Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Che pedagogo
Fui a Cuba, pela primeira vez, em 1997, juntamente com
outros companheiros e companheiras do movimento sindical brasileiro.
Naquele momento, os cubanos passavam pelo que denominavam de “período
especial”. Além da continuidade do violento bloqueio econômico imposto
pelas elites estadunidenses, havia acontecido a queda da experiência
socialista na União Soviética. E, claro, como decorrência, o afastamento
das relações econômicas da Rússia com Cuba, o que afetava
significativamente a qualidade de vida do povo cubano.
Em novembro de 2010, voltei, juntamente com o Secretário-Adjunto de
Relações Internacionais da CTB João Batista Lemos, para participar de
uma reunião de Centrais Sindicais componentes do Encontro Sindical Nossa
América – ESNA e de Centros de Formação Sindical e de Investigação, com
o objetivo de definir um programa de formação e investigação na
América. Em outro artigo que irei escrever, pretendo transmitir aos
leitores, as decisões tomadas na reunião e que se constituem no programa
de atividades a serem desenvolvidas.
Nessa viagem, tive contato com um livro denominado “Del pensamiento
pedagógico de Ernesto Che Guevara”, escrito pela professora cubana
Lidia Turner Martí, doutora em Ciências Pedagógicas, Filosofia e Letras.
Acostumado com a observação de que Che foi um grande revolucionário,
despojado, capaz de dar sua própria vida para contribuir na luta pela
libertação dos povos, não me ocorria que pudesse ter qualidades tais,
que permitissem contribuir, de forma significativa, para a pedagogia
cubana. Lídia Marti afirma que “o estudo e análise da obra de Che nos
leva a afirmar que fez aportes notáveis à pedagogia cubana..... Suas
idéias, colocadas em discursos, ensaios, cartas, e até nos diários de
campanha, encerram profundas análises da essência do homem, dos métodos
para sua formação e da relação estreita entre educação e desenvolvimento
econômico e social”. O próprio autor do prólogo do livro, Justo A.C.
Rodriguez, confessa que mesmo sendo um leitor entusiasta da obra de Che,
não havia reparado na direção pedagógica do seu pensamento.
Para Che é importante que haja uma correspondência entre personalidade
individual e pessoa pública, estabelecendo-se uma relação dialética
entre o individual e o social. É nessa unidade dialética que se situam
as bases para as idéias de Che sobre educação e sobre a formação do
homem novo.
Lídia Martí destaca dois elementos que considera fundamentais na obra de
Che: a formação de qualidades e valores no homem que constrói uma nova
sociedade e a consideração da Pedagogia como uma ciência necessária no
processo cubano.
Guevara disse que precisamos formar a juventude, principalmente com as
seguintes qualidades: sensibilidade diante dos problemas humanos, amor
ao estudo, modéstia, simplicidade, solidariedade, inconformidade diante
do mal-feito, intransigência diante da injustiça e do formalismo. Afirma
que “neste processo de construção do socialismo podemos ver o homem
novo que vai nascendo. Sua imagem não está, todavia, acabada; não
poderia estar nunca, já que o processo marcha paralelo ao
desenvolvimento das forças econômicas novas...”. Para Che, o coletivismo
– que se desenvolve no trabalho grupal - deve ser uma qualidade
importantíssima na construção da personalidade do homem socialista.
Nesse sentido, ele se opõe ao individualismo que chega a ser exacerbado
nas sociedades capitalistas. Nelas, principalmente nas classes
dominantes, prevalecem valores opostos aos que Che defende para o novo
homem socialista.
Com a prevalência dos valores socialistas, Che sintetiza sua preocupação
pedagógica: “A sociedade em seu conjunto deve converter-se numa grande
escola”.
Nessa segunda viagem a Cuba, 13 anos depois da primeira, pude verificar que os valores para um novo tipo de ser humano - solidário e inconformado diante das injustiças - continuam sendo construídos pelo povo cubano.
Nessa segunda viagem a Cuba, 13 anos depois da primeira, pude verificar que os valores para um novo tipo de ser humano - solidário e inconformado diante das injustiças - continuam sendo construídos pelo povo cubano.
*
Professor, sociólogo, Coordenador Técnico do Centro de Estudos
Sindicais (CES), membro da Comissão Sindical Nacional do PCdoB, ex-
Presidente do SINPRO-Campinas e região, ex-Presidente da CONTEE.
domingo, 21 de novembro de 2010
Sharia: Introdução à jurisprudência islâmica(1)
Sharia é agora um termo familiar para os muçulmanos e não muçulmanos, que muitas vezes ouvimos em notícias sobre política, questões feministas, terrorismo e civilização. Mas, apesar de ser citado constantemente, poucas vezes é explicado, mantendo-se assim uma imagem obscura e muitas vezes negativa sobre o mesmo, já que é associado pelos meios de comunicação à amputação de membros, a morte por apedrejamento, a chibatadas e outros castigos medievais. Sendo assim a Sharia difundida como uma legislação injusta imposta sobre pessoas que vivem em nações onde as leis se baseiam nela.
Na realidade, o islamismo trouxe consigo um conjunto de leis que regem a vida do muçulmano, essas leis compõem a Sharia, que é elaborada pela combinação de diversas fontes, incluindo o Alcorão (o livro sagrado dos muçulmanos), os Ahadith (ditos e condutas do Profeta Maomé SAAS) e as Fatwas (decisões dos estudiosos islâmicos para questões do cotidiano, que muitas vezes usam interpretações do alcorão e dos Ahadith)
Na tradição islâmica, Sharia, é vista como algo que alimenta a humanidade. Não como algo primitivo, mas como algo divinamente revelado. Em uma sociedade onde os problemas sociais são endêmicos a Sharia liberta a humanidade alcançando seu maior potencial individual que será somado às realizações de toda uma sociedade. Sendo responsável pela evolução da conduta do ser humano em momentos históricos onde, o mesmo, afastou-se do conceito de civilização. Dessa forma a Sharia representaria a lei de Deus na terra.
“Em verdade, revelamos-te o Livro corroborante e preservador dos anteriores. Julga-os, pois, conforme o que Deus revelou e não sigas os seus caprichos, desviando-te da verdade que te chegou. A cada um de vós temos ditado uma lei e uma norma; e se Deus quisesse, teria feito de vós uma só nação; porém, fez-vos como sois, para testar-vos quanto àquilo que vos concedeu. Emulai-vos, pois, na benevolência, porque todos vós retornáreis a Deus, o Qual vos inteirará das vossas divergências”.
Alcorão, 5:48
Para os muçulmanos, a vida não começa no nascimento, mas muito tempo antes disso. Antes mesmo da criação do primeiro homem. Tudo começou quando Deus criou as almas de todos aqueles que irão existir e lhes perguntou: "Eu não sou o seu Senhor?" Todos eles responderam: "Sim".
Deus decretou para cada alma um tempo na terra para que pudesse julgá-la. Em seguida, após a conclusão dos respectivos termos escolhidos, Ele irá julgá-los e enviá-los ao seu destino eterno: ou uma de felicidade sem fim, ou de uma tristeza eterna.
Esta vida é, então, uma viagem que apresenta aos homens muitos caminhos. Apenas um desses caminhos é claro e direto. Esse caminho é a Sharia.
Orientação divina
Sharia significa em árabe "O bom e claro caminho para a água". Islamicamente, é usado para se referir aos assuntos de religião que Deus tem legislado para Seus servos. O significado lingüístico da Sharia reverbera em seu uso técnico: assim como a água é vital para a vida humana, é vital a Sharia para a vida, a alma e a mente.
O islamismo ensina que ao longo da história, Deus enviou mensageiros para pessoas em todo o mundo, guindo-os para o caminho correto que os levará para a felicidade neste mundo e no outro a seguir. Todos os mensageiros ensinaram a mesma mensagem sobre a crença (o Alcorão ensina que todos os mensageiros chamaram as pessoas para a adoração do único Deus), mas o conjunto específico das leis divinas que regulam a vida das pessoas variou de acordo com as necessidades de cada povo e de seu tempo.
No Islã, o Profeta Muhammad (SAAS) é considerado o último mensageiro e, portanto, sua Sharia representa a última manifestação da misericórdia divina sobre a conduta correta do ser humano.
