segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Colonialismo Português na Guiné: Os crimes de uma Guerra perdida

Carlos Lopes Pereira


«Desde o tempo das chamadas descobertas ou achamentos até ao tempo do comércio de escravos e crimes da escravatura; desde as guerras de conquista colonial até à época de ouro do colonialismo; das primeiras “reformas” ultramarinas até às guerras coloniais de genocídio dos nossos dias, os colonialistas portugueses deram sempre provas de uma mentalidade supersticiosa e dum racismo primitivo em relação ao homem africano, que consideravam e consideram como naturalmente inferior, incapaz de organizar a sua vida e defender os seus interesses, fácil de enganar, sem cultura e sem civilização».

Amílcar Cabral, 1971

Ao longo da guerra de libertação nacional, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e o seu líder, Amílcar Cabral, denunciaram repetidas vezes – em declarações públicas, em mensagens, em relatórios, em comunicados de imprensa, em documentos apresentados à Organização das Nações Unidas e à Organização da Unidade Africana – aquilo que consideravam ser crimes cometidos pelos colonialistas portugueses na Guiné. E não se limitaram a denunciar, apresentaram provas: recolheram declarações de vítimas de torturas e ferimentos, mostraram fragmentos de bombas «napalm», promoveram testemunhos de jornalistas, cineastas, escritores, delegações de organizações e países e outros observadores insuspeitos.
Com base na leitura de documentos publicados pelo PAIGC, sobretudo intervenções de Amílcar Cabral, para o caso da Guiné, são inúmeros os exemplos desses crimes atribuídos ao colonialismo português.

«O “apartheid” à portuguesa» 

Em Junho de 1960, numa brochura publicada em Londres, intitulada «The facts about Portugal’s african colonies», com prefácio do jornalista e historiador Basil Davidson, Abel Djassi, pseudónimo de Amílcar Cabral, explicava à opinião pública europeia a situação dos 11 milhões de africanos submetidos à dominação colonial portuguesa. Afirmava que apesar das riquezas naturais existentes em Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, «os africanos têm um nível de vida inferior ao mínimo vital» e «a sua situação é de servos no seu próprio país». Lembrava que depois do tráfico de escravos, a conquista pelas armas e as guerras coloniais «de pacificação», veio a destruição completa das estruturas económicas e sociais da sociedade africana. Seguiu-se a fase de ocupação europeia e o povoamento crescente, a partir de finais do século XIX e, no caso da Guiné, até 1936, quando terminaram as guerras de «pacificação»: as terras e os haveres dos africanos foram pilhados, os portugueses impuseram a «taxa de soberania» e tornaram obrigatória a cultura de certos géneros (na Guiné, através da Companhia União Fabril (CUF), foi imposta a cultura da mancarra); instituíram o trabalho forçado e organizaram a deportação de trabalhadores, os «contratados».

Denunciando a ideologia racista do estatuto indígena 

imposto no início da década de 30 do século XX por Salazar e só formalmente abolido em 1961, por Adriano Moreira, então ministro do Ultramar do regime fascista – Cabral ridicularizava «a ideia de criar uma “sociedade multirracial” nas colónias, baseada legalmente no estatuto indígena», «na realidade o “apartheid” à portuguesa». E comentava: «99,7% da população africana de Angola, Guiné e Moçambique é considerada “não civilizada” pelas leis coloniais portuguesas e 0,3% é considerada assimilada. Para que uma pessoa “não civilizada” obtenha o estatuto de “assimilada”, tem de fazer prova de estabilidade económica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maior parte da população de Portugal. Tem de viver à “europeia”, pagar impostos, cumprir o serviço militar e saber ler e escrever correctamente o português. Se os portugueses tivessem de preencher estas condições, mais de 50% da população não teria direito ao estatuto de “civilizado” ou de “assimilado”»1…

Onda de repressão e terror 

Nesse ano de 1960, já em Conakry, na República da Guiné – onde instalou o secretariado-geral do PAIGC e obteve apoios do Partido Democrático da Guiné (PDG) e do presidente Sékou Touré –, Amílcar Cabral enviou, em panfletos, mensagens aos funcionários públicos e empregados comerciais guineenses e cabo-verdianos, aos militares guineenses e cabo-verdianos (oficiais sargentos e soldados obrigados a servir no exército colonial português), aos jovens da Guiné e Cabo Verde e até aos colonos portugueses nos dois territórios, convidando-os a juntarem-se à luta de libertação nacional, denunciando os colonialistas que «perseguem, prendem, torturam, massacram, reforçam cada vez mais as suas forças armadas e preparam-se cinicamente para continuar a afogar em sangue todas as tentativas de libertação por parte dos nossos povos»2.
A 1 de Dezembro de 1960, o PAIGC dirigiu um memorando ao governo português propondo o «reconhecimento solene e imediato dos direitos dos povos guineense e cabo-verdiano à autodeterminação» (uma solução política, como alternativa à guerra, foi sempre defendida pelo partido até à vitória). Nesse documento, Amílcar Cabral lembrava que «depois do massacre do cais de Pidjiguiti (Bissau, 3 de Agosto de 1959), no qual militares e civis portugueses mataram a tiro dezenas de trabalhadores guineenses em greve, uma onda de repressão e terror, planeada e comandada pela PIDE, veio tornar mais dura a vida e a luta do povo da Guiné». E denunciava que, «a par disso, a administração colonial conseguiu, com o aumento da exportação do arroz [a base da alimentação dos guineenses], criar mais uma arma de opressão – a fome –, que castiga actualmente uma grande parte do povo guineense»3.
A 3 de Agosto de 1961, o PAIGC proclama a passagem da «revolução nacional» na Guiné «da fase da luta política à da insurreição nacional, à acção directa contra as forças colonialistas», embora reiterando ainda, três meses depois, numa nota aberta ao governo de Lisboa, a proposta de aceitação por Portugal do princípio de autodeterminação dos povos da Guiné e Cabo Verde – nota a que Salazar nem se dignou responder.
«Napalm» sobre as tabancas – Num relatório de finais de 1963, de balanço da luta armada, entretanto desencadeada na Guiné em Janeiro desse ano, o PAIGC retoma a denúncia dos crimes dos colonialistas: «Alarmadas perante a intensificação da nossa acção, as forças portuguesas desencadearam em todo o país, mas sobretudo no Sul, a mais violenta repressão militar e policial contra as nossas populações, principalmente contra todos os suspeitos de pertencerem ao nosso Partido. Aprisionaram, torturaram e assassinaram patriotas, massacraram populações sem defesa e incendiaram as tabancas [aldeias]». E mais: «Desesperados perante as vitórias alcançadas pelo nosso povo tanto no interior do país como no plano exterior, os colonialistas portugueses enviaram para a Guiné grandes reforços de material de guerra e de soldados, cujos efectivos são actualmente da ordem dos 18 a 20.000 homens (cerca de 1.000 em 1959, 5.000 em 1961, 10.000 em 1962). Recorreram então intensivamente aos únicos meios ao seu alcance para tentar deter a nossa luta: os bombardeamentos massivos das nossas tabancas e das nossas populações, sobretudo com as bombas “napalm”, e as tentativas de ataques às nossas posições, a partir de unidades navais colocadas nos braços de mar e nos rios das regiões litorais. Mais de uma centena de tabancas foram destruídas (total ou parcialmente) pelos bombardeamentos aéreos que fizeram vítimas inocentes, de que a maioria é constituída por velhos, mulheres e crianças»4.
Mas nem só destas acções se fazia a guerra: «Por outro lado, os colonialistas portugueses, enquanto gastam somas fabulosas para subornar alguns chefes tradicionais e para conservar a colaboração de um número cada vez mais reduzido de mercenários e traidores, procedeu à difusão aérea de panfletos nos quais as ameaças de destruição total das nossas populações e dos nossos bens materiais pelo bombardeamento e pelo fogo se sucedem às frases de adulação (…)»5.

Em 1964 

ano do I Congresso do PAIGC em Cassacá, nas regiões libertadas do Sul, ano da Batalha do Como (até então «a mais dura derrota da história colonial portuguesa e as [suas] mais pesadas baixas em vidas humanas»), ano da criação das Forças Armadas Revolucionárias do Povo –, um relatório sobre o desenvolvimento da luta armada dá conta da «liquidação das manobras do inimigo tendentes a dividir e desmobilizar o nosso povo pela criação de movimentos fantoches»6, uma prática que os colonialistas vão repetir posteriormente.

Afinal, quem eram os terroristas? 

Em 7 de Dezembro de 1966, um relatório da luta do PAIGC apresenta mais novidades. Os colonialistas nomearam um novo governador, o general Schultz, ido de Angola, «o sexto chefe do estado-maior português [na Guiné] depois do desencadear da luta armada»7, e as tropas portuguesas totalizavam já 25.000 homens (tropas de terra, mar e ar, polícia e corpos armados especiais), um aumento de 25 vezes em relação ao número de soldados estacionados no início da década, num território com 36.000 quilómetros quadrados e 800.000 habitantes.
Amílcar Cabral denuncia manobras políticas dos colonialistas «visando desmobilizar os patriotas e enganar a opinião africana e mundial promulgando falsas “reformas” administrativas»8, acusa os colonialistas de criarem «pretensos movimentos autonomistas» e constata a intensificação da «repressão policial que presentemente atinge não só os patriotas mas também pessoas que eram consideradas favoráveis ao regime colonial»8.
Em 1967 – o exército colonial atingia já os «35.000 militares das diversas armas» –, os colonialistas «intensificaram os bombardeamentos e o tiroteio criminosos contra as populações e tabancas das regiões libertadas utilizando bombas de fragmentação, de napalm e fósforo branco» e, por outro lado, «fizeram tentativas desesperadas a fim de aterrorizar as populações e reocupar certas posições estratégicas importantes das regiões libertadas mediante operações combinadas de grande envergadura e “golpes de mão” por tropas hélio-transportadas»9, segundo um relatório do PAIGC de Março de 1968. O mesmo documento sublinha que nos bombardeamentos aéreos, diários e repetidos, visando sobretudo as populações e tabancas das regiões libertadas, «o inimigo utilizou maciçamente bombas de fragmentação, de napalm e, pela primeira vez, bombas de fósforo branco»10, fornecidas por alguns dos seus aliados da OTAN.
A par destes «bombardeamentos selvagens» e de outras operações (como “golpes de mão” contra as regiões libertadas, com tropas hélio-transportadas, algumas vezes apoiadas por desembarques de fuzileiros navais, «com o fim de aterrorizar as populações, queimar as nossas culturas agrícolas e destruir as nossas bases»11), o relatório refere as acções de propaganda das forças coloniais: «uma intensa propaganda falsa, sobretudo na rádio [de Bissau], tendente a desacreditar a direcção e os objectivos do nosso Partido, a criar a confusão entre as populações, a dividir as forças nacionalistas, a desmobilizar os combatentes, a minar a unidade da nossa organização e a provar a imaturidade da África para a independência»12.

