domingo, 27 de março de 2011

Mulheres que trazem em sua trajetória a luta pelo reconhecimento de sua voz e seu valor dão o ar da graça na blogosfera



Ativistas na vida e na rede

Por: Letícia Cruz e Virgínia Toledo na Rede Brasil Atual


Ativistas na vida e na rede
Conceição Oliveira, blogueira do www.viomundo.com.br/blog-da-mulher (Foto:Maurício Morais/Revista do Brasil)

“Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às 6 horas da manhã...” O verso de Cotidiano, de Chico Buarque, retrata a rotina de um casal nos anos 1970 e poderia traduzir a vida dessas mulheres. Elas acordam cedinho, algumas levam filhos à escola e, depois, mãos à obra. Passividade, porém, não é com elas. São ativistas, feministas, femininas, blogueiras. As novas tecnologias abrem portas. Basta haver conexão, computador, ou celular, e boas ideias. E essas mulheres têm muitas. Para elas, a educação e o acesso à informação vão além das paredes da escola e do papel da família – o espaço para o “embate” é ilimitado.
Maria da Conceição Oliveira é dona do blog Maria Frô (www.mariafro.com.br). Frô vem de Afrodite, deusa grega do amor, capaz de deixar maluco o próprio Zeus. Mitologias à parte, a paulista nascida em Santos se formou em História pela USP e sabe tudo de educação e cultura. Ao receber a reportagem, nota-se que a polêmica sobre a internet vir a acabar com o livro impresso não tem espaço em suas estantes: “Minha casa é tomada por livros. Estão por todos os lados, não se assustem!”
O colégio da filha é perto de casa, mas o trânsito... “É infernal! Levar uma hora para ir até ali e voltar é sinal de falta de política pública.” Pronto, pauta para o blog, que analisa o contraste entre o mundo imaginário da mídia tradicional e o real. A facilidade em se comunicar, segundo ela, vem da indignação: “Quando vejo o cotidiano grotesco, preciso externar”.
Quem navega pelo blog de Maria Frô encontra um estilo didático, sem firulas. Assim também no Blog da Mulher, dentro do site Vi o Mundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, onde Frô assina Conceição Oliveira. Ali, questões como preconceito racial e de gênero viram grandes discussões. “É preciso ter preocupação com o leitor e deixar de pensar que tudo é óbvio”, afirma. “Tento usar minha função de educadora para desenvolver a leitura de uma maioria que não exercita isso.”

 

A imagem da mulher na mídiaBlogueira Claudia Cardoso - blog dialógico - Andrea Graiz

Claudia Cardoso, do blog Dialógico, que aborda política e o cotidiano no Rio Grande­ do Sul, não o alimenta com regularidade­ desde que foi convidada a trabalhar na comunicação do governo estadual, em janeiro, mas considera-se uma militante em atividade pela democratização da informação, privilegiando o recorte feminista. “Existem grupos de discussão de blogueiras que fazem o trabalho­ de questionar a imagem da mulher­ na mídia, a violência contra a mulher e tantos outros desafios importantes. Ferramentas como a internet ajudam a manifestar nosso pensamento”, resume. Está ali, pronto para ser frequentado a qualquer momento, esse cada vez mais explorado campo de batalha.

Feminina, feminista

A jornalista Ruth Alexandre também anseia pôr a boca no mundo. Acorda às 6, leva o filho para a escola, volta e gruda no computador para abastecer seu blog Fala Povo. Produz material próprio e links para o que considera importante. “Eu já estava cansada daquele jornalismo plastificado.” Ruth conta que sempre se colocou em patamar de igualdade, tanto no meio jornalístico como com autoridades do sexo masculino. “Eu não abaixo a cabeça para ninguém. Todo mundo sabe que pode vir quente, porque se precisar aqui o berimbau toca mesmo”, brinca.
Ela educa seus dois meninos para, quando estiverem convivendo com uma mulher, tratá-la em pé de igualdade. “ ‘Não esqueçam que sua mãe é mulher, sua avó é mulher e você vai ter filhas’. Digo isso para que eles tenham absoluta certeza de que merecemos o maior respeito”, ensina. “Feminina a gente já nasce um pouco e, ao resto, somos moldadas”, afirma, referindo-se ao que chama de processo de “adestramento” a que a indústria cultural, do consumo e das relações sociais ainda submetem as mulheres.
Na época em que a questão do aborto ocupou o centro das atenções na campanha eleitoral, Ruth escreveu um post sobre uma experiência própria. “Tive um aborto espontâneo e fui para o hospital, quase ao passo de morrer. Lá, uma mulher me interrogou como se eu fosse criminosa e como se tivesse feito aquilo de propósito”, lembra, observando como a cultura machista enraizada não se expressa somente pelos homens. “Para tentar desestruturar a candidatura de uma mulher à Presidência, tentaram de tudo”, indigna-se. “O aborto é uma questão feminina e feminista e, incontestavelmente, tem de ser decidida por nós mulheres.”
E que venha o debate. Manter blog é estar pronto para conviver com admiradores e detratores. E conviver com os contrários é um exercício que agrada Conceição Oliveira. “Procuro argumentar e questionar essas pessoas do porquê de determinado pensamento, debater e sugerir a elas algum tipo de reflexão.”
Não é preciso busca minuciosa para chegar a dezenas, centenas, milhares de páginas na internet sobre moda, comportamento, beleza, algumas utilidades e outras tantas futilidades. Mas aos poucos, sobretudo na blogosfera, surgem as mulheres que querem aproveitar o tempo e o espaço para fugir dos estereótipos que acentuam uma desigualdade a ser superada. “Tenho uma filha que joga futebol melhor que muito homem. Mulher não precisa falar só sobre um assunto. Pode explorar outras coisas de acordo com o humor que estiver no dia”, afirma Conceição Oliveira.