“Estão-vos vedados: a carniça, o sangue, a carne de suíno e tudo o que tenha sido sacrificado com a invocação de outro nome que não seja o de Deus; os animais estrangulados, os vitimados a golpes, os mortos por causa de uma queda, ou chifrados, os abatidos por feras, salvo se conseguirdes sacrificá-los ritualmente; o (animal) que tenha sido sacrificado nos altares. Também vos está vedado fazer adivinhações com setas, porque isso é uma profanação. Hoje, os incrédulos desesperam por fazer-vos renunciar à vossa religião. Não os temais, e temei a Mim! Hoje, completei a religião para vós; tenho-vos agraciado generosamente sem intenção de pecar, se vir compelido a (alimentar-se do vedado), saiba que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo” (Alcorão, 5:3)
Questões Legais
A Sharia regulamenta todas as ações humanas e as coloca em cinco categorias: Obrigatórias, Recomendadas, Permitidas, Não-Recomendadas e Proibidas.
- Obrigatórias: Devem ser realizadas e, quando realizadas com boas intenções são recompensadas.
- Recomendadas: Se forem feitas serão recompensada e se não forem não serão punida.
- Permitidas: Não são nem encorajadas nem reprimidas, a maioria das ações humanas se enquadram nessa categoria.
- Indesejadas: Se forem evitadas serão recompensadas mas fazê-la não acarreta em punição.
- Proibidas: Evitar essas ações é um dever para o muçulmano e será recompensado, realizar essas ações levará a condenação e punição.
Os piores pecados humanos são aqueles praticados contra Deus e a Fé, depois os pecados que machucam outros seres humanos, e então os pegados de conduta própria no dia a dia, como ofensas, mentiras e dar falso testemunho.
No islamismo, Deus pode perdoar todos os pecados, caso deseje, menos a falta de fé.
A Sharia abrange todos os aspectos da vida humana. Manuais da Sharia são frequentemente divididos em quatro partes: as leis relativas aos atos pessoais de culto, as leis relativas a operações comerciais, as leis relativas ao casamento e divórcio e as leis penais.
Fonte: arabesq
Coletivo Estadual de Saúde promove seminário de formação
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Mídia, golpes e tortura
No Brasil a Casa Grande não descansa. E a
principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele
grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade
brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. A um jornalismo
sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que
tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que
se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a
monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade.
Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer
crédito. Mas esse não é o jornalismo brasileiro. O artigo é de Emiliano
José.
Emiliano José no Carta Maior
Talvez pudéssemos inverter um pouco a ordem
das coisas: que tal, ao invés de divulgar o relato de processos do STM
sobre pessoas covardemente torturadas, como o faz agora o secretariado
da mídia golpista brasileira, perguntássemos sobre qual o papel dessa
mesma mídia na implantação da ditadura militar?
Não seria algo elucidativo, educativo para as novas gerações? Que tal compreender a verdadeira natureza de nossa mídia hegemônica para, então, entender por que, nesse momento, usando processos inteiramente submetidos à ordem castrense, ao terror ditatorial, tenta atingir a presidente da República, recentemente eleita, numa espécie de vingança pela derrota que sofreu? Perguntar por que ela não se conforma com essa nova derrota, a terceira derrota da mídia nas últimas eleições, derrotada pela opinião pública brasileira. Com que direito quer um terceiro turno, ilegítimo, revelador apenas de seus ressentimentos?
Eu insisto: no Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. Não vou retroceder muito no tempo. Não vou esmiuçar o papel destacado de nossa mídia na tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas. O quartel-general do golpe era permanentemente orientado pela mídia. A mídia hegemônica de então e o golpe já quase consumado foram derrotados pelo suicídio do presidente.
O que pretendo mesmo é refrescar a memória ou informar um pouco que seja sobre o papel de nossa mídia no golpe de 1964. Não se trata apenas de ela ter elaborado todo o discurso que deu sustentação ao golpe contra o presidente Jango Goulart. Não se trata disso somente.
Trata-se do fato, por demais evidente, e há vasto repertório bibliográfico a respeito, de que a mídia participou diretamente das articulações golpistas. Ela derrubou Goulart lado a lado com os militares golpistas. Reuniu-se com eles para preparar o golpe. Não tem como se defender disso. É algo que hoje já pertence à história.
Com isso se quer dizer, e creio que é preciso insistir nisso, que a mídia hegemônica brasileira foi um ator fundamental na construção de uma ditadura sanguinária, terrorista no Brasil, a mesma que vai torturar covardemente homens, mulheres, crianças, que vai desaparecer com pessoas depois de desfigurá-las, provocar suicídios, que será capaz de todas as crueldades, perversidades para garantir a sua continuidade no poder por 21 anos.
A Rede Globo, criada lá pelos finais de 1969, não foi uma simples iniciativa empresarial. Foi um empreendimento político. Com a Rede Globo pretendeu-se unificar o discurso da ditadura, justificar tudo ela pretendesse, inclusive os assassinatos, o terrorismo que ela praticava cotidianamente. Inúmeras vezes assistíamos, no Jornal Nacional, notícias dando conta do atropelamento de companheiros, da morte de um militante por outro, versões montadas pela repressão para justificar a morte nas masmorras da ditadura. A Rede Globo encarnava e ecoava a voz do terror, foi criada para tanto.
E o grupo Globo é apenas parte de toda uma estrutura midiática que deu sustentação à ditadura, embora talvez, então, a parte mais importante. Não é difícil lembrar do terrível, do terrorista general Garrastazu Médici, ditador, que dizia que bastava assistir ao Jornal Nacional para perceber como tudo caminhava às mil maravilhas no Brasil. O Jornal Nacional era o diário oficial da ditadura.
Por isso, não há como nos surpreendermos com a tentativa, canhestra, de tentar desqualificar a presidente Dilma, pinçando aspectos do vasto processo buscado nos arquivos do STM, como a matéria de 19 de novembro, de O Globo. Não nos surpreendemos, mas não há como não nos indignarmos. É a voz da ditadura que volta, são os mesmos métodos que voltam, embora, agora, por impossibilidade, a tortura física não possa voltar.
A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade, mostrar a necessidade de evitar que ela exista, inclusive nas cadeias brasileiras de hoje. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas, não.
O jornalismo realmente existente vai pinçar aspectos no processo que eventualmente desgastem a presidente da República. Nos próximos dias, a mídia golpista vai se debruçar sobre isso, podem anotar. É a tentativa do terceiro turno, evidência do ressentimento pela terceira derrota – a mídia perdeu em 2002 e 2006, quando Lula venceu, e perdeu agora, com a vitória de Dilma. Não se conforma, A Casa Grande não descansa.
Nem sei, nem vou procurar saber sobre todo o processo que envolveu a presidente. Escrevi vários livros sobre a ditadura, inclusive sobre Carlos Lamarca e Carlos Marighella, que tangenciam organizações revolucionárias pelas quais a presidente Dilma passou – e que orgulho ter militado em organizações revolucionárias. Não me detive, no entanto, na trajetória específica da presidente Dilma Roussef, nem caberia.
Mas será que os jornalistas que têm feito o papel de pescadores de leads e subleads negativos, de títulos desqualificadores da presidente têm alguma noção do que seja a tortura? Imagino que não, até porque só obedecem ordens, a pauta é previamente pensada, ordenada, e depois se faz a matéria.
Repito aqui o que escrevi em um dos meus livros, valendo-me das contribuições do psicanalista Hélio Pellegrino. A tortura nunca é mero procedimento técnico destinado à coleta rápida de informações. É também isso, mas nunca apenas isso. Ela é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político, expressão da ditadura militar de então. Ela visa à destruição do ser humano.
À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar a guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos. O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, atormenta o torturado, persegue o torturado. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas. E apesar disso, tantas vezes, tantos de nós, quando não fomos trucidados e mortos na tortura, resistimos a esse terror, e saímos inteiros, ou quase inteiros, dessa situação-limite.
O que vale um processo feito sob a ditadura? O que valem declarações tiradas sob tortura? Responderia que valem apenas para revelar o que foi o terror, para revelar o que fizeram com as vítimas desse terror. Por que nos impressionamos e nos indignamos tanto com as vítimas do nazi-fascismo, inclusive nossa mídia, impressão e indignação justas, e somos, lá eles como costumam dizer os baianos, tão condescendentes com o terror da ditadura, com as torturas dos assassinos do período 1964-1985?
Eu compreendendo por que a mídia age assim com a nossa memória histórica, e já o disse antes: age assim pela simples razão de que ela tem tudo a ver com a gênese da ditadura, porque dela não pode se apartar, lamentavelmente. Por isso, nos preparemos para a luta dos próximos dias: ela vai buscar nos porões da ditadura o que possa servir aos seus propósitos de lutar contra o governo democrático, republicano e popular da presidente Dilma. E nos encontrará onde sempre estivemos: na luta intransigente, isso mesmo, intransigente, a favor da democracia, dos direitos humanos, e contra toda sorte de crimes contra a humanidade.
(*) Jornalista, escritor.
