em uma entrevista de quatro horas de duração para o autor do livro "Notícias do Planalto", Mario Sérgio Conti, que, entretanto, cunhou a versão indesejável do pé no traseiro na obra que ele trata como abominável e hediondo. 
Na autoconcepção pública que ele próprio divulga, Mino é "muito chato" porque impõe um relacionamento difícil a quem está nas suas cercanias: perde o controle, costuma gritar, esbraveja e gesticula, teatraliza colérico e sanguíneo. "Mas me recomponho rapidamente. Só gostaria de ser mais sábio e sereno", afirma, sem convencer muito quem ouve recortes de sua preciosa jornada jornalística, empreendida ainda hoje com a companhia da sua inseparável máquina de escrever Olivetti onde diz que batuca sem grande habilidade pois, às vezes,os dedos intrometem-se entre as teclas, mas segue fidelíssimo a uma imperturbável e intransferível missão de vida: "No final das contas isto é bem simples: eu só quero mesmo ser um jornalista de verdade".