Por Mauro Malin no Observatório da Imprensa |
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A discussão sobre concessões de rádio e televisão pertencentes a parlamentares, antiga neste Observatório (ver "Ministério Público propõe anulação de concessões"), voltou à tona com a entrevista do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que foi manchete na Folha de S.Paulo
de sexta-feira (7/1). Ele disse à repórter Elvira Lobato que "político
não deve ganhar TV e rádio", mas opinou também que essa proibição ‒
fixada no texto da Constituição de 1988 e reiterada na legislação
deixada pelo governo Lula para o atual governo levar ao Congresso ‒ tem
poucas possibilidades de aprovação devido ao elevado número de políticos
eleitos em 2010 para o parlamento federal que declararam ter concessões
(ver aqui e aqui, entrevistas do ministro à Folha e ao Estado de S.Paulo). Para que se entenda por que conceder emissoras de rádio e televisão a parlamentares contraria a Carta desde sua promulgação, há quase 22 anos, vale citar o que escreveu neste OI Venício A. de Lima, em agosto de 2005, no artigo "As bases do novo coronelismo eletrônico": Paulo Bernardo informou que 61 parlamentares federais declararam ser detentores de concessões. Desde logo, fica aqui a sugestão de que se divulgue imediatamente essa lista, para que os cidadãos possam formar opinião sobre o quadro atual. A esse número deve ser somado o de senadores em meio de mandato concessionários de rádio e/ou televisão, caso notório do presidente da Casa, José Sarney. Segundo Bernardo, "é mais fácil iniciar um processo de impeachment de um presidente do que rejeitar a renovação de uma concessão de rádio ou de TV". A dificuldade é ainda maior, acrescente-se para argumentar, levando-se em conta que também foram eleitos muitos deputados estaduais donos de emissoras, para não falar de vereadores em meio de mandato. O texto constitucional não menciona esses detentores de mandatos, mas se deduz que eles também seriam atingidos por uma nova regulamentação, para que o jogo não fique desequilibrado exatamente nos locais em que se dão os embates eleitorais. Em outras palavras, não tem sentido proibir que um deputado federal seja dono de emissora e permitir que, na mesma região em que ele disputa votos, um deputado estadual, eventualmente aliado de um candidato rival, o seja. O mesmo se diga da relação entre deputado estadual e vereador. Uma maioria sem emissoras Por outro lado, se 61 parlamentares eleitos agora declaram ser donos de emissoras, há 506 que não o são (foram eleitos 513 deputados federais e 54 senadores). Não seria possível encontrar nessa massa um grupo majoritário a favor da modernização do panorama brasileiro de radiodifusão? Não há notícia de parlamentares petistas donos de emissoras de rádio e televisão, o que, do ponto de vista da "economia doméstica", facilita a vida do ministro e da presidente Dilma Rousseff. O PT terá a partir de fevereiro a maior bancada na Câmara dos Deputados. Munição para adversários Provavelmente o ministro tem razão quanto à dificuldade de revogar concessões, mas o que está no horizonte não é o exame de casos individuais, e sim a consagração de uma regra sintonizada com o texto e o espírito da Constituição. Antes dela, a outorga de canais era feita pelo Executivo. Desde 1988, cabe ao Legislativo aprová-la. Foi um avanço na concepção, sem correspondência na prática, porque muitos dos outorgantes são outorgados. Talvez se possa chegar a uma solução em que a proibição seja estabelecida, mas para vigorar a partir de data futura. Ou seja, dando-se uma moratória aos atuais políticos que têm emissoras. O reparo que se pode fazer à sincera entrevista de Paulo Bernardo é que ela sinaliza uma acomodação ao statu quo. E, com isso, enfraquece politicamente a ação do governo. Qualquer parlamentar poderá argumentar, coberto de razão, que o próprio ministro das Comunicações reconheceu que o assunto é no mínimo delicado. As afiliadas, as afiliadas... Não é só no Congresso Nacional que há dificuldade para combater o coronelismo eletrônico. Na sexta-feira (7/1) em que Paulo Bernardo foi manchete da Folha, o Jornal Nacional não tugiu nem mugiu sobre o assunto. Que diferença em relação à véspera, quando, como notou Alberto Dines no tópico "Pauta perversa", o JN repercutiu "em grande estilo" a manchete jornalisticamente implausível (nos dois sentidos, principalmente o etimológico) da mesma Folha sobre os passaportes dos filhos de Lula, esse tema de grande magnitude política e relevância social. Dessa vez, a manchete da Folha não mereceu nem a chamada "nota ao vivo", sem imagens. Gosto não se discute, apenas se lamenta? Não é bem assim. O Jornal da Cultura da mesma noite fez uma boa reportagem sobre o assunto. Lembrou que, além do já citado Sarney, o também senador Fernando Collor é sócio de uma rede de comunicação em Alagoas, o deputado ACM Neto é sócio da Rede Bahia, o deputado Jorginho Maluly é dono de uma rede no interior paulista. Entre tantos outros eminentes representantes do povo. A Globo nunca tocou nesse assunto. E não está sozinha em seu silêncio. Essas emissoras e redes locais são... afiliadas das grandes redes. Trata-se de uma mistura de política com o negócio da comunicação. E vice-versa: o negócio da comunicação vai incomodar políticos que são seus parceiros? Sem chance. Ou seja, se depender da mais poderosa mídia do país, a televisão, o povo, salvo o traço de audiência da TV Cultura, não vai nem saber que o problema existe. |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sábado, 8 de janeiro de 2011
Ministro admite derrota antes do jogo
Colônia: a mais majestosa catedral alemã
A
opinião é praticamente unânime: a Catedral de Colônia é o prédio sacro
mais famoso da Alemanha. Sua história se inicia em 1164, quando o
imperador alemão Frederico Barba Roxa saqueou Milão, transferindo os
supostos restos mortais dos Três Magos para a cidade renana de Colônia.
Esta transformou-se em local de peregrinação, e a afluência de fiéis era
tão grande que a catedral da época não a comportava.
Bildunterschrift:
Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Catedral de Colônia à
noiteEm 1248 o arcebispo Konrad von Hochstaden lançava a pedra
fundamental do novo santuário. A planta era de Mestre Girard, trazido
especialmente de Amiens, França. Inspirada em modelos franceses, a
catedral foi projetada no estilo predominante na época, o gótico. Mas a
moda passa, e em 1560 a construção foi interrompida, pois para os
renascentistas o gótico estava totalmente ultrapassado, e faltava
dinheiro à cidade.
A segunda fase teve que esperar quase 300 anos.
Em 1794, com a ocupação da cidade por Napoleão Bonaparte, a casa de
orações serviu até como depósito de armas. Mas em 1842, Frederico
Guilherme 4º, rei da Prússia, ordenou a continuação das obras, sob a
direção do arquiteto Ernst Friedrich Zwirner. Assim o soberano
protestante angariava a simpatia da maioria católica de Colônia. A
inauguração da “rainha das catedrais” realizou-se em 15 de outubro de
1880, 632 anos após o início da construção.
Tesouro de 6900 metros quadrados
Bildunterschrift:
Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Reis Magos, trazidos
de Milão a Colônia em 1164 A catedral – ou Dom – é o principal
cartão-postal de Colônia. Com 157 metros de altura, suas torres podem
ser vistas de praticamente qualquer ponto da cidade, que tem um perfil
plano. Somente o Portal de São Pedro, na face norte, ornamentado com
estátuas dos 12 apóstolos, data do século 14; os demais arcos são do
século 19. A porta principal mostra a passagem do Antigo ao Novo
Testamento, de Adão e Eva até Jesus; a dos Reis Magos traz santos, reis,
bispos e missionários; o portal da lateral sul é marcado pelo estilo
neogótico.
Seu interior tem uma área de 6900 metros quadrados,
divididos em cinco naves e sete capelas. Ele ostenta desde afrescos do
século 14 a vitrais no estilo romântico. As duas naves principais, com
43 metros de altura, estão dispostas em forma de cruz. O coro, com 104
bancos de carvalho esculpido, é o maior da Alemanha. Aqui, a sensação de
profundidade e altura é realçada pelas colunas lisas, formando arcos
pontiagudos ao encontrar o teto. A iluminação diurna fica a cargo dos
dez mil metros quadrados de janelas, parte das quais coberta com vitrais
coloridos.
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der
Bildunterschrift: Fiéis oram na catedralObservar “ao vivo” as
imponentes proporções dessa catedral impressiona mesmo aqueles que a
conhecem de fotografias. O ponto alto de uma visita a este monumento
arquitetônico é o sarcófago dos Reis Magos, guardado numa redoma de
vidro. A arca que abriga as relíquias foi concluída em 1181 pelo artesão
francês Nicolas de Verdun. Trata-se de uma obra-prima em ouro, prata e
esmalte.
Patrimônio ameaçado
Após sobreviver a duas guerras
mundiais (e a 14 bombas na segunda), o Dom tem que ser continuamente
restaurado. Os técnicos de uma oficina permanente experimentam, por
exemplo, diversas maneiras de livrar sua superfície externa da pátina
negra que a cobre há décadas.
Bildunterschrift: Großansicht des
Bildes mit der Bildunterschrift: Catedral de Colônia ameaçada pela
especulação imobiliáriaNão apenas por razões estéticas: a poluição
atmosférica ameaça os mais de 50 tipos de pedra empregados em sua
construção. Sobretudo o calcário e o arenito vêm sendo lentamente
corroídos pela chuva ácida da região industrial.
No século 21, a
Catedral de Colônia enfrenta uma nova ameaça: a cobiça dos especuladores
imobiliários. Desde 1996 ela é Patrimônio Cultural da Humanidade
reconhecido pela Unesco, sendo uma das condições não se construírem
prédios altos em suas proximidades.
Revisão: Alexandre Schossler
Fonte: Correio do Brasil
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
AO SUL DA FRONTEIRA – Documentário de Oliver Stone
Por Ze Carlos do blog contextolivre |
Num
momento em que o Brasil elege a Sra. Dilma Rousseff como a primeira
Presidenta da República em toda sua história, quebrando com isso
preconceitos e tabus conservadores predominantes em nossa sociedade que é
ainda machista; num momento em que no Uruguai foi eleito - tal como
aconteceu com a Sra.Dilma - um ex-guerrilheiro como Presidente da
Republica, o pequeno agricultor Sr. José Mujica; num momento em que a
Sra. Cristina Kirchner poderá ser reeleita no próximo ano Presidenta da
Argentina; num momento em que o Sr. Hugo Chávez radicaliza a revolução
bolivariana da Venezuela rumo ao socialismo – nesse momento histórico
para a América Latina e mundo, surge um dos documentários mais esperados
do ano! Do aclamado diretor Oliver Stone estadunidense, “South of the
Border” é certamente um filme que irá fazer despertar muita gente!
