Caminhão da ONU
entra em Gaza pelo posto de Kerem Shalon: controle
A Faixa de Gaza vive sob
bloqueio imposto por Israel desde que o grupo extremista islâmico Hamas
assumiu o controle da região, em junho de 2007.
Israel quer enfraquecer o Hamas, pôr fim a seus
ataques com foguetes contra cidades israelenses e resgatar o soldado
Gilad Shalit. Mas muitas agências de ajuda humanitária dizem que a
política serve apenas para punir civis.
A Anistia Internacional chamou o bloqueio de
"punição coletiva" que resulta em uma "crise humanitária"; funcionários
da ONU descreveram a situação como "preocupante" e como "sítio
medieval", mas Israel diz que não há desabastecimento em Gaza,
justificando que permite, sim, a entrada de ajuda no território.
O que entra e sai de Gaza, e que impacto isso
tem?
O que entra
Na maior parte dos três anos desde que o Hamas
assumiu o controle de Gaza, os 1,5 milhão de pessoas da região contam
com menos de um quarto do volume de importações que recebiam em dezembro
de 2005. Em algumas semanas, muito menos do que isso chega à região,
apesar de as importações em 2010 terem atingido entre 40% e 45% dos
níveis pré-bloqueio.
Na esteira da chegada do Hamas ao poder, Israel
afirmou que permitiria apenas a entrada de suprimentos humanitários na
Faixa de Gaza. O país tem uma lista de itens que poderiam ser usados
para fabricar armas, como canos de metal e fertilizantes.
Esses itens não podem entrar, à exceção de em
"casos especiais humanitários". Não foi publicada, entretanto, qualquer
lista do que pode ou não pode entrar em Gaza, e os itens variam de
tempos em tempos.
A lista da agência da ONU de ajuda aos
refugiados palestinos, a UNRWA, tem itens de uso doméstico que tiveram
entrada proibida várias vezes, como lâmpadas, velas, fósforos, livros,
instrumentos musicais, giz de cera, roupas, sapatos, colchões, lençóis,
cobertores, massa para cozinhar, chá, café, chocolate, nozes, xampu e
condicionador.
Muitos outros artigos - que vão de carros e
frigideiras a computadores - quase sempre têm entrada recusada.
Materiais de construção como cimento, concreto e
madeira tiveram entrada quase sempre proibida até o começo de 2010,
quando uma pequena quantidade de vidro, madeira e alumínio foi
autorizada.
Durante os seis meses de trégua entre Israel e
Hamas que começaram em junho de 2008, e no começo de 2010, o volume e a
gama de bens que entram em Gaza aumentou um pouco, com a chegada de
caminhões de sapatos e roupas.
Israel diz que o Hamas desviou ajuda no passado,
e que poderia se apropriar de materiais de construção para seu próprio
uso. Agências de ajuda respondem afirmando que têm sistemas de
monitoramento rígidos em vigor.
Alimentos
Palestinos recebem
ajuda humanitária de agência da ONU
Agências de ajuda humanitária que operam em Gaza
dizem que conseguem, em grande parte, transportar suprimentos básicos
como farinha e óleo de cozinha para o território.
Mas a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), diz que 61% dos
moradores de Gaza vivem em uma situação de "insegurança alimentar".
Metade dos 1,5 milhão de moradores de Gaza
depende da UNRWA e de seus suprimentos de comida.
A distribuição de comida pela UNRWA foi suspensa
várias vezes desde junho de 2007, como resultado do fechamento das
fronteiras ou de racionamento de comida.
Israel costuma dizer que as fronteiras são
fechadas por motivo de segurança, usando como exemplo ocasiões em que
palestinos atacaram os postos fronteiriços ou lançaram foguetes contra
Israel.
Os pacotes de ajuda da UNRWA respondem por cerca
de dois terços das necessidades alimentares dos palestinos em Gaza, e
precisam ser complementadas por laticínios, carne, peixe, frutas frescas
e legumes.
Alguns desses itens são cultivados localmente,
outros têm entrada permitida, vindos de Israel, e outros são
contrabandeados por túneis na fronteira de Gaza com o Egito.
Mas com o desemprego em 40%, segundo estima a
ONU, alguns moradores de Gaza não podem comprar o básico, mesmo se eles
estiverem disponíveis.
A UNRWA afirma que o número de moradores de Gaza
incapazes de comprar itens como sabão e água potável triplicou desde
2007.
Uma pesquisa realizada pela ONU em 2008 revelou
que mais da metade dos domicílios de Gaza vendeu o que tinha e depende
de crédito para comprar comida.
Três quartos dos habitantes da região compram
menos comida do que no passado, e quase todos estão comendo menos
frutas, legumes e verduras frescos e proteínas, para economizar.