Não seria algo elucidativo, educativo para as novas gerações? Que tal compreender a verdadeira natureza de nossa mídia hegemônica para, então, entender por que, nesse momento, usando processos inteiramente submetidos à ordem castrense, ao terror ditatorial, tenta atingir a presidente da República, recentemente eleita, numa espécie de vingança pela derrota que sofreu? Perguntar por que ela não se conforma com essa nova derrota, a terceira derrota da mídia nas últimas eleições, derrotada pela opinião pública brasileira. Com que direito quer um terceiro turno, ilegítimo, revelador apenas de seus ressentimentos?
Eu insisto: no Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. Não vou retroceder muito no tempo. Não vou esmiuçar o papel destacado de nossa mídia na tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas. O quartel-general do golpe era permanentemente orientado pela mídia. A mídia hegemônica de então e o golpe já quase consumado foram derrotados pelo suicídio do presidente.
O que pretendo mesmo é refrescar a memória ou informar um pouco que seja sobre o papel de nossa mídia no golpe de 1964. Não se trata apenas de ela ter elaborado todo o discurso que deu sustentação ao golpe contra o presidente Jango Goulart. Não se trata disso somente.
Trata-se do fato, por demais evidente, e há vasto repertório bibliográfico a respeito, de que a mídia participou diretamente das articulações golpistas. Ela derrubou Goulart lado a lado com os militares golpistas. Reuniu-se com eles para preparar o golpe. Não tem como se defender disso. É algo que hoje já pertence à história.
Com isso se quer dizer, e creio que é preciso insistir nisso, que a mídia hegemônica brasileira foi um ator fundamental na construção de uma ditadura sanguinária, terrorista no Brasil, a mesma que vai torturar covardemente homens, mulheres, crianças, que vai desaparecer com pessoas depois de desfigurá-las, provocar suicídios, que será capaz de todas as crueldades, perversidades para garantir a sua continuidade no poder por 21 anos.
A Rede Globo, criada lá pelos finais de 1969, não foi uma simples iniciativa empresarial. Foi um empreendimento político. Com a Rede Globo pretendeu-se unificar o discurso da ditadura, justificar tudo ela pretendesse, inclusive os assassinatos, o terrorismo que ela praticava cotidianamente. Inúmeras vezes assistíamos, no Jornal Nacional, notícias dando conta do atropelamento de companheiros, da morte de um militante por outro, versões montadas pela repressão para justificar a morte nas masmorras da ditadura. A Rede Globo encarnava e ecoava a voz do terror, foi criada para tanto.
E o grupo Globo é apenas parte de toda uma estrutura midiática que deu sustentação à ditadura, embora talvez, então, a parte mais importante. Não é difícil lembrar do terrível, do terrorista general Garrastazu Médici, ditador, que dizia que bastava assistir ao Jornal Nacional para perceber como tudo caminhava às mil maravilhas no Brasil. O Jornal Nacional era o diário oficial da ditadura.
Por isso, não há como nos surpreendermos com a tentativa, canhestra, de tentar desqualificar a presidente Dilma, pinçando aspectos do vasto processo buscado nos arquivos do STM, como a matéria de 19 de novembro, de O Globo. Não nos surpreendemos, mas não há como não nos indignarmos. É a voz da ditadura que volta, são os mesmos métodos que voltam, embora, agora, por impossibilidade, a tortura física não possa voltar.
A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade, mostrar a necessidade de evitar que ela exista, inclusive nas cadeias brasileiras de hoje. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas, não.
O jornalismo realmente existente vai pinçar aspectos no processo que eventualmente desgastem a presidente da República. Nos próximos dias, a mídia golpista vai se debruçar sobre isso, podem anotar. É a tentativa do terceiro turno, evidência do ressentimento pela terceira derrota – a mídia perdeu em 2002 e 2006, quando Lula venceu, e perdeu agora, com a vitória de Dilma. Não se conforma, A Casa Grande não descansa.
Nem sei, nem vou procurar saber sobre todo o processo que envolveu a presidente. Escrevi vários livros sobre a ditadura, inclusive sobre Carlos Lamarca e Carlos Marighella, que tangenciam organizações revolucionárias pelas quais a presidente Dilma passou – e que orgulho ter militado em organizações revolucionárias. Não me detive, no entanto, na trajetória específica da presidente Dilma Roussef, nem caberia.
Mas será que os jornalistas que têm feito o papel de pescadores de leads e subleads negativos, de títulos desqualificadores da presidente têm alguma noção do que seja a tortura? Imagino que não, até porque só obedecem ordens, a pauta é previamente pensada, ordenada, e depois se faz a matéria.
Repito aqui o que escrevi em um dos meus livros, valendo-me das contribuições do psicanalista Hélio Pellegrino. A tortura nunca é mero procedimento técnico destinado à coleta rápida de informações. É também isso, mas nunca apenas isso. Ela é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político, expressão da ditadura militar de então. Ela visa à destruição do ser humano.
À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar a guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos. O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, atormenta o torturado, persegue o torturado. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas. E apesar disso, tantas vezes, tantos de nós, quando não fomos trucidados e mortos na tortura, resistimos a esse terror, e saímos inteiros, ou quase inteiros, dessa situação-limite.
O que vale um processo feito sob a ditadura? O que valem declarações tiradas sob tortura? Responderia que valem apenas para revelar o que foi o terror, para revelar o que fizeram com as vítimas desse terror. Por que nos impressionamos e nos indignamos tanto com as vítimas do nazi-fascismo, inclusive nossa mídia, impressão e indignação justas, e somos, lá eles como costumam dizer os baianos, tão condescendentes com o terror da ditadura, com as torturas dos assassinos do período 1964-1985?
Eu compreendendo por que a mídia age assim com a nossa memória histórica, e já o disse antes: age assim pela simples razão de que ela tem tudo a ver com a gênese da ditadura, porque dela não pode se apartar, lamentavelmente. Por isso, nos preparemos para a luta dos próximos dias: ela vai buscar nos porões da ditadura o que possa servir aos seus propósitos de lutar contra o governo democrático, republicano e popular da presidente Dilma. E nos encontrará onde sempre estivemos: na luta intransigente, isso mesmo, intransigente, a favor da democracia, dos direitos humanos, e contra toda sorte de crimes contra a humanidade.
(*) Jornalista, escritor.
Via Campesina ajuda haitianos a superar tragédias
Felipe Prestes no SUL21
Como se não bastassem as mazelas de uma política instável e as
dificuldades socioeconômicas e ambientais, o Haiti tem sido assolado por
tragédias em 2010. Os problemas não cessaram, depois que a capital
Porto Príncipe foi destruída por um terremoto, que provocou a morte de
300 mil pessoas e deixou 1,5 milhão desabrigadas. Agora, uma epidemia de
cólera se alastra pelo país, que também sofre com a costumeira passagem
de furacões.
Um pequeno grupo de brasileiros, coordenado pela Via Campesina, trabalha para amenizar as dificuldades por que passa o povo haitiano e para que a imagem do país mundo afora não fique marcada apenas por tragédias e miséria. O gaúcho José Luis Patrola coordena o grupo da Via Campesina, batizado de Brigada Dessalines (Dessalines foi um dos heróis da independência haitiana), que desde 2009 coopera com camponeses haitianos. Patrola está no centro de apoio do grupo, que fica na província de Latibonit, região mais atingida pela epidemia de cólera.
Um pequeno grupo de brasileiros, coordenado pela Via Campesina, trabalha para amenizar as dificuldades por que passa o povo haitiano e para que a imagem do país mundo afora não fique marcada apenas por tragédias e miséria. O gaúcho José Luis Patrola coordena o grupo da Via Campesina, batizado de Brigada Dessalines (Dessalines foi um dos heróis da independência haitiana), que desde 2009 coopera com camponeses haitianos. Patrola está no centro de apoio do grupo, que fica na província de Latibonit, região mais atingida pela epidemia de cólera.
Ele conta, por e-mail, que o número de mortos pela doença já
ultrapassou os 1.110, e que há 18.382 haitianos hospitalizados. O
problema se deve especialmente à qualidade da água no país – é pela água
contaminada que a cólera se espalha – e também pela precariedade dos
serviços de prevenção e tratamento. Em países com melhores condições, a
cólera já não é, há bastante tempo, uma doença tão letal. “A grande
maioria dos mortos são camponeses da região de Latbonit que consumiram
água contaminada. Os hospitais da região estão lotados há um mês”, conta
Patrola.