A política do sorriso e do sangue 

A partir da mudança de governador da Guiné, em Maio de 1968 – o general Arnaldo Schultz é substituído pelo general António de Spínola, «militar formado na repressão em Portugal e em Angola»13 –, a estratégia colonialista sofre alterações de forma. Um relatório do PAIGC, de Janeiro de 1970, caracteriza esta «política de duas faces, de sorriso e sangue», a política spinolista da «Guiné melhor à sombra da bandeira portuguesa»: por um lado, «por actos de falsas gentilezas e atenções para com as populações das zonas e centros urbanos ainda ocupados, de concessões nos planos social e religioso com a construção activa de escolas, de postos sanitários e de mesquitas, assim como na organização de viagens a Portugal, atribuição de bolsas de estudo, etc.». Por outro lado, «o inimigo envia todas as semanas novos contingentes de tropas para o nosso país, intensifica os bombardeamentos criminosos e os assaltos terroristas contra as populações das regiões libertadas, queima as colheitas, mata o gado e, sempre que pode, massacra civis, nomeadamente velhos, mulheres e crianças»14. O relatório dá um exemplo concreto destes «assaltos terroristas»: «Quando o inimigo, com a sua falsa política tenta desmobilizar o nosso povo por meio de falsas promessas da sua “campanha psicossocial”, bem como por meio do espantalho neocolonialista de uma “Guiné melhor”, os seus agentes armados tentam, através dos poucos meios aos quais podem ainda recorrer (principalmente através dos bombardeamentos aéreos), prejudicar o mais possível as nossas populações e os nossos combatentes. Chegaram a queimar uma parte das nossas colheitas em Como, Corubal, Quínara e Tombali, com o fim de reduzir as populações à fome e, deste modo, impedir a nossa luta. Aquando de algumas incursões e acções combinadas, chegaram ao ponto de não apenas raptar ou matar vários elementos da população, mas também de roubar arroz, gado e fruta para alimentação das suas tropas, cercadas nos acampamentos»15.
O oitavo ano da luta armada de libertação nacional, 1970, foi «muito rico em acontecimentos de uma grande importância» para o PAIGC, assinala o relatório do partido de Janeiro de 1971. «O sinistro general Spínola (antigo comandante da Guarda Nacional Republicana, o principal instrumento da repressão armada fascista em Portugal; antigo comandante de cavalaria motorizada em Angola), que substituiu o general Arnaldo Schultz, transferido após quatro anos de vãs tentativas criminosas para parar a marcha da nossa luta, chegara à nossa terra com a pretensão de pôr fim à nossa luta durante o ano de 1969», regista o documento. E sublinha: «Tendo sido forçado a constatar o tremendo fracasso dos seus planos de guerra a todo o custo e seguindo possivelmente directrizes do novo chefe do Governo português, Marcello Caetano, o novo governador militar inaugurou a política do sorriso e do sangue, de concessões e crimes abomináveis, de manobras de toda a espécie visando alimentar a guerra pela guerra e desmobilizar a população e os combatentes, para destruir as bases principais do nosso movimento». Mas esta política não deu os resultados esperados por Spínola – apesar dos «actos criminosos dos colonialistas, que reforçaram os bombardeamentos com “napalm” e os assaltos terroristas contra as populações», referindo o PAIGC que, por outro lado, «a liquidação de três comandantes do estado-maior e a morte por crise cardíaca do comandante militar (…) privaram o governador dos seus principais colaboradores, os quais eram os cabecilhas da guerra psico-social»16.

«Nós não estamos à venda» 

A liquidação pelo PAIGC de três majores do exército colonial é amplamente explicada no relatório datado de Janeiro de 1971 e redigido por Amílcar Cabral, num ponto sobre «as manobras políticas dos colonialistas portugueses: a guerra psico-social». Escreve o líder guineense-caboverdeano: «Depois de terem sido forçados a reconhecer, pela voz dos seus chefes principais, que não podem fazer parar a nossa luta nem ganhar a sua suja guerra colonial contra o nosso povo e a África, os criminosos colonialistas portugueses adoptaram novas tácticas para tentar destruir o nosso Partido. Começaram a empregar os métodos mais desprezíveis, os mais vis, no âmbito de uma política que deixa ver claramente, cada dia mais, que os colonialistas portugueses são verdadeiros “gangsters” ou bandidos sem o menor escrúpulo, capazes de cometer os crimes mais bárbaros e de utilizar as mentiras mais desavergonhadas. Tendo fracassado na tentativa de criar a confusão na nossa luta, vendendo, pelo preço da traição, a liberdade condicionada a um certo número de compatriotas presos, os colonialistas portugueses recorreram a outros meios. Inventaram mentiras a respeito de divisões no seio do Partido; escreveram cartas a alguns dirigentes, prometendo-lhes dinheiro em quantidade, boa vida e honras; tentaram explorar o oportunismo, a ambição e os baixos sentimentos, convencidos de que os militantes e dirigentes do nosso Partido são como os que os servem. Mas enganaram-se. As suas tentativas não tiveram por resposta mais do que o desprezo e a repulsa por parte dos nossos camaradas. (…) Então, na frente de Canchungo (centro-Oeste do país), os colonialistas portugueses puseram em acção alguns dos seus principais quadros militares especialistas da guerra psicológica, para tentarem comprar alguns responsáveis dessa frente. Depois de terem estabelecido alguns contactos, escrito cartas ridículas, dado presentes e feito promessas de toda a espécie, os colonialistas sofreram uma derrota vergonhosa: os nossos combatentes liquidaram os comandantes e outros oficiais e soldados que pensavam poder comprar-nos. Este facto prova uma vez mais que sabemos bem o que queremos e somos patriotas. Nós não estamos à venda»17.
O relatório denuncia também outra táctica a que os colonialistas recorreram para tentarem parar a luta de libertação: «dividir o nosso povo e levar os africanos a lutarem contra os africanos», uma táctica «velha e muito usada não só pelos colonialistas mas também pelas guerras coloniais imperialistas»18. São apontados dois exemplos: os «congressos de etnias» para «atiçar de novo os sentimentos tribais que já extinguimos» e a campanha racista contra os cabo-verdianos, desenvolvida através Rádio de Bissau.
Nesse balanço de 1970 sobre a luta na Guiné, é destacada ainda a audiência que o Papa Paulo VI concedeu em Roma a Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos, dirigentes do PAIGC, do MPLA e da Frelimo, e é referida a morte de quatro deputados portugueses «que tinham vindo “visitar” o que resta ainda da colónia que era o nosso país» e cujo helicóptero foi abatido pelos combatentes da liberdade.

Assassinar Amílcar Cabral e Sékou Touré 

O relatório do PAIGC de Janeiro de 1971 dá grande relevo à «agressão imperialo-portuguesa» contra a República da Guiné, que Amílcar Cabral classifica como «uma vitória para o nosso povo e o nosso Partido e uma das mais vergonhosas se não a mais vergonhosa derrota do colonialismo português ao longo da sua história». Isto, reconhecendo que «apesar de estarmos habituados aos actos de desespero e banditismo, aos crimes mais abomináveis da parte dos colonialistas portugueses, não deixou de ser para nós uma certa surpresa a agressão caracterizada que eles planearam, organizaram e executaram contra a capital da República da Guiné» [Conakry]. E mais: «É certo que os colonialistas portugueses já tinham feito muitas provocações e agressões contra os povos irmãos das repúblicas da Guiné e do Senegal. Cometeram inúmeros crimes contra as populações pacíficas das fronteiras desses países, bombardearam e incendiaram aldeias, roubaram e pilharam, a coberto da mentira de que temos bases nos territórios vizinhos (…). Mas não resta dúvida de ultrapassaram tudo isso ao perpetrarem a agressão de 22 de Novembro [de 1970] contra Conakry, para a qual tiveram de utilizar os seus próprios barcos e aviões, os seus oficiais e soldados, embora pintados de preto e diluídos em algumas dezenas de mercenários africanos do exército colonial e de renegados e criminosos originários da República da Guiné. Mostraram, sim, mais claramente do que nunca, até onde vai o desprezo pelas leis e pela moral internacionais do nosso tempo. Revelaram de maneira categórica, à África e ao mundo, a natureza tresloucada e criminosa do colonialismo português»19.
Amílcar Cabral revelou todos os pormenores da agressão militar (cuja responsabilidade o governo fascista português negou veementemente…):
– A operação «Mar Verde» foi previamente autorizada por Marcello Caetano e «seguramente, teve o consentimento dos aliados do Portugal colonialista»;
– O general Spínola e o seu estado-maior, em especial o comodoro Luciano Bastos, comandante da Marinha, elaboraram em pormenor os planos da operação;
– «Estes planos foram submetidos pelo próprio governador militar à aprovação do chefe do governo colonial português, a quem foi dada garantia do sucesso da empresa;
– Marcello Caetano recebeu, duas semanas antes da operação, o comodoro Luciano Bastos e o capitão Alpoim Galvão, «que foi designado para comandar a agressão contra Conakry»;
– Foram empregados na acção cerca de 350 homens, entre fuzileiros especiais, tropas de elite, «comandos africanos» e algumas dezenas de originários da República da Guiné;
– As forças de agressão partiram da ilha de Soga, nos Bijagós, «onde tinham sido treinados, durante vários meses, os renegados da República da Guiné» e onde antes da partida receberam a visita de Spínola. Foram transportadas em seis unidades navais da Marinha portuguesa. Estavam prontos para intervir, se a operação tivesse tido êxito, caças-bombardeiros do tipo Fiat G-91, aviões de transporte de pára-quedistas e helicópteros Alouett III.
Os objectivos principais do desembarque em Conakry eram os seguintes: assassinar o presidente Sékou Touré e outros dirigentes do PDG e derrubar o regime guineense, colocando no poder «os renegados da República da Guiné, alguns dos quais estavam aguardando nos barcos, ao largo da capital, e outros nas prisões políticas»; assassinar o líder do PAIGC e, eventualmente, outros dirigentes do partido; destruir todas as instalações do PAIGC; e, subsidiariamente, libertar os prisioneiros de guerra portugueses.

A agressão falhou

– as forças do PAIGC estacionadas em Conakry, sobretudo, e as tropas guineenses leais a Sékou Touré resistiram e rechaçaram os invasores.
Amílcar Cabral escreveu a propósito: «Já estamos habituados às manobras e mentiras dos colonialistas portugueses, particularmente do seu representante actual na nossa terra [Spínola]. Mas devemos confessar que, no caso da agressão contra a República da Guiné, ultrapassaram tudo quanto antes tinham inventado, para mentir descaradamente. Desgraçado povo, o de Portugal, que tem dirigentes capazes de mentir tanto, que são tão cobardes para tentarem, pelos meios mais baixos, negar a sua responsabilidade provada numa acção que planearam minuciosamente, organizaram e executaram. Mesmo em relação aos prisioneiros, único resultado “positivo” da operação, inventaram toda uma história para tentarem fugir à responsabilidade»20.