A
imprensa latino-americana é por tradição alinhada com a norte
americana. Se pensarmos que esses grupos na verdade fazem parte de
oligarquias que não só atuam na midia, mas também nas grandes
petroleiras, nas empresas farmacêuticas multinacionais, nos grandes
bancos, etc. e que detém cerca de 80% de todos os canais de TV, das
rádios, jornais e revistas do mundo ocidental, fica fácil saber o porquê
desse alinhamento.
E
não é difícil notar que tais grupos constantemente influenciam a
opinião pública através de notícias plantadas, embasadas na idéia
equivocada de que sempre estamos sendo ameaçados por alguma terrível
nação ou ditador, que merecem, por isso, serem alvos de golpes de Estado
e Guerras (caso típico da guerra contra o terrorismo desencadeada pelos
Estados Unidos em nível mundial ou do medo de que as necessárias
mudanças estruturais realizadas nos paises periféricos possam ameaçar o
“establishiment neoliberal” dos paises centrais.
Mas,
nos últimos anos, a América do Sul mudou radicalmente a forma de ver
seus governantes. Apesar de 95% da mídia tradicional massacrar
diariamente os presidentes “desobedientes” em relação às políticas dos
Estados Unidos, todos contando com enorme apoio popular, mas mesmo assim
o povo está reagindo e por isso tais governantes continuam sendo
eleitos ou reeleitos.
Provavelmente
o mais desobediente de todos seja Hugo Chávez, e que por isso seja tão
demonizado por quase toda a mídia internacional. Essa demonização é
arquitetada atualmente pela Sra. Hillary Clinton digna representante do
sionismo internacional que juntamente com seus aliados capitalistas
europeus ocidentais estão substituindo à altura o renegado e odiado
George W. Bush e seus aliados neoconservadores.
O
documentário visa justamente quebrar alguns dos mitos criados pela
mídia oligárquica, desmascararando as mentiras noticiadas frequentemente
e trazendo uma mensagem de esperança para o surgimento de sociedades
mais justas e equânimes. A Integração Latina Americana, está atualmente
embasada no fortalecimento do MERCOSUL, da UNASUL (União das Nações da
América do Sul), do BANSUL (Banco do Sul), da TELESUL, da ALBA (Aliança
Bolivariana dos Povos das Américas) e da futura CELAC (Comunidade dos
Estados Latino-Americanos e Caribenhos) onde os Estados Unidos e Canadá
não participarão. Uma integração não meramente de retórica, mas
extremamente prática e objetiva.
A presidenta e democracia para o STF
Precisamos que o STF seja uma Corte verdadeiramente constitucional, eliminando a competência de patamar recursal
Kenarik Boujikian Felippe no Correio do Brasil
A
primeira presidenta brasileira nomeará nos próximos quatro anos, ao
menos, três ministros(as) para o Supremo Tribunal Federal, foco das
discussões sobre a reforma do sistema político e que conta com a
preocupação dos movimentos sociais, particularmente com a democratização
e transparência do Poder Judiciário.
Pesquisa do Ipea, produzida
por Fabio de Sá e Acir Almeida, apurou a mísera nota 4,55 para a
Justiça, considerada em duas vertentes: acesso aos meios pelos quais os
direitos podem se tornar efetivos e oferta, no sentido coletivo de
cidadania, no qual todos são iguais, o que indica que um novo formato de
Justiça precisa ser construído para o povo brasileiro.
Precisamos
que o STF seja uma Corte verdadeiramente constitucional, eliminando a
competência de patamar recursal; necessário fixar mandato razoável para
os ministros, para que não ocorra o engessamento do poder; os institutos
criados pelo legislativo, em 2004, urgem revisão, especialmente a
súmula vinculante, que tem força maior que a lei, produzida por 2/3 dos
onze ministros, o que vulnera o sistema e transforma o Judiciário em
verdadeiro Legislativo.
O STF é protagonista na vida política do
país, o intérprete final da Constituição Federal e deve ser garantidor
dos direitos humanos. O serviço jurisdicional afeta diretamente a vida e
os interesses de cada cidadão e cidadã, o conjunto da sociedade e o
Estado. Tem parcela de poder decisivo na organização das relações
sociais públicas e privadas.
A nomeação dos ministros deve contar
com efetiva participação social, aprofundando o princípio democrático
que está a exigir que a sociedade brasileira tenha reconhecido o direito
de se manifestar sobre os juristas passíveis de indicação pela
presidenta, desde as legítimas expectativas populares e das entidades da
sociedade civil organizada. Um dos pleitos de organizações sociais é
que o efetivo compromisso com os direitos humanos seja principal
critério para a nomeação, na perspectiva que o Poder Judiciário é
instrumento de concretização dos direitos econômicos, sociais e
culturais.
É premente estabelecer um processo político
democrático, marcado pela transparência, para a nomeação dos ministros,
com a adoção de procedimento que permita a máxima divulgação do
histórico dos juristas que são considerados para integrar o STF, de modo
a possibilitar o conhecimento público da trajetória política e
profissional e demarque período para o debate e manifestação formal dos
cidadãos, associações e entidades acerca dos candidatos indicados.
A
implementação deste mecanismo de participação social, pode ser
realizada pela presidenta da repúbica, desde já, como requerido pela
Associação Juízes para a Democracia, pois independe de reforma
constitucional, já que não vulnera o poder de indicação, como ocorreu na
Argentina, possibilitando que a sociedade indique aspectos relevantes,
como legitimidade e representação social de cada pretensão, vinculação
dos postulantes com os fundamentos constitucionais da cidadania, da
dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa e seus compromissos com os objetivos constitucionais de
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de erradicação da
pobreza e da marginalização social, da redução das desigualdades
regionais, e da promoção do bem de todos, tudo de forma transparente e
fundamentada.
Democratizar a justiça é preciso.
Kenarik
Boujikian Felippe, juíza de direito em SP, especialista em Direitos
Humanos pela ESPGE/SP e Alessandro da Silva, juiz do trabalho em SC,
membros do Conselho da Associação Juízes para a Democracia.
Ótimo texto de Juremir Machado sobre o "caso ronaldinho"
Ronaldinho e o Grêmio, o preço de uma traição
Muito estranho esse caso Ronaldinho.É puro Nelson Rodrigues.
Sabem, o cronista que tratava das fantasias mais absurdas de cada um, por exemplo, a dona de casa paquidérmica que desenhava cacetinhos na parede do banheiro?
Ronaldinho traiu o Grêmio.
É assim que pensam os gremistas. Sempre pensaram assim.
Mas Ronaldinho é gostoso.
Marido traído, o Grêmio nunca esqueceu.
A paixão se alimenta da falta.
Quando mais Ronaldinho brilhava, mais o Grêmio sofria.
E mais os colorados flauteavam.
O Grêmio nunca perdeu a esperança de apagar essa mancha, eliminar essa traição, cortar esse passado.
Finalmente parece que Ronaldinho está disposto a perdoar o Grêmio por ter traído o triciolor gaúcho.
Hiltor Mombach tem razão: o preço desse perdão é caro: 60 milhões por quatro anos.
Quase o valor que o Grêmio obterá vendendo o Olímpico.
O Grêmio poderia entregar o Olímpico diretamente para o Ronaldinho, que ali poderia instalar o Porto Alegre.
Talvez seja isso que falte para a assinatura do contrato.
Ronaldinho convenceu-se de que é um traidor.
Quer perdoar o Grêmio para se redimir.
O Grêmio está disposto a entregar sua casa para limpar sua honra.
A torcida do Grêmio zomba dos colorados: Dunga deu um chapeuzinho em Dunga.
Dunga responde: "Em mim e em toda a torcida do Grêmio".
O Grêmio quer tirar esse segundo chapeuzinho da imagem, reescrever a história, pagar o perdão.
Assis Moreira explora o tesão recolhido do Grêmio.
Mostra que muitos outros desejam Ronaldinho.
O Grêmio desespera-se, oferece mais, compromete o futuro, empenha o presente, tudo para mudar o passado.
Tudo para dizer: ele voltou, ele é nosso, sempre foi nosso, ele nos ama, sempre nos amou.
Amor tem preço.
Ronaldinho foi de graça.
Volta pelo reles valor de um estádio, o Olímpico Monumental.
Flauta ou desespero de colorado?
Certamente.
Mas também um pouco mais do que isso.
Ronaldinho quer ser absolvido.
O Grêmio quer perdoar.
Só que quem tem a força é Ronaldinho.
Impõe a lei do perdão.
Dirá, descendo do helicóptero: eu perdoo o Grêmio por ter me obrigado a traí-lo.
O Grêmio, de joelhos, beijará os pés do seu amor.
A traição já não existirá.
Fonte: Correio do Povo de 07/01/2011
O levante contra o “gasolinazo” na Bolívia
A cidade de El Alto viveu outro momento
histórico ao protagonizar fortes protestos, desta vez contra uma
proposta do governo Evo Morales. A mobilização foi contra o decreto 478
do presidente boliviano, apelidado de “gasolinazo” que, segundo os
setores sociais mobilizados, afetava gravemente suas magras economias ao
provocar um aumento de passagens de ônibus, de alimentos e outros
produtos entre 100 e 150%. Diante dessa mobilização, na noite de 31 de
dezembro de 2010, Evo Morales viu-se obriga a revogar o decreto.
Pablo Mamani Ramirez - Sin Permiso via Carta Maior
O contexto e os fatos
Depois
daquelas históricas jornadas de outubro de 2003, quando se derrubou o
presidente neoliberal, Gonzalo Sánches de Lozada, e de maio-junho de
2005, quando se impediu que Hormando Vaca Diez (então presidente do
Senado e representante da oligarquia cruceña) assumisse a presidência da
República, nos dias 30 e 31 de dezembro, El Alto novamente protagonizou
outro momento histórico ao viver o terceiro dia de greve total para
derrotar o “gasolinazo” sem a prévia convocação de entidades como a
Federação de Juntas Vicinais (Fejuve-El Alto), a Central Obrera Regional
de Alto e os sindicatos. A mobilização foi contra o decreto 478 de Evo
Morales, apelidado de “gasolinazo”, que segundo os setores sociais
mobilizados afetava gravemente suas magras economias ao provocar um
aumento de passagens de ônibus, de alimentos e outros produtos entre 100
e 150%. Diante dessa mobilização, na noite de 31 de dezembro de 2010,
Evo Morales viu-se obrigado a revogar o decreto.
O decreto governamental de 26 de dezembro autorizava a elevação do preço da gasolina e do diesel em 83 e 72%, respectivamente, algo que não ocorria há muito tempo, inclusive nos chamados governos neoliberais. O argumento central do governo era que o aumento devia-se à necessidade de nivelar os preços dos combustíveis aos praticados internacionalmente e, assim, combater o contrabando desses produtos. Segundo o governo, a situação atual estaria sangrando a economia do Estado em 380 milhões de dólares anuais, dos quais 150 milhões seriam efetivamente produto de contrabando. A gasolina e o diesel na Bolívia são efetivamente mais baratos que em outros países vizinhos como Peru ou Brasil. Mas isso, segundo os moradores mobilizados de El Alto e os movimentos indígenas, não deveria ser enfrentado deste modo, tratando-se de um governo de esquerda, reeleito com 64% de apoio da população e com 81% de apoio na cidade de El Alto.