Para Patrola, a comunidade internacional precisa repensar o tipo de
auxílio que dá ao Haiti. Ele explica que problemas estruturais do país
precisam ser resolvidos. Não bastam paliativos emergenciais. A passagem
do furacão Tomas, por exemplo, há duas semanas, devastou plantações nas
regiões Sul e Noroeste do país e pode gerar desabastecimento de
alimentos no Haiti nos próximos meses. “O Haiti vive um grave problema
de desmatamento, acompanhado por técnicas agrícolas predatórias ao meio
ambiente, que levarão a um caos generalizado caso o problema não se
resolva de maneira sólida”, explica.
É o que explica também o colega de Patrola, o alagoano Thalles Gomes.
“Uma das grandes crises do Haiti é ambiental: 95% do país estão
desmatados. Isso agrava o efeito de terremotos e ciclones”, diz. Gomes
faz parte da Brigada Dessalines e esteve no Haiti entre abril e outubro
de 2010. De passagem por Porto Alegre, nesta semana, teve um longa
conversa com o Sul21.
Thalles conta que o grupo trabalha no Haiti desde 2009. Os objetivos
principais são a cooperação agrícola e o auxílio aos camponeses
haitianos, para que estes problemas ambientais possam ser sanados. Em
2010, a Brigada Dessalines já instalou 1.300 cisternas no interior do
Haiti. As cisternas, feitas de polietileno (um tipo de plástico), são
são fáceis de instalar e utilizadas em emergências. Foram obtidas em
parceria com o governo da Bahia.
O grupo também ajudou a formar seis bancos de sementes no país,
porque grande parte dos camponeses não consegue armazenar sementes e
precisa comprá-las. E criou ainda viveiros de mudas, para auxiliar o
processo de reflorestamento tão necessário no país. Ao todo, 40
brasileiros da Via Campesina já passaram pelo Haiti neste período,
trabalhando para a Brigada, que também recebe auxílio e auxilia pessoas
de outras partes da América Latina. “A gente recebeu paraguaios,
argentinos, venezuelanos e colombianos. Servimos como centro de apoio
para quem passa por lá”.
Para além da tragédia
Após o terremoto de janeiro de 2010, a Brigada intensificou suas
atividades, enviando, além de pessoas especializadas na questão
agrícola, médicos, enfermeiros e pessoas ligadas à construção civil. “A
ideia não era ajudar diretamente as vítimas do terremoto, porque não é
nossa especialidade, mas ajudar os camponeses neste momento difícil,
porque o terremoto atingiu a capital Porto Príncipe – 300 mil mortos e
1,5 milhão de desabrigados -, mas as pessoas desabrigadas foram para o
campo. O Haiti já tem problema forte de estrutura no campo, com o
terremoto isso piorou”, conta Thalles.
Neste novo grupo, Thalles – graduado em Cinema, e membro da Comissão
Pastoral da Terra, que integra a Via Campesina – foi enviado como
responsável pela área de comunicação. Ele conta que sua tarefa foi atuar
em dois níveis. Um deles era a cooperação com rádios locais, ligadas a
organizações de camponeses. Thalles explica que, devido ao analfabetismo
de 40% e à falta de infraestrutura no Haiti, o rádio é o meio de
comunicação mais difundido. “Os haitianos têm o hábito de conviver com o
país através do rádio”.
A atuação da Brigada neste sentido foi feita em parceria com o
governo venezuelano. Está sendo desenvolvido um projeto para fortalecer
25 rádios que Thalles chama de comunitárias, por sua estrutura. “Apesar
de terem licença comercial, grande parte das rádios do país funcionam
com estrutura de rádio comunitária e não têm equipamentos básicos de
transmissão. As músicas são tocadas em fita cassete”, exemplifica. Ele
conta que as rádios do interior se beneficiam do fato de o Haiti ser
montanhoso. Instalam seus transmissores precários no alto das montanhas,
conseguindo assim atingir um grande número de lares. Como a energia
elétrica no país é racionada, estas rádios também dependem de placas
solares ou geradores. “A ideia é criar condições mínimas para o
funcionamento destas rádios”.
O outro nível de atuação de Thalles Gomes foi produzir informação
para ser disseminada no Brasil e em outros países da América Latina. Do
Haiti, Thalles colaborou com diversos órgãos da imprensa latinoamericana
e produziu dezenas de matéria – trabalho que continua desenvolvendo
mesmo estando no Brasil. Ele explica que sua missão é mostrar para a
América Latina um Haiti não só como um país onde a sorte passou longe.
“O Haiti só tem sido manchete na tragédia. Nossa perspectiva era mostrar
o Haiti para além dos mortos. A gente queria mostrar a economia, a
cultura e a política haitiana. Para além da miséria tem cotidiano. Tem
futebol, festa, religião, vodu, música. Tem o dia-a-dia. Acho que,
quando se pensar no Haiti, tem que se pensar para além da tragédia”,
afirma.
Thalles conta que a experiência no Haiti foi “divisora de águas” em
sua vida e que uma das coisas que mais o surpreenderam foi a consciência
histórica do povo haitiano, presente em todos os níveis da população,
do camponês ao estudante universitário. Eles têm conhecimento da própria
história: o que foi a revolução que levou o país à independência, quais
são os interesses internacionais que estão em jogo, por que o país
chegou neste ponto. Isto foi o que mais me impactou positivamente”, diz.
Ele também exalta dois aspectos culturais que considera mais
relevantes no país caribenho: o idioma kréyol e a religião vodu. “São
duas criações haitianas. O kreyol é uma língua que foi criada pelos
escravos. Eles falavam de uma forma que os franceses não podiam
entender. A partir daí conseguiram se organizar para se libertar. E o
vodu tem elementos das culturas africana, indígena e europeia. Também
foi a partir do vodu que a revolução começou. Hoje em dia é um dos
poucos espaços de organização da população, porque no vodu não há
interferência estrangeira branca”, diz.
Críticas à atuação do Brasil
Thalles Gomes considera a atuação do Brasil no Haiti à frente da
Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti) um
“contrassenso” com a política externa proposta pelo Governo Lula, de
integração e cooperação com os povos da América Latina e Caribe. “A
proposta da Minustah era criar a ideia de uma cooperação Sul-Sul, então
ela é formada apenas por exércitos de países subdesenvolvidos. Mas isso
mascara uma ocupação militar. O que o Haiti precisa não é de armas, mas
de solidariedade na área econômica e social”, afirma
Thalles relata que a missão da ONU não tem ajudado na reconstrução do
país, mas apenas tratado de reprimir a população, quando há distúrbios
causados pela desordem política e social e pelos desastres naturais. “Em
seis meses no Haiti não vi nenhuma obra feita pelo Minustah. O que eles
fazem é como o Bope faz nas favelas do RJ: trazer a estabilidade com
repressão”.
Como se isso não bastasse, há fortes indícios de que a cólera chegou
ao Haiti por meio de soldados nepaleses da Minustah contaminados. Devido
a esta suspeita, haitianos têm ido às ruas para protestar contra a
missão. Nos protestos três haitianos já morreram, e Thalles mostra isto
como um exemplo da repressão feita pelas Nações Unidas. “A Minustah não
consegue dar respostas concretas quando a população precisa. Não
conseguiu dar respostas concretas ao terremoto, não conseguiu dar
respostas concretas para evitar os danos causados por ciclones. E para
uma epidemia que pode ter sido trazida pela própria ONU não consegue dar
respostas rápidas e claras”.
Thalles aponta as contradições do modelo de ajuda humanitária que é
realizado pela ONU no Haiti. Ele aponta que a ONU agora acena com mais
US$ 164 milhões para combater a cólera e que já foram despendidos, desde
2004, US$ 3,6 bilhões apenas para manter as operações da Minustah no
Haiti. Enquanto isto, cerca de 50% da população haitiana ainda permanece
abaixo da linha de pobreza.
Para explicar o que ocorre no Haiti, Thalles cita um termo sugestivo,
cunhado pela jornalista canadense Naomi Klein: capitalismo do desastre.
“O Haiti é o país mais pobre da América, mas é o que mais recebe ajuda
internacional no mundo. É um dinheiro que chega a o país, mantém os
altos salários de funcionários da ONU e das ONG’s e esse dinheiro não
muda as condições socioeconômicas do país”, resume.
EUA aumentam operações clandestinas contra Venezuela
O mecanismo de ajuda financeira a grupos de oposição aos
governos democráticos latino-americanos que não lêem pela cartilha
de Washington, como a Venezuela de Hugo Chávez, pode nos dar uma idéia
de como a recente vitória eleitoral da presidente Dilma Roussef no
Brasil poderá sofrer contestações nos seus quatro anos de mandato,
indicando também algumas pistas do que pode ter ocorrido na recente
campanha eleitoral por parte da estratégia oposicionista apoiada pela
velha mídia.
por Eva Golinger*via vermelho
Segundo o informe anual de 2010 do Escritório de Iniciativas para uma
Transição (OTI) da Agência Internacional de Desenvolvimento dos
Estados Unidos (USAID) sobre suas operações na Venezuela, 9,29 milhões
de dólares foram investidos esse ano em esforços para apoiar os
objetivos da política exterior norte-americana e promover a democracia
neste país sul americano. Esta cifra representa um aumento de quase
dois milhões de dólares em relação ao ano passado, quando esse mesmo
escritório de transição financiou atividades políticas contra o
governo de Hugo Chávez com 7,45 milhões de dólares.