A cobra nunca deixa de ser cobra… 

Os documentos do PAIGC nos anos seguintes repetem as denúncias dos crimes do colonialismo português. Num relatório de Setembro de 1971, Amílcar Cabral escreveu: «Na Guiné, o inimigo prossegue a sua política de mentiras, de concessões demagógicas, de promessas de promoção dos africanos, até mesmo duma “revolução social” (sic) que se fosse posta em prática não apenas realizaria o programa socioeconómico do nosso Partido mas ainda daria ao nosso povo um nível de vida bastante mais elevado do que o do povo de Portugal. Para completar a farsa, o actual chefe dos colonialistas portugueses – o sinistro general Spínola – promete agora “levar o povo à autodeterminação sob a bandeira portuguesa”. Adepto fervoroso das teorias do general Kaúlza de Arriaga, que considera o negro com um ser não inteligente, o governador militar da Guiné quer viver a fábula do homem do homem astuto que tinha prometido ao rei ser capaz de ensinar um burro a ler. Tal como o homem da fábula, está sem dúvida convencido de que com o passar do tempo ou o burro morrerá, ou morrerá o rei, ou ele mesmo»21.
O relatório retoma a denúncia de «numerosas agressões contra as populações de Casamance (Senegal) e da zona fronteiriça da República da Guiné», pelas tropas coloniais portuguesas, e a acusação de que «os colonialistas tentam, por todos os meios ao seu alcance, perpetrar os crimes mais bárbaros contra as nossas populações, matar o nosso gado, queimar as nossas colheitas, em resumo, desenvolver e intensificar a sua actividade criminosa e terrorista que é o grande desmentido das suas pretensões de promoção económico-social e política do nosso povo». São referidos, uma vez mais, «intensos e contínuos bombardeamentos aéreos, nomeadamente com “napalm”» e «assaltos com tropas hélio-transportadas com o fim de destruir aldeias, queimar as colheitas e matar o gado»22.
Na sua mensagem de Ano Novo de Janeiro de 1972, Amílcar Cabral referiu-se de novo à política da «Guiné melhor» de Spínola e à natureza racista do colonialismo: «Os esforços tão desesperados quanto vãos que faz o actual chefe dos colonialistas portugueses na Guiné, no sentido de destruir o nosso Partido para liquidar a nossa luta, são a prova mais clara de que os colonialistas portugueses não conhecem nem nunca conhecerão a África, não compreendem nem podem compreender o sentido da História e continuam convencidos da sua capacidade de, como dizem, “enganar o preto”. Essa ignorância, incapacidade e convicção racista caracterizaram sempre a acção dos colonialistas portugueses em África, explicam todos os crimes que praticaram e praticam contra os povos africanos, são a causa subjectiva das actuais guerras coloniais e vão seguramente provocar a perda de Portugal, com graves consequências para o povo português»23.
Ainda nesse ano de 1972, a 19 de Setembro, poucos meses antes de ser assassinado, o líder do PAIGC dirigiu uma mensagem por ocasião do 16.º aniversário do partido, na qual voltou a denunciar o «racismo primitivo e doentio» dos colonialistas portugueses e do seu chefe, que falam da «Guiné melhor» e prometem a «autodeterminação sob a bandeira portuguesa», concessões ilusórias que «só enganam os tolos ou os traidores»24. A cobra, por mais que mude de pele, não deixa de ser cobra, adverte…

O maior crime dos colonialistas 

Num relatório dirigido à OUA e cuja primeira redacção Amílcar Cabral concluiu poucas horas antes do seu assassinato por agentes do colonialismo português, a 20 de Janeiro de 1973, o líder do PAIGC abordou a situação da luta na Guiné e em Cabo Verde. Escreveu: «A acção militar dos colonialistas, que fazem esforços desesperados para levar os africanos a baterem-se contra os africanos, caracteriza-se principalmente por bombardeamentos aéreos intensos e por assaltos terroristas contra as regiões libertadas. O massacre das populações (quando podem fazê-lo), a utilização do “napalm”, a destruição das aldeias, do gado e das colheitas são as acções principais do inimigo, que desenvolve planos para a utilização de produtos tóxicos, herbicidas, desfolhantes, contra os nossos campos de cultura e as nossas florestas25».
Dias antes, na sua mensagem de Ano Novo de Janeiro de 1973, considerado o seu «testamento político», Amílcar Cabral anunciava já a preparação da eleição da Assembleia Nacional Popular visando a proclamação da existência do Estado da Guiné-Bissau, a criação de um executivo para esse Estado e a promulgação da sua primeira Constituição: «Da situação de colónia que dispõe de um movimento de libertação e cujo povo já libertou em 10 anos de luta armada a maior parte do seu território nacional, vamos passar à situação de um país que dispõe do seu Estado e que tem uma parte do seu território nacional ocupado por forças armadas estrageiras26».
De forma quase premonitória, o líder do PAIGC advertia que, apesar de todos os avanços da luta, «não podemos esquecer nem um só momento que estamos em guerra e que o inimigo principal do nosso povo e da África – os colonialistas fascistas portugueses – alimentam ainda, com o sacrifício e a miséria do seu povo e por meio de manobras as mais pérfidas e de actos os mais bárbaros, a criminosa intenção e a vã esperança de destruir o nosso Partido, liquidar a nossa luta e recolonizar o nosso povo». Ainda que, assegurava, «nenhum crime, nenhuma força, nenhuma manobra ou demagogia dos criminosos agressores colonialistas portugueses será capaz de parar a marcha da História, a marcha irreversível do nosso povo africano da Guiné e Cabo Verde para a independência, a paz e o progresso verdadeiro a que tem direito»27.
Na verdade, esse «inimigo bárbaro que não tem o menor escrúpulo nas suas acções criminosas» – o colonialismo português – assassinou Amílcar Cabral nos primeiros dias de 1973, utilizando traidores africanos, a soldo da PIDE, infiltrados no PAIGC.
Luís Cabral, irmão de Amílcar, um dos fundadores e principais dirigentes do PAIGC – não se encontrava em Conakry na noite do crime e da prisão de Aristides Pereira e outros dirigentes do partido –, num testemunho oral publicado em 1995, confirmou aspectos principais sobre o assassinato e a continuação da luta até à proclamação da independência da Guiné-Bissau e ao derrubamento do fascismo em Portugal.
Recordou que os colonialistas portugueses fizeram várias tentativas para destruir o PAIGC, até chegar ao ataque a Conakry, em Novembro de 1970, «operação de um comando especial orientado directamente pelo general Spínola para atacar a capital de um país estrangeiro, derrubar o governo e destruir o PAIGC», considerando que, depois do fracasso da agressão, «a tentativa seguinte seria tentar destruir o PAIGC por dentro»28.
De acordo com Luís Cabral, foi o que aconteceu: «Os homens que assassinaram o Amílcar tiveram coragem de o fazer porque tinham o apoio da PIDE. A luta chegou a um ponto em que o grande objectivo em Bissau, das forças especiais, era destruir a unidade Guiné-Cabo Verde. E, então, indivíduos que estiveram ligados ao partido, e até à sua direcção, e estiveram presos uma data de tempo, como Inocêncio Kani, Aristides Barbosa, foram postos em liberdade e depois mobilizados e mandados para Conakry, já ligados à PIDE. O objectivo deles era mobilizar gente contra a direcção do PAIGC, dizendo que o Governo português estava disposto a conversar com os guineenses, que era uma decisão que estava tomada, mas para isso os guinenses tinham que se separar dos cabo-verdianos, porque com Cabo Verde não se podia fazer nada, a NATO não ia aceitar que o PAIGC estivesse em Cabo Verde (…)»29.
Os homens que assassinaram Amílcar Cabral «foram quase todos fuzilados». Esses homens «foram mandados pela PIDE, eles disseram isso»30, confirmou Luís Cabral, referindo também cumplicidades de certos dirigentes da República da Guiné com os criminosos.
Depois do assassinato de Amílcar Cabral – os colonialistas chegaram então a proclamar o fim da guerra na Guiné –, o PAIGC intensificou a luta armada em todas as frentes, equipou-se com novas armas (mandou formar pilotos de «Mig» na União Soviética e recebeu mísseis Strela, de fabrico soviético, entregues pela URSS ainda em Janeiro de 1973, que puseram fim à impunidade aérea dos colonialistas), realizou o seu II Congresso nas regiões libertadas do Leste, elegeu por unanimidade Aristides Pereira como secretário-geral, e, a 24 de Setembro de 1973, reuniu no Boé a primeira Assembleia Nacional Popular da história do país e proclamou o Estado da Guiné-Bissau, reconhecido de imediato por cerca de 80 países. Em 25 de Abril de 1974 o Movimento das Forças Armadas derrubou o regime fascista em Portugal, entre Maio e Agosto realizaram-se conversações em Londres e Argel entre delegações do PAIGC e do novo Governo de Lisboa e a 10 de Setembro a independência de jure da Guiné-Bissau foi reconhecida por Portugal.
Não é necessário esperar que um dia o WikiLeaks divulgue documentos secretos da guerra que Portugal travou em Angola, Guiné e Moçambique entre 1961 e 1974 para se conhecer melhor as barbaridades do colonialismo português.
Para o caso da Guiné-Bissau, basta recorrer a textos da autoria de Amílcar Cabral (haverá imensos outros documentos interessantes espalhados pelos arquivos e fundações portuguesas…), muitos deles publicados, para se conhecer a impressionante lista de crimes que o PAIGC atribuiu, durante 11 anos da sua luta armada de libertação nacional (1963-1974), ao colonialismo português – discriminação racial, fomento do racismo e do tribalismo, prisões e torturas, massacres, bombardeamentos massivos de populações civis (com bombas de fragmentação, «napalm» e fósforo branco), utilização de desfolhantes e herbicidas, destruição de colheitas, roubo de gado e, claro, agressão militar a um país soberano e assassinato de dirigentes políticos.
E foram crimes em vão. Portugal foi derrotado militarmente na Guiné. Os guerrilheiros do «mato» acabaram por vencer os generais formados nas academias ocidentais, mais as suas numerosas tropas bem equipadas com aviões, tanques e canhões fornecidos pelos aliados da NATO.
Apesar dos indescritíveis sacrifícios da guerra, guineenses e cabo-verdianos que lutaram nas fileiras do PAIGC podem hoje orgulhar-se não só da conquista da independência nacional das suas pátrias mas também de terem contribuído decisivamente, com a sua luta, para a liquidação do colonial-fascismo de Salazar/Caetano e a libertação do povo português.

Combatendo os bárbaros


Tzvetan Todorov é um humanista à moda antiga, interessado no amplo espectro do conhecimento humano entendido como um caminho para a integridade e o saber. Linguista, filósofo, historiador, crítico literário, interessado tanto na semiótica como nas fraturas do século XX, este homem nascido na Bulgária e emigrado a Paris aos 24 anos, autor de livros fundamentais em praticamente todos os terrenos pelos quais incursionou, é um impenitente devoto da clareza do pensamento como arma contra a intolerância, a incompreensão e o totalitarismo em todas as suas formas. De passagem por Buenos Aires, convidado pela Fundação Osde para fazer algumas palestras, Todorov concedeu entrevista a Martín Granovsky, do Página/12. Na conversa, entre outras coisas, aponta as raízes fundamentalistas do ultraliberalismo e do populismo conservador que vem crescendo na Europa e nos EUA.

Ele é alto, grisalho, tem olhos curiosos e um aperto de mão forte. Seu francês é perfeito. Tzvetan Todorov nasceu na Bulgária em 1939, mas vive em Paris desde 1963. Foi para a França para ficar um ano e por lá ficou. Estudou com Roland Barthes. Escreveu, entre outros livros, Teoria dos Gêneros Literários, Os Aventureiros do Absoluto, A Conquista da América e A Experiência Totalitária. Veio fazer conferências na Argentina e aceitou conversar com Radar (suplemento do jornal Página/12). A entrevista ocorreu na manhã de quarta-feira, quando já se sabia que os extremistas do Tea Party tinham sido o coração da vitória republicana nos Estados Unidos.

Você escreveu que o ultraliberalismo é uma forma fundamentalista

Sim, eu defendo isso.

Eu perguntava sobre a força do movimento Tea Party nos Estados Unidos.

Bom, na Europa conhecemos o que é o populismo.

Na América Latina também, mas suspeito que o termo é usado para nomear coisas distintas. Aqui a palavra é utilizada para sintetizar – ou criticar, dependendo do caso – experiências de centroesquerda com partidos fracos e líderes fortes.

Eu sei. Por isso me refiro ao caso europeu, que é diferente. Na Europa, é cada vez mais decisivo o voto populista de extrema direita. Um voto que cresce porque tem êxito em focalizar o inimigo de cada povo no estrangeiro diferente.

Agora o grande tema na França é a expulsão dos ciganos para a Romênia. Você se refere a isso?

É um tema grave, mas não é o ponto central na estigmatização. Em geral, a focalização sobre o estrangeiro que mencionava se refere ao diferente que, com frequência aliás, professa a fé islâmica. E isso influi em todos os governos.

Mas a extrema direita populista a que você se refere não chegou ao governo.

Sim, mas a direita de sempre, a direita a que estamos habituados e conhecemos bem, não pode governar se não se apóia na extrema direita. O poder necessita desse apoio.