O discurso presidencial da noite de 29 de dezembro foi qualificado por muitos setores de El Alto como falso, demagógico e discriminador porque aumentava em 20% os salários de quatro categorias apenas (magistério, saúde, polícia e militares), deixando de fora os demais trabalhadores, os camponeses indígenas originários, pequenos comerciantes e profissionais autônomos. Denunciou-se uma visão classista do governo ao oferecer um aumento salarial a setores assalariados, sem apresentar explicitamente nem um aumento ou benefício para os setores não assalariados, apenas a criação de um seguro agrícola para os pequenos produtores e camponeses e projetos de irrigação (300 mil dólares por município) para muitos lugares do país.
Em síntese, muitos setores sociais de El Alto (como o Comitê de Emergência contra o gasolinazo composto por organizações independentes de diferentes setores não alinhados a organizações partidárias do governo) e de outras regiões do país pediram a imediata revogação ou anulação do decreto 748 (que finalmente acabou ocorrendo), sob o risco de radicalização das medidas de pressão a partir do dia 3 de janeiro de 2011. Neste processo, é certo, também atuaram os interesses da direita e dos grupos de poder que querem provocar o colapso do governo, movimento este rechaçado pelos setores de El Alto.
“Repudiamos as ações oportunistas do Partido Sem Medo (do ex-prefeito de La Paz), dos representantes da oligarquia cruceña e paceña e do Comitê Cívico de Santa Cruz, que distraem a opinião pública com suas marchas e discursos em defesa dos setores sociais pobres e vilipendiados há mais de 518 anos...” (Comitê de Emergência contra o gasolinazo, 30/12/2010).
As mobilizações sociais de 30 de dezembro envolveram marchas em La Paz e em vários outros departamentos (Oruro, Potosi, Cochabamba, Santa Cruz e localidades mineiras de Mmallagua, Uncia e na própria região de Chapare-Ivirgarzama, onde ocorreu um bloqueio de estrada entre Cochabamba e Santa Cruz pelos mesmos cocaleros de onde provem Evo Morales), queima de alguns edifícios governamentais (como a vice-presidência de Estado e alguns ministérios), de sedes de organizações qualificadas de “oficialistas”, e do pedágio entre El Alto e La Paz), gritos de “renúncia” do presidente e de anulação do mencionado decreto.
No que se refere à cidade de El Alto (a 4 mil metros acima do nível do mar), alguns desceram para La Paz (sede política) no dia 30 de dezembro e outros, como foi dito acima, tomaram e destruíram com pedradas a chancela de pedágio da autopista El Alto – La Paz), que ficou em escombros. Também incendiaram algumas instalações do governo. Outro lugar atacado com muita força foi o edifício da Fejuve-El Alto e da COR-El Alto, cujos dirigentes foram acusados de “vendidos” ao governo e de “traidores” das lutas de outubro e também por estar divididos entre a facção de Braulio Luna (MAS) e Fany Nina (MSN). O edifício da Fejuve teve os vidros destroçados e as portas de ferro quebradas, do mesmo modo que o edifício da COR-El Alto, que teve móveis e papéis incendiados. No meio do tumulto apareceu um jovem encapuzado com um velho fuzil Mauser nas mãos pedindo ao governo que revogasse o decreto.
Nestas manifestações, escutaram-se gritos de “Evo e Goni, a mesma porcaria”, “El Alto de pé, nunca de joelhos”, “renúncia de Álvaro Garcia Linera e Evo Morales” ou “referendum revocatório”, “anulação do decreto 748”. Na manhã do dia 30, também tentou se atacar a prefeitura de El Alto (hoje dirigida por Edgar Patana, ex-dirigente da COR-El Alto); à noite, a prefeitura foi incendiada, acusada de cúmplice do “gasolinazo”. Um conjunto de grupos dispersos em diferentes lugares de El Alto se juntaram neste dia para atacar o pedágio da autopista, como já mencionado. Também se tentou tomar os escritórios do próprio prefeito Edgar Patana, localizado na avenida 6 de março. Participaram ainda das marchas setores como o Conselho Nacional de Ayllus e Markas de Qullasuyu (Conamaq), que critica o governo no tema da mineração e contaminação (caso de Corocoro), e também diferentes distritos da cidade de El Alto, além de jovens das ladeiras de La Paz. Ou seja, foi uma jornada muito tensa que faz parte de um crescente descontentamento da população ante o gasolinazo e outras leis que foram aprovadas sem muito diálogo com diferentes setores sociais.
Na noite do dia 30, todas as mobilizações foram minimizadas pelo ministro Sacha Llorenti. No entanto, a verdade é que ocorreram grandes mobilizações e atos de protesto em diferentes lugares do país. Por outro lado, é preciso considerar as diferentes naturezas das mobilizações na cidade de Santa Cruz, por exemplo, onde existe uma férrea oposição ao governo de Evo Morales há muito tempo, e onde nestes dias voltaram a se ouvir frases como “esse índio não sabe governar”. Neste ponto, muitos setores, tanto nos Andes como no Oriente, se diferenciaram dos discursos da liderança cruceña.
Algumas considerações finais
O governo, com a medida tomada, estava dando uma clara guinada na direção de um liberalismo de mercado com rosto índio, pois reaparecia de forma oficial a lei de oferta e procura. Além disso, era um reconhecimento explícito do fracasso da “nacionalização dos combustíveis”. Sobre esse ponto, anunciava-se que se abririam incentivos a investimentos das petroleiras transnacionais para atividades de perfuração e exploração, e a venda de combustíveis no mercado nacional e internacional, ainda que de forma mediada pelo Estado.
Também foi possível notar que o governo favorecia setores do poder econômico do país, dado que subvencionava os grandes empresários da soja, ainda que também tenha sido anunciado um apoio a pequenos médios produtores deste produto.
Neste sentido, fica claro que a descolonização do Estado está se convertendo em uma falsa descolonização. Porque, de todos os modos, está vigente e até ampliado o estado colonial e liberal dado que se mantém as matrizes centrais do exercício do poder em uma lógica de mando – obediência que é uma das características do estado liberal-colonial. É evidente, cabe reconhecer, que há um grande reconhecimento dos setores mais vilipendiados por mais de 518 anos. O Estado, no sentido anterior, se ampliou, mas ao mesmo tempo estava retornando abertamente à lógica de livre mercado, com o predomínio da oferta e procura dos produtos, particularmente dos setores não assalariados. E os setores assalariados estavam sujeitos aos aumentos autorizados pelo governo, particularmente para o setor público. Para o setor privado se abriria uma negociação, algo até pouco não reconhecido pelo governo, entre o empregador e o empregado para aumentar ou não os salários.
Pelo que se percebeu, predominou uma clara visão de classe média urbana, favorecendo setores tradicionais da administração pública que, em 2011, teriam um duplo benefício, enquanto os indígenas, camponeses e pequenos comerciantes urbanos não gozariam destes mesmos duplos benefícios.
Por outra parte, o presidente acusou mulheres de serem grandes contrabandistas – dizendo que usavam mamadeiras para tanto – e homens também, por meio de cinturões de gasolina ou diesel. Esta acusação causou uma grande indignação entre os setores mobilizados da população, porque voltou-se a humilhar o povo pobre, sem que se notasse ou anunciasse sanções para os grandes contrabandistas que são grandes empresários e políticos.
Neste sentido, pode-se dizer que El Alto uma vez mais mostrou uma grande capacidade de mobilização e, inclusive, de ações radicais, para fazer-se escutar e deixar claro seu grande mal estar social, ainda que o ministro Sacha Llorenti tenham minimizado e qualificado estas ações como partindo de pequenos grupos e de vândalos. A mensagem deixada pelas manifestações é clara: se não houver um redirecionamento nas políticas públicas e nas leis propostas na Assembleia Plurinacional, poderemos voltar a viver as mesmas jornadas de outubro de 2003 e 2005 nesta cidade e no resto do país. Essa afirmação fundamenta-se no que foi observado nos três últimos três dias de mobilizações, no que ocorreu em outras cidades e nos anúncios de que no dia 3 de janeiro de 2011 as mobilizações voltariam com grande força até atingir seu objetivo: anulação ou renúncia.
Neste contexto, as lideranças ligadas ao governo foram atropeladas pelos jovens estudantes, mães de família, desempregados, profissionais autônomos e trabalhadores. Em meio a isso, o Movimento Se Medo, do ex-prefeito de La Paz, e a Unidade Nacional (UN), de Doria Medina (centro-direita e direita, respectivamente), em uma clara disputa com o MAS, tentaram se aproveitar da situação. A respeito do atropelo das lideranças mencionado acima, um dos documentos do Comitê de Emergência sustenta que “se levanta o quarto intervalo das lutas de outubro de 2003” para seguir lutando por uma verdadeira descolonização ou, finalmente, a destruição do estado colonial-liberal.
Ante a gravidade dos fatos não restava ao governo revogar o mencionado decreto. Do contrário, as oligarquias de Santa Cruz, La Paz e Cochabamba estavam dispostas a aproveitar este fato para tentar derrubar o próprio governo de Evo Morales. Neste sentido, foram muito claros ao kataristas-indianistas e o Comitê de Emergência de El Alto contra o gasolinazo, marcando sua distância daqueles grupos de poder corporativo que ainda não foram desmantelados pelo governo. Ainda que o governo desclassifique taxando como de direita a qualquer crítica e ação de mobilização. Fato este que produziu e produz uma indignação ainda maior em muitos setores que não fazem parte de nenhuma direita. Isso é muito claro, ao menos na cidade de El Alto. O fato somente obedece a um grande mal estar social em seus diferentes níveis ou camadas sociais de El Alto e de outras cidades. El Alto segue sendo uma grande referência da luta social por maior justiça social, respeito à vida e por uma real ou total transformação do estado colonial liberal.
Finalmente, com os graves ocorridos em El Alto e em todo o país, aqui analisados, cai por todos os lados a tese do vice-presidente Garcia Linera de que acabaram os grandes problemas estruturais da Bolívia. E a anulação do decreto é parte disso. Os acontecimentos dos últimos dias falam de uma crise muito profunda do tipo de estado liberal-colonial vigente, ainda que ele se apresente com uma “blindagem plurinacional”. Neste sentido, pode-se dizer que não houve nenhuma bifurcação entre o modelo de “estado aparente” e o “novo estado plurinacional”. Pelo contrário, ampliou-se abertamente o estado liberal-colonial, mas com um discurso de esquerda que é o mais chamativo. Como resultado desse processo, caiu a popularidade de Evo Morales em apenas três dias e sua imagem de um presidente honesto, popular e pró-indígena ficou gravemente arranhada, assim como o chamado processo de mudança.