Batalha contra o tempo

Para Andrea Dip, a vida de blogueira-comunicadora tem de se encaixar em outra realidade não menos importante, a de ser mãe. Desde a época da faculdade, ela escrevia muito sobre direitos humanos, direito da mulher, da igualdade, da liberdade e principalmente sobre os costumes da sociedade. Foi quando a vida antecipou-lhe uma nova vocação: a gravidez ainda no último ano de Jornalismo, e o desafio de
conciliar os ofícios de “recém-mãe” e recém-formada. “Quando a gente engravida, a sociedade vem com aquela história da mulher em estado de graça, de perfeição, mas eu vivi aquilo e sabia que não era bem assim. Não é fácil administrar carreira, filho e casa. Tudo isso é adaptação, e não uma condição”, afirma.
Com o filho crescendo e a rotina se intensificando, um amigo sugeriu que ela dividisse os sabores e dissabores de seu dia a dia com outras pessoas. Foi aí que surgiram as histórias inusitadas de Mães em Surto, uma coluna criada dentro do blog Nota de Rodapé.
As crônicas de Andrea seguem à risca as desventuras que as mães vivem e também passeiam por temas sugeridos por amigas que passam pela mesma empreitada. Com o trabalho fixo num grande portal, os “frilas” para completar o orçamento, o cuidar da casa e da “agenda” em torno do filhote, é difícil manter a regularidade dos posts. Mas pelo menos a página está lá, sempre pronta para o momento em que a inspiração, disposição e disponibilidade se encontrem no mesmo lapso de tempo.

Além do gênero Ruth Alexandre - Blog falapovo.com - Maurício Morais

A jornalista Conceição Lemes, de tão assídua frequentadora e comentarista do blog Vi o Mundo, passou a sugerir e produzir pautas. A primeira foi sobre o Cansei – movimento hostil ao governo Lula que surgiu em 2007 – ter incluído indevidamente o Conselho Regional de Medicina de São Paulo entre seus integrantes. Outra abordava a campanha alarmista de grandes jornais para que a população se vacinasse em massa contra a febre amarela. E assim sua participação foi crescendo, até que recebeu o convite formal de Luiz Carlos Azenha para que mantivesse sua coluna sobre saúde.
Repórter especializada na área há 29 anos, com oito livros publicados e mais de 20 prêmios, Conceição encontrou no blog um espaço de liberdade. “O Vi o Mundo me possibilita fazer esse jornalismo de verdade, sério, o jornalismo em que acredito. Em outros veículos, as reportagens que faço não sairiam. Essa é a minha forma de estar na vida. Prefiro vender cachorro-quente a fazer um jornalismo em que não acredite”, afirma. Sua fonte de renda são projetos especiais ligados à saúde, livros, séries de reportagens etc. “O blog eu faço por prazer.”
O rigor é o principal ingrediente de suas reportagens. “Não faço jornalismo opinativo, artigo. Entrevisto especialistas, gosto de escarafunchar. Com todo esse tempo fazendo saúde, fui trilhando fontes éticas e competentes, às quais recorro sempre. Leio, checo, ‘tricheco’, vou atrás. Em saúde você não pode errar. É muito sério.” Além de atuar nessa área, no último ano Conceição ampliou sua atuação no Vi o Mundo, com reportagens investigativas.
Casada e sem filhos, ela dedica boa parte do seu dia à blogosfera, conversa com fontes, confere informações, insiste por entrevistas. “Minha vida é normal, ando, leio, vou ao cinema, cuido dos gatos. Antes eu tinha cachorros... Adoro bichos.” Seu sonho de jornalista full time nada mais é que “continuar exercendo a profissão de forma responsável”.
A blogosfera também é espaço para furar o cerco do clube do Bolinha. Futebol, por exemplo, é assunto de menina, sim, senhora. A jornalista Thalita Pires, que não tem como objetivo de carreira escrever sobre o esporte, leva essa paixão para o blog Futepoca – Futebol, Política e Cachaça, que já ganhou prêmio em 2007. Thalita trabalhou nas revistas Fórum e Época e no Jornal da Tarde, decidiu ir para Londres em 2008 com o marido para estudar e voltou de lá em 2010 com um mestrado em Planejamento Urbano. “Tema mais distante ainda do futebol”, pontua, mas no qual pretende se estabelecer profissionalmente. São-paulina, com uma “quedinha pela Portuguesa”, ela não se queixa de já ter recebido comentários preconceituosos por seus textos no Futepoca. “Sempre que há discordância de opinião os leitores tratam de argumentar, não de falar que eu deveria estar na cozinha.”
E, se há alguma ousadia no fato de meninas circularem com desenvoltura em ambientes tipicamente masculinos, a gaúcha Luísa Helena Stern vai ainda mais longe: nascida menino, ela decidiu corrigir esse capricho da natureza assumindo de corpo e alma o seu universo: “Sou uma mulher múltipla”, define-se. Transexual, Luísa é funcionária pública e divide seu tempo entre diversas tarefas, incluindo manter o blog Cultura Crossdresser, para defender o direito LGBT – de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. Seu engajamento virtual tem o objetivo de disseminar uma reflexão da condição do homossexual e de tratar o tema com naturalidade, com discurso igualitário. “Já sofri muito preconceito, inclusive das redes sociais.”
Antes de tomar a decisão e se tornar transexual, a blogueira era crossdresser – pessoa de um sexo que se veste e age como se fosse­ do sexo oposto. “Vivi muito tempo nessa­ condição. Os crossdressers são pessoas­ escondidas­ do mundo real. No meu caso, recorria ao virtual para participar de grupos e clubes sobre crossdresser”, conta. “Meu blog foi criado por isso.” Depois que Luísa assumiu sua identidade feminina, outros assuntos vieram à tona, como o combate à homofobia, o ativismo para o direito dos transgêneros e o combate a toda forma de discriminação.