Na Suécia, os conservadores ganharam mas, pela primeira vez, a extrema direita teve 10% dos votos e ganhou representação parlamentar.

Na Dinamarca e na Holanda a situação é ainda pior. Nesses dois países a questão do apoio da extrema direita à direita tradicional não é somente social, o que por si já é um problema grave, mas também de conformação de maiorias parlamentares. Os conservadores da Dinamarca e da Holanda precisam do voto da extrema direita no Parlamento. Por isso, os governos de direita aceitam muitas posições da extrema direita.

E na Itália?

Ocorre algo parecido com a Liga do Norte, que também tem uma posição ativa contra o estrangeiro diferente e pior ainda se ele tiver alguma relação com o Islã. A Liga do Norte está no governo associada com Silvio Berlusconi.

Por que você assinala uma diferença em relação à situação na França?

Porque tem outros matizes. Nicolas Sarcozy adota frequentemente temas e obsessões da extrema direita. Mas não exclusivamente dela. É um político pragmático preocupado sobretudo em conservar-se no poder. Assim, como coloca hoje a questão dos ciganos, no início de seu mandato adotou inclusive alguns temas da esquerda.

O movimento Tea Party nos Estados Unidos também se inscreve nessas correntes que você identifica na Europa?

Nos Estados Unidos, sobretudo em meio à crise, há um movimento contra os imigrantes. Mas esse não é o tema fundamental do Tea Party. Como a economia vai muito mal, a crítica se dirige ao governo de Barack Obama e tem raízes próprias. Nos Estados Unidos há uma espécie de filosofia de vida ultraindividualista. Essa filosofia diz que o ser humano é responsável pelo destino de sua vida. Mas essa filosofia de vida agrega a idéia segundo a qual o êxito econômico é uma medida suficiente para medir uma vida. Uma posição, evidentemente, fantasiosa.

Por que fantasiosa? Todos seus livros falam das responsabilidades do ser humano e do indivíduo.

Sim, mas não em estado de solidão. Eu estou profundamente convencido de que os seres humanos têm necessidade dos outros. Defender a liberdade ou o direito do indivíduo é um valor positivo. É preciso proteger os indivíduos da violência dos outros indivíduos e do Estado. Mas o indivíduo depende dos demais. A dimensão social do ser humano não pode – não deve – ser eliminada. A economia não pode ser um objetivo último, mas sim um meio.

Você critica a centralidade da noção de êxito econômico na concepção que definiu como “ultraindividualista”. Se o êxito fosse um valor a levar em conta, coisa que já seria discutível, qual seria sua concepção de êxito?

Eu tampouco me guio pelo êxito como objetivo da vida. Mas se, como ser humano, ao final de minha vida me perguntarem o que é o êxito, responderia que é ter vivido uma vida na qual vivi, amei, respeitei e fui amado pelos outros que amei e respeitei. Desculpe se uso tanto a palavra “vida” ou o verbo “viver”, mas prefiro não buscar sinônimos ou outras formas de dizê-lo. O êxito de uma vida inteira, de uma vida completa, é o êxito nas relações humanas. Uma vida sem amor terá sido desastrosa.

Li que você critica também as vidas baseadas somente no intelecto. No idioma argentino falaríamos de uma vida sem por o corpo.

Sim. E o mesmo se aplica a uma vida vivida tendo o êxito econômico como fim último. Ainda que seja redundante dizê-lo, seria uma vida que exclui a vida humana.

O Tea Party o impressiona?

Para além de fenômenos como os da Dinamarca e Holanda, e, de certo modo, da Itália, a tradição europeia é diferente. Na Europa, durante muitos anos todos os governos, de esquerda ou de direita, seguiram um modelo baseado no Estado de bem-estar social, o Welfare State. Esse modelo se fundamenta na solidariedade de toda a população, que se expressa, em última instância, em medidas adotadas a partir do Estado. Falo, por exemplo, da progressividade dos impostos. Quem ganha mais, paga mais. A redistribuição de renda é o princípio constitutivo do Estado. A tradição que aparece com o Tea Party alimenta-se, na origem, da conquista de um espaço vital. É um híbrido que combina a ideologia do xerife e o espaço do pregador.

O que o pregador agrega a essa ideologia?

A certeza de que, se eu sigo buscando meu espaço vital e o êxito, tendo um resultado econômico com fim último, tenho razão porque Deus me disse isso.

Estou predestinado como indivíduo.

Sim. Por isso há um caráter religioso de tipo fundamentalista muito importante. É importante destacar que nessa busca...

A busca parece uma batalha.

E é mesmo. E nessa batalha reaparecem inclusive temas de um passado recente. Obama é acusado até de instaurar o Gulag. Seria, para eles, um comunista.

Mas Obama não é sequer um radical, um homem de esquerda em termos norteamericanos.

Não, claro. É um político do mainstream, também no vocabulário norteamericano. Um político normal que está dentro do sistema político. Mas passa a ser um comunista, na crítica do Tea Party, porque parece querer regular a vida dos indivíduos. Leve em conta que, quando o Tea Party e os legisladores que recebem sua influência criticam a cobertura médica obrigatória votada por iniciativa de Obama este ano, acusam o presidente norteamericano de estar metendo-se em suas vidas. O raciocínio é assim: “Seu eu trabalhei e com meu esforço consegui um bom seguro e uma boa cobertura médica, que me permitirá uma boa aposentadoria privada, por que devo trabalhar para os que não trabalharam e, assim, não alcançaram o meu êxito?”. Falta a solidariedade elementar e isso me parece deplorável.

“Deplorável” é uma palavra forte.

Certamente. Essa forma de pensar procede, antropologicamente, de uma ignorância da necessidade do outro. E o paradoxal é que também tem escassas possibilidades de gerar as condições para o êxito econômico individual da classe média. Vou explicar melhor minha lógica de raciocínio para que não fique parecendo um simples slogan. A sociedade fica desequilibrada. Se fica desequilibrada, perde a força para combater a extensão do problema da droga ou do desemprego. Para solucionar temas dessa magnitude é necessário contar com toda a população. Não é possível fazê-lo apenas com uma parte dela. Como se vê, o Tea Party tem raízes em uma ideologia vigente em setores da sociedade norteamericana desde há muito tempo, mas seus efeitos concretos aparecem hoje. A leitura é que Obama e seu projeto se chocaram com o poder econômico.

E esse poder derrotou-o nestas eleições de metade de mandato.

As conclusões são impactantes. O homem mais poderoso do planeta, que é o presidente dos Estados Unidos, é impotente contra os interesses do grande capital. A mensagem é que as instituições não permitem sequer que um presidente legitimamente eleito adote uma política distinta, ainda que seja levemente distinta, daquela que eles defendem. A recente decisão da Corte Suprema que permite às empresas fazer contribuições à campanha eleitoral representa um freio aos políticos democráticos. Neste ambiente ultraliberal a democracia corre perigo.

Tanto assim?

Efetivamente. O poder se expressa por meio das eleições. Em 2008 se expressou votando em Obama. Mas na prática o povo não pode governar porque isso não é permitido pelos indivíduos mais poderosos. Se isso for verdade e se essa tendência se aprofundar, estaremos assistindo a uma mutação radical. Tão radical como a Revolução Francesa que, em 1879, passou de uma monarquia hereditária para uma assembleia eleita pelos cidadãos. Nós que respeitamos a integridade do indivíduo – e não falo agora, como você advertirá, do ultraindividualismo – devemos nos preocupar quando o domínio de alguns poucos políticos poderosos substitui a vontade dos indivíduos.

Como a substituem?

Usam, entre outras coisas, duas ferramentas. O lobby e o controle dos meios de comunicação. Um exemplo quase caricato ocorre é a Itália, onde Bersluconi pessoalmente é dono da maior cadeia de televisão privada e, como presidente do conselho de ministros, controla os demais sinais. Ao mesmo tempo promove um ultraliberalismo combinando o uso dos meios de comunicação mais poderosos com pressões sobre a Justiça. Por isso é essencial manter o pluralismo na imprensa. É preciso evitar que seja controlada por um pequeno grupo de indivíduos. De oligarcas, como se diz na Rússia. Na França, Sarkozy ocupou-se pessoalmente de que o aporte de capitais de que necessitava o jornal Le Monde não viesse de empresários que não eram simpáticos a ele. Nos Estados Unidos, muitas emissoras de rádio e canais de televisão como a Fox repetem dia e noite uma mensagem populista.

Populista?

Sim. Já sei o que vai me dizer. Sei que a palavra “populista” tem uma acepção diferente na Argentina. Refiro-me, por exemplo, às mensagens do líder da extrema-direita francesa Jean Marie Le Pen. Em que consiste seu populismo? No fato de que encontra fórmulas tão falsas como eficazes de chegar ao povo. Diz: “Na França, há três milhões de desempregados e três milhões de imigrantes. E eu vou lhes dizer como se resolve o problema: colocando pra fora os imigrantes”. Assim age o populismo ultraconservador. Se Obama aumenta impostos para os setores mais poderosos, dirão que que o aumento de impostos afeta a classe média e repetirão isso até a exaustão.

Mas não é só uma questão de propaganda, não? Ou, em todo caso, essa propaganda simplificadora se baseia no medo provocado pelo desemprego e a crise, ou pela falta de políticas mais incisivas, ao estilo de Franklin Delano Roosevelt em 1933.

E, além disso, a população não está bem informada e não costuma entrar em raciocínios teóricos complexos. A experiência cotidiana da França é que aumentam os preços e que, ao mesmo tempo, o chefe de governo fala bem. E um senhor Le Pen diz: “Os ciganos ficaram com o teu dinheiro”. Lembremos que, em 1933, Adolf Hitler foi eleito por sufrágio universal. O populismo, tal como descrevi, apela a um raciocínio simplificado, rápido, compreensível para todos. E digo isso não como anjo. Não vivemos em um mundo habitado por anjos. Tampouco por demônios, é claro. Eu me incluo nisso. Ou seja, gente que está informada e lê os jornais ou até os escreve. E incluo você também, se me permite.

Certamente. Qualquer explicação baseada na lógica anjo-demônio é de fanáticos. Professor, como jornalista e como leitor sempre me chamou atenção uma frase sua: que fazer-se entender, para um intelectual, é um tema ético. Acredito que a disse ironizando Jacques Lacan. Mas, para além de Lacan, por que disse “ético” e não “estético”?

Porque a ética se funda na relação com os demais seres humanos. Implica um respeito. E então não se deve usar meios indignos. A sedução está bem e se justifica quando se busca despertar a simpatia de um indivíduo. É preciso mostrar-se eloquente, simpático, apelar a todos os fogos de artifício de que se disponha. Isso vale para um homem, para uma mulher, para qualquer um. Mas no espaço público considero que praticar a demagogia populista é um tipo de discurso obscuro com aparência de profundidade significa transgredir um contrato.

Que contrato?

O que se estabelece entre interlocutores, entre pessoas. Por isso é um contrato ético.