Neste sentido, o projeto de “reforma do Estado” foi colocado sob grave questionamento, fazendo renascer duas grandes visões e projetos históricos que foram analisados em outros trabalhos nossos. A primeira é a conservadora, oligárquica, colonial e liberal, que não quer nenhuma mudança. A outra é a de uma total e verdadeira transformação do Estado, ou mesmo destruição do estado colonial, que vem de setores populares e do katarismo-indianismo e de outros setores ainda não muito visíveis. Pelo que, pode-se dizer que a Bolívia segue sendo um grande campo de luta pelo poder.
(*) Pablo Mamani Ramírez é aymara e sociólogo, responsável pela revista Willka, e estudiante de pós-graduação em Estudos Latinoamericanos da UNAM-México.
Tradução: Katarina Peixoto
O decreto governamental de 26 de dezembro autorizava a elevação do preço da gasolina e do diesel em 83 e 72%, respectivamente, algo que não ocorria há muito tempo, inclusive nos chamados governos neoliberais. O argumento central do governo era que o aumento devia-se à necessidade de nivelar os preços dos combustíveis aos praticados internacionalmente e, assim, combater o contrabando desses produtos. Segundo o governo, a situação atual estaria sangrando a economia do Estado em 380 milhões de dólares anuais, dos quais 150 milhões seriam efetivamente produto de contrabando. A gasolina e o diesel na Bolívia são efetivamente mais baratos que em outros países vizinhos como Peru ou Brasil. Mas isso, segundo os moradores mobilizados de El Alto e os movimentos indígenas, não deveria ser enfrentado deste modo, tratando-se de um governo de esquerda, reeleito com 64% de apoio da população e com 81% de apoio na cidade de El Alto.
O discurso presidencial da noite de 29 de dezembro foi qualificado por muitos setores de El Alto como falso, demagógico e discriminador porque aumentava em 20% os salários de quatro categorias apenas (magistério, saúde, polícia e militares), deixando de fora os demais trabalhadores, os camponeses indígenas originários, pequenos comerciantes e profissionais autônomos. Denunciou-se uma visão classista do governo ao oferecer um aumento salarial a setores assalariados, sem apresentar explicitamente nem um aumento ou benefício para os setores não assalariados, apenas a criação de um seguro agrícola para os pequenos produtores e camponeses e projetos de irrigação (300 mil dólares por município) para muitos lugares do país.
Em síntese, muitos setores sociais de El Alto (como o Comitê de Emergência contra o gasolinazo composto por organizações independentes de diferentes setores não alinhados a organizações partidárias do governo) e de outras regiões do país pediram a imediata revogação ou anulação do decreto 748 (que finalmente acabou ocorrendo), sob o risco de radicalização das medidas de pressão a partir do dia 3 de janeiro de 2011. Neste processo, é certo, também atuaram os interesses da direita e dos grupos de poder que querem provocar o colapso do governo, movimento este rechaçado pelos setores de El Alto.
“Repudiamos as ações oportunistas do Partido Sem Medo (do ex-prefeito de La Paz), dos representantes da oligarquia cruceña e paceña e do Comitê Cívico de Santa Cruz, que distraem a opinião pública com suas marchas e discursos em defesa dos setores sociais pobres e vilipendiados há mais de 518 anos...” (Comitê de Emergência contra o gasolinazo, 30/12/2010).
As mobilizações sociais de 30 de dezembro envolveram marchas em La Paz e em vários outros departamentos (Oruro, Potosi, Cochabamba, Santa Cruz e localidades mineiras de Mmallagua, Uncia e na própria região de Chapare-Ivirgarzama, onde ocorreu um bloqueio de estrada entre Cochabamba e Santa Cruz pelos mesmos cocaleros de onde provem Evo Morales), queima de alguns edifícios governamentais (como a vice-presidência de Estado e alguns ministérios), de sedes de organizações qualificadas de “oficialistas”, e do pedágio entre El Alto e La Paz), gritos de “renúncia” do presidente e de anulação do mencionado decreto.
No que se refere à cidade de El Alto (a 4 mil metros acima do nível do mar), alguns desceram para La Paz (sede política) no dia 30 de dezembro e outros, como foi dito acima, tomaram e destruíram com pedradas a chancela de pedágio da autopista El Alto – La Paz), que ficou em escombros. Também incendiaram algumas instalações do governo. Outro lugar atacado com muita força foi o edifício da Fejuve-El Alto e da COR-El Alto, cujos dirigentes foram acusados de “vendidos” ao governo e de “traidores” das lutas de outubro e também por estar divididos entre a facção de Braulio Luna (MAS) e Fany Nina (MSN). O edifício da Fejuve teve os vidros destroçados e as portas de ferro quebradas, do mesmo modo que o edifício da COR-El Alto, que teve móveis e papéis incendiados. No meio do tumulto apareceu um jovem encapuzado com um velho fuzil Mauser nas mãos pedindo ao governo que revogasse o decreto.
Nestas manifestações, escutaram-se gritos de “Evo e Goni, a mesma porcaria”, “El Alto de pé, nunca de joelhos”, “renúncia de Álvaro Garcia Linera e Evo Morales” ou “referendum revocatório”, “anulação do decreto 748”. Na manhã do dia 30, também tentou se atacar a prefeitura de El Alto (hoje dirigida por Edgar Patana, ex-dirigente da COR-El Alto); à noite, a prefeitura foi incendiada, acusada de cúmplice do “gasolinazo”. Um conjunto de grupos dispersos em diferentes lugares de El Alto se juntaram neste dia para atacar o pedágio da autopista, como já mencionado. Também se tentou tomar os escritórios do próprio prefeito Edgar Patana, localizado na avenida 6 de março. Participaram ainda das marchas setores como o Conselho Nacional de Ayllus e Markas de Qullasuyu (Conamaq), que critica o governo no tema da mineração e contaminação (caso de Corocoro), e também diferentes distritos da cidade de El Alto, além de jovens das ladeiras de La Paz. Ou seja, foi uma jornada muito tensa que faz parte de um crescente descontentamento da população ante o gasolinazo e outras leis que foram aprovadas sem muito diálogo com diferentes setores sociais.
Na noite do dia 30, todas as mobilizações foram minimizadas pelo ministro Sacha Llorenti. No entanto, a verdade é que ocorreram grandes mobilizações e atos de protesto em diferentes lugares do país. Por outro lado, é preciso considerar as diferentes naturezas das mobilizações na cidade de Santa Cruz, por exemplo, onde existe uma férrea oposição ao governo de Evo Morales há muito tempo, e onde nestes dias voltaram a se ouvir frases como “esse índio não sabe governar”. Neste ponto, muitos setores, tanto nos Andes como no Oriente, se diferenciaram dos discursos da liderança cruceña.
Algumas considerações finais
O governo, com a medida tomada, estava dando uma clara guinada na direção de um liberalismo de mercado com rosto índio, pois reaparecia de forma oficial a lei de oferta e procura. Além disso, era um reconhecimento explícito do fracasso da “nacionalização dos combustíveis”. Sobre esse ponto, anunciava-se que se abririam incentivos a investimentos das petroleiras transnacionais para atividades de perfuração e exploração, e a venda de combustíveis no mercado nacional e internacional, ainda que de forma mediada pelo Estado.
Também foi possível notar que o governo favorecia setores do poder econômico do país, dado que subvencionava os grandes empresários da soja, ainda que também tenha sido anunciado um apoio a pequenos médios produtores deste produto.
Neste sentido, fica claro que a descolonização do Estado está se convertendo em uma falsa descolonização. Porque, de todos os modos, está vigente e até ampliado o estado colonial e liberal dado que se mantém as matrizes centrais do exercício do poder em uma lógica de mando – obediência que é uma das características do estado liberal-colonial. É evidente, cabe reconhecer, que há um grande reconhecimento dos setores mais vilipendiados por mais de 518 anos. O Estado, no sentido anterior, se ampliou, mas ao mesmo tempo estava retornando abertamente à lógica de livre mercado, com o predomínio da oferta e procura dos produtos, particularmente dos setores não assalariados. E os setores assalariados estavam sujeitos aos aumentos autorizados pelo governo, particularmente para o setor público. Para o setor privado se abriria uma negociação, algo até pouco não reconhecido pelo governo, entre o empregador e o empregado para aumentar ou não os salários.
Pelo que se percebeu, predominou uma clara visão de classe média urbana, favorecendo setores tradicionais da administração pública que, em 2011, teriam um duplo benefício, enquanto os indígenas, camponeses e pequenos comerciantes urbanos não gozariam destes mesmos duplos benefícios.
Por outra parte, o presidente acusou mulheres de serem grandes contrabandistas – dizendo que usavam mamadeiras para tanto – e homens também, por meio de cinturões de gasolina ou diesel. Esta acusação causou uma grande indignação entre os setores mobilizados da população, porque voltou-se a humilhar o povo pobre, sem que se notasse ou anunciasse sanções para os grandes contrabandistas que são grandes empresários e políticos.
Neste sentido, pode-se dizer que El Alto uma vez mais mostrou uma grande capacidade de mobilização e, inclusive, de ações radicais, para fazer-se escutar e deixar claro seu grande mal estar social, ainda que o ministro Sacha Llorenti tenham minimizado e qualificado estas ações como partindo de pequenos grupos e de vândalos. A mensagem deixada pelas manifestações é clara: se não houver um redirecionamento nas políticas públicas e nas leis propostas na Assembleia Plurinacional, poderemos voltar a viver as mesmas jornadas de outubro de 2003 e 2005 nesta cidade e no resto do país. Essa afirmação fundamenta-se no que foi observado nos três últimos três dias de mobilizações, no que ocorreu em outras cidades e nos anúncios de que no dia 3 de janeiro de 2011 as mobilizações voltariam com grande força até atingir seu objetivo: anulação ou renúncia.
Neste contexto, as lideranças ligadas ao governo foram atropeladas pelos jovens estudantes, mães de família, desempregados, profissionais autônomos e trabalhadores. Em meio a isso, o Movimento Se Medo, do ex-prefeito de La Paz, e a Unidade Nacional (UN), de Doria Medina (centro-direita e direita, respectivamente), em uma clara disputa com o MAS, tentaram se aproveitar da situação. A respeito do atropelo das lideranças mencionado acima, um dos documentos do Comitê de Emergência sustenta que “se levanta o quarto intervalo das lutas de outubro de 2003” para seguir lutando por uma verdadeira descolonização ou, finalmente, a destruição do estado colonial-liberal.