Transição (OTI) da Agência Internacional de Desenvolvimento dos
Estados Unidos (USAID) sobre suas operações na Venezuela, 9,29 milhões
de dólares foram investidos esse ano em esforços para apoiar os
objetivos da política exterior norte-americana e promover a democracia
neste país sul americano. Esta cifra representa um aumento de quase
dois milhões de dólares em relação ao ano passado, quando esse mesmo
escritório de transição financiou atividades políticas contra o
governo de Hugo Chávez com 7,45 milhões de dólares.
A OTI é uma divisão da USAID dedicada a apoiar objetivos da política
exterior dos EUA através da promoção da democracia (segundo sua
avaliação) em países que se encontram em crise. A OTI fornece
assistência rápida, flexível e de curto prazo para transições
políticas e de estabilização. Ainda que a OTI seja, tradicionalmente,
um mecanismo de curto prazo para injetar milhões de dólares em fundos
líquidos que influem sobre a situação política de países
estrategicamente importantes para Washington, o caso da Venezuela é
diferente. A OTI abriu sua sede nesse país em 2002 e a mantém até
hoje, apesar de não contar com a devida autorização do governo da
Venezuela. Na verdade, é o único escritório que a USAID mantém durante
tanto tempo em algum país.
As operações clandestinas da OTI
Em nota oficial com a data de 22 de janeiro de 2002, o presidente da
OTI, Russel Porter, revela como e por que a USAID chegou à Venezuela.
Dias antes, em 04 de janeiro, o escritório de Assuntos Andinos do
Departamento de Estado pediu a OTI para estabelecer um programa para a
Venezuela. Estava claro que havia uma preocupação crescente sobre a
saúde política do país. Solicitaram à OTI que oferecesse programas e
assistência para fortalecer os elementos democráticos (sic) que
estavam sob a mira do governo de Chávez.
Porter visitou a Venezuela em 18 de janeiro de 2002 e logo comentou:
"Para preservar a democracia, é necessário um apoio imediato para a
mídia independente e para a sociedade civil. Uma das grandes
debilidades da Venezuela é a falta de uma sociedade civil vibrante". A
National Endowment for Democracy (NED) tem um programa de 900 mil
dólares na Venezuela que apóia o Instituto Democrata (NDI), o
Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Centro de Solidariedade
Laboral (três institutos quase governamentais norte americanos) para
fortalecer os partidos políticos e os sindicatos (a CTV). Este
programa é útil, porém não é suficiente. Alem do que não é flexível e
nem trabalha com novos grupos ou grupos não tradicionais. E também lhe
falta um componente de meios de comunicação.
Desde então, a OTI marca a sua presença na Venezuela enviando milhões
de dólares por ano para manter vivo o conflito no país. Segundo o
último informe anual de 2010, a OTI atua a partir da Embaixada dos
Estados Unidos e é parte de um esforço maior para promover a
democracia naquele país.
O principal investimento dos 9 milhões de dólares em 2010 foi durante
a campanha eleitoral da oposição para as eleições legislativas de 26
de setembro passado. A USAID trabalha com vários associados da
sociedade civil oferecendo assistência técnica para os partidos
políticos, apoio técnico para os trabalhadores em direitos humanos e
apoiando esforços para fortalecer a sociedade civil. Na Venezuela,
sabe-se que `sociedade civil' é o outro nome com que se identifica a
oposição ao governo de Hugo Chávez.
Os partidos políticos e as organizações financiadas pela USAID têm
sido documentados através de uma grande investigação realizada por
esta escritora e incluem grupos como Súmate, Ciudadania Activa, Radar
de Los Barrios, Primero Justicia, Um Nuevo Tiempo, Acción Democrática,
Copei, Futuro Presente, Voluntad Popular, Universidad Católica Andros
Bello, Universidad Metropolitana, Sinergia, Cedice, CTV, Fedecamaras,
Espacio Publico, Instituto Prensa y Sociedad, Voto Joven entre tantos
que têm se dedicado à desestabilização do país.
Um fluxo secreto de dinheiro
Não obstante, o atual abastecimento de dinheiro da USAID/OTI a grupos
e partidos políticos venezuelanos é mantido em segredo. Quando abriu
suas operações em 2002, a OTI contratou a empresa estadunidense
Development Alternatives Inc. (DAÍ) um dos maiores prestadores de
serviços ao Departamento de Estado, da USAID e do Pentágono em nível
mundial. Essa empresa, a DAÍ, operava uma empresa no El Rosal – o Wall
Street de Caracas – de onde distribuía fundos milionários a
organizações venezuelanas através de pequenos convênios não superiores
a 100 mil dólares cada um.
De 2002 a 2010 mais de 600 desses pequenos convênios foram entregues
por esse escritório a grupos da oposição venezuelana para seguirem
alimentando o conflito no país e apoiando os esforços para provocar a
saída do poder do presidente Hugo Chávez.
Em finais de 2009, a empresa DAÍ começou a ter graves problemas com
suas operações no Afeganistão, quando foram assassinados cinco de seus
empregados por supostos militantes do Talibã durante um ataque com
explosivos na cidade de Gardez em 15 de novembro. Alguns dias antes,
um de seus empregados havia sido detido em Cuba e acusado de
espionagem e subversão pela distribuição ilegal de componentes de
satélite a grupos contra-revolucionários.
Quando escrevi um artigo publicado em 30 de dezembro de 2009, e
agentes da CIA mortos no Afeganistão trabalhavam para uma empresa de
fachada ativa na Venezuela e em Cuba, evidenciava-se o vínculo
operacional da DAÍ no Afeganistão, em Cuba e na Venezuela e sua
natureza suspeita, o próprio presidente e chefe executivo da empresa,
Jim Boomgard, me contatou e alertou-me (melhor dizer ameaçou-me) que
se continuasse a escrever o que escrevia, eu seria responsabilizada
por qualquer coisa que se passasse com seus empregados em nível
mundial.
Contudo, o senhor Boomgard, que disse não saber muito sobre as
operações de sua empresa na Venezuela, conseguiu entender que o que
faziam na Venezuela não valia tanto como o que faziam no Afeganistão.
Semanas depois de sua entrevista comigo, o DAÍ, misteriosamente,
fechou seu escritório em Caracas.
Entrementes, a OTI continua suas operações na Venezuela e mesmo tendo
outros sócios norte americanos que manejam uma parte de seus fundos
multimilionários, como IRI, NDI, Freedon House e a Fundación
Panamericana Del Desarrollo (Fupad), não existe transparência sobre o
fluxo de dinheiro de suas contrapartidas venezuelanas.
Um informe da Fundação para as Relações Internacionais e Diálogo
Exterior (FRIDE) sobre a promoção da democracia na Venezuela, com data
de maio de 2010, explica que grande parte do dinheiro vindo do
exterior, mais de 50 milhões de dólares esse ano, segundo eles e que
financia a grupos políticos de oposição na Venezuela, entra no país de
forma ilícita em dólares ou euros e se transforma em dinheiro
venezuelano no mercado negro (Assim que denunciei essas atividades
ilegais baseadas no informe mencionado, o FRIDE desapareceu com o
texto original e publicou um novo em que abandonava qualquer
referência ao mecanismo de entrega de dinheiro externo a grupos
venezuelanos).
Se o DAÍ já não atua na Venezuela realizando pequenos convênios com
organizações opositoras com dinheiro estadunidense, o que cabe indagar
é como chegam esses milhões de dólares a tais grupos e através de qual
mecanismo? Segundo a USAID, suas operações estariam agora se
realizando através da Embaixada dos Estados Unidos? Esta embaixada
está entregando dinheiro diretamente a grupos de oposição
venezuelanos?
O informe anual USAID/OTI de 2010 diz, especificamente, que seus
esforços já estão dirigidos a um evento próximo: as eleições
presidenciais de 2012 na Venezuela. Seguirão aumentando os milhões de
dólares para a subversão e a desestabilização do país, incrementando a
clandestinidade de suas operações na Venezuela, se o governo não tomar
medidas concretas para impedir tal fato.
