O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, esteve reunido
com o presidente Lula na noite desta segunda-feira (26/7), durante breve
viagem ao Brasil. Antes de continuar seu roteiro, que inclui paradas no
Paraguai, Uruguai e Argentina, concedeu entrevista exclusiva ao
Opera Mundi.
Revelou a intenção de seu governo em articular um “plano de paz
permanente com a Colombia” e analisou a escalada da crise entre as duas
nações andinas.
Maduro reiterou que seu governo “deseja ter as melhores relações
com o governo colombiano”. Mas foi contundente ao afirmar que, diante
de qualquer ação agressiva da administração Uribe, a Venezuela irá
responder com “medidas extremas de proteção”. Também acusou os Estados
Unidos de serem o “pano de fundo” da crise e repetiu o alerta do
presidente Chávez, de que o fornecimento de petróleo e derivados será
suspenso em caso de qualquer ataque colombiano. Confira, a seguir, a
íntegra da entrevista.
Opera Mundi
Maduro: "a Venezuela é vítima da guerra colombiana há 60 anos"
Qual o objetivo da sua visita ao Brasil?
Foi uma visita relâmpago, para trazer uma mensagem pessoal do
presidente Chávez ao governo brasileiro, além de oferecermos mais
informações sobre as ameaças do governo colombiano contra a Venezuela. O
presidente Lula teve o gesto honroso de nos receber. Apresentamos os
esboços do plano que vamos levar à Unasul (União das Nações
Sul-Americanas), que se reúne na próxima quinta-feira em Quito, focado
na necessidade de plano de paz permanente para a região. A guerra civil
na Colômbia extravasou suas fronteiras e ameaça a segurança das nações
andinas.
Mas quais são as propostas centrais desse plano?
Estamos em processo de consultas. Vamos apresentá-lo formalmente
na quinta-feira. Não queremos adiantar os detalhes neste momento porque
acreditamos que deve ser muito discutido previamente à sua apresentação
na quinta-feira, para que ganhe viabilidade. Mas temos insistido que a
corrida armamentista que está acontecendo na Colômbia há varias décadas,
particularmente a partir do Plano Colômbia, e agora com as bases
militares norte-americanas, leva a um transbordamento da violência
daquele país na direção dos países vizinhos. Queremos encerrar essa
situação com um plano de paz que possa superar a guerra na Colômbia, que
já causou um ataque, em março de 2008, ao território do Equador e que
representa uma ameaça permanente à revolução democrática na Venezuela.
O senhor avalia que a crise entre os dois países pode levar a um conflito militar?
É isso que queremos evitar. Já estamos em conflito político e
diplomático contra uma doutrina que causou os ataques ao Equador. Uma
doutrina que viola o direito internacional em relação à soberania e à
inviolabilidade territorial dos países. Faremos todos os esforços para
impedir seu desdobramento militar. Mas repudiamos a agressão diplomática
do governo colombiano e defenderemos nosso território diante de
qualquer tentativa de violação.
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Após a eleição de Juan Manuel
Santos para presidir a Colômbia, parecia que as relações com a Venezuela
poderiam entrar em distensão. A que o senhor atribui a súbita mudança
de situação?
Temos que relembrar que o presidente Chávez, no dia 14 de julho,
anunciou o desejo de normalizar relações diplomáticas com a Colômbia,
determinando que eu procurasse a futura chanceler do país vizinho para
tratarmos dos termos de reaproximação. No dia seguinte apareceram
notícias, na imprensa colombiana, de que o presidente Uribe apresentaria
provas contundentes de presença guerrilheira em território venezuelano.
A partir daí foi deslanchada campanha intensa contra nosso governo,
repercutindo também na mídia internacional, por meio da CNN e
outras empresas de comunicação. Uma semana depois o embaixador
colombiano foi à OEA (Organização dos Estados Americanos) e passou horas
ofendendo o presidente Chávez e nossas instituições democráticas.
Mostrou umas fotos e simplesmente afirmou que guerrilheiros estavam
escondidos na Venezuela, sem provar nada. O presidente Uribe parece
movido pelo interesse de manter seu espaço como chefe dos grupos mais
conservadores e belicistas de seu país. Não tivemos outra opção que não o
rompimento das relações diplomáticas.
Mas o próprio presidente Chávez disse que os grupos paramilitares e guerrilheiros de fato cruzam as fronteiras venezuelanas.
Nós somos vítimas da guerra colombiana há 60 anos. Temos quatro
milhões de colombianos vivendo na Venezuela, foragidos de guerra. E por
que não voltam para a Colômbia? Porque se sentem inseguros, enquanto na
Venezuela, a partir do governo Chávez, reconhecemos seus direitos ao
trabalho e à seguridade social, ao progresso e à proteção do Estado.
Nessas décadas todas fomos constantemente invadidos por guerrilheiros,
paramilitares e narcotraficantes, que se apropriaram de terras nossas.
Mas usamos nossas formas armadas e policiais, comandadas pelo presidente
Chávez, e hoje todos os 2,3 mil quilômetros que temos de fronteira com a
Colômbia estão livres da produção de drogas ou laboratórios de
processamento. Foi um esforço que fizemos no combate também aos grupos
armados. Mas esses quilômetros de fronteiras estão abandonados pela
Colômbia. É muito difícil que não soframos mais risco de invasões
enquanto não acabar a guerra na Colômbia.
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O presidente Chávez anunciou que, se houver agressão militar da Colômbia contra a Venezuela, haverá medidas contra os EUA.
O presidente Chávez há muito tempo denuncia a agressiva
movimentação norte-americana contra a Venezuela, com o apoio da
Colômbia. As sete bases instaladas na Colômbia estão estrategicamente
voltadas contra nosso território, para não falar na reativação da 4ª
Frota e outras medidas. Não temos dúvidas de que existe uma estratégia
elaborada pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado norte-americano
para recuperar a hegemonia política que os EUA perderam na região por
conta do avanço das correntes progressitas. Todas essas provocações da
Colômbia e todas essas intenções agressivas têm, como pano de fundo,
esse plano norte-americano. Se a Venezuela for agredida, tomaremos
medidas de proteção, a começar pelo cancelamento do comércio de petróleo
e derivados com os EUA.
O senhor não acha que a postura de seu governo pode aprofundar a tensão?
Nós queremos ter as melhores relações com o governo da Colômbia e
estamos trabalhando nesse sentido. Mas não se pode continuar essa
campanha permanente contra o chefe de estado, as instituições e a
democracia venezuelana. A revolução bolivariana tem de ser respeitada
assim como o governo da Colômbia. Queremos voltar a desenvolver o
comércio, os investimentos conjuntos, o intercâmbio em todas as áreas --
cultural, energética etc. Mas a partir de uma retificação profunda, do
respeito mútuo e absoluto. Se isso não existir, não temos como fazer o
diálogo avançar.