A operação militar de Israel em dezembro e
janeiro de 2009 prejudicou significativamente a transferência de
alimentos e sua distribuição, além de ter causado prejuízos à
agricultura que a FAO estima estar na ordem dos US$ 180 milhões.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(OMS), um terço das crianças com menos de 5 anos e de mulheres em idade
fértil em Gaza estão anêmicos.
Combustível e energia
Combustível entra em
Gaza: cortes prejudicam hospitais e fábricas
Em setembro de 2007, o governo de Israel
declarou a Faixa de Gaza uma "entidade hostil", em resposta a ataques
contínuos com foguetes contra o sul de Israel, e disse que começaria a
cortar o nível de combustível importado pela região.
Falta de gasolina e diesel causaram grandes
problemas. Carroças puxadas por burros são uma visão comum em Gaza. O
combustível para carros entra por túneis, através do Egito.
De acordo com informação compilada pela Ong
Oxfan, não entrou qualquer quantidade de gasolina ou diesel para
veículos vindo de Israel desde de novembro de 2008 - à exceção de
combustível usado por carros da ONU e de outros cinco outros
carregamentos por navio, em três anos.
A quantidade de gás de cozinha com entrada
autorizada geralmente varia entre um terço e metade da necessidade,
segundo a Oxfam.
Eletricidade
O fornecimento de eletricidade a Gaza é composto
por 144 Megawatts vindos de Israel, 17 Megawatts do Egito e o restante
de uma usina controlada pela União Européia em Gaza, que pode gerar até
80 Megawatts.
O combustível para a usina é geralmente levado
através do posto fronteiriço de Nahal Oz. A usina fechou por completo
várias vezes por falta de combustível, porque o posto estava fechado. A
usina ficou sem energia durante a maior parte da operação de Israel em
janeiro de 2009, deixando dois terços dos moradores de Gaza sem energia,
no pico da crise.
Desde o começo de 2008, a usina recebeu
combustível suficiente para operar com apenas dois terços da sua
capacidade - obedecendo a uma determinação da Suprema Corte de Israel,
que estabelece a entrada de uma quantidade mínima de combustível em
Gaza.
Números monitorados por agências internacionais
mostram que a chegada de combustível caiu para seus níveis mínimos
várias vezes na primeira metade de 2008.
No fim de 2009, a responsabilidade por custear o
combustível foi transferida da União Européia para a Autoridade
Nacional Palestina, baseada em Ramallah, na Cisjordânia. Em abril e maio
de 2010, o fornecimento de combustível oscilou, e a usina conseguiu
operar entre 20% e 50% de sua capacidade.
Os cortes de energia continuam frequentes. Uma
pesquisa da Oxfam de abril de 2010 mostrou que havia casas em Gaza sem
energia por 35 ou 60 horas por semana.
Esgoto e água
Menina enche galão
de água no prédio da UNRWA no campo de Khan Yunis
O bloqueio teve um enorme impacto na rede de
esgoto e de abastecimento de água. A falta de componentes torna difícil a
reforma da rede. O fornecimento de energia intermitente fez com que
bombas elétricas precisassem de geradores, que, por sua vez, não tinham
peças reserva.
A OMS diz que a Operação Chumbo Fundido piorou o
que já era uma situação crítica. Antes da operação, segundo a
organização, os moradores de Gaza tinham menos de metade da água que
necessitam de acordo com padrões internacionais. Além disso, 80% da água
que chegava ao território não tinha qualidade compatível com os padrões
da OMS.
No auge dos combates em janeiro, metade da
população de Gaza não tinha acesso a àgua encanada.
O organismo responsável pelo tratamento de
esgoto em Gaza estima que ao menos 50 milhões de litros de esgoto mal ou
não tratado seja despejado no mar diariamente.
Parte do esgoto de Gaza é armazenado em lagoas.
Uma delas tranbordou em 2007, causando ao menos cinco mortes.
Negócios
De maneira geral, a ONU diz que o bloqueio
causou "danos irreparáveis" à economia de Gaza. O desemprego aumentou de
30% em 2007 para 40% em 2008, de acordo com o Banco Mundial. A ONU
afirma que se a ajuda fosse descontada, 80% dos moradores de Gaza
viveriam na pobreza.
O bloqueio devastou o setor privado. Antes de
2007, cerca de 750 caminhões de móveis, produtos alimentícios, têxteis e
agrícolas deixavam Gaza a cada mês, no valor de meio milhão de dólares
por dia.
Sob o embargo, as únicas exportações permitidas
foram as contidas em poucos camihões de morangos e flores - apesar de a
situação ter melhorado levemente no começo de 2010, com a saída de 118
camihões entre dezembro de 2009 e abril de 2010.
Até a produção para necessidades locais foi
praticamente paralisada, porque matérias primas raramente conseguem
entrar. De acordo com a organização de defesa dos direitos humanos
Gisha, pequenos conteineres de margarina têm entrada permitida para
consumo doméstico. Baldes de manteiga, entretanto, não podem entrar -
esses poderiam ser usados para manufatura industrial de alimentos.
Algumas empresas retomaram suas atividades
usando produtos contrabandeados através dos túneis.
Antes do bloqueio, 3.900 empresas operavam,
empregando 35 mil pessoas - em junho de 2008, apenas 90 funcionavem,
empregando apenas 860, de acordo com o Centro de Comércio Palestino. A
situação melhorou ligeiramente durante a trégua.
Os negócios de Gaza sofreram prejuízo estimado
em US$ 140 milhões durante as operações militares de dezembro e janeiro,
de acordo com o Conselho Coordenador do Setor Privado Palestino.
Agricultura
A agricultura também é um empregador importante,
mas com as exportações em praticamente zero, milhares de toneladas de
flores, frutas, legumes e verduras foram destruídos ou vendidos com
prejuízo em mercados locais.
Outras áreas da indústria alimentícia também
foram afetadas - por exemplo, o aumento dos custos de produção para
pescadores aumentou o preço das sardinhas, e um avicultor teve que matar
165 mil pintos, porque não tinha combustível para as incubadoras que os
manteriam vivos.
A FAO afirma que árvores, campos, gado e estufas
- no valor de US$ 180 milhões - foram destruídas na Operação Chumbo
Fundido. A Autoridade Nacional Palestina estima que 15% das terras para
cultivo na região tenham sido destruídas.
A FAO afirma ainda que as fronteiras fechadas
são um enorme obstáculo para a reconstrução, com a falta de
fertilizante, gado, sementes e equipamento agrícola.
Israel diz que em 2010 permitiu a entrada em
Gaza de sementes de batata, ovos para reprodução, abelhas e
fertilizantes que não poderiam ser usados em bombas.
Trabalhador em
prédio em construção em Gaza: setor duramente afetado
Construção
Restrições a material de construção, em
particular cimento, e componentes para máquinas, tiveram enorme impacto
sobre projetos que vão de tratamento de água à abertura de sepulturas. A
reconstrução de prédios e infraestrutura destruida nas operações de
Israel de 2009 se tornou praticamente impossível.
A ONU diz que as restrições ao cimento tornaram
impossível a reconstrução de 12 mil casas palestinas danificadas ou
destruídas durante as operações israelenses.
A organização diz que não pôde construir escolas
para abrigar 15 mil novos alunos - necessárias porque a população
aumentou desde que o bloqueio começou.
Mesmo antes da operação Chumbo Fundido, todas as
fábricas de material de construção tinham fechado (13 que fabricavam
azulejos, 30 de concreto, 145 de corte de mármore e 250 de tijolos), e a
construção de estradas, de redes de abastecimento de água e saneamento,
de instalações médicas e casas foi paralisada.
Durante a trégua, alguns caminhões de cimento
começaram a entrar em Gaza, mas o volume estava muito abaixo do
necessário - e o fluxo parou, assim que a trégua ruiu.
Em março de 2010, Israel aprovou a entrada de
material de construção para alguns projetos da ONU que estavam
paralisados, mas o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que
aquela era "uma gota em um balde" em comparação às necessidades.
Saúde
A OMS diz que o bloqueio levou a uma "piora das
condições de saúde da população" e "à degeneração acelerada" do sistema
de saúde.
Israel geralmente permite a entrada de remédios
em Gaza. A OMS afirma que a falta de remédios é um problema, com 15% ou
30% dos medicamentos essenciais em falta ao longo de 2009.
O sistema de saúde também luta para obter
componentes para suas máquinas e também com a falta de combustível para
geradores.
Antes da operação Chumbo Derretido, Gaza tinha
apenas 133 leitos hospitalares por 100 mil pessoas, comparados com 583
em Israel, e perdeu parte de sua capacidade durante os combates.
Seis hospitais sofreram danos, incluindo um
prédio novo que foi totalmente destruído, e outro que perdeu dois
andares inteiros. Gaza simplesmente não está equipada para tratar casos
graves de saúde.
De acordo com dados israelenses, 10.554
pacientes e seus acompanhantes deixaram Gaza para obter tratamento
médico em Israel desde 2009.
Mas a OMS afirma que em dezembro de 2009, foi
negada ou atrasada permissão para entrada de 21% dos pacientes, e 27
morreram durante o ano, à espera de autorizações de Israel.
A fronteira de Rafah com o Egito está fechada
desde junho de 2007, apesar de alguns casos médicos considerados
especiais poderem cruzar o local.
Israel diz que é necessário uma inspeção
cuidadosa, alegando que três pessoas com autorização médica para deixar o
território planejavam, na verdade, atacar o país.
O governo israelense diz ainda que se ofereceu
para facilitar a passagem de Israel para a Jordânia para palestinos que
tiveram sua autorização recusada por motivos de segurança.