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 7 de novembro de 2010

Fiódor Dostoiévski

 


Fiódor Mijailovich Dostoiévski nasceu na cidade de Moscou em 30 de novembro de 1821. Seu pai, Mijail Andreievich, era médico militar, e no ano do nascimento de Dostoiévski deixou o exército e foi destinado a um hospital da cidade. A família viveu nos aposentos que o hospital destinava aos familiares dos médicos e, por isso, Dostoiévski e seus irmãos cresceram afastados e não podiam brincar com as demais crianças. Sua mãe, María Fiodorovna, teve seis filhos, mas sempre demonstrou maior afeição ao frágil Dostoiévski. Se seu pai foi um homem rígido, autoritário, avaro, alcoolico, ela, sua mãe, era quieta, doce e se resignava diante dos ataques verbais do marido. Como é natural, Dostoiévski tomou partido em defesa da mãe e sem saber como, dia a dia crescia um sentimento de aversão pela figura do pai.
Em 1837, Dostoiévski teve o primeiro vislumbre do que iria persegui-lo durante toda a vida: morre sua mãe e seu pai se entrega à bebida de maneira quase frenética, o que agravou a cobiça que sofreria em sua juventude. Foi então que ele e seu irmão Mijail, poucos anos mais velho, foram enviados à São Petersburgo para ingressar na Escola de Engenheiros Militares. 
Mijail Andreievich sempre foi um irmão pedante e cruel. Descarregava sua raiva em seus camponeses, além de chicoteá-los e humilhá-los, o que desconcertava os servos, que não tinham como escapar das agressões de seu patrão. Ninguém sabia o que o incomodava mais. Se os servos não faziam reverências, chicoteava-os. Se tiravam o chapéu, também chicoteava-os, porque dizia que tiravam o chapéu para ficarem doentes e não trabalharem depois. Segundo se conta, esta situação chegou a tal ponto, que os camponeses se organizaram e o assassinaram em uma emboscada: o amarraram, colocaram álcool em sua boca e o amordaçaram para que ficasse sufocado. Logo um deles pegou em suas genitais e apertou até sua morte. Outra história narra que 
Mijail morreu de causas naturais, mas que um fazendeiro vizinho inventou sua própria história a cerca da rebelião, de modo a rebaixar o preço do imóvel que era de Mijail. Independente de qual seja a história verdadeira, Dostoiévski ficou sabendo da morte de seu irmão quando estava na Escola de Engenheiros. No mês anterior à morte de seu irmão, havia escrito uma carta à seu pai pedindo, em tom irritado, mais dinheiro. Os dias foram passando sem nenhuma resposta de seu pai, o que irritou ainda mais Dostoiévski, que passou a amaldiçoá-lo pela sua avareza e incompreensão. Quando soube da morte de seu irmão, que o crime praticado pelos mujiks recaia sobre ele, e segundo contou em várias entrevistas, desde o princípio assumiu que deveria limpar esse assassinato, muito embora ele não houvesse cometido crime algum, como se por um dever, inteligível apenas para ele, tinha absorvido as responsabilidades dos verdadeiros assassinos. Sigmund Freud analisou estes trechos para escrever seu famoso artigo Dostoiévski e o parricídio
Um possível traço deste misterioso sentimento de culpa pode ser encontrado na insistência com que Dostoiévski cultiva a alegria de seus personagens antes de castigá-los com uma desgraça inesperada e injusta. Elege o dia em que estão em plena forma, em que florescem suas esperanças, para desfechar o golpe de misericórdia. Em Memórias do Subsolo, por exemplo, o protagonista faz você se perguntar "por que alguém iria querer fazer de seus defeitos, a fonte de orgulho e vaidade?". "Quando mais capaz me sentia de compreender os pormenores do todo o belo e o sublime", afirma em uma passagem, "perdia toda consciência e começava a cometer atos reprováveis... atos que todo mundo comete, mas eu sabia que cometeria no instante em que mais claramente compreendia que não devia cometê-lo. Quando mais admirava o belo, mais profundamente me afundava na lama e mais se desenvolvia em mim a faculdade de enlamear-me". Em Os irmãos Karamázov, para citar outro exemplo, é em pleno delírio amoroso que prendem Dimitri. Ele é acusado de assassinar seu pai, e por mais que proteste contra a comissão investigadora, todas as provas parecem estar contra ele. 
Em 1843, Fiódor Mijailovich Dostoiévski acaba seus estudos, adquire o grau militar de sub-tenente e se incorpora à Direção Geral de Engenheiros, em São Petersburgo. Durante esses anos traduziria Eugenia Grandet, de Honoré de Balzac, como mostra de admiração pelo grande escritor francês, que havia passado uma temporada em São Petersburgo. No ano de 1844 deixa o exército e começa a escrever Gente Pobre, novela que lhe dará seus primeiros êxitos de crítica. Nesta mesma época começa a contrair algumas dívidas e a sofrer seus primeiros ataques epilépticos. As novelas que escreve posteriormente Niétochka Niezvânova, Noites Brancas, O marido ciumento e A mulher de outro, não têm o êxito da primeira e recebem críticas muito negativas, o que deixa Dostoiévski em profunda depressão. É nesta época que entrará em contato com os chamados grupos "radicais" ou "utópicos", que fundamentam suas ideias na busca pela liberdade do homem. 
A polícia czarista vigiava de perto esses grupos "radicais", e em 23 de abril de 1849, o jovem Dostoiévski é preso e encarcerado por conspiração contra o Czar Nicolau I. No dia 16 de novembro do mesmo ano é condenado à morte por atividades anti-governamentais e vinculação ao grupo "radical" chamado Círculo Petrachevski. Em 22 de dezembro, junto com outros presos é levado ao pátio da prisão para ser fuzilado. Não sabia o que estava acontecendo, um medo agudo apertou seu estômago. Por um instante que não se pode medir em minutos, Dostoiévski teve que ficar de frente ao pelotão e escutar os disparos com os olhos vendados. Pensava que o disparo seguinte seria para ele, mas sua pena havia sido trocada por cinco anos de trabalhos forçados em Omsk, Sibéria, e o comandante queria apenas amedrontá-lo. É possível imaginá-lo alí, frente ao pelotão de fuzilamento, com os olhos vendados, evocando a morte de seu pai. 
Dostoiévski foi solto no ano de 1854 e se reincorpora ao exército. A partir de sua liberdade, abandonará seus pensamentos radicais e se converterá em um homem conservador e extremamente religioso. Por essa época começa a escrever Memórias da casa dos mortos, baseando-se em suas experiências como prisioneiro. 

Traduzido a partir de revistadelauniversidad.unam.mx

Principais obras
1846 - Bednye lyudi (Бедные люди); Em Português: Gente Pobre
1846 - Bednye lyudi (Бедные люди); Em Português: O duplo
1849 - Netochka Nezvanova (Неточка Незванова); Em português: Niérochka Niezvânova
1848 - Belye nochi (Белые ночи); Em Português: Noites Brancas
1861 - Unijennye i oskorblennye (Униженные и оскорбленные); Em Português: Humilhados e ofendidos
1862 - Zapiski iz mertvogo doma (Записки из мертвого дома); Em Português: Memórias da casa dos mortos
1864 - Zapiski iz podpolya (Записки из подполья); Em Português: Notas do subsolo
1866 - Prestuplenie i nakazanie (Преступление и наказание); Em Português: Crime e castigo
1867 - Igrok (Игрок); Em Português: O jogador
1869 - Idiot (Идиот); Em Português: O idiota
1870 - Vechnyj muzh (Вечный муж); Em Português: O eterno marido
1872 - Besy (Бесы); Em Português: Os demônios
1863 – Ziminie Zamietki o lietnikh vpyetchatleniiakh (Зимние заметки о летних впечатлениях); Em Português: notas de inverno sobre impressões de verão. 
1881 - Brat'ya Karamazovy (Братья Карамазовы); Em Português: Os irmãos Karamázov.


NOTAS DO SUBSOLO (Notes from underground), 1995
Legendado, Gary Walkow


Formato: AVI (VHS-Rip)
Áudio: inglês
LEGENDA EXCLUSIVA: português
Duração: 86 min.
Tamanho: 691 mb
Servidor: Megaupload (3 partes)
 

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SINOPSE
 
Adaptado do livro do escritor russo Fiódor Dostoiévski, Henry Czerny interpreta o homem do subsolo. Cheio de ódio a si mesmo,ele mantém um diário em vídeo, onde discute suas próprias deficiências, assim como as deficiências da sociedade contemporânea. Sua amargura transborda em um jantar acompanhado de seus velhos amigos de faculdade. Depois de ser humilhado por seus amigos no jantar, ele decide ir para um bordel, onde conhece Liza, uma jovem prostituta.

sábado, 6 de novembro de 2010

Centrais sindicais criam rede de comunicação na AL



A Confederação Sindical de Trabalhadores/as das Américas (CSA) decidiu criar uma rede sindical de informação no continente para fortalecer a luta pela democratização dos meios de comunicação. Conferência realizada em Montevidéu reuniu entidades sindicais e movimentos sociais de mais de 20 países latinoamericanos para discutir a situação da comunicação no continente. Manipulação midiática da suposta agressão do candidato José Serra por uma bolinha de papel e postura racista contra o presidente boliviano Evo Morales foram citados como exemplos de que "as frentes de guerra número um, dois e três estão nos meios de comunicação e no controle da opinião pública, nas palavras do jornalista basco Unai Aranzadi.

“As frentes de guerra número um, dois e três estão nos meios de comunicação e no controle da opinião pública”. As palavras do jornalista basco Unai Aranzadi, transmitidas em vídeo aos participantes da Conferência Sindical sobre Democratização da Comunicação, definiram as discussões do encontro realizado em Montevidéu nos dias 1° e 2 de novembro. Segundo Aranzadi, os grandes meios seguem alguns “padrões de manipulação e de silêncio impostos pelos conglomerados privados” para prostituir a informação em troca da liberdade de empresa e do discurso único do “partido do capital”.

Promovida pela Confederação Sindical de Trabalhadores/as das Américas (http://www.csa-csi.org), com a participação de centrais sindicais, organizações sociais e especialistas de mais de 20 países latino-americanos, a Conferência destacou a necessidade de mais protagonismo dos trabalhadores na luta pela liberdade de expressão – considerada um “valor indispensável para a construção de uma sociedade mais justa”.

A atuação dos meios de comunicação de massa foi condenada pelos participantes enquanto se repetiam as denúncias de desrespeito, por parte de quem faz uso indevido de concessões públicas, das mais elementares normas de disputa democrática. Foram mencionados desde o recente caso brasileiro – onde o candidato da oposição à presidência, José Serra, foi supostamente “agredido” por uma bolinha de papel – até o racismo contra o presidente boliviano Evo Morales e as críticas a presidente Cristina Fernández, que aprovou uma lei para disciplinar os abusos dos meios de comunicação na Argentina.

O secretário geral da CSA, Víctor Báez, mencionou exemplos concretos da necessidade de construir um poder em rede para contrapor as mentiras difundidas contra a soberania e a liberdade dos povos. Víctor falou do caso dos mineiros chilenos. Os 33 mineiros estiveram 70 dias debaixo da terra, com os meios de comunicação privados falando muito mais da ação de resgate e ocultando as verdadeiras causas do desastre: a falta de investimentos em segurança por parte da empresa, a ausência de fiscalização por parte do governo. Por força da mobilização popular, o governo teve que fechar minhas privadas que se encontravam nas mesmas condições.

“O movimento sindical chileno falou das causas do acidente, mas a denúncia acabou isolada e a verdadeira notícia não foi difundida porque não havia uma rede articulada para fazer isso”, avaliou Báez. “O desmoronamento na mina de San José nos lembrou do fato ocorrido no México, em Pasta de Conchos, onde muitos trabalhadores ficaram enterrados a 100 metros de profundidade, sem qualquer auxílio. E o dirigente sindical que denunciou o acidente teve que se exilar no Canadá”.

Imposição de um modelo
Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da Central Única de Trabalhadores (CUT), do Brasil, destacou a necessidade política e ideológica de se construir um novo marco para regular o setor. Na conferência de Montevidéu, Rosane disse que algumas das medidas a serem tomadas foram debatidas democraticamente pela sociedade brasileira e aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação, devendo agora serem materializadas na Consolidação das Leis Sociais do país.

“A democratização da comunicação é um passo essencial para o aprofundamento da democracia e é um elemento fundamental para a valorização dos seres humanos. Com sua concepção neoliberal de Estado mínimo, os privatistas tentaram nos impor seus contra-valores, confundindo liberdade de imprensa com liberdade de empresa”, acrescentou Rosane. Como contrapartida ao cenário hegemônico dos grandes meios de comunicação no Brasil, a secretária da CUT apontou que a central sindical investiu na estruturação de seus próprios canais de TV e rádio que começaram a transmitir sua programação recentemente.

Como lembrou o uruguaio Aram Aharonian, fundador da Telesur e dirigente do Observatório Comunicação e Democracia, da Venezuela, é fundamental que o movimento sindical se articule com os movimentos sociais para a disputa de projetos na arena midiática. “Três décadas atrás, para impor-se um modelo político-econômico tínhamos que recorrer às armas, com um saldo de milhares de mortos, desaparecidos e torturados. Hoje, os meios de comunicação de massa levam o bombardeio da mensagem hegemônica diretamente à sala de nossas casas, 24 horas por dia”.

A criação de uma rede de comunicação sindical
Segundo o pensamento de Aharonian, “atualmente são as grandes corporações que manejam o latifúndio midiático, que criam imaginários coletivos virtuais e decidem quem tem a palavra, quem é o protagonista e o antagonista, enquanto trabalham para que as grandes maiorias sigam mudas e invisíveis”. Para combater esta “verdadeira ditadura midiática”, defendeu o jornalista, é preciso “reivindicar e transformar em realidade o sentido etimológico da comunicação, que implica diálogo, interação e intercâmbio para construir consensos entre as partes envolvidas no processo”. Aharonian destacou a importância da proposta da CSA para estruturar redes para construir um movimento contra-hegemônico com vistas a incentivar ações espalhadas no continente, tornando-as muito mais fortes e eficientes.

Gustavo Gómez Germano, diretor nacional de telecomunicações do Uruguai, ressaltou que, na América latina, por muitas razões, está se produzindo um processo de revisão das leis sobre os meios de comunicação, em especial os eletrônicos, com o rádio e TV. “Na verdade, trata-se de um processo de re-regulação, porque a regulação anterior habilitava e fomentava a concentração dos meios de comunicação nas mãos de uns poucos, ao mesmo tempo em que obstaculizava o acesso às grandes maiorias”.

De acordo com Gómez, os Estados devem revisar e reformar suas legislações e realizar controles adequados para reverter e impedir a formação de monopólios e oligopólios no controle dos meios de comunicação. “Se o Estado não desempenha um papel ativo, a democratização não será possível, o livre jogo da oferta e da demanda não diminuirá os abismos existentes em nossas sociedades”, acrescentou.

Novo internacionalismo
Álvaro Padrón, da Fundação Friedrich Ebert, entidade que apoiou a Conferência de Montevidéu, disse que o momento é de um “novo internacionalismo, com nova base pragmática, mais unidade e mais pluralidade”. Segundo Padrón, questões que eram marginais agora ganham mais transcendência no embate de idéias, pondo em questão a concentração dos meios. A conformação de uma rede de comunicação sindical, acrescentou, é uma tarefa urgente para colocar as entidades em uma nova posição de ação democratizadora. Assim, será possível virar a página do neoliberalismo que ainda asfixia muitos Estados nacionais.
Omar Rincón, também da Fundação Friedrich Ebert, acredita que estamos assistindo a “uma batalha inédita pelo relato do país e pela hegemonia política, onde os meios privados criaram sua própria realidade, que representa os donos desses meios que expressam pouca transparência informativa e econômica”.

O representante do Coletivo Intervozes, do Brasil, Pedro Eckman, resgatou a trajetória de luta dos movimentos sociais pela liberdade de expressão e demonstrou como os interesses dos grandes barões da comunicação e da livre empresa entraram em contradição frente aos direitos comunicacionais. Eckman defendeu a necessidade de mais articulação com o conjunto dos movimentos sociais para que caminhem juntos na consolidação das redes contra-hegemônicas. E explicou que “não é necessário reinventar a roída, uma vez que já há muita experiência acumulada. Basta fortalecer as alianças”.

A Agência Latinoamericana de Informação (ALAI) esteve representada na Conferência de Montevidéu por Osvaldo León, para quem o momento favorece uma campanha sincronizada pela democratização da comunicação. “Nunca esteve tão claro o papel danoso dos grandes oligopólios midiáticos, que encarnam uma agressão ao verdadeiro papel e à responsabilidade dos meios de comunicação. Pluralidade e diversidade não entram nestes meios que aí estão. Por isso, nós defendemos a necessidade de investir e contar com instrumentos próprios. Se não dizemos nossa própria palavra, os outros vão dizê-la por nós”.

Ler aqui a declaração final do encontro

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Declaração Final do III Encontro Civilização ou Barbárie

Publicamos hoje a Declaração Final do III Encontro Civilização ou Barbárie, aprovada por unanimidade e aclamação. Encerrado o Encontro, o plenário cantou a Internacional, cada um na sua própria língua.

Editores de Odiario.info
 

Reunidos na cidade portuguesa de Serpa, os participantes no III Encontro Internacional Civilização ou Barbárie – Desafios do Mundo Contemporâneo:
Lançam um alerta para o agravamento da crise global do sistema capitalista.
• Constatam que pela evolução dessa crise – financeira, económica, social, militar, energética, cultural, ambiental e política - o capitalismo, na sua escalada de agressividade, se tornou um factor de regressão absoluta da civilização, ameaçando a própria continuidade da vida na Terra.
• Sublinham que os EUA, núcleo do sistema capitalista, optaram por uma estratégia de terrorismo de Estado que assume matizes genocidas nas suas guerras asiáticas.
• Identificam na União Europeia um bloco politico-económico-militar ao serviço do capital monopolista, empenhado em impor, através do chamado Tratado Constitucional, um reforço da integração capitalista, aprofundando o seu carácter federalista, neoliberal e militarista.
• Saúdam a resistência dos povos europeus à ofensiva em curso contra os seus direitos e garantias, contra as soberanias nacionais e a democracia, ofensiva que promove o desemprego e a pauperização, favorece o grande capital, e suprime direitos laborais e sociais, sobretudo nos sectores da Saúde, da Educação, da Segurança Social, destruindo conquistas históricas dos trabalhadores e atingindo com particular violência as mulheres trabalhadoras. As gigantescas manifestações de protesto em França, em Espanha, Itália, Portugal e sobretudo na Grécia confirmam que a radicalização da luta de massas como resposta à violência do sistema se amplia a nível continental.
• Condenam as guerras imperiais que atingem os povos do Iraque e do Afeganistão, agredidos e ocupados, e os monstruosos crimes ali cometidos pelas forças armadas dos EUA e da NATO, com a aprovação e cumplicidade do Governo português; denunciam como farsa os calendários de retirada das tropas invasoras; advertem que autênticos exércitos de mercenários se comportam na Região como hordas fascistas; e saúdam a resistência dos povos iraquiano e afegão em luta pela liberdade e independência.
• Manifestam a sua solidariedade com o povo mártir da Palestina e o povo do Líbano no seu combate heróico contra o sionismo neofascista. Denunciam o Tribunal Especial das Nações Unidas sobre o Líbano como mero serventuário dos EUA e de Israel. Denunciam a hipocrisia da falsa política de paz do governo Obama, aliado incondicional do sionismo e do Estado terrorista de Israel.
• Advertem contra o perigo de uma agressão iminente dos EUA e de Israel ao povo do Irão - agressão que poderia ser o prólogo da III Guerra Mundial - e denunciam a campanha de desinformação montada para deformar a imagem daquela nação que foi berço de grandes civilizações.
• Alertam para a política de cerco militar e de guerra fria que os EUA conduzem contra a República Popular da China.
• Condenam as intervenções militares directas e indirectas do imperialismo estado-unidense na América Latina; denunciam o regresso da IV Frota da US Navy a águas sul-americanas e a instalação de 7 novas bases norte-americanas na Colômbia e reclamam o encerramento de todas as existentes no Continente, incluindo a de Guantanamo, ocupada ilegalmente em Cuba.
• Denunciam a participação do governo dos EUA, através da CIA e do Pentágono, no golpe de estado nas Honduras e na fracassada intentona no Equador e saúdam as conquistas democráticas e as medidas anti-imperialistas alcançadas pelos governos progressistas de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador.
• Saúdam a luta, corajosa e difícil, de uma percentagem crescente de cidadãos norteamericanos contra as engrenagens de um sistema de poder cuja ambição e irracionalidade configuram ameaça à humanidade e sublinham que as esperanças suscitadas pela eleição de Barack Obama se desvanecem à medida que se torna evidente que o novo presidente dá no fundamental continuidade à política externa de George Bush – agravando-a mesmo, como sucede no Afeganistão e na América Latina - e, no plano interno, actua como aliado do capital contra os trabalhadores.
• Saúdam calorosamente o povo da Venezuela pelos avanços realizados no desenvolvimento da Revolução Bolivariana, pela firmeza perante o imperialismo estado-unidense e na defesa do projecto de construção de uma sociedade socialista.
• Reclamam o fim do bloqueio imposto a Cuba pelos EUA e da “Posição Comum da UE”, ambos instrumentos do imperialismo. Sublinham que a sua revolução socialista e a heróica resistência do seu povo a meio século de guerra não declarada foi factor decisivo para o fortalecimento em todo o continente da resistência ao imperialismo norte-americano. Sem essa resistência e exemplo, os avanços revolucionários registados na Venezuela não teriam sido possíveis, nem a emergência de governos progressistas noutros países.
• Saúdam as primeiras manifestações da classe operária e dos trabalhadores da Rússia contra a exploração desencadeada pela restauração capitalista em curso nesse país.
• Saúdam a campanha internacional “Gaza Livre” pelo levantamento do criminoso bloqueio a Gaza.
• Condenam os crimes cometidos pelo governo de Uribe Velez na Colômbia nos quais desempenhou importante papel o actual presidente Juan Manuel Santos e lembram que a solidariedade da União Europeia com o regime neofascista colombiano dificulta a solução negociada para o conflito existente naquele pais pela qual o seu povo tem corajosamente lutado. Exprimem a sua solidariedade com a Senadora Piedad Córdoba e as vítimas do terrorismo de Estado.
• Constatam que o crescimento económico capitalista, baseado no aumento do consumo, mobiliza fluxos colossais de materiais e de energia, causando a degradação e a exaustão de recursos naturais finitos – nomeadamente o petróleo que neste momento está atingindo o nível máximo de produção possível - ameaçando os processos de renovação natural. Ao invés do bem-estar das populações, o crescimento económico capitalista desfigura assim a relação harmoniosa do Homem com a Terra que habita e que é património comum da humanidade, destruindo o ambiente necessário à vida e os recursos indispensáveis à produção de bens essenciais.
• Alertam para a necessidade imperiosa do combate à alienação de grande parte da humanidade, envenenada pelo massacre mediático de uma comunicação social - controlada pelo imperialismo – que desinforma e manipula, disseminando a mentira e ocultando a realidade em escala mundial.
• Apelam ao reforço da defesa da diversidade cultural e da resistência cultural e linguística, contra a hegemonização e a colonização do espaço mediático, comercial, cultural, científico pela expressão anglo-saxónica, enquanto “língua de trabalho” do imperialismo.
• Proclamam a convicção de que o marxismo - e em particular o seu núcleo fundador assente na obra de Marx e Engels - continua a ocupar um lugar central entre as referências teóricas mobilizadas não somente pelos comunistas mas também pelos progressistas do mundo. A reapropriação e o reforço do marxismo, da sua metodologia e dos seus conceitos, como pensamento da crítica e da transformação do mundo, nem dogmático nem domesticado, e a herança do marxismo-leninismo, continuam a ser uma necessidade absoluta da luta ideológica e na justa definição da estratégia e da táctica das forças que se empenhem no combate anti-capitalista e anti-imperialista. Contra o sistema totalitário de desinformação, de alienação e de manipulação das massas e os doutrinadores do «pensamento único», o marxismo-leninismo permanece como a arma intelectual mais preciosa nas mãos dos trabalhadores e dos povos que resistem. Renunciar a ele equivaleria a desistir da luta pelo socialismo.
• Denunciam o carácter profundamente reaccionário das campanhas de criminalização do comunismo, recordam as consequências trágicas do desaparecimento da União Soviética e expressam a convicção de que o socialismo é a única alternativa ao sistema capitalista que, ao entrar na fase senil, optou por uma estratégia de desespero e exterminista, que ameaça conduzir a humanidade à barbárie.
• Registam o significado das comemorações do I Centenário da Republica Portuguesa, sublinhando a importância decisiva da participação do povo na revolução do 5 de Outubro de 1910 e nas suas conquistas políticas.
• Constatam com alegria e esperança a intensificação das lutas dos trabalhadores em escala mundial, bem como a resistência às guerras de agressão, designadamente nos EUA, centro do sistema de dominação, e sublinham que o reforço da solidariedade internacionalista entre os explorados e os excluídos de todo o mundo é imprescindível à globalização do combate contra o inimigo comum: o capitalismo e o imperialismo.

Resposta a Frei Betto: Especialmente os ateus


* Daniel Sottomaior no Sul21

Em recente artigo publicado no Sul21, Frei Betto defendeu a posição de que os torturadores “praticavam o ateísmo militante ao profanar com violência os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau de arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte… Ateísmo militante é, pois, profanar o templo vivo de Deus: o ser humano.” Não se trata de afirmação impensada, uma vez que repete artigo anterior, e foi confirmada em entrevista nos seguintes termos: “Toda vez que alguém viola o ser humano, violenta, oprime, está realizando o ateísmo militante.”
O texto gerou muitos protestos de ateus, que ficaram ainda mais indignados com a repetição do insulto, pronunciada com toda indiferença e sem qualquer tentativa de desculpa. Infelizmente, parece ser necessário afirmar e repetir com toda clareza aquilo que deveria ser óbvio: ver-se igualado a torturadores e a atos de tortura é um ultraje à dignidade de qualquer indivíduo, ateu ou não. Nenhum tipo de racionalização justifica essa associação.
É fundamental lembrar que o ateísmo repousa no campo das ideias: ele nada mais é do que a ausência de crença em deuses. Não haveria nada de errado em criticá-lo, pelo mesmo motivo que não há nada de errado em criticar o liberalismo ou o socialismo.
No entanto, as afirmações de Betto são de outra ordem, pois se referem a pessoas. Militante é o indivíduo que milita ou atua em alguma causa. Assim, todos os falantes da língua portuguesa, inclusive o frei, entendem que ateísmo militante é a ação de quem promove o ateísmo. Nenhuma idiossincrasia de Betto mudará o significado direto que o resto dos mortais tem dessa expressão. Sua ofensa está em propor que violência para com o outro significa ateísmo militante, implicando entre outras coisas que torturadores são ateus. Isso é inaceitável.
O raciocínio do religioso não resiste ao mais óbvio exame. Pode-se virá-lo de ponta-cabeça afirmando que todo indivíduo é um templo do humanismo secular, e que portanto os torturadores na verdade praticam religiosidade militante. Mais importante ainda é o fato de que rebatizar à plena força expressões já existentes para lhes dar significado espúrio e negativo é um inegável sintoma de preconceito.
Atenção: propostas repulsivas à frente. Seria aceitável renomear um vaso sanitário como “negro militante” e prosseguir com todas as frases que isso acarretaria? Sob que pretextos aceitaríamos que se chamasse o tráfico de drogas de “prática do judaísmo”? A justificativa para esse estupro semântico é indiferente. O que importa é que ele revela uma desinibida sanha para identificar o outro com o mal. Que nome se dá a essa abjeta inclinação?
Só para quem que vê a bondade identificada com a pele branca, e a maldade associada à negra, faz sentido dizer que brancos maus têm alma negra, ou o oposto: negro de alma branca é bom. Em seu texto, Frei Betto não hesita em fazer a mesmíssima coisa, imaginando que até inquisidores e pedófilos da Igreja Católica praticam ateísmo militante(!), a despeito de seu óbvio catolicismo: são os brancos de alma negra. Quando afirma “quem ama o próximo ama a Deus ainda que não creia”, são os negros de alma branca: ateus bons de coração em verdade são como crentes. Ora, se não é lícito identificar maldade com judaísmo, cristianismo, negritude ou qualquer outra posição, militante ou não, então o mesmo vale para o ateísmo.
Também não há como engolir a insistente alegação de Betto de que sua acusação pesa apenas sobre a militância, não sobre o ateísmo em si. Um dos motivos é o fato de que a versão expandida de seu texto original, amplamente reproduzida online, afirma com todas as letras: “raros os presos políticos que professavam convictamente o ateísmo. Nossos torturadores, sim, o faziam escancaradamente ao profanarem, com toda violência, os templos vivos de Deus”. Fazendo a análise sintática, tem-se a seguinte oração equivalente: nossos torturadores professavam convictamente o ateísmo de forma escancarada.
Betto está obviamente preocupado em defender o respeito a ideias, proposta que repete várias vezes, o que lamentamos profundamente. Ideias não têm direitos nem dignidade: seres humanos têm. Ideias e crenças não precisam ser protegidas nem respeitadas. Seres humanos precisam. Essa parece ser a grande diferença moral entre ateus e religiosos: para nós só há imoralidade quando se causa sofrimento àqueles que podem senti-lo. As ideias que se virem. Para Betto e a maior parte dos religiosos, as ideias têm direito de não serem criticadas, mesmo quando falsas. Os humanos que se virem.
Especialmente os ateus.

* Presidente da ATEA – Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos

Uma mulher na presidência

Elaine Tavares

Sempre admirei as mulheres valentes e ainda me arrepio ao lembrar Micaela Bastidas, vendo seus filhos e seu marido serem esquartejados, impávida, sabendo que havia feito a coisa certa: lutar pela liberdade, contra o colonialismo, pela sua terra e pelo direito de ser quem era. Encanta-me a história de Juana Azurduy, espada em punho, lutando pela libertação desta “nuestra América”, encurralada, com seus filhos nos braços, sem nenhuma vacilação. Ou ainda Bartolina Sisa, comandando as tropas aymaras no cerco a La Paz, poderosa como uma deusa, a alertar para o perigo da conciliação de classe. E Manuelita Saenz que, desde seu profundo amor por Bolívar, se fez generala, defendendo a liberdade assim como defendia seu homem, adaga na mão, lutando contra os assassinos. Ou Anita Garibaldi, que enfrentou o olhar de reprovação dos seus e partiu, montada em seu cavalo, com seu amor, empunhando a espada na luta pela liberdade. Ah, essas mulheres...
 
Poderia ainda citar outras tantas que, nestas terras de Abya Yala, mostraram seu valor, entregando a vida para construir um mundo novo, que garantisse a liberdade e a soberania popular. Mulheres guerreiras que simplesmente foram à luta sem reivindicar diferença de gênero, porque o que estava em jogo era o futuro das gentes e isso era tudo o que importava. E foi porque me criei ouvindo estas histórias que nunca fui muito afeita a esse debate feminista. Desde pequena, nas planuras da fronteira, as mulheres da minha vida, poderosas, estavam muito mais para Ana Terra que para Bibiana.  Sempre prenhas de minuano e horizontes, as mulheres da minha infância empunhavam armas, corcoveavam nos cavalos bravios, banhavam-se nuas nas sangas, dormiam com seus homens na campina, disputavam carreira, queda de braço, tomavam caçacha e ainda lavavam roupa e faziam comida, com o palheiro acesso entre os lábios e aquele olhar de picardia.
 
Digo isso para alertar sobre o fato de que termos agora a primeira mulher presidente não quer dizer muita coisa. Porque antes de tudo é preciso saber: que projeto de país tem essa mulher? Que propostas têm para a educação, a saúde? Que modelo econômico vai defender? Com que valentia vai enfrentar a oligarquia agrária? Como vai enfrentar o tema dos povos originários? Até onde vai ceder diante da pressão das transnacionais? O quanto vai efetivamente tornar real o serviço público capaz de atender as demandas concretas da população? Assim, o fato de ser mulher não a torna especial. O que a fará única e “imorrível” é o caminho que vai trilhar. Basta lembrar Margareth Tatcher, a dama de ferro, mulher. E aí? Qual o seu legado para a Inglaterra? Para quem governou? Quem não se lembra da lenta e cruel destruição da categoria dos mineiros?
 
Dilma Russef tem uma linda história. É, sem dúvida, uma guerreira. Passou pela luta contra a ditadura, foi presa, torturada e tudo o mais do pacote básico das violentas ditaduras desta nossa América.  Sobreviveu não só no que diz respeito à vida mesma, mas também na capacidade de superar e constituir uma bonita carreira profissional e política. Mas, no governo de Luis Inácio, foi “a mãe” do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que, muitas vezes, mal planejado e eleitoreiro, não cumpriu com a sua promessa de melhorar a vida das gentes. Um exemplo da minha aldeia: aqui, no bairro Campeche, o PAC financiou a construção de uma rede coletora de esgoto. Isso é bom. Mas a proposta que tem para o destino final é a construção de um emissário que leve os dejetos todos para o mar, poluindo e destruindo a natureza. Que crescimento isso acelerou? Também foi ela quem ajudou a derrubar os “entraves ambientais” para a construção de grandes usinas, comprovadamente nocivas ao meio ambiente e as gentes. Isso foi ruim, muito ruim. Que o digam as gentes ribeirinhas e os povos indígenas.
 
Agora ela aí está. Competente, séria, dedicada, criatura do Lula, a quem agradeceu emocionada no seu discurso de posse. “Sou uma mulher de esquerda”, declarou em uma entrevista. “Vou governar para todos”, insistiu na sua fala à nação pouco depois de eleita, e deu bastante ênfase a idéia de desenvolvimento, fazendo crer que o Brasil pode entrar para o seleto clube dos países centrais. Mas, é isso que se quer? Ser “desenvolvido” como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França? Ser predador, explorador, imperialista? Há que ver qual é a estação final a qual Dilma quer chegar.
 
Os oito anos de Luis Inácio foram anos de bonança para a elite nacional. Nunca os ricos ganharam tanto, nunca os bancos ganharam tanto, nunca os latifundiários ganharam tanto. O próprio Luis Inácio admitiu isso em um de seus discursos. É fato que os pobres tiveram um quinhão do bolo, mas, vamos combinar, um pequeno quinhão. O bolsa família deu sobrevida a uma gente que definhava, mais ainda não lhes apontou o caminho da libertação. Criaram-se 14 novas universidades, que ainda patinam na qualidade. Com o Reuni, deu-se muita grana para as escolas privadas, embora isso garantisse vaga para alunos carentes. Então, não dá para negar que houve alguns avanços, mas sempre se reivindicou que era preciso mais. Muito mais.
 
Hoje, na senda neodesenvolvimentista apregoada por Dilma, estão encerradas as promessas de crescimento econômico e social, o que parece coisa boa. Mas, talvez falte ao governo explicar a custa do quê isso pode acontecer. Se antes o chamado desenvolvimento estava bloqueado pela dívida externa, hoje, sendo o Brasil periferia e dependente, esse tal desenvolvimento só pode chegar com o sacrifício da maioria, os mais pobres. E sempre tem sido assim.  Desenvolvem-se os mais ricos, recorrentemente.
 