Ante a gravidade dos fatos não restava ao governo revogar o mencionado decreto. Do contrário, as oligarquias de Santa Cruz, La Paz e Cochabamba estavam dispostas a aproveitar este fato para tentar derrubar o próprio governo de Evo Morales. Neste sentido, foram muito claros ao kataristas-indianistas e o Comitê de Emergência de El Alto contra o gasolinazo, marcando sua distância daqueles grupos de poder corporativo que ainda não foram desmantelados pelo governo. Ainda que o governo desclassifique taxando como de direita a qualquer crítica e ação de mobilização. Fato este que produziu e produz uma indignação ainda maior em muitos setores que não fazem parte de nenhuma direita. Isso é muito claro, ao menos na cidade de El Alto. O fato somente obedece a um grande mal estar social em seus diferentes níveis ou camadas sociais de El Alto e de outras cidades. El Alto segue sendo uma grande referência da luta social por maior justiça social, respeito à vida e por uma real ou total transformação do estado colonial liberal.
Finalmente, com os graves ocorridos em El Alto e em todo o país, aqui analisados, cai por todos os lados a tese do vice-presidente Garcia Linera de que acabaram os grandes problemas estruturais da Bolívia. E a anulação do decreto é parte disso. Os acontecimentos dos últimos dias falam de uma crise muito profunda do tipo de estado liberal-colonial vigente, ainda que ele se apresente com uma “blindagem plurinacional”. Neste sentido, pode-se dizer que não houve nenhuma bifurcação entre o modelo de “estado aparente” e o “novo estado plurinacional”. Pelo contrário, ampliou-se abertamente o estado liberal-colonial, mas com um discurso de esquerda que é o mais chamativo. Como resultado desse processo, caiu a popularidade de Evo Morales em apenas três dias e sua imagem de um presidente honesto, popular e pró-indígena ficou gravemente arranhada, assim como o chamado processo de mudança.
Neste sentido, o projeto de “reforma do Estado” foi colocado sob grave questionamento, fazendo renascer duas grandes visões e projetos históricos que foram analisados em outros trabalhos nossos. A primeira é a conservadora, oligárquica, colonial e liberal, que não quer nenhuma mudança. A outra é a de uma total e verdadeira transformação do Estado, ou mesmo destruição do estado colonial, que vem de setores populares e do katarismo-indianismo e de outros setores ainda não muito visíveis. Pelo que, pode-se dizer que a Bolívia segue sendo um grande campo de luta pelo poder.
(*) Pablo Mamani Ramírez é aymara e sociólogo, responsável pela revista Willka, e estudiante de pós-graduação em Estudos Latinoamericanos da UNAM-México.
Tradução: Katarina Peixoto
A luta de classes política nos Estados Unidos
O nível de corrupção política nos
Estados Unidos é assombroso. Agora tudo gira em torno do dinheiro para
as campanhas eleitorais que se tornaram incrivelmente caras. As eleições
da metade do mandato tiveram um custo estimado de US$ 4,5 bilhões, e a
maior parte desse dinheiro veio de grandes empresas e contribuintes
ricos. Estas forças poderosas, muitas das quais operando de forma
anônima sob as leis dos EUA, trabalham sem descanso para defender
aqueles que se encontram no topo da pirâmide da riqueza. O artigo é de
Jeffrey Sachs.
Jeffrey Sachs - SinPermiso via Carta Maior
Os Estados Unidos estão em rota de colisão
consigo mesmo. O acordo firmado em dezembro entre o presidente Barack
Obama e os republicanos no Congresso para manter os cortes de impostos
iniciados há uma década pelo presidente George W. Bush está sendo
saudado como o começo de um novo consenso bipartidário. Creio, ao
contrário, que é uma falsa trégua naquilo que será uma batalha campal
pela alma da política estadunidense.
Do mesmo modo que ocorre em muitos países, os conflitos sobre a moral pública e a estratégia nacional se reduzem a questões envolvendo dinheiro. Nos Estados Unidos, isso é mais certo do que nunca. O país tem um déficit orçamentário anual ao redor de US$ 1 trilhão, que pode aumentar ainda mais como resultado de um novo acordo tributário. Esse nível de endividamento anual é demasiadamente alto. É preciso reduzi-lo, mas como?
O problema é a política corrupta e a perda de moral cívica dos EUA. Um partido político, o Republicano, aposta em pouco mais do que reduzir os impostos, objetivo que coloca acima de qualquer outro. Os democratas têm um leque mais amplo de interesses, como o apoio ao serviço de saúde, a educação, a formação e a infraestrutura. Mas, como os republicanos, também estão interessados em presentear com profusão cortes de impostos para seus grandes contribuintes de campanha, entre os quais predominam os estadunidenses ricos.
O resultado é um paradoxo perigoso. O déficit orçamentário dos EUA é enorme e insustentável. Os pobres são espremidos pelos cortes nos programas sociais e um mercado de trabalho fraco. Um em cada oito estadunidenses depende de cartões de alimentação para comer. No entanto, apesar deste quadro, um partido político quer acabar com as receitas tributárias por completo, e o outro se vê arrastado facilmente, contra seus melhores instintos, na tentativa de manter contentes seus contribuintes ricos.
Este frenesi de cortes de impostos vem, incrivelmente, depois de três décadas de um regime tributário de elite nos EUA, que favoreceu os ricos e poderosos. Desde que Ronald Reagan assumiu a presidência em 1981, o sistema orçamentário dos Estados Unidos se orientou para apoiar a acumulação de uma imensa riqueza no topo da pirâmide da distribuição de renda. Surpreendentemente, o 1% mais rico dos lares estadunidenses tem agora um valor mais alto que o dos 90% que estão abaixo. A receita anual dos 12 mil lares mais ricos é maior que o dos 24 milhões de lares mais pobres.
O verdadeiro jogo do Partido Republicano é tratar de fixar em seu lugar essa vantagem de receitas e riquezas. Temem, corretamente, que cedo ou tarde todo o mundo comece a exigir que o déficit orçamentário seja atacado, em parte, elevando os impostos para os ricos. Depois de tudo o que ocorreu, os ricos vivem melhor do que nunca, enquanto que o resto da sociedade estadunidense está sofrendo. Tem todo sentido aplicar mais impostos aos mais ricos.
Os republicanos se propõem a evitar isso a qualquer custo. Até aqui tiveram êxito. Mas querem fazer com que sua vitória tática – que propõe o reestabelecimento das taxas tributárias anteriores a Bush por dois anos – seja seguida por uma vitória de longo prazo na próxima primavera. Seus líderes no Congresso já estão dizendo que vão cortar o gasto público a fim de começar a reduzir o déficit.
Ironicamente, há um âmbito onde certamente se justifica fazer grandes cortes orçamentários: as forças armadas. Mas esse é o tema que a maioria dos republicanos não vai tocar. Querem cortar o orçamento não mediante o fim da inútil guerra no Afeganistão e a eliminação dos sistemas de armas desnecessários, mas sim cortando recursos da educação, da saúde e de outros benefícios da classe pobre e trabalhadora.
Ao final, não creio que o consigam. No momento, a maioria dos estadunidenses parece estar de acordo com os argumentos republicanos de que é melhor diminuir o déficit orçamentário mediante cortes de gastos ao invés de aumento de impostos. No entanto, quando chegar a hora de fazer propostas orçamentárias reais, haverá uma reação cada vez maior.
Prevejo que, empurrados contra a parede, os estadunidenses pobres e da classe trabalhadora começarão a se manifestar por justiça social.
Isso pode levar tempo. O nível de corrupção política nos Estados Unidos é assombroso. Agora tudo gira em torno do dinheiro para as campanhas eleitorais que se tornaram incrivelmente caras. As eleições da metade do mandato tiveram um custo estimado de US$ 4,5 bilhões, e a maior parte desse dinheiro veio de grandes empresas e contribuintes ricos. Estas forças poderosas, muitas das quais operando de forma anônima sob as leis dos EUA, trabalham sem descanso para defender aqueles que se encontram no topo da pirâmide da riqueza.
Mas não nos equivoquemos: ambos partidos estão implicados. Já se fala que Obama vai arrecadar US$ 1 bilhão ou mais para sua campanha de reeleição. Esta soma não virá dos pobres.
O problema para os ricos é que, tirando os gastos militares, não há mais espaço para cortar o orçamento do que em áreas de apoio básico para a classe pobre e trabalhadora. Os EUA realmente vão cortar os auxílios de saúde e as aposentadorias? O orçamento será equilibrado reduzindo-se o gasto em educação, no momento que os estudantes dos EUA já estão sendo superados por seus colegas da Ásia? Os EUA vão, de fato, permitir que sua infraestrutura pública siga se deteriorando? Os ricos tratarão de impulsionar esse programa, mas ao final fracassarão.
Obama chegou a poder com a promessa de mudança. Até agora não fez nenhuma. Seu governo está cheio de banqueiros de Wall Street. Seus altos funcionários acabam indo se unir aos bancos, como fez recentemente seu diretor de orçamento, Peter Orszag. Está sempre disposto a atender os interesses dos ricos e poderosos, sem traçar uma linha na areia, sem limites ao “toma lá, dá cá”.
Se isso seguir assim, surgirá um terceiro partido, comprometido com a limpeza da política estadunidense e a restauração de uma medida de decência e justiça. Isso também levará um tempo. O sistema político está profundamente ligado aos dois partidos no poder. No entanto, o tempo da mudança virá. Os republicanos acreditam que têm a vantagem e podem seguir pervertendo o sistema para favorecer os ricos. Creio que os acontecimentos futuros demonstrarão o quanto estão equivocados.
(*) Jeffrey Sachs é professor de Economia e Diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia. Também é assessor especial do secretário geral das Nações Unidas sobre as Metas de Desenvolvimento do Milênio.
Traduzido do inglês para www.project-syndicate.org por David Meléndes Tormen.
Tradução para Carta Maior: Katarina Peixoto
Do mesmo modo que ocorre em muitos países, os conflitos sobre a moral pública e a estratégia nacional se reduzem a questões envolvendo dinheiro. Nos Estados Unidos, isso é mais certo do que nunca. O país tem um déficit orçamentário anual ao redor de US$ 1 trilhão, que pode aumentar ainda mais como resultado de um novo acordo tributário. Esse nível de endividamento anual é demasiadamente alto. É preciso reduzi-lo, mas como?
O problema é a política corrupta e a perda de moral cívica dos EUA. Um partido político, o Republicano, aposta em pouco mais do que reduzir os impostos, objetivo que coloca acima de qualquer outro. Os democratas têm um leque mais amplo de interesses, como o apoio ao serviço de saúde, a educação, a formação e a infraestrutura. Mas, como os republicanos, também estão interessados em presentear com profusão cortes de impostos para seus grandes contribuintes de campanha, entre os quais predominam os estadunidenses ricos.
O resultado é um paradoxo perigoso. O déficit orçamentário dos EUA é enorme e insustentável. Os pobres são espremidos pelos cortes nos programas sociais e um mercado de trabalho fraco. Um em cada oito estadunidenses depende de cartões de alimentação para comer. No entanto, apesar deste quadro, um partido político quer acabar com as receitas tributárias por completo, e o outro se vê arrastado facilmente, contra seus melhores instintos, na tentativa de manter contentes seus contribuintes ricos.