Operações psicológicas
Washington usa vários mecanismos de ingerência para tingir seus
objetivos. As operações psicológicas são operações planificadas para
transmitir informação seletiva e indicadores para públicos
estrangeiros e com isso influir sobre suas emoções, motivos,
racionalidade objetiva e – ultimamente – sobre o comportamento de
governos, organizações, grupos e indivíduos, segundo o Pentágono.
No orçamento do Departamento de Defesa para 2011, há uma solicitação
nova para operações psicológicas para o Comando Sul, que é quem
coordena todas as missões militares dos Estados Unidos na América
Latina. Em particular, tal solicitação fala de um programa de voz de
operações psicológicas, o que se entende como rádio ou alguma outra
transmissão de áudio que apóie esse objetivo.
Segundo a explicação contida no orçamento, a execução de operações
psicológicas (PSYOP) inclui a investigação sobre audiências
estrangeiras, desenvolvendo, produzindo e disseminando produtos
(programas) para influir sobre essas audiências, bem como a condução
de avaliações para determinar a eficácia das atividades de operações
psicológicas. Essas atividades podem incluir a manutenção de várias
páginas da web e o monitoramento de meios técnicos e eletrônicos.
O orçamento completo para as operações psicológicas durante o ano de
2011 é de 384.8 (trezentos e oitenta e quatro milhões e oitocentos
mil) dólares, que inclui 201.8 (duzentos e um milhões e oitocentos
mil) dólares para a divisão de operações psicológicas e o
estabelecimento, pela primeira vez, de um programa de operações
psicológicas com o uso da voz para o Comando Sul.
Este programa de operações psicológicas é totalmente distinto de
iniciativas como A Voz da América, por exemplo, que é um programa do
Departamento de Estado e da agência estatal Board Broadcasting
Governors (BBG) que manejam a propaganda dos EUA em nível mundial. Na
verdade, o orçamento da BBG para o ano de 2011 é de 768.8 milhões de
dólares e inclui um programa de cinco dias a cada semana, em espanhol,
para a televisão venezuelana.
O aumento das operações psicológicas dirigidos à Venezuela e a América
Latina evidencia uma ampliação da agressão norte americana para com
essa região. É preciso lembrar que, desde o ano de 2006, a Direção
Nacional de Inteligência dos EUA desempenha uma missão especial de
inteligência para a Venezuela e Cuba. Somente quatro dessas missões
especiais existem no mundo: uma para o Irã, outra para a Coréia do
Norte, uma terceira para o Afeganistão e o Paquistão e a quarta para
Venezuela e Cuba. Essa missão recebe uma parte importante do orçamento
de mais de 80 bilhões de dólares que emprega a Direção Nacional de
Inteligência, entidade que coordena as 16 agências de inteligência em
Washington.
(*) EVA GOLINGER é advogada e especialista em analisar documentos
desclassificados pelo Departamento de Estado dos EUA, relativos a
atividades na América Latina, em especial na Venezuela.
__________________________________
Traduzido do espanhol por Izaías Almada.
Fonte: http://aporrea.org.tiburon/n169169.html
sábado, 20 de novembro de 2010
SALVE O 20 DE NOVEMBRO...VIVA ZUMBI DOS PALMARES....
Música rende homenagem a João Cândido, o Almirante Negro
A música "O Mestre-Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir
Blanc, composta nos anos 70, imortalizou João Cândido e a Revolta da
Chibata. Como diz o samba, seu monumento estará para sempre "nas pedras
pisadas do cais". O Vermelho reproduz, abaixo, a homenagem ao "Almirante Negro" e seus companheiros.
A letra da música teve que ser
modificada várias vezes por conta da censura na época da ditadura
militar. De acordo com Aldir Blanc, em depoimento reproduzido no site
DHNet, "tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças
veladas de que o Cenimar não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a
hierarquia e matou oficiais", diz o compositor.
Blanc conta que sua ida ao Departamento de Censura, por causa da música, o marcou profundamente. De acordo com ele, um sujeito lhe informou que ele estava substituindo, na letra de Mestre sala dos mares, palavras como revolta e sangue, mas o problema não era aquele: "O problema é essa história de negro, negro, negro...", disse o censor.
"Eu havia sido atropelado, não pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto etc, mas pelo panzer do racismo nazi-ideológico oficial", relembra Aldir Blanc, contando que foi preciso "dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir. Metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente “O Mestre-Sala dos Mares”. Originalmente, o samba se chamava Almirante Negro ou Navegante Negro. Veja abaixo a letra da música e o vídeo no qual Elis Regina canta o samba na inauguração do Teatro Bandeirantes, em 1974.
Blanc conta que sua ida ao Departamento de Censura, por causa da música, o marcou profundamente. De acordo com ele, um sujeito lhe informou que ele estava substituindo, na letra de Mestre sala dos mares, palavras como revolta e sangue, mas o problema não era aquele: "O problema é essa história de negro, negro, negro...", disse o censor.
"Eu havia sido atropelado, não pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto etc, mas pelo panzer do racismo nazi-ideológico oficial", relembra Aldir Blanc, contando que foi preciso "dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir. Metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente “O Mestre-Sala dos Mares”. Originalmente, o samba se chamava Almirante Negro ou Navegante Negro. Veja abaixo a letra da música e o vídeo no qual Elis Regina canta o samba na inauguração do Teatro Bandeirantes, em 1974.
Mestre sala dos mares
Por João Bosco e Aldir Blanc
Há muito tempo nas águas
Da guanabara
O dragão no mar reapareceu
Na figura de um bravo
Feiticeiro
A quem a história
Não esqueceu
Conhecido como
Navegante negro
Tinha a dignidade de um
Mestre-sala
E ao acenar pelo mar
Na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por
Batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam
Das costas
Dos santos entre cantos
E chibatas
Inundando o coração,
Do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro
Gritava então
Glória aos piratas, às
Mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça,
Às baleias
Glórias a todas as lutas
Inglórias
Que através da
Nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais.
África: A nova aventura do Imperialismo
Luís Amaro*
“Quando
no final de 2008 Mary Carlin Yates, vice-comandante da Africom para as
questões civis-militares, esteve em Portugal para reuniões com
responsáveis militares (?) e disse ser «muito importante que ouçamos e
aprendamos com os nossos parceiros europeus, especialmente uma nação
como Portugal com uma história naquele continente que penso terá muitas
lições a ensinar-nos»”, não podiam ser mais clara: os americanos, com o
total apoio do Governo português, vão arrastar o país para a nova
aventura africana do imperialismo ianque, a qual já começou mas ninguém
sabe como vai acabar; quantas vidas se vão perder, quantos cortes se tem
que fazer no orçamento da saúde e da educação para pagar esta
aventura?”
(…)
Não esqueças, não tomes como uma fatalidade o que ainda não aconteceu,
nem como impossível de concretizar aquilo que mais desejas.
Epicuro, Carta a Meneceu
Epicuro, Carta a Meneceu
Os Estados Unidos da América são os mais vorazes consumidores de
petróleo do mundo, consumindo 21,7% de todo o petróleo extraído, muito
embora só tenham 5% da população mundial, importando 57 % do que
consomem, não parando de se retrair a produção1 própria.
«Mesmo aumentando a eficiência energética os Estados Unidos
necessitam de mais fornecedores externos, prevendo-se que em 2020 a
procura seja de 127 quadriliões de barris enquanto a produção interna
atingirá só 86 quadriliões»1 diz o relatório apresentado por Dick Cheney
ao presidente Bush, recomendando «a diversificação e aumento do
fornecimento externo»2 alertando que «uma significativa interrupção do
fornecimento externo lesará a nossa economia e a capacidade de promover
os nossos objectivos económicos e políticos».
Por outras palavras, as grandes multinacionais do petróleo – aqui
representadas por Dick Cheney – acham mais vantajoso a rapina do
petróleo e a Casa Branca secunda essa prática. De facto, baseando-se no
relatório, a administração Bush corta as verbas referentes ao aumento da
produção nacional e de procura de soluções alternativas nacionais,
querendo portanto dizer com isso que o fornecimento externo do petróleo
continuaria, aumentaria e diversificar-se-ia.
Era este o objectivo das grandes multinacionais da indústria, e era
esta a proposta do Council on Foreign Relations ao afirmar que «se deve
encorajar o fornecimento de petróleo para além do Golfo Pérsico»3.
Outros dos aspectos ligados à procura de novas fontes do petróleo
são de carácter técnico, melhor dizendo das reservas existentes
particularmente na península arábica; os grandes campos de petróleo na
Arábia Saudita estão em declínio como o de Ghawar que em lugar de
extrair 22 milhões de barris por dia, como estava previsto, se ficará
pelos 12,54, sendo este um sobejo motivo para se aumentar a procura
noutros locais, sendo de todos o mais apetecível a África Ocidental.