 Dilma falou em diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres, em acabar com a miséria, com a cracolândia, com o atraso. Promessas grandiosas que serão cobradas. Mas, na queda de braço com a elite nacional é que se poderá ver até onde vai a posição de esquerda da nova presidente. Existe aí um grande desafio que não será vencido sem uma mudança radical na proposta de organização da vida. O desenvolvimento sonhado não pode ser o mesmo dos países centrais. Há que se avançar para uma proposta nacional popular, capaz de realmente garantir a participação popular efetiva e protagônica. Sem a soberania do povo os avanços serão pífios.
 
Enfim, aí está a nova presidenta, uma mulher que “sim, pode”. Mas, feminina ou não, sua proposta de governo estará sob as luzes, e a nós cabe acompanhar. Sabemos que na composição PT/PMDB não deve haver espaço para o avanço no rumo do socialismo. O que se pode esperar são algumas reformas, e muitas delas serão contra as gentes, como a anunciada nova reforma da previdência, cuja versão européia está levando milhões às ruas no velho continente. Isso significa que não há tempo para esmorecer na luta por outra forma de viver. A luta das gentes segue e seguirá até que se construa, coletiva e conscientemente, a nova sociedade.     

- Elaine Tavares – jornalista brasileira
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Apropriação indébita: como os ricos estão tomando nossa herança comum


Hoje 95% do milho plantado nos EUA é de uma única variedade, com desaparecimento da diversidade genética. O livre acesso às composições de Heitor Villalobos será a partir de 2034. Isto está ajudando a criatividade de quem? Patentes de 20 anos há meio século atrás podiam parecer razoáveis, mas com o ritmo de inovação atual, que sentido fazem? Já são 25 milhões de pessoas que morreram de Aids, e as empresas farmacêuticas proibem os países afetados de produzir o coquetel. Há um imenso enriquecimento no topo da pirâmide, baseado não no que estas pessoas aportaram, mas no fato de se apropriarem de um acúmulo historicamente construído durante sucessivas gerações. O artigo é de Ladislau Dowbor.

Gar Alperovitz and Lew Daly – Apropriação Indébita: como os ricos estão tomando a nossa herança comum – Editora Senac, São Paulo 2010, 242 p.

A concentração de renda e a destruição ambiental constinuam sendo os nosso grandes desafios. São facetas diferentes da mesma dinâmica: na prática, estamos destruindo o planeta para a satisfação consumista de uma minoria, e deixando de atender os problemas realmente centrais. Como explicar que, com tantas tecnologias, produtividade e modernidade, estejamos reproduzindo o atraso? Em particular, como a sociedade do conhecimento pode se transformar em vetor de desigualdade?

O prêmio Nobel Kenneth Arrow considera que os autores de “Apropriação indébita: como os ricos etão tomando a nossa herança comum”, Gar Alperovitz e Lew Daly, “se baseiam em fontes impecáveis e as usam com maestria. Todo mundo irá aprender ao ler este livro”. Eu, que não sou nenhum prêmio Nobel, venho aqui contribuir com a minha modesta recomendação, transformando o meu prefácio em instrumento de divulgação. Mania de professor, querer comunicar o entusiasmo de boas leituras. E recomendação a não economistas: os autores deste livro têm suficiente inteligência para não precisar se esconder atrás de equações. A leitura flui.

A quem vai o fruto do nosso trabalho, e em que proporções? É a eterna questão do controle dos nossos processos produtivos. Na era da economia rural, os ricos se apropriavam do fruto do trabalho social, por serem donos da terra. Na era industrial, por serem donos da fábrica. E na era da economia do conhecimento, a propriedade intelectual se apresenta como a grande avenida de acesso a uma posição privilegiada na sociedade. Mas para isso, é preciso restringir o acesso generalizado ao conhecimento, pois se todos tiverem acesso, como se cobrará o pedágio, como se assegurará a vantagem de minorias?

Um argumento chave desta discussão, é naturalmente a legitimidade da posse. De quem é a terra, que permitia as fortunas e o lazer agradável dos senhores feudais? Apropriação na base da força, sem dúvida, legitimada em seguida por uma estrutura de heranças familiares. Uma vez aceito, o sistema funciona, pois na parte de cima da sociedade forma-se uma aliança natural ditada por interesses comuns.

Na fase industrial, um empresário pega um empréstimo no banco – e para isso ele já deve pertencer a um grupo social privilegiado – e monta uma empresa. Da venda dos produtos, e pagando baixos salários, tanto auferirá lucros pessoal como restituirá o empréstimo ao banco. De onde o banco tirou o dinheiro? Da poupança social, sob forma de depósitos, poupança esta que será transformada na fábrica do empresário. Aqui também, vale a solidariedade dos proprietários de meios de produção, e o resultado de um esforço que é social será em boa parte apropriado por uma minoria.

Mudam os sistemas, evoluem as tecnologias, mas não muda o esquema. Na fase atual, da economia do conhecimento, coloca-se o espinhoso problema da legitimidade da posse do conhecimento. A mudança é radical, relativamente aos sistemas anteriores: a terra pertence a um ou a outro, as máquinas têm proprietário, são bens “rivais”. No caso do conhecimento, trata-se de um bem cujo consumo não reduz o estoque. Se transmitimos o conhecimento a alguém, continuamos com ele, não perdemos nada, e como o conhecimento transmitido gera novos conhecimentos, todos ganham. A tendência para a livre circulação do conhecimento para o bem de todos torna-se portanto poderosa.

A apropriação privada de um produto social deve ser justificada. O aporte principal de Alperovitz e de Daly, neste pequeno estudo, é de deixar claro o mecanismo de uma apropriação injusta – Unjust Deserts – que poderíamos explicitar com a expressão mais corrente de apropriação indébita. Ao tornar transparentes estes mecanismos, os autores na realidade estão elaborando uma teoria do valor da economia do conhecimento. A força explicativa do que acontece na sociedade moderna, com isto, torna-se poderosa.

Para dar um exemplo trazido pelo autor, quando a Monsanto adquire controle exclusivo sobre determinada semente, como se a inovação tecnológica fosse um aporte apenas dela, esquece o processo que sustentou estes avanços. “O que eles nunca levam em consideração, é o imenso investimento coletivo que carregou a ciência genética dos seus primeiros passos até o momento em que a empresa toma a sua decisão. Todo o conhecimento biológico, estatístico e de outras áreas sem o qual nenhuma das sementes altamente produtivas e resistentes a denças poderia ter sido desenvolvida – todas as publicações, pesquisas, educação, treinamento e ferramentas técnicas relacionadas sem os quais a aprendizagem e o conhecimento não poderiam ter sido comunicados e fomentados em cada estágio particular de desenvolvimento, e então passados adiante e incorporados, também, por uma força de trabalho de técnicos e cientistas – tudo isto chega à empresa sem custo, um presente do passado” (55). Ao apropriar-se do direito sobre o produto final, e ao travar desenvolvimentos paralelos, a empresa canaliza para si gigantescos lucros da totalidade do esforço social, que ela não teve de financiar. Trata-se de um pedágio sobre o esforço dos outros. Unjust Deserts.

Se não é legítimo, pelo menos funciona? A compreensão do caráter particular do conhecimento como fator de produção já é antiga. Uma jóia a este respeito é um texto 1813 de Thomas Jefferson:

“Se há uma coisa que a natureza fez que é menos suscetível que todas as outras de propriedade exclusiva, esta coisa é a ação do poder de pensamento que chamamos de idéia....Que as idéias devam se expandir livremente de uma pessoa para outra, por todo o globo, para a instrução moral e mútua do homem, e o avanço de sua condição, parece ter sido particularmente e benevolmente desenhado pela natureza, quando ela as tornou, como o fogo, passíveis de expansão por todo o espaço, sem reduzir a sua densidade em nenhum ponto, e como o ar no qual respiramos, nos movemos e existimos fisicamente, incapazes de confinamento, ou de apropriação exclusiva. Invenções não podem, por natureza, ser objeto de propriedade.” (1)

O conhecimento não constitui uma propriedade no mesmo sentido que a de um bem físico. A caneta é minha, faço dela o que quiser. O conhecimento, na medida em que resulta de um esforço social muito amplo, e constitui um bem não rival, obedece a outra lógica, e por isto não é assegurado em permanência, e sim por vinte anos, por exemplo, no caso das patentes, ou quase um século no caso dos copyrights, mas sempre por tempo limitado: a propriedade é assegurada por sua função social – estimular as pessoas a inventarem ou a escreverem – e não por ser um direito natural.

O merecimento é para todos nós um argumento central. Segundo as palavras dos autores, “nada é mais profundamente ancorado em pessoas comuns do que a idéia de que uma pessoa tem direito ao que criou ou ao que os seus esforços produziram”.(96) Mas na realidade, não são propriamente os criadores que são remunerados, e sim os intermediários jurídicos, financeiros e de comunicação comercial que se apropriam do resultado da criatividade, trancando-o em contratos de exclusividade, e fazem fortunas de merecimento duvidoso. Não é a criatividade que é remunerada, e sim a apropriação dos resultados: “Se muito do que temos nos chegou como um presente gratuito de muitas gerações de contribuiçoes históricas, há uma questão profunda relativamente a quanto uma pessoa possa dizer que “ganhou merecidamente” no processo, agora ou no futuro.”(97)

As pessoas em geral não se dão conta das limitações. Hoje 95% do milho plantado nos EUA é de uma única variedade, com desaparecimento da diversidade genética, e as ameaças para o futuro são imensas. Teremos livre acesso às obras de Paulo Freire apenas a partir de 2050, 90 anos depois da morte do autor. O livre acesso às composições de Heitor Villalobos será a partir de 2034. Isto está ajudando a criatividade de quem? Patentes de 20 anos há meio século atrás podiam parecer razoáveis, mas com o ritmo de inovação atual, que sentido fazem? Já são 25 milhões de pessoas que morreram de Aids, e as empresas farmacêuticas (o Big Pharma) proibem os países afetados de produzir o coquetel, são donas de intermináveis patentes. Ou seja, há um imenso enriquecimento no topo da pirâmide, baseado não no que estas pessoas aportaram, mas no fato de se apropriarem de um acúmulo historicamente construído durante sucessivas gerações.

Nesta era em que a concentração planetária da riqueza social em poucas mãos está se tornando nsustentável, entender o mecanismo de geração e de apropriação desta riqueza é fundamental. Os autores não são nada extermistas, mas defendem que o acesso aos resultados dos esforços produtivos devam ser minimamente proporcionais aos aportes. “A fonte de longe a mais importante da prosperidade moderna é a riqueza social sob forma de conhecimento acumulado e de tecnologia herdada”, o que significa que “uma porção substantiva da presente riqueza e renda deveria ser realocada para todos os membros da sociedade de forma igualitária, ou no mínimo, no sentido de promover maior igualdade”.(153)

Um livro curto, muito bem escrito, e sobretudo uma preciosidade teórica, explicitando de maneira clara a deformação generalizada do mecanismo de remuneração, ou de recompensas, que o nosso sistema econômico gerou. Trata-se aqui de um dos melhores livros de economia que já passaram por minhas mãos. Bem documentado mas sempre claro na exposição, fortemente apoiado em termos teóricos, na realidade o livro abre a porta para o que podemos qualificar de teoria do valor, mas não da produção industrial, e sim da economia do conhecimento, o que Daniel Bell qualificou de “knowledge theory of value”. A Editora Senac tomou uma excelente iniciativa ao traduzir e publicar este livro. Vale a pena. (www.editorasenacsp.com.br)

(1) Citado por Lawrence Lessig, The Future of Ideas: the Fate of the Commons in an Connected World – Random House, New York, 2001, p. 94

(*) Ladislau Dowbor, professor de economia e administração da PUC-SP, é autor de Democracia Econômica e de Da propriedade Intelectual à Sociedade do Conhecimento, disponíveis em http://dowbor.org