Este frenesi de cortes de impostos vem, incrivelmente, depois de três décadas de um regime tributário de elite nos EUA, que favoreceu os ricos e poderosos. Desde que Ronald Reagan assumiu a presidência em 1981, o sistema orçamentário dos Estados Unidos se orientou para apoiar a acumulação de uma imensa riqueza no topo da pirâmide da distribuição de renda. Surpreendentemente, o 1% mais rico dos lares estadunidenses tem agora um valor mais alto que o dos 90% que estão abaixo. A receita anual dos 12 mil lares mais ricos é maior que o dos 24 milhões de lares mais pobres.
O verdadeiro jogo do Partido Republicano é tratar de fixar em seu lugar essa vantagem de receitas e riquezas. Temem, corretamente, que cedo ou tarde todo o mundo comece a exigir que o déficit orçamentário seja atacado, em parte, elevando os impostos para os ricos. Depois de tudo o que ocorreu, os ricos vivem melhor do que nunca, enquanto que o resto da sociedade estadunidense está sofrendo. Tem todo sentido aplicar mais impostos aos mais ricos.
Os republicanos se propõem a evitar isso a qualquer custo. Até aqui tiveram êxito. Mas querem fazer com que sua vitória tática – que propõe o reestabelecimento das taxas tributárias anteriores a Bush por dois anos – seja seguida por uma vitória de longo prazo na próxima primavera. Seus líderes no Congresso já estão dizendo que vão cortar o gasto público a fim de começar a reduzir o déficit.
Ironicamente, há um âmbito onde certamente se justifica fazer grandes cortes orçamentários: as forças armadas. Mas esse é o tema que a maioria dos republicanos não vai tocar. Querem cortar o orçamento não mediante o fim da inútil guerra no Afeganistão e a eliminação dos sistemas de armas desnecessários, mas sim cortando recursos da educação, da saúde e de outros benefícios da classe pobre e trabalhadora.
Ao final, não creio que o consigam. No momento, a maioria dos estadunidenses parece estar de acordo com os argumentos republicanos de que é melhor diminuir o déficit orçamentário mediante cortes de gastos ao invés de aumento de impostos. No entanto, quando chegar a hora de fazer propostas orçamentárias reais, haverá uma reação cada vez maior.
Prevejo que, empurrados contra a parede, os estadunidenses pobres e da classe trabalhadora começarão a se manifestar por justiça social.
Isso pode levar tempo. O nível de corrupção política nos Estados Unidos é assombroso. Agora tudo gira em torno do dinheiro para as campanhas eleitorais que se tornaram incrivelmente caras. As eleições da metade do mandato tiveram um custo estimado de US$ 4,5 bilhões, e a maior parte desse dinheiro veio de grandes empresas e contribuintes ricos. Estas forças poderosas, muitas das quais operando de forma anônima sob as leis dos EUA, trabalham sem descanso para defender aqueles que se encontram no topo da pirâmide da riqueza.
Mas não nos equivoquemos: ambos partidos estão implicados. Já se fala que Obama vai arrecadar US$ 1 bilhão ou mais para sua campanha de reeleição. Esta soma não virá dos pobres.
O problema para os ricos é que, tirando os gastos militares, não há mais espaço para cortar o orçamento do que em áreas de apoio básico para a classe pobre e trabalhadora. Os EUA realmente vão cortar os auxílios de saúde e as aposentadorias? O orçamento será equilibrado reduzindo-se o gasto em educação, no momento que os estudantes dos EUA já estão sendo superados por seus colegas da Ásia? Os EUA vão, de fato, permitir que sua infraestrutura pública siga se deteriorando? Os ricos tratarão de impulsionar esse programa, mas ao final fracassarão.
Obama chegou a poder com a promessa de mudança. Até agora não fez nenhuma. Seu governo está cheio de banqueiros de Wall Street. Seus altos funcionários acabam indo se unir aos bancos, como fez recentemente seu diretor de orçamento, Peter Orszag. Está sempre disposto a atender os interesses dos ricos e poderosos, sem traçar uma linha na areia, sem limites ao “toma lá, dá cá”.
Se isso seguir assim, surgirá um terceiro partido, comprometido com a limpeza da política estadunidense e a restauração de uma medida de decência e justiça. Isso também levará um tempo. O sistema político está profundamente ligado aos dois partidos no poder. No entanto, o tempo da mudança virá. Os republicanos acreditam que têm a vantagem e podem seguir pervertendo o sistema para favorecer os ricos. Creio que os acontecimentos futuros demonstrarão o quanto estão equivocados.
(*) Jeffrey Sachs é professor de Economia e Diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia. Também é assessor especial do secretário geral das Nações Unidas sobre as Metas de Desenvolvimento do Milênio.
Traduzido do inglês para www.project-syndicate.org por David Meléndes Tormen.
Tradução para Carta Maior: Katarina Peixoto
RS volta a ter Orçamento Participativo. Trabalho será coordenado por Cecília Hypólito
Felipe Prestes no Sul21
Suplente na Assembleia gaúcha durante a legislatura que chega ao fim
no dia 1º de fevereiro, a deputada estadual Cecília Hypólito (PT) faz
parte de um grupo de seis parlamentares que têm a tarefa insólita de
cumprir mandato durante um único mês. E logo o mês de recesso da Casa.
“Entendo que os espaços públicos que as mulheres conquistam são muito
suados. Eles precisam ser valorizados. Mesmo que fosse por um mês, se eu
não tivesse vindo para cá não seria uma mulher que ocuparia este
espaço”, diz Hypólito, que antes estava trabalhando na Eletrobrás, onde
era coordenadora da responsabilidade social.
A partir de 1º de fevereiro, Hypólito terá pela frente outra tarefa:
coordenar o Orçamento Participativo (OP), que voltará a existir no
estado e ficará sob o chapéu da Secretaria do Planejamento, Gestão e
Participação Cidadã, comandada por João Motta (PT). Hypólito acredita
que o OP chega mais próximo dos anseios das comunidades que outros
instrumentos semelhantes, como a Consulta Popular e os Coredes. “Tenho
absoluta certeza que é o debate mais regionalizado, a partir de todos os
setores da sociedade”.
Hypólito ressalta que o orçamento para 2011 já foi definido no ano
passado. Portanto, as demandas da sociedade, por meio do OP, deverão ser
incluídas no orçamento, a partir de 2012. As discussões com a
população devem começar no mês de março.
Sul21: O que diferencia o Orçamento Participativo da Consulta Popular? Qual a importância deste retorno do OP?
Cecília Hypólito: Quando recebi o convite do secretário João Motta para coordenar este trabalho em todo o estado, ele já me disse o seguinte: o governador Tarso quer que o nosso diálogo seja com os movimentos sociais, que eram os que trabalhavam o Orçamento Participativo, e que a gente converse também com os Coredes, com a Consulta Popular. Não vamos fechar nenhum modelo. Vamos construir um modelo com todas as organizações que já se estruturaram.
Cecília Hypólito: Quando recebi o convite do secretário João Motta para coordenar este trabalho em todo o estado, ele já me disse o seguinte: o governador Tarso quer que o nosso diálogo seja com os movimentos sociais, que eram os que trabalhavam o Orçamento Participativo, e que a gente converse também com os Coredes, com a Consulta Popular. Não vamos fechar nenhum modelo. Vamos construir um modelo com todas as organizações que já se estruturaram.
Sul21: Então esta volta do OP não implica no fim da Consulta Popular?
CH: Não, não acaba a Consulta Popular, não acabam os Coredes e também não acaba o OP, que foi criado no nosso governo e que os outros governos acabaram. Então nós queremos respeitar as formas de organização que a sociedade…
CH: Não, não acaba a Consulta Popular, não acabam os Coredes e também não acaba o OP, que foi criado no nosso governo e que os outros governos acabaram. Então nós queremos respeitar as formas de organização que a sociedade…
Sul21: O que acabou com o OP? O que o OP tinha que ficou faltando para o RS durante os últimos dois governos?
CH: Tenho absoluta certeza que é o debate mais regionalizado, a partir de todos os setores da sociedade. No momento em que se ouve apenas uma parcela da população, tem outra que fica sem se manifestar. Durante o OP, a gente recebia muitas demandas localizadas, de construção de escolas, de construção de postos de saúde, das prioridades que, efetivamente, a população sente falta no seu local de moradia. Então eram coisas bem concretas. Foi o período em que mais se construíram escolas, em que mais se deu estrutura na área da saúde, o que são coisas sentidas realmente pela população. E que são necessidades de todos, independentemente de serem agricultores, pescadores, empresários.
CH: Tenho absoluta certeza que é o debate mais regionalizado, a partir de todos os setores da sociedade. No momento em que se ouve apenas uma parcela da população, tem outra que fica sem se manifestar. Durante o OP, a gente recebia muitas demandas localizadas, de construção de escolas, de construção de postos de saúde, das prioridades que, efetivamente, a população sente falta no seu local de moradia. Então eram coisas bem concretas. Foi o período em que mais se construíram escolas, em que mais se deu estrutura na área da saúde, o que são coisas sentidas realmente pela população. E que são necessidades de todos, independentemente de serem agricultores, pescadores, empresários.
Sul21: Então, o OP se aproxima mais das comunidades?
CH: São demandas sociais que vêm a partir daqueles anseios, vamos dizer, mais puros da sociedade. Das dificuldades que a sociedade sente no dia-a-dia para manter o filho na escola, para ter um bom atendimento de saúde, uma boa qualidade de segurança pública. Todos aprendiam a dialogar. Se tem um número muito grande de pessoas que compreende que há uma mesma prioridade, ela se torna a prioridade número um. Se não, ela vai para o final da fila, porque é a prioridade ou de uma pessoa, ou de um setor pequeno.
CH: São demandas sociais que vêm a partir daqueles anseios, vamos dizer, mais puros da sociedade. Das dificuldades que a sociedade sente no dia-a-dia para manter o filho na escola, para ter um bom atendimento de saúde, uma boa qualidade de segurança pública. Todos aprendiam a dialogar. Se tem um número muito grande de pessoas que compreende que há uma mesma prioridade, ela se torna a prioridade número um. Se não, ela vai para o final da fila, porque é a prioridade ou de uma pessoa, ou de um setor pequeno.
Sul21: Como será estruturado o OP? Quantas pessoas irão trabalhar? Como será feita a divisão por regiões?
CH: Isso ainda não está formatado. Mas (haverá) pessoas como a Íria Charão, que trabalhou no OP durante a nossa administração anterior, pessoas vinculadas aos movimentos sociais. Eu entro mais com a possibilidade de um trabalho de articulação política. Temos que ouvir as universidades, os setores organizados de uma maneira geral. Uma equipe vai responder pelo OP em todo o estado. Serão perfis diferentes dentro desta coordenação e, provavelmente, cada pessoa coordenará cinco, seis regiões.
CH: Isso ainda não está formatado. Mas (haverá) pessoas como a Íria Charão, que trabalhou no OP durante a nossa administração anterior, pessoas vinculadas aos movimentos sociais. Eu entro mais com a possibilidade de um trabalho de articulação política. Temos que ouvir as universidades, os setores organizados de uma maneira geral. Uma equipe vai responder pelo OP em todo o estado. Serão perfis diferentes dentro desta coordenação e, provavelmente, cada pessoa coordenará cinco, seis regiões.
Sul21: Já há uma divisão regional estabelecida?
CH: Isto ainda vai ser formatado, porque tem uma forma de organização que era do OP e tem uma forma de organização que era dos Coredes. Teremos que conciliar isto.
CH: Isto ainda vai ser formatado, porque tem uma forma de organização que era do OP e tem uma forma de organização que era dos Coredes. Teremos que conciliar isto.
Sul21: Qual a previsão de começar os trabalhos?
CH: Acredito que isto tudo será construído neste ano para o orçamento do ano que vem, porque estamos trabalhando com um orçamento que foi enviado pelo governo anterior com prioridades que não necessariamente são as nossas prioridades. No primeiro ano, geralmente, se trabalha em ajustes. Eu fui deputada e presidente da Comissão de Finanças, coordenei todo o debate do OP, durante a análise do orçamento, e também fui a primeira relatora do OP no nosso governo anterior. A gente teve que administrar, além de todas as demandas regionais, as negociações dentro do Parlamento.
CH: Acredito que isto tudo será construído neste ano para o orçamento do ano que vem, porque estamos trabalhando com um orçamento que foi enviado pelo governo anterior com prioridades que não necessariamente são as nossas prioridades. No primeiro ano, geralmente, se trabalha em ajustes. Eu fui deputada e presidente da Comissão de Finanças, coordenei todo o debate do OP, durante a análise do orçamento, e também fui a primeira relatora do OP no nosso governo anterior. A gente teve que administrar, além de todas as demandas regionais, as negociações dentro do Parlamento.
Sul21: As discussões com a comunidade para estabelecer esse orçamento para 2012 devem começar quando?
CH: Acredito que no mês de março. Teremos fevereiro para discutir a estrutura, acredito que a partir de março teremos condições de iniciar.
CH: Acredito que no mês de março. Teremos fevereiro para discutir a estrutura, acredito que a partir de março teremos condições de iniciar.
Sul21: Como está sendo a situação inusitada de ser deputada por um mês e logo no mês em que o Parlamento está em recesso?
CH: Eu estava trabalhando na Eletrobrás. Avaliei, pensei bastante, porque nem concorri na última eleição. Minha decisão não era mais de concorrer a deputada, mas de trabalhar no Poder Executivo. Mas entendo que os espaços públicos que as mulheres conquistam são muito suados. Eles precisam ser valorizados. Mesmo que fosse por um mês, se eu não tivesse vindo para cá não seria uma mulher que ocuparia este espaço. Em nome disto vim passar este um mês aqui na AL. Eu poderia estar indo direto para a Secretaria do Planejamento, mas houve uma opção de ocupar este espaço no Parlamento porque isto pontua em favor da nossa luta das mulheres.
CH: Eu estava trabalhando na Eletrobrás. Avaliei, pensei bastante, porque nem concorri na última eleição. Minha decisão não era mais de concorrer a deputada, mas de trabalhar no Poder Executivo. Mas entendo que os espaços públicos que as mulheres conquistam são muito suados. Eles precisam ser valorizados. Mesmo que fosse por um mês, se eu não tivesse vindo para cá não seria uma mulher que ocuparia este espaço. Em nome disto vim passar este um mês aqui na AL. Eu poderia estar indo direto para a Secretaria do Planejamento, mas houve uma opção de ocupar este espaço no Parlamento porque isto pontua em favor da nossa luta das mulheres.
Sul21: O que pode ser feito neste período de um mês?
CH: Eu estou pretendendo apresentar um projeto que ainda não está bem formatado e que o deputado Alexandre Lindenmeyer (do PT, assume em fevereiro o primeiro mandato) assumiu o compromisso de tocar, que é de se criar um debate com as famílias de crianças autistas. Sou professora de Educação Física, trabalhei durante muito tempo na área de dança, e tive oportunidade de conhecer o trabalho de um professor no Rio de Janeiro que trabalha com atividades físicas para crianças autistas. Estas crianças passaram a ter um desenvolvimento, manifestam sua afetividade e de comunicação com o meio, porque o autista é muito fechado. A ideia é criar um espaço onde as crianças possam praticar este tipo de atividade. São crianças que merecem um tratamento especial, a sociedade tem que pensar sobre isso. É um projeto, ele é específico, e, se não der tempo de apresentá-lo, tenho o compromisso do deputado Alexandre Lindenmeyer de que dará continuidade.
CH: Eu estou pretendendo apresentar um projeto que ainda não está bem formatado e que o deputado Alexandre Lindenmeyer (do PT, assume em fevereiro o primeiro mandato) assumiu o compromisso de tocar, que é de se criar um debate com as famílias de crianças autistas. Sou professora de Educação Física, trabalhei durante muito tempo na área de dança, e tive oportunidade de conhecer o trabalho de um professor no Rio de Janeiro que trabalha com atividades físicas para crianças autistas. Estas crianças passaram a ter um desenvolvimento, manifestam sua afetividade e de comunicação com o meio, porque o autista é muito fechado. A ideia é criar um espaço onde as crianças possam praticar este tipo de atividade. São crianças que merecem um tratamento especial, a sociedade tem que pensar sobre isso. É um projeto, ele é específico, e, se não der tempo de apresentá-lo, tenho o compromisso do deputado Alexandre Lindenmeyer de que dará continuidade.
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
As frágeis mulheres fortes de Israel
Submissão religiosa, maus-tratos e desigualdades laborais complicam a existência de metade da população israelense
Carmen Rengel
de Jerusalém (Israel)
“És
benigno. Senhor eterno. Deus nosso. Rei do Mundo que não me fez
mulher”. A cada manhã, numerosos judeus praticantes agradecem à Deus em
sua reza de Adom Olam por haver-lhes salvado da escravidão, evitado que
caíssem na idolatria e tê-los afastado do estigma de ser mulher, esses
seres submetidos, cuja única função sobre a terra é engendrar novos
filhos do povo escolhido.
Nem todos os judeus
recitam essa ladainha, nem todos creem de pés juntos que ser mulher é
uma desonra. Não. Mas o certo é que em Israel a religião se mescla tanto
com a vida que acaba por tornar-se lei. Ainda que formalmente não se
tenha declarado um “Estado judeu”, Israel o é na prática, e são as
mulheres as que mais sofrem essa realidade.
Esse
desenho da mulher israelense forte, firme, empreendedora, capaz de
pilotar um caça, se esvai com outras qualificações, menos visíveis, mas
igualmente reais: as da mulher insultada, aprisionada pela religião,
minimizada por uma sociedade masculina. As frágeis mulheres fortes de
Israel.
Machismo e matrimônio
As
mulheres, que são 51% da população do país (pouco mais de 3,5 milhões
de pessoas), veem seus direitos vulnerados especialmente no campo da
família. Arrastam a obrigação geral de se casarem por meio de um rito
religioso, já que o matrimônio civil não é contemplado e, além disso, só
se pode levar a cabo com o consentimento do rabino.
Os
problemas aumentam caso o casal queira separar-se. Gila Adahan,
advogada de Jerusalém especializada em divórcios, explica que as
separações se regem pelas leis do Talmud, dos séculos 4 e 5. “Só o homem
pode conceder o divórcio, e tem que entregá-lo por escrito pessoalmente
à mulher”. Essa cláusula dá lugar a um fenômeno denominado “mulheres
ancoradas”, que não conseguem o divórcio se o marido não quiser ou,
inclusive, se ele estiver fisicamente impedido e não puder assiná-lo com
seu punho e letra.
A solução, explica a
especialista, passa por uma longa espera, já que a média para conseguir o
divórcio em Israel é de dez anos, segundo ONGs, e de dois, segundo o
governo. Existem mulheres que buscam outra solução: pagam seus esposos
para que as deixem separar. “Não é incomum que renunciem à moradia ou à
manutenção dos filhos para tal. Chegam a um verdadeiro desespero”,
completa.
Critérios bizarros
Kaveh
Shafran, porta-voz da associação Rabinos pelos Direitos Humanos,
explica que as sinagogas tentam ajudar essas mulheres, convencendo os
maridos a dar o braço a torcer. Os ameaçam com o “repúdio” da
comunidade, com o impedimento de estudar o Torá, com o rebaixamento no
organograma da sinagoga e até com denúncias às autoridades penais – em
2007, 80 homens cumpriam prisão depois de serem apontados por seus
rabinos, informa a agência Efe.
Às vezes, até
pagam um detetive privado para ir atrás do marido fugido. Os rabinos se
envolvem sempre que há uma “causa justificada” para o divórcio, mas aí
reside outro dos inconvenientes: a extravagância desses critérios.
Shafran
explica que o Talmud não considera como “causa suficientemente
argumentada” a infidelidade, a violência ou a ausência prolongada do
lar. Por isso, se um homem ataca a punhaladas sua esposa, poderá ir à
cadeia, mas não tem que conceder divórcio. Aceita-se como causa
justificada o fato de o marido ter mau hálito ou não cumprir com suas
obrigações na cama. “Um homem pode repudiar sua mulher se não ela
cozinha bem, se encontra outra que o satisfaça mais ou se eles não têm
filhos”, diz o rabino.
A solteirice “é o maior
mal para a mulher israelense”, afirma um dos rabinos mais conservadores
do país, Ovadia Yosef, e nem de longe é uma solução: as solteiras estão
condenadas ao ostracismo em sua comunidade. É preciso se casar, e logo
(24,5 anos as judias, 20,5 as árabes) e ter muitas crias (três em
média). Aqui não fica nem o consolo da Espanha antiga de tornar-se
freira. Ao contrário: a mulher participa em pouquíssimos atos das
cerimônias litúrgicas e apenas em um punhado de sinagogas mais abertas.
Heranças da religião
Sigal
Ronen-Katz, assessora legal da Israel Women's Network (IWN, uma das
principais organizações feministas do país), sustenta que a religião
marca uma sociedade patriarcal que acaba por gerar maus-tratos. Sempre
se difundiu a ideia da israelense valente, pioneira, combatente,
criadora do Estado, pilar-mãe da sociedade, “mas, por trás disso, há
pressões psicológicas e físicas muito fortes, especialmente no entorno
religioso”.
Segundo seus dados, 42% das mulheres
ultraortodoxas apanham de seus maridos e 24% sofre violência sexual. Nos
últimos 20 anos, 378 mulheres foram assassinadas por seus parceiros. A
metade era formada por judias e árabes de idade madura que residiam em
zonas radicalizadas.
Quase 36% delas eram
estrangeiras, sendo que o número total desse segmento não supera um
sexto da população total do país. 2010 foi o pior ano desde 2004, com 18
mortas, o dobro de 2009. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
informou, no Dia Mundial contra a Violência contra a Mulher (25 de
novembro), que 200 mil israelenses e 600 mil crianças são vítimas de
violência física ou emocional e, quando denunciam, levam em média cinco
anos de calvário.
Ele disse isso abaixando a
cabeça diante das mulheres que reprovaram sua debilidade em relação aos
agressores: há um ano, ele prometeu cinco milhões de shekel [moeda
isaraelense] em ajudas e investimento em refúgios, mas ainda não liberou
nada. As ligações para o serviço de assessoramento da IWN cresceram
entre 30 e 50% no último ano.
Entre as
estrangeiras submetidas a maus-tratos, encontram-se, sobretudo, as
russas e as etíopes, justamente as minorias mais presentes no mundo da
prostituição. A Divisão para o Adiantamento da Mulher (DAW) sustenta que
cerca de 3 mil mulheres estão submetidas à exploração sexual, apesar de
que a religião deveria ser um freio para a maioria dos israelenses.
Não
é assim. “A prostituição é uma forma moderna de escravidão, inclusive
neste país que nasceu fazendo iguais a homens e mulheres e já distante
de colonialismos e opressões. Em 15 anos, foram deportadas 5 mil
mulheres”, afirma Ronen-Katz. A ONU calcula que cada traficante ganha
por ano mais de 60 mil dólares por garota, cada uma comprada por entre 7
e 25 mil dólares. Um bordel pequeno, com dez mulheres, pode gerar 250
mil dólares mensais. 70% das jovens são viciadas em drogas.
Trabalho
“As
israelenses se movem em uma realidade masculina sob a falsa aparência
de serem iguais”, escreveu já em 1978 a feminista Lesley Hazleton. A
situação não mudou muito, como revela a cada ano a comissão criada no
parlamento israelense sobre a mulher.
Ruhama
Avraham Balila, deputada pelo Kadima e ex-ministra do Turismo, repassa
os dados desolada. É uma das 23 mulheres de uma câmara com 120
parlamentares, que sempre oscila entre 7 e 10% de representação
feminina, habitualmente de partidos de centro ou esquerda. Entre os
dados que aponta, encontra-se o de as mulheres terem melhor formação que
os homens, com 2 pontos percentuais mais de tituladas em educação
formal (22%) e 9 pontos mais no ensino médio.
55,9%
dos estudantes de formação superior são mulheres (a sétima melhor cifra
do mundo), mas, apesar disso, o desemprego feminino é dois pontos
superior ao masculino (de 6,1 a 8,3%). “É desesperador: somos um quarto
do professorado universitário e a pressão familiar e religiosa afasta as
meninas das carreiras técnicas. Por fim, somos maioria no de sempre:
educação, trabalho social, enfermagem, secretariado… Onde estamos em
economia ou defesa? Em nenhum lugar, não nos promovem, não nos veem como
igual”, diz uma senhora que teve mais espaço na imprensa por ter sido
eleita uma das políticas mais bonitas do mundo do que por seu trabalho.
Nunca
foi bem visto que mulheres tenham autonomia em seu emprego, assim que
91,4% das empregadas exercem funções de subordinação, contra 80% dos
homens. Não chegam a 4,5% as que têm cargos executivos (sete pontos
menos do que os homens) e, na política, passam de um terço apenas em
prefeituras potentes como a da capital Tel Aviv.
“Só
houve nove prefeitas em nosso país”, denuncia Avraham. Na Corte
Suprema, em 62 anos de Estado, só houve três mulheres. Nos últimos dias,
a briga no Parlamento se centrou em fazer cumprir a lei de igualdade de
salários, que chegam a diferenças de até 38%, e a abertura a todos os
empregos, pois muitos estão vetados “por ser perniciosos para a saúde da
mulher”, como os trabalhos noturnos.
“Não nos
deixam ser as judias fortes do Holocausto, ou as que saíram no filme
Êxodo. Nos suavizaram no mau sentido. Temos pequenas coisas: um ano de
licença maternidade, uma lei contra o assédio sexual muito potente,
ajudas de escolarização… E, entretanto, ser mulher aqui é muito
difícil”.
Minoria esquecida
A
discriminação geral da mulher israelense se soma, no caso das árabes,
ao fato de pertencerem a uma minoria esquecida. Fadwa Lemsine, 36 anos,
empresária, se vê como uma vítima tripla, “por ser árabe em um Estado
judeu, por suportar uma sociedade patriarcal que exala machismo e por
não poder receber a qualificação necessária para escalar neste mundo de
economia liberal”. Ela é uma exceção, parte desses escassos 3% de
autônomas, sobrevivendo em sua loja de design de interiores. Segundo o
Escritório Central de Estatística de Israel, só 18,6% das árabes
trabalham, diante de 56% entre as judias.
As
mulheres árabes limpam Israel, basicamente. Ou dão aulas em colégios de
sua mesma minoria. Ou cozinham. Trabalham por 47% menos do salário de
uma israelense. Casam-se antes, têm mais filhos e, ainda que a palestina
seja uma das comunidades mais progressistas do Oriente Médio, também
carregam o rigor do Islã. “Eu estudei em um centro árabe, não tive
subvenção alguma para abrir minha empresa, recebi pressões municipais
para contratar judeus… Ainda assim, sou a primeira empresária da minha
família, estou orgulhosa”, defende.
Ela colabora
em uma associação de mulheres e afirma que um quinto das mulheres de
Israel vivem na pobreza e quase um terço não come todos os dias para que
nada falte a sua família. “Essa é a tragédia, não temos poder, mas
pobreza, e esse círculo vicioso não acaba”, lamenta. A crescente
radicalização religiosa do país só complica as coisas. “Maus tempos, é
sempre ruim nascer mulher nesta terra”.
Tradução: Vinicius Mansur
''É preciso um Nuremberg dos especuladores''. Entrevista com Jean Ziegler
Diplomata internacional na ONU, Ziegler publicou o ensaio El odio a Occidente, uma crítica ao sistema capitalista dominado pela Europa e pelos EUA.
A reportagem é de Guillaume Fourmont Madrid, publicada no sítio Publico.es, 29-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Que ninguém se deixe enganar pelo seu cargo muito oficial de membro do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Por trás de seus óculos de professor de universidade, o suíço Jean Ziegler (Thoune,
1934) é um revolucionário. Ele gosta de provocar e gritar o que os seus
colegas diplomatas não ousam dizer nem nos corredores das organizações
internacionais.
Um exemplo: "Uma criança que morre de fome hoje em dia é um
assassinato". Outro: "Somos democracias, mas praticamos um fascismo
exterior". Ziegler é um argumento que argumenta cada frase com números
ou citações de grandes intelectuais, como esse grito de dor do poeta
anticolonialista Aimé Césaire: "Vivo em uma ferida sagrada / Vivo em um querer obscuro / Vivo em um longo silêncio".
Dessa ferida, Ziegler falar em seu último livro, El odio a Occidente
(Ed. Península), um título que responsabiliza os países desenvolvidos
pelos males do mundo. O escritor não perde a esperança e aspira a uma
"revolução para acabar com a ordem canibal do mundo". Na capa do seu
ensaio, a letra "i" da palavra ódio é uma bomba com detonador. Resta só
um segundo para que ela exploda.
Eis a entrevista.
O mundo vai tão mal assim?
Jamais na história um imperador ou um rei teve tanto poder como o que
a oligarquia do poder financeiro possui na atualidade. São as bolsas
que decidem quem vive e quem morre. Doze bilhões de pessoas podem comer,
o dobro da população mundial. Mas a cada cinco segundos, uma criança
menor de 10 anos morre de fome. É um assassinato!
É daí que vem o ódio do qual o senhor falar? Por que nos odeiam?
É preciso distinguir dois tipos de ódio. Um, primeiro, patológico, como o da Al Qaeda,
que assassina inocentes com bombas. Mas nada justifica essa violência,
nada! E o meu livro não trata disso. Refiro-me a um ódio meditado, que
pede justiça e compensação, que chama a romper com o sistema estrutural
do mundo, dominado pelo capitalismo.
Não aprendemos nada com a crise?
Lições? É pior ainda: esses bandidos de especuladores que provocaram a
crise e a quebra do sistema ocidental atacam agora produtos como o
arroz e o trigo. Há milhares de vítimas a mais do que antes. É preciso
sentar esses especuladores na cadeira. É preciso realizar um Nuremberg para eles!
O senhor trabalha na ONU. Não acredita no papel da comunidade internacional?
O mero fato de que a comunidade internacional seja consciente dos problemas do mundo é positivo. Os Objetivos do Milênio não se cumpriram, mas não sou uma pessoa cética.
Não acredita, no entanto, que o Ocidente só se interessa pelo Ocidente e que mantém o Terceiro Mundo na pobreza de propósito?
É verdade! Mas não se trata de doar mais, mas sim de roubar menos. Na África,
podem-se encontrar produtos europeus mais baratos do que os locais,
enquanto que as pessoas se matam trabalhando. A hipocrisia dos europeus é
bestial! Nós geramos fome na África, mas quando os imigrantes chegam às
nossas costas em balsas os mandamos embora. Para acabar com a fome, é
preciso uma revolução!
No Ocidente? Isso é possível?
A sociedade civil se despertou. Há movimentos como Attac, Greanpeace
e outros que fazem uma crítica radical da ordem mundial. No Ocidente,
temos democracias, mas praticamos um fascismo exterior. Embora não haja
nada impossível na democracia. "O revolucionário deve ser capaz de ouvir
a grama crescer", disse Karl Marx.
Em seu livro, o senhor fala da Bolívia de Evo Morales como exemplo.
É um caso exemplar. Pela primeira vez na história, o povo boliviano
elegeu como presidente um deles, um indígena aimara. E, em seis meses,
expulsaram as empresas privadas que ficavam com todos os benefícios das
energias do país. O governo pode, com esses milhões ganhados, lançar
programas sociais, e a Bolívia é agora um Estado
florescente e, principalmente, soberano. Veja, não sou um ingênuo, mas
na Bolívia a memória ferida do povo se converteu em uma luta política,
em uma insurreição identitária.
Em outros termos, Morales merecia mais o Nobel da Paz do que Obama.
Claro! O Nobel de Obama era ridículo, era una operação de marketing.
Obama não trazia consigo nenhuma esperança?
Ver uma cara negra de presidente dos Estados Unidos
na capa de grandes revistas foi incrível, principalmente porque o bisavó
da esposa de Obama era um escravo. Mas é só um símbolo. O império
norte-americano é três coisas: a indústria armamentícia, Wall Street
e o lobby sionista. Obama sabe que se tocar em algum dos três está
morto. E não vai fazer isso. A esperança vem da sociedade civil. Se
conseguirmos criar uma aliança planetária de todos os movimentos de
emancipação, do Ocidente e do Sul, então haverá uma revolução mundial, uma revolução capaz de acabar com a ordem canibal do mundo.
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