De facto os países da África Ocidental fornecem actualmente 18% do
petróleo que os EUA importam e este valor chegará aos 25% em 2015; esta
região, que possui reservas de 40 biliões de barris, é de importância
estratégica fundamental para os Estados Unidos e razão para que os seis
países que fazem parte da ECOWAS5 fossem cortejados pela administração
Bush que, subitamente, se enamorou do continente africano.
Há, portanto, razões para este súbito interesse.
Primeiro, porque as previsões das quantidades de petróleo existentes
são as maiores que se conhecem até hoje, «esperando-se que a África
Ocidental venha a ser o maior fornecedor do mercado americano»6;
segundo, porque a concorrência é fraca, visto a China focalizar os seus
interesses nos países da África Oriental; terceiro, porque a qualidade
do crude é de «alta qualidade e baixo em enxofre, sendo ideal para ser
refinado na costa Este»7 dos Estados Unidos; quarto, porque as
perspectivas são colossais no que se refere à Nigéria, a Angola, ao
Gabão e ao Congo-Brazzaville e os investimentos já realizados, no valor
de 3,5 biliões de dólares, na construção de um oleoduto que liga o Chade
aos Camarões na costa Ocidental de África, não são negligenciáveis.
Quinto e último: a docilidade dos governos em relação às
multinacionais e ao imperialismo, e a corrupção fomentada pelas grandes
companhias, tornam esta região do mundo o terreno ideal para a sua
transformação num novo quintal americano.
Existem também razões de carácter geopolítico que estão na base
desta mudança radical da política dos EUA em relação à África que passou
de um laissez faire a um engajamento rápido e de grandes dimensões
políticas, diplomáticas e militares e de interferência na vida de
estados soberanos.
A crescente presença da China, do Brasil e da Índia em África – que
não se pode comparar, nem na forma nem nos objectivos, com os objectivos
do imperialismo americano – é razão acrescida para esta mudança de
estratégia da política externa estadunidense em relação ao continente,
quer o residente da Casa Branca seja republicano ou democrata.
Fala docemente mas tem à mão uma moca…
Este provérbio, de origem africana, sintetizava a política externa
do presidente Theodore Roosevelt, que o usava frequentemente querendo
dizer: ou os países obedecem ao dictat dos interesses americanos, ou
falará a força, quer dizer, a agressão militar.
Mais de cem anos passados este continua a ser o cuore da política
estrangeira dos Estados Unidos, como muito bem expressou recentemente o
arqui-reacionário jornalista Thomas Friedman8 ao afirmar: «a mão oculta
do mercado nunca funcionará sem o punho oculto».
Para defender os interesses das multinacionais do petróleo em África é mesmo necessário um punho, e um punho forte.
«Em 2008 a Chevron teve um lucro de 23 biliões de dólares sendo
metade dele proveniente de África; a ExxonMobil teve 45,2 biliões de
dólares tendo 43% dele a mesma proveniência, bem como um terço das
importações da BP»9, para não citar outras. Com estes colossais lucros
não é de admirar que os grandes monopólios estejam interessados em
manter o status quo e para isso é necessário que alguém os defenda.
O punho de que o reaccionário Friedman fala tem um nome – Africom.
O governólio10 de George Bush, dando prossecução prática às
recomendações do CSIC11 que dizia: «dados os crescentes interesses
energéticos na região, recomenda-se que os Estados Unidos devem fazer da
segurança e do governo no Golfo da Guiné uma absoluta prioridade da
política externa dos Estados Unidos em relação à África, promulgando uma
política robusta para a região», por outras palavras - militarizar as
relações dos EUA com África. Assim, George, o incansável servidor dos
interesses das multinacionais do petróleo, viaja para uma tournée
africana em Fevereiro de 2008.
Palavras não foram ditas já George, o diligente, tinha criado uma
estrutura de comando independente para a África – a Africom, o punho –
deixando a continuação desta política ao carismático e cândido Obama
que, sem pestanejar, levará à prática a agressão, desta vez à escala de
um continente, confirmando que quanto mais as coisas mudam, mais ficam
na mesma na política externa do imperialismo.
Os maus da fita e os outros
Os maus da fita e os outros
Já em 2005, como preparatório do que se seguiu, o Pentágono tinha
lançado a Iniciativa Contra-terrorista Trans-sahariana (TSCTI) e, antes
disso, quer os Estados Unidos quer a França, particularmente esta
última, tinham uma presença militar em África.
Em abono da verdade, diga-se, os americanos não são os únicos maus da fita.
A França, como ex-potência colonial, continuou, até recentemente, a assumir-se como o braço armado do neocolonialismo. Na Costa do Marfim estão estacionados 3.000 soldados franceses e no vizinho Togo estão mais homens e equipamento aerotransportado.
A França, como ex-potência colonial, continuou, até recentemente, a assumir-se como o braço armado do neocolonialismo. Na Costa do Marfim estão estacionados 3.000 soldados franceses e no vizinho Togo estão mais homens e equipamento aerotransportado.
A França, por limitações orçamentais, viu-se obrigada a começar a
pôr um termo à aventura neocolonial, reduzindo o número de efectivos e
encerrando bases entre 1997 e 2002. Sarkozy foi o coveiro - muito a
contragosto, diga-se – da Françafrique, como era designada a política
francesa para a África, pretendendo-se agora a europeização da
intervenção militar, segundo o general Dominique Trinquand.
Esta pretendida europeização deixa-nos a nós, portugueses,
apreensivos no mínimo, dado a subserviência faces aos interesses
imperialistas manifestada inúmeras vezes pelos «nossos» governos.
De qualquer forma o pequeno complexado que mora no Eliseu não levará
avante a ideia; o império manda e ele não terá outra saída senão baixar
a crista.
De facto, antes de o imperialismo americano se lançar na
militarização de África, os mandantes da política externa do Tio Sam já
tinham avaliado as implicações/colisões possíveis da presença francesa
em África, e foram claros: «enquanto os franceses reduzirem as suas
forças em África os Estados Unidos aumentarão as suas…» e «… num sentido
lato podemos dizer que uma força dos Estados Unidos em África será um
sinal de que a exclusividade da influência militar francesa acabou,
efectivamente»12 .
Sarkozi, compreendeu. Adeus, França imperial!
Preâmbulos de uma ocupação
Foram feitas várias tentativas no sentido de localizar em África o
quartel-general do Africom, que se revelaram frustradas pela oposição de
vários países face ao repúdio popular que tais bases poderiam suscitar,
o que não coibiu as relações públicas da Africom de mentir ao afirmar
que «vários países africanos já se oferecem para receber o
quartel-general»13, lembrando ao mesmo tempo que «qualquer que seja a
localização do futuro quartel-general será necessário ter bases no Golfo
da Guiné…». Pudera! É lá que está a galinha dos ovos de ouro.
Esta ausência de um quartel-general não impede que militares
americanos e mercenários por ele pagos lancem operações clandestinas a
partir de bases de satélites estratégicos localizadas no Kénia e em
Djibuti.
Entretanto, o orçamento da Africom passou de 60 milhões para 310
milhões, excluindo custos operacionais; foi nomeado, como comandante, um
dos únicos cinco afro-americanos que chegaram à patente de general de
quatro estrelas; lança-se manobras navais de grande envergadura no Golfo
da Guiné; desenvolve-se intensas campanhas de persuasão, nomeadamente
com fornecimento de equipamento militar, cursos e viagens de estudo,
junto de altas patentes africanas designadas oficialmente como friendly
african militaires14 de modo a conseguir que fechem os olhos para o que
se vai seguir; no plano diplomático também é intenso o movimento, não só
entre as capitais africanas mas também europeias, e Lisboa em
particular.
Dinheiro não falta. Só neste ano vai gastar-se, num só programa de
431 actividades e envolvendo 40 países, 6,3 biliões de dólares.
O Pentágono designa o Africom como um comando de combate unificado,
que combinará funções militares e civis, esta pela necessidade de
promover a imagem de «bons rapazes» – goodfellas.
Toda a agressão imperialista sempre se apresentou, publicamente, da
forma mais altruísta possível; em África ela é apresentada como uma
acção humanitária para combater a doença e o analfabetismo, para a
construção de habitações, atribuição de bolsas de estudo e por aí fora…
só nobres objectivos.
O outro argumento é o do combate contra o terrorismo que tem as
costas largas e serve mesmo para encobrir as acções terroristas do
imperialismo estado-unidense.
Os verdadeiros objectivos desta nova agressão, que ainda vai nos
seus primórdios – e que, por isso, é urgente denunciar e já – foram
enunciadas nas linhas anteriores com clareza, espero eu.
A força ocupante e a NATO
A NATO há muito que deixou de ser uma organização «defensiva» do
Atlântico Norte, assumindo-se como um bloco militarista global, e
portanto também em África na qual, de resto, tem desenvolvido intensa
actividade nomeadamente no Corno de África e, particularmente, no Sudão;
se nesta parte de África os interesses não são exclusivos pode-se
imaginar o que está planeado para a África Ocidental onde se encontra o
petróleo vital para a América.
Nos vários países grandes produtores de petróleo nesta região a
Nigéria e Angola são os de maior potencial; mas há também S. Tomé e
Príncipe, cujo valor perspectivado das reservas de petróleo é mantido no
segredo dos deuses, não obstante as maiores companhias americanas
estarem a adjudicar blocos e a perfurar freneticamente, e a secretária
de Estado, Hillary Clinton, ter visitado o arquipélago – percebendo-se
assim que este pequeno país está na agenda de prioridades americanas – e
«oferecido» a construção de um porto, o que o primeiro-ministro
são-tomense agradeceu e disse, à comunicação social, ser um porto de
grandes dimensões, logo rectificado pelos americanos no que diz respeito
às dimensões… – era mais pequeno, disseram… Percebe-se.
Segundo um comandante americano na Europa, «este pequeno porto» como
diz Hillary Clinton, será uma base militar e naval da dimensão da Diego
Garcia no Oceano Indico.15
E nós, onde ficamos no retrato?
Em reuniões no Pentágono16 várias altas patentes americanas
referiram-se à acção do Africom como sendo de vital importância para os
Estados Unidos, o que já sabíamos, mas que só poderá ser realizada com
êxito em colaboração com as ex-potências coloniais, o que não sabíamos
mas suspeitávamos; mas disseram mais, referiram-se expressamente a
Portugal e à Grã-Bretanha.
Assim se compreende a intensa actividade diplomática da Africom em
Portugal; a embaixadora Mary Carlin Yates, vice-comandante da Africom
para as questões civis-militares17, esteve em Portugal para reuniões com
responsáveis militares (?) e disse ser «muito importante que ouçamos e
aprendamos com os nossos parceiros europeus, especialmente uma nação
como Portugal com uma história naquele continente que penso terá muitas
lições a ensinar-nos» – e continuou referindo-se ao general Ward,
comandante do Africom – «O general que esteve cá em Junho regressou
muito entusiasmado com o diálogo que teve com os responsáveis militares e
civis e pediu-me para vir e aprofundar o diálogo»18.
De facto o general Ward, que já tinha cá estado em 2008, voltou em
23 de Junho passado, para um Seminário de Dirigentes Seniores da
Africom, realizado no nosso país por insistência das autoridades
portuguesas19 – esta «insistência» diz bem do tipo de gente que está no
Palácio das Necessidades – ministro, assessores, Governo, todos eles são
a pandilha anti-patriótica e de traição nacional.
O general, que se fez acompanhar por William Bellamy, director dos
Estudos Estratégicos Africanos dos Estados Unidos, e por Johnnie Carson,
sub-secretário de Estado americano para os assuntos africanos,
enfatizou «a parceria e comuns objectivos que temos com Portugal e os
outros países lusófonos»20.
Mais claros não podiam ser e os perigos são evidentes: os
americanos, com o total apoio do Governo português, vão arrastar o país
para a nova aventura africana do imperialismo ianque, a qual já começou
mas ninguém sabe como vai acabar; quantas vidas se vão perder, quantos
cortes se tem que fazer no orçamento da saúde e da educação para pagar
esta aventura?
A recente compra dos famigerados submarinos é o primeiro capítulo;
se alguns dos nossos leitores ainda não sabem para o que servem, ou
estão inclinados a aceitar os argumentos estafados do governo21 de
«necessidades da defesa nacional», deixo-vos com esta notícia
transmitida pela BBC em 22 de Junho passado e confirmada junto de fontes
oficiais holandesas: «No mês passado a Holanda concordou com o pedido
da NATO para enviar um submarino para as costas da Somália».
Agora já sabemos para que servem os submarinos. Esta não é a única
razão, mas é uma das razões, pela qual desfilaremos em Lisboa no próximo
dia 20, sob o lema Paz Sim – NATO Não.
__________________
Notas:
1 Relatório do National Energy Policy Development Group (págs. 25 e 71) – 16 de Maio de 2001.
O grupo de trabalho que redigiu o relatório, feito em secretismo, era dirigido pelo vice-presidente Dick Cheney e dele faziam parte os presidentes das maiores multinacionais no domínio energético.
2 Idem (pág. 127).
3 in CFR – National Security Consequences of U.S. Oil Dependency – (pág. 31) – Outubro de 2006.
Quem, de facto, dirige a política externa dos Estados Unidos é, desde 1921, o Council on Foreign Relations dele fazendo parte as personagens mais agressivas do imperialismo. O jovem senador Barak Obama era um dos seus membros.
4 Kjell Aleklett – Association for Study of Peak Oil and Gas.
5 ECOWAS – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Angola, Chade, Guiné Equatorial, Gabão e Nigéria).
6 Idem 2 – (pág. 133).
7Idem.
8 in A Manifesto for the Fast World – New York Times Magazine, Março, 1989.
9 Center for American Progress – Rebecca Lefton e Daniel J. Weiss – Janeiro de 2010
10 Governólio – Governo do Petróleo
11 CSIC – Center for Strategic and International Studies
12 Andrew Hansen – Council on Foreign Relations, 8 de Fevereiro de 2008.
13 Stephanie Hanson – U.S. Africa Command, 3 de Maio de 2007.
14 Militares africanos amigos
15 in John Bellamy Foster – Main basse sur l’Afrique: la stategie de l’empire pour contrôler le continent.
16 Designação que se dá ao edifício do Ministério da Defesa, em Washington.
17 Nenhum Comando dos Estados Unidos (são seis) tem um civil como segundo comandante. A indigitação de um diplomata para este posto é indicadora da importância que os EUA dão à Africom, e a necessidade que têm de obrigar a compromissos políticos e militares com outros países.
18 Lusa
19 Afirmação de William Bellamy na conferência de imprensa realizada em Lisboa em 23 de Junho de 2010.
20 General William Ward em 1 de Julho de 2010, dirigindo-se ao pessoal da Africom.
21 O PS, o PSD e o CDS estiveram comprometidos na aquisição dos submarinos. Para mais sobre o assunto ver Avante! de 21 de Janeiro de 2010.
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Notas:
1 Relatório do National Energy Policy Development Group (págs. 25 e 71) – 16 de Maio de 2001.
O grupo de trabalho que redigiu o relatório, feito em secretismo, era dirigido pelo vice-presidente Dick Cheney e dele faziam parte os presidentes das maiores multinacionais no domínio energético.
2 Idem (pág. 127).
3 in CFR – National Security Consequences of U.S. Oil Dependency – (pág. 31) – Outubro de 2006.
Quem, de facto, dirige a política externa dos Estados Unidos é, desde 1921, o Council on Foreign Relations dele fazendo parte as personagens mais agressivas do imperialismo. O jovem senador Barak Obama era um dos seus membros.
4 Kjell Aleklett – Association for Study of Peak Oil and Gas.
5 ECOWAS – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Angola, Chade, Guiné Equatorial, Gabão e Nigéria).
6 Idem 2 – (pág. 133).
7Idem.
8 in A Manifesto for the Fast World – New York Times Magazine, Março, 1989.
9 Center for American Progress – Rebecca Lefton e Daniel J. Weiss – Janeiro de 2010
10 Governólio – Governo do Petróleo
11 CSIC – Center for Strategic and International Studies
12 Andrew Hansen – Council on Foreign Relations, 8 de Fevereiro de 2008.
13 Stephanie Hanson – U.S. Africa Command, 3 de Maio de 2007.
14 Militares africanos amigos
15 in John Bellamy Foster – Main basse sur l’Afrique: la stategie de l’empire pour contrôler le continent.
16 Designação que se dá ao edifício do Ministério da Defesa, em Washington.
17 Nenhum Comando dos Estados Unidos (são seis) tem um civil como segundo comandante. A indigitação de um diplomata para este posto é indicadora da importância que os EUA dão à Africom, e a necessidade que têm de obrigar a compromissos políticos e militares com outros países.
18 Lusa
19 Afirmação de William Bellamy na conferência de imprensa realizada em Lisboa em 23 de Junho de 2010.
20 General William Ward em 1 de Julho de 2010, dirigindo-se ao pessoal da Africom.
21 O PS, o PSD e o CDS estiveram comprometidos na aquisição dos submarinos. Para mais sobre o assunto ver Avante! de 21 de Janeiro de 2010.
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