O planeta reage aos desertos verdes


Antonio Martins No Diplo-Br

No mês de mobilização do MST, revelamos uma face pouco conhecida da luta contra o latifúndio: o esforço internacional de conscientização que está denunciando a monocultura do eucalipto – e os desastres sociais e ambientais hoje associados a ela
Nascida nos Estados Unidos, filha de pai holandês e mãe indiana, Ruby van der Wekken passaria por uma morena brasileira. Aliás, viveu, entre 2002 e 2005, em Alter do Chão (PA), participando, com o marido, de um projeto de cooperação internacional. Fisicamente, está agora em Helsinque, Finlândia. Mas seus sonhos e sentimentos não deixaram o Sul. Em 31 de março, Ruby ajudou a organizar uma ruidosa manifestação na sede da Stora Enso (ela envia a mensagem final, no vídeo abaixo). A maior produtora mundial de papel, de capital finlando-sueco, realizava na capital finlandesa sua assembleia anual de acionsitas. Do lado de fora, Ruby e seus companheiros denunciavam o envolvimento da empresa em formação de latifúndios, aquisição ilegal de propriedades, violência contra trabalhadores rurais e boicote à reforma agrária, no Brasil.
Os textos que a Biblioteca Diplô e Outras Palavras publicam agora, sobre o tema, são uma continuação, no plano do debate de ideias, da luta pedagógica de Ruby. Foram produzidos por jornalistas finlandeses do Le Monde Diplomatique e da revista Voima, com os quais nossos sites mantêm acordo de reprodução de conteúdos livre de copyright. Revalam a existência, nos países do Norte, de setores da opinião pública interesados em romper as cadeias internacionais de produção e consumo alienados que oprimem as maiorias no Sul.
Redigido por Hanna Nikkanen, de Voima, o primeiro texto é uma denúncia da ação da Stora Enso no Brasil (algo desconhecido pela esmagadora maioria dos brasileiros). Em poucas páginas, ácidas e riquíssimas em fatos, Hanna desfaz o mito de “responsabilidade social” a que a Stora Enso está procurando se associar, na Finlândia e em todo o mundo. Por trás desta imagem, relata o texto, a empresa reproduz um velho modelo de concentração de riquezas. Desloca para os países em desenvolvimento (América do Sul e China) as atividades mais sujas ambiental e socialmente. Concentra, contudo, todas as decisões estratégicas no andar de cima do planeta.
O rol das atividades executadas, para tanto, inclui posse disfarçada de terras em zonas de fronteira (o que a lei brasileira veda a estrangeiros). Atravessa as próprias eleições brasileiras (A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, é muito grata às contribuições eleitorais da Stora Enso; e a polícia militar sob seu comando, particularmente violenta, quando os sem-terra enfrentam a companhia...). Chega à política empresarial de manter as plantações de árvores no Brasil (onde terra e trabalho são muito mais baratos) e exportar, para a Finlândia, pasta de celulose não-industrializada. A etapa mais lucrativa da produção de papéis finos mantém-se na matriz.
Hanna relata, ao final, o desmascaramento de uma mentira. A política de “limpeza de imagem” da Stora Enso incluía uma difamação. O Movimento dos Sem-Terra (MST), que resiste às relações de exploração praticadas pela transnacional precisava ser demonizado. Para tanto, João Paulo Rodrigues, um dos líderes nacionais do movimento, foi acusado, no principal diário finlandês, de “exigir” que a empresa se retirasse do Brasil. Em caso de negativa, teria prometido desencadear violência e até mortes. Hanna participou ativamente, como se lê em seu texto, da desmontagem da farsa.
O segundo texto, de Mika Ronkko (editor do Le Monde Diplomatique finlandês e marido da ativista Ruby van der Wekken) é uma entrevista com o próprio João Paulo Rodrigues e João Pedro Stédile, também referência nacional do MST. Nas conversas com Mika, Stédile e Rodrigues deixam claro que a luta dos sem-terra não é contra o eucalipto, seu plantio ou a fabricação de papel no Brasil. O que eles querem é rever é a forma de cultivo e, em especial, as relações sociais que ela gera.
Papel, um dos usos do eucalipto1 e o produto final da Stora Enso é um bem necessário. Poderia ser consumido de forma mais racional e austera, evitando a necessidade de ampliar a exploração dos solos águas. Mas, acima de tudo, não precisa ser cultivado em latifúndios, nem como monocultura – um atentado à diversidade natural do campo.
“Um pequeno produtor poderia cultivar, digamos, dois hectares de eucalipto, numa propriedade de dez hectares”, sugere Stédile. Plantaria, além disso, alimentos. Ao invés de comprar imensas áreas, a empresa estabeleceria relações com milhares de pequenos produtores.
Perfeitamente viável, do ponto de vista técnico, a idéia não é executada por esbarrar num obstáculo político. O capital não existe para fazer caridade. Enquanto as sociedades não se conscientizarem e mobilizarem, sua tendência será sempre extrair o máximo lucro – sejam quais forem as consequências sociais e ambientais.
O mês de mobilizações do MST revela, mais uma vez, que uma parcela crescente dos agricultores brasileiros já não aceita estas circunstâncias. É estimulante saber que o mesmo se dá nos países onde estão sediadas as empresas que promovem desigualdade e devastação.

O trágico fracasso do ''Pós-Comunismo'' no Leste Europeu




240311_leste_europeuGlobal Research - [Dr. Rossen Vassilev, Tradução de Diário Liberdade] 8 de março de 2011. Pouco antes do Natal, em 2010, um engenheiro da televisão pública perturbado, protestando contra as controversas políticas econômicas do governo, atirou-se de um balcão no parlamento romeno durante um discurso do primeiro-ministro do país. O homem que sobreviveu à tentativa de suicídio, segundo informações, teria gritado antes de saltar: “Você tomou o pão para longe da boca dos nossos filhos! Você matou o futuro dos nossos filhos!”. O manifestante hospitalizado, vestido com uma camisa declarando: “Vocês mataram o nosso futuro!”, mais tarde foi identificado como, Adrian Sobaru de 41 anos, cujo filho adolescente autista tinha perdido recentemente o auxílio do governo como parte da última etapa de corte orçamentário de Bucareste. Sua tentativa de suicídio foi transmitida ao vivo na TV pública da Romênia no momento em que o primeiro-ministro Emil Boc falou de um mal sucedido voto contra o insucesso do seu gabinete conservador.

As medidas de austeridade fiscal e salarial que o Sr. Sobaru estava protestando incluiu um corte de pagamento de 25% para todos os funcionários públicos como ele, assim como reduções severas nos pagamentos de assistência social para os pais com filhos deficientes, que também tinha recebido, até recentemente. De acordo com a Agência de Noticias romena Agerpes, o choro desesperado do homem no parlamento foi dolorosamente ecoando os ouvidos durante a Revolução anti–Comunista de 1989 que derrubou o dissidente romeno e geralmente pró-ocidental, o regime de Nicolae Ceauşescu.

Tumulto econômico

O salto trágico do Sr. Sobaru, mais tarde televisionado para todo o mundo, golpeou uma simpática emoção em muitos romenos que o viam como um símbolo das desigualdades e injustiças selvagens do período pós-comunista. A Romênia está atolada em uma recessão grave, e sua economia exaurida deverá diminuir em pelo menos 2% em 2010, após ter contraído 7,1% no ano anterior. Ao invés de tentar ajudar os desempregados e os socialmente necessitados, o governo de Bucareste, que é declaradamente crivado de clientelismo, corrupção e nepotismo, cortou salários do setor público em um quarto e aparou todos os gastos sociais, incluindo os subsídios de aquecimento para os pobres bem como os de desemprego, maternidade e benefícios por incapacidade. Ao mesmo tempo, o imposto nacional de vendas foi de 19% subiu para 24%, pois as autoridades estão se esforçando para manter o déficit nacional até 6,8%, a fim de atender às rigorosas exigências fiscais da União Europeia (UE), que a Romênia havia se juntado em janeiro de 2007 .
Estas duras políticas de austeridade irritaram milhões de romenos que mal estão conseguindo sobreviver em uma nação onde a média de renda mensal per capita é de cerca de 400 dólares. Irritados protestos de rua em que se reuniram dezenas de milhares de romenos refletem a profunda insatisfação com a pobreza em massa e a contínua crise econômica, que levou a Romênia à beira da falência. “Este não é o capitalismo, nos países capitalistas você tem uma classe média”, um gerente de loja de conveniência em Bucareste disse a um repórter da Associated Press. Mas a sociedade romena, queixou-se, é dividida entre uma pequena minoria de pessoas muito ricas e uma vasta classe baixa empobrecida [1].
Quanto ao drama humano testemunhado no Parlamento Romeno, nesse dia de véspera de Natal é bastante sintomático da miséria generalizada no país dos Bálcãs e esperanças frustradas de uma vida melhor, ele poderia facilmente ter acontecido em qualquer outro dos países em crise do mundo ex-comunista que igualmente sofrem de elevado desemprego, a pobreza em massa, queda dos salários e cortes nos gastos públicos e padrões de vida. Na época da tentativa desesperada de suicídio do Sr. Sobaru, muitos do 20.000 médicos hospitalares da República Tcheca demitiam-se em massa para protestar contra a decisão do gabinete do primeiro-ministro Petr Necas de cortar todos os gastos públicos, incluindo as despesas de saúde, em pelo menos 10 %, a fim de manter as finanças conturbadas do país sem dívidas. Essas demissões em massa eram parte da campanha "Obrigado, estamos partindo", lançada pelos médicos insatisfeitos em todo o país, visando exercer pressão sobre as autoridades de Praga para aumentar os seus baixos salários e proporcionar melhores condições de trabalho para todos os trabalhadores da saúde. Confrontada com a pior crise de saúde na história do país ex-comunista, que colocou em perigo as vidas de muitos pacientes, o governo tcheco ameaçou impor um estado de emergência, que forçaria os médicos, ou voltar ao trabalho ou enfrentar duras sanções legais e financeiras.
Também se pode lembrar a grande parte não declarada, distúrbios alimentares em 2009 na Letônia, o muito elogiado "milagre Mar Báltico" queridinho da mídia ocidental, onde o impopular primeiro-ministro Valdis Dombrovskis foi reeleito em 2010 apesar de ter feito severos cortes de gastos públicos e promover escassas condições de vida aos letões (a campanha eleitoral centrou-se, em vez disso, no confronto desagradável entre os nacionalistas da Letônia e da minoria considerável e inquieta do país de língua russa). Segundo o professor Michael Hudson, importante pesquisador, Professor de Economia da Universidade do Missouri, como cortes do governo no bem-estar social, educação, saúde, transporte público, e outras despesas de infraestruturas sociais básicas ameaçam minar a segurança econômica, desenvolvimento em longo prazo, e estabilidade política nos países da ex-bloco soviético, os jovens estão emigrando em massa para melhorar as suas vidas ao invés de sofrer em uma economia sem oportunidades de emprego.
Quando a "bolha neoliberal" estourou em 2008, o professor Hudson escreveu, o governo conservador da Letônia tomou empréstimos pesadamente da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional sob prazos punitivos de reembolso que impuseram essa política de austeridade dura que encolheu a economia da Letônia em 25% (os vizinhos Estônia e Lituânia experimentaram um declínio econômico igualmente íngreme) e de desemprego, atualmente em 22%, continua a aumentar. Como bem mais de um décimo de sua população agora trabalha no estrangeiro, os trabalhadores convidados da Letônia enviam para casa o que eles podem poupar para ajudar suas famílias indigentes sobreviver. As crianças da Letônia (alguns deles estão como o casamento do país báltico, e as taxas de natalidade estão despencando) têm sido assim, "deixou órfãs para trás", alertando os cientistas sociais a se perguntar como esta pequena nação de 2,3 milhões de pessoas pode sobreviver demograficamente [2]. Esses são os resultados dos orçamentos da austeridade do pós-comunismo que cortaram as pessoas comuns na altura dos joelhos, enquanto os credores internacionais e os banqueiros locais são socorridos.

O aumento do populismo de direita

A profunda crise econômica e o aumento do desemprego em todo o mundo ex-comunista trouxe ao poder alguns partidos políticos radicais e políticos abraçando o populismo nacionalista de direita. Fidesz Hungria (União Cívica Húngara), um partido nacionalista descaradamente de direita, conquistou 52,73% dos votos nas eleições legislativas de Abril de 2010. Jobbik (Movimento para Hungria melhor), um partido xenófobo de extrema-direita, ficou em terceiro com 16,67% dos votos. Em meio a uma desastrosa recessão econômica, a direita nacionalista ganhou a maioria do voto popular através da recuperação húngara tradicional do bode expiatório das minorias étnicas e culpando os judeus e os ciganos em especial pelo desemprego generalizado do país e da pobreza. Quando Oszkár Molnár, membro de Fidesz, líder eleito para o novo parlamento, proclamou: "Eu amo a Hungria, eu amo os húngaros, e eu prefiro interesses húngaros ao capital financeiro global, ou de capital judio, que quer devorar o mundo inteiro, mas especialmente na Hungria”, ele não foi sequer repreendido publicamente por qualquer um dos seus colegas de partido.
Em dezembro de 2010, os dois terços de Fidesz no parlamento permitiu avançar com uma lei draconiana para a imprensa, a qual deu liberdade ao governo para exercer controle mais rigoroso sobre a imprensa privada. Esta polêmica nova lei desencadeou manifestações nas ruas de Budapeste com muitos húngaros carregando cartazes em branco para protestar contra a proposta de censura do governo. Também atraiu críticas no Parlamento Europeu (Hungria tornou-se membro da União Europeia em Maio de 2004) por ser uma "ameaça à liberdade de imprensa" e um "grave perigo para a democracia", prevendo multas enormes e demais penalidades legais aos meios de comunicação e pontos de Internet que ousarem publicar ou transmitir informação "desequilibrada" ou "imoral”, especialmente alguma que seja crítica ao governo, em uma nação onde um em cada três vive abaixo da linha da pobreza. Críticos tem reclamado que a mais restritiva lei de imprensa da Europa irá asfixiar o pluralismo e voltar o relógio sobre a democracia neste país ex-comunista
A imprensa alemã tem difamado especialmente o Primeiro Ministro da Hungria, Viktor Orban, não apenas para tentar amordaçar a mídia local, mas também por perseguir o controle do partido Fidesz e transformando a Hungria num totalitário "Führerstaat" (comentaristas húngaros igualmente queixaram-se que seu país está rastejando "Orbánization"). Károly Voros, editor-chefe do jornal húngaro Nepszabadsag, queixou-se que a nova lei da imprensa quer “dissipa um sentimento de medo nas almas dos jornalistas” e que “todo o estado constitucional está sistematicamente dissolvendo” [3] na Hungria. Mas sentindo forte apoio do público em casa, dado a ofensiva anticapitalista, anti-União Europeia, e de humor antiamericano dos húngaros apanhado no turbilhão da globalização, o populista Orbán, semelhante a Berlusconi, no passado, tomou uma posição desafiadora, alertando a UE a parar de se intrometer nos assuntos internos da Hungria: “É a União Europeia que deve ajustar-se a Hungria não a Hungria à União Europeia...” (Hungria assumiu oficialmente a presidência rotativa da UE de seis meses em 1 de Janeiro de 2011). Mas o que muitos húngaros suspeitam é que a nova lei de imprensa era apenas um truque esperto para distrair a atenção pública dos terríveis problemas econômicos do país.
Outra figura autocrática, Boyko Borisov, um ex-chefe da polícia nacional com um incerto passado comunista que possui vínculos com o submundo do crime local, governa a Bulgária, a qual tornou-se membro da UE em janeiro de 2007 apesar de ser o mais corrupto e criminalizado Estado no antigo bloco do Leste além do notório governo da máfia em Kosovo (outro candidato escandaloso esperando tornar-se futuro membro da UE já em 2015). O sucesso eleitoral do homem forte Borisov, como Mussolini, e sua GERB de direita (Cidadãos para o Desenvolvimento Europeu da Bulgária) nas eleições de julho de 2009 foi surpreendente em um país em que a situação tornou-se a mais emblemática da trajetória aberrante da região pós-comunista e do atual descontentamento. Por quase todos os indicadores macroeconômicos, a Bulgária está em pior forma agora do que no passado comunista.
Estatísticas oficiais mostram que tanto o produto interno bruto (PIB) e a renda per capita da população despencou, a rede de previdência se desintegrou, e até mesmo a sobrevivência física de muitos búlgaros pobres está em perigo. Os efeitos imediatos das “reformas” orientadas para o mercado tem sido a destruição da indústria e agricultura da Bulgária, desemprego, inflação, flagrante desigualdade de renda, pobreza esmagadora, e até mesmo a desnutrição. Crime organizado e corrupção endêmica, sob a forma de nepotismo e clientelismo, a corrupção no trabalho, peculato, recebimento de propina, tráfico de influência, contrabando, esquemas de proteção, de jogatina, prostituição e de pornografia tem cobrado um alto preço no nível de vida pós-comunista e de subsistência. Outro efeito infeliz é a negligência generalizada dos direitos econômicos e sociais dos búlgaros ‘comuns’, para muitos deles, a jornada de trabalho de 8 horas é agora apenas uma memória.
O catastrófico ambiente econômico, por sua vez gerou um clima político bastante volátil e imprevisível. Nenhum governo eleito durante o tempestuoso período pós-comunista sobreviveu no cargo por mais de um semestre (e muitas vezes até menos que isso). Essa volatilidade ilustra a natureza instável e imprevisível da política na Bulgária, devido à situação econômica catastrófica, e a gritante incapacidade das elites partidárias existentes para oferecer uma solução confiável. Fartos de declínio econômico, negligência do governo, roubo de alta qualidade, crime e corrupção, os búlgaros têm uma e outra vez votos de protesto contra a opressão do poder incompetente, interesseiro, corrupto e panelinhas criminalizadas dos políticos, do partido, em busca do ganho pessoal. Mas o fim de sua miséria parece longe de vista, especialmente no gabinete Borisov, já instituiu um orçamento de austeridade draconianas, o corte não menos de 20% de todos os gastos públicos.
Ao mesmo tempo, a política se tornou de longe o negócio mais lucrativo – mais rentável e também muito menos arriscado do que qualquer atividade empresarial sem fins lucrativos. Isso transformou os partidos políticos em algo semelhante a trapaceiras corporações empresariais – bem organizadas, de predadores sem escrúpulos e aspirantes a assumir as rédeas do poder a fim de se enriquecer, explorando um povo apático e semelhante a um gado, e saqueando os recursos da Bulgária, especialmente agora que o país pode contar em receber quantidades substanciais de ajuda externa e investimento da UE. Poderosos interesses econômicos, de origem muitas vezes criminosas, que se alinharam e financiaram cada um dos principais partidos políticos, acrescentando elementos fortemente plutocráticos ao que é essencialmente uma oligarquia cleptocrática, mafiosa. É por isso que as pessoas comuns não veem nenhuma diferença entre seu governo cheio de corrupção e organizações criminosas bem estruturadas da Bulgária. Não é surpreendente que os búlgaros tendem a se referir ao seu país como um "Estado mafioso", uma "República das bananas", um "circo" e "Absurdistan” [NT]. Eles ainda estão esperando a chegada há muito prometida do capitalismo "normal" e democracia "normal", onde a segurança econômica pessoal, salários justos, e os padrões de vida decentes irão substituir o elevado desemprego de hoje, miséria, falta de moradia e desânimo social. Cerca de 1,2 milhões de búlgaros (16% da população), principalmente os jovens, se encontram em busca de melhores oportunidades no estrangeiro (a pobreza impulsionou a emigração e ajudou a reduzir a população pós-comunista da Bulgária, perto dos 9 milhões em 1989 para cerca de 7 milhões de hoje).

Colapso do apoio popular

Logo após a queda do comunismo, os países do antigo bloco soviético e outros Estados ex-comunistas da região foram economicamente neoliberalizados (alguns deles foram territorialmente desmembrados) e, exceto para pequenas elites locais pró-ocidentais, que foram para fora como bandidos, sua população tornou-se pobre como no Terceiro Mundo. Quase todos esses 28 países euro-asiáticos sofreram um declínio econômico de longo prazo de proporções catastróficas (só a Polônia ultrapassou em muito o PIB da sua era comunista). Graves problemas econômicos, corrupção arraigada e generalizada frustração popular com as dificuldades e privações da transição aparentemente interminável pós-comunista estão a minar o prestígio das novas autoridades e mesmo a crença da população na democracia ao estilo ocidental e do capitalismo de mercado. Uma nova raça de plutocratas voraz e impiedosos com um apetite insaciável por riqueza e poder tem pilhado – por meio de um processo injusto e corrupto da privatização – os ativos da antiga economia estatal e recriou em casa os piores excessos do capitalismo Dickensiano do século XIX, como se o progresso social do século XX nunca tivesse existido. No meio do desemprego generalizado, miséria, desnutrição e até mesmo a fome, as multimilionárias mansões particulares surgiram em todas as grandes cidades como símbolos de palácios de ganhos ilícitos e da riqueza inatingível para pessoas comuns que lutam para encontrar emprego, pagar contas diariamente, e encontrar habitação a preços acessíveis. Esta "nova classe" de políticos ligados aos “novos ricos” com luxuosos estilo de vida ‘La Dolce Vita’ parece estar disposta a cometer qualquer crime, no interesse do lucro rápido e autoenriquecimento, operando de acordo com o princípio do rei Luís XV "Après moi, le déluge" (Depois de mim, o dilúvio) e impetuoso em todos os lugares às esperanças das pessoas para melhorar sua sorte e modernizar o seu país ao longo das linhas de uma nação “civilizada”. Único negócio que floresce em muitos pontos da região de “economias emergentes” parece ser o crime organizado, que geralmente é executado por cleptocratas dentro dos círculos dominantes.
Enquanto essa camada parasitária de "novos ricos" oligarcas está ficando mais rica a cada dia – em parte, por evasão fiscal no âmbito do sistema recém-adotado, leis do “plano fiscal”, altamente regressivos – os cidadãos das nações ex-comunistas agora têm que pagar dos seus próprios bolsos para todos os serviços médicos anteriormente fornecidos gratuitamente pelo governo, apesar de também ter de pagar renda, imóveis, impostos sobre vendas – algo que eles não vivenciaram com os regimes comunistas. Há também a rentabilização e/ou privatização dos serviços educacionais anteriormente livres, especialmente no ensino superior e as novas escolas particulares, faculdades e universidades onde os estudantes têm que pagar por sua formação, incluindo muitas taxas que cada aluno tem de pagar para os vestibulares e outros testes obrigatórios exigidos em todos os níveis de escolaridade. Os subsídios governamentais para tudo, desde saúde, educação e assistência jurídica à habitação, energia e transportes públicos estão desaparecendo na disputa para cortes de gastos sociais e cortes de déficits orçamentários, tornando ainda mais difícil para as pessoas comuns sobreviverem em sua luta diária pela vida. A região tornou-se um campo de ensaio para ver em que medida os trabalhadores podem ser privados de seus direitos econômicos e sociais e, tais como um salário mínimo fixado legalmente, férias remuneradas, acesso gratuito e universal aos cuidados de saúde, educação e serviços jurídicos, aposentadoria aos 60 anos de idade para homens e 55 para mulheres, ou mesmo a sindicalização.
Mas, apesar de crescentes taxas de desemprego e subemprego, a disciplina de ferro do mercado, e à falta de bem-estar social ou mesmo da mais rudimentar solidariedade social, a velha piada da era comunista “Eles (os empresários) fingem que nos pagam, nós (os funcionários) fingimos trabalhar” parece ser hoje muito mais verdadeiro do que era sob o comunismo. Para pessoas que não tem vontade de trabalhar mais duro agora para os novos proprietários privados (e muitas vezes estrangeiro) de negócio que parecem estar interessados em espremer tanto lucro a partir de pequenos pagamentos e poucos benefícios possíveis. Ao mesmo tempo, a educação pública e as ciências, bem como as instituições artísticas e culturais, estão sendo estripadas, em nome da economia do “dinheiro dos contribuintes”, (por exemplo, a Academia Nacional de Ciências foi fechada ou está prestes a ser fechada em um bom número de países em transição).
Nessas nações em crise, onde os padrões de vida têm se deteriorado seriamente como desemprego, pobreza, miséria, criminalidade, bem como abuso de álcool e drogas estão se espalhando, junto com os preços exorbitantes para coisas básicas como alimentação, habitação e combustíveis, a satisfação do público com a forma como o governo está realmente agindo é mínima em quase toda parte. E onde há uma grande discrepância entre as expectativas populares e desempenho do governo em termos de fornecimento bens necessários e serviços públicos, como em quase todos os países pós-comunistas, a adesão a atitudes democráticas corrói gradualmente ao longo do tempo. O baixo desempenho dos regimes que não atendem às aspirações públicas durante longos períodos de tempo podem perder a sua legitimidade, arriscando crises sistêmicas (por exemplo, o caso paradigmático da Alemanha de Weimar). Dada as suas terríveis condições de vida e trabalho, muitos cidadãos pós-comunistas estão perdendo sua antiga crença no capitalismo de estilo ocidental e da democracia liberal. Muitos também estão rejeitando a ideia de que seus países ex-comunistas são realmente democráticos. Percepções negativas da população do desempenho, portanto, não pode, mas afetam as atitudes democráticas (como o valor da democracia é percebida) e, portanto, o chamado "déficit democrático" é estatisticamente muito significativo em toda a região. O governo das elites locais está lentamente perdendo sua legitimidade com as pessoas.
Como resultado, os protestos públicos e distúrbios sociais são comuns, incluindo dúzias de polêmicas revoluções coloridas – ambas bem sucedidas ou não, dependendo da extensão do apoio ocidental para elas – contra governos eleitos popularmente, mas muitas vezes profundamente impopular. Em janeiro de 2011, por exemplo, vários manifestantes foram mortos e 150 ficaram feridos durante uma manifestação antigovernamental na capital albanesa Tirana. O conservador Primeiro Ministro da Albânia Sali Berisha, prometeu que não iria permitir a derrubada de seu governo, mas a oposição realizou novas manifestações em Tirana e em outras cidades albanesas prometeu realizar protestos ainda mais no futuro. Apoiantes da oposição do Partido Socialista culpa as autoridades por crime financeiro generalizado, uma pandemia criminosa e corrupção, o funcionamento da economia para baixo, e a manifesta falta de serviços públicos básicos. Eles também exigem a realização de novas eleições, acusando o governo de massiva fraude de votos durante as eleições de 2009, que pela decisão de Berisha os democratas ganharam por uma margem pequena. As tensões ainda se agravaram quando Berisha acusou publicamente os seus adversários socialistas de uma tentativa de "sublevação no estilo Tunísia", uma referência à recente queda do presidente da sangrenta ditadura da Tunísia em que um grande número de pessoas fora mortas. Protestos similares contra o governo são realizados regularmente na Geórgia pós-soviética, apesar dos esforços das autoridades "democráticas" para esmagar todos os opositores. A descontente oposição culpa o forte homem da Geórgia, Mikheil Saakashvili pela guerra desastrosa de 2008 com a Rússia e pela a sorte do país que está afundando. “A esmagadora maioria da população está no limiar da pobreza. Nada está funcionando na Geórgia, exceto para a policia estadual", Lasha Chkhartishvili da oposição do Partido Conservador disse a jornalistas estrangeiros em visita, em Fevereiro de 2011, durante as manifestações anti-Saakashvili ao redor do prédio do parlamento na capital da Geórgia, Tbilisi. "regime ditatorial de Saakashvili é obrigado a entrar em colapso porque há um fim à paciência das pessoas.”[4]
No momento, todos os olhos estão sobre o mundo muçulmano e na medida em que os esforços pró-democracia das nações árabes estão transformando a política em todo o Grande Oriente Médio. Mas o pavio para revoltas existe em quase todos os lugares, especialmente nas zonas pós-comunistas do mundo. Estourando manifestações para protestar contra a pobreza, desemprego e endêmico roubo oficial, depois de mais de 20 anos de incompetente, corrupto e fraudulento governo pós-comunista – combinado com o desastroso experimento de laissez faire econômico em todo o ex-bloco soviético – produziu uma instabilidade em toda a região, onde a sobrevivência de alguns regimes apoiados no Oeste parece cada vez mais em risco.
Isto é confirmado pela especulação informal sem precedentes que lembra muito o período de antes da queda do comunismo – como muitos comentários de leitores "nos fóruns da mídia local, por exemplo – sobre a instabilidade e a reversibilidade da nova ordem pós-comunista e sua possível substituição pela "democracia revolucionária" do estilo latino-americano”. Este sentimento de insegurança e fragilidade do regime foi reforçado pela onda de nostalgia comunista varrendo várias nações ex-comunistas.

Nostalgia Comunista

Há uma grande desilusão com as promessas não cumpridas das revoluções de 1989, que trouxeram um rápido declínio nos padrões de vida para a maioria dos cidadãos dos extintos países comunistas. O desespero com o empobrecimento generalizado, corrupção, criminalidade e o caos social generalizado que acompanhou a transição ao capitalismo de mercado e democracia produziu um crescimento da nostalgia pelo passado comunista entre pessoas comuns (aquelas que não fazem parte do grupo neocosmopolita de elite pró-ocidente de seus países) que olham para o passado e tem seu apreço aos “velhos tempos" de comunismo aumentado – uma tendência preocupante que é popularmente conhecida na região como “chique Soviético”.
De acordo com uma recente publicação da Romanian Evaluation and Strategy Survey [Avaliação e Pesquisa de Estratégia Romena – N.T], 45% dos romenos acredita que viveria melhor se a revolução anticomunista não tivesse ocorrido. Depois de 21 anos de uma vida pós-comunista turbulenta, 61% dos participantes da pesquisa disseram que hoje vivem em condições muito piores do que viviam no regime de Ceauşescu, enquanto somente 24 disseram que vivem em condições melhores. Se o resultado dessa pesquisa é crível (a pesquisa foi realizada no final de 2010 a partir de uma amostra de 1476 adultos tem margem de erro de 2,7% para mais ou para menos), Ceauşescu tornou-se um mártir que atrai a simpatia da maioria dos romenos. Pelo menos 84% dos entrevistados acreditam ser uma coisa ruim a execução sem um julgamento e 60% lamentam sua morte. [5]
De acordo com uma outra pesquisa recente, 59% dos romenos consideram que o comunismo pode ser uma boa ideia. Cerca de 44% dos entrevistados acreditam que é uma boa ideia que foi mal aplicada, enquanto somente 15% acreditam que foi aplicada corretamente. Somente 29% dos romenos ainda acreditam que o comunismo é uma má ideia.
Não existem diferenças significantes entre homens e mulheres no que diz respeito a esta questão, mas o ponto de vista positivo acerca do comunismo está relacionado à idade e ao lugar onde moram os entrevistados. A maioria das pessoas com mais de 40 anos consideram o comunismo uma boa ideia (incluindo os 74% com mais de 60 anos e 64% daqueles cuja idade varia entre 40 e 59 anos). Mas apenas uma minoria faz isso entre as gerações mais jovens que nem se lembram do regime de Ceausescu (49% daqueles com idade entre 20 e 39 anos e somente 31% daqueles com menos de 20 anos). Os entrevistados moradores de regiões rurais têm uma visão mais positiva – 21% consideram o comunismo uma má ideia, enquanto 34% dos entrevistados da região urbana acreditam nisso. [6] E muitos romenos lembram com saudade do tempo em que a maioria tinha um emprego estável, do baixo custo da habitação providenciada pelo Estado, serviço de saúde gratuito e feriados na costa do Mar Negro subsidiados pelo Estado. “Lamento a morte do comunismo – não por mim, mas pelos meus filhos e netos que vejo se esforçando tanto.” Disse um mecânico aposentado de 68 anos. “Nós tínhamos estabilidade no emprego e salários decentes quando estávamos sob o comunismo. Tínhamos o suficiente para comer e férias anuais com nossos filhos” [7].
O “chique Soviético” é especialmente popular entre os moradores a antiga Alemanha Oriental, onde é conhecido como “Ostalgia” [8]. Segundo um artigo publicado na revista alemã conservadora Der Spiegel, “A glorificação da Republica Democrática Alemã está em ascensão duas décadas depois da queda do muro de Berlim. Os mais jovens e os mais abastados estão entre aqueles que mais criticam a Alemanha Oriental por ser um Estado ilegítimo”. Em uma pesquisa recente publicada pelo Der Spiegel, mais da metade (57%) dos que moravam no lado Oriental da Alemanha defendem a ex Republica Democrática Alemã (RDA). “A RDA tinha mais lados bons que lados ruins. Haviam alguns problemas, mas a vida era boa lá”, dizem 49% dos entrevistados. Oito por cento dos alemães orientais rejeitaram categoricamente qualquer crítica feita a seu antigo país ou concordaram com a afirmação de que “A RDA tinha, em sua maior parte, lados bons. A vida lá era mais feliz e melhor do que hoje na Alemanha reunificada”. O resultado da pesquisa, que foi publicado no aniversário de 20 anos da queda do muro de Berlim, mostra que a nostalgia da extinta Alemanha Oriental atingiu profundamente o coração de muitos alemães do leste. Já não são somente os mais nostálgicos que choram a perda da RDA. Em A new form of Ostalgie has taken shape (“Uma nova forma de ‘Ostalgia’ toma forma” - T.L.] , o historiador Stefan Wolle é citado dizendo “o anseio por um mundo ideal da ditadura ultrapassa o limite de funcionários do governo”, reclama Wolle. “Até mesmo pessoas jovens, que não tinham nenhuma experiência na RDA idealizam hoje.” [9]
“Nem sequer a metade dos jovens da parte oriental da Alemanha descrevem a RDA como uma ditadura, e a maioria acredita que a Stasi era um serviço de inteligência normal”, concluiu em uma pesquisa realizada em 2008 sobre a juventude do leste da Alemanha o cientista político Klaus Schroeder, diretor de um instituto de pesquisa na Universidade Livre de Berlim, que estuda os extintos Estados comunistas. “Esses jovens não podem e na verdade não têm vontade de conhecer o lado escuro da RDA”. A própria pesquisa de Schroeder dá uma visão surpreendente acerca do pensamento de muitos cidadãos descontentes com a extinta RDA. “Da perspectiva de hoje, eu acredito que fomos expulsos do paraíso quando o muro caiu”, um alemão do Leste é citado, enquanto outro, um de 38 anos, agradece a Deus por ter vivido na RDA, porque foi depois da reunificação alemã que viu, pela primeira vez, as pessoas sem abrigo, mendigos e pessoas pobres que se preocupam com formas de sobreviver. A Alemanha de hoje é descrita por muitos alemães da extinta RDA como um “Estado de escravos” e uma “ditadura capitalista”, enquanto alguns rejeitam totalmente a Alemanha reunificada por ser, em sua opinião, muito capitalista e ditatorial e certamente antidemocrática. Schroeder considera tais afirmações alarmantes: “Receio que a maioria dos alemães orientais não se identifica com o sistema sociopolítico vigente”. De acordo com outro ex cidadão da RDA citado no mesmo artigo da Der Spiegel, “No passado, um acampamento foi (...) um lugar onde as pessoas aproveitavam sua liberdade juntas”. E o que mais ele sente falta hoje em dia é “aquele sentimento de companheirismo e solidariedade”. Sua opinião a respeito da RDA é clara: “Na minha concepção, o que tínhamos naquela época era menos uma ditadura do que o que temos hoje”. Ele não só quer ver os salários e pensões iguais como na RDA, mas também reclama que as pessoas trapaceiam e mentem em toda a Alemanha unificada, e as injustiças que hoje são perpetradas de uma forma mais tortuosa que na RDA, onde salários de fome e criminalidade eram desconhecidos.
Em reação à propagação da região de nostalgia comunista e também às mudanças na opinião pela qual o ultimo líder comunista polonês, Wojciech Jaruzelski, tornou-se mais popular que o outrora reverenciado, mas agora marginalizado ícone anticomunista– Ex chefe do Sindicato Solidariedade, Nobel da Paz e, mais tarde, presidente Lech Walesa -, poloneses fervorosamente anticomunistas têm revisto o Código Penal para incluir a proibição formal de todos os símbolos do comunismo. De acordo com a nova lei, pior que a Inquisição católica medieval, podem ser multados e presos se forem pegos cantando o hino da Internacional, por exemplo, ou se carregarem uma bandeira ou estrela vermelhas ou, ainda, a insígnia da foice e martelo entre outros símbolos da era comunista, além da camiseta do Che Guevara. Da mesma forma, o governo conservador Tcheco está tentando colocar na ilegalidade o Partido Comunista da Bohemia e Morávia (embora neste último o Partido Comunista tenha conseguido mais de 11% dos votos populares nas ultimas eleições parlamentares e tem representante nas duas casa do parlamento nacional) porque as lideranças do partido se recusam a tirar a pecaminosa palavra “comunista” do nome do partido. Vários ex membros comunistas da União Europeia recentemente pressionaram, em Bruxelas, para que se instaurasse uma proibição na União Europeia de negar ou subestimar os crimes dos antigos regimes comunistas. “O principio da justiça deve assegurar um tratamento justo para as vítimas de todos regimes totalitários”, os ministros de relações exteriores da Bulgária, Republica Tcheca, Hungria, Letônia, Lituânia e Romênia escreveram em uma carta entregue ao comissários de Justiça da União Europeia, na qual insistiram que “apologia publica, negação ou banalização de crimes totalitários” deve ser criminalizado em todos os países da União Europeia. Por iniciativa de deputados anticomunistas de países pós comunistas, o parlamento europeu já aprovou uma resolução controversa sobre “totalitarismo”, o que equipara comunismo ao nazismo e fascismo. Mas todas essas medidas punitivas dificilmente limitaram a onda de nostalgia comunista: a camiseta mais popular entre os berlinenses do Leste é uma que diz: Devolva meu muro. E desta vez, construa-o duas vezes mais alto!”.

Os países ex-comunistas são os próximos?

Com a atenção do público e dos governos ocidentais centrada agora sobre as tensões e tumultuados conflitos no mundo árabe, as pessoas tendem a ignorar ou esquecer as crises que agarram as nações ex-comunistas. Dadas a crescente desigualdade, a miséria, a corrupção do governo e o crime organizado que têm caracterizado a ordem pós-comunista, a situação nessas terras ex-comunistas não é menos inflamável do que no Norte de África e do Oriente Médio, e um dia destes ela poderá vir a ser muito mais insegura do que é agora imaginado. A Tunísia, o Egito ou mesmo a Líbia, é um cenário mais provável para o futuro desta conturbada região?
Agora, os cidadãos de longo sofrimento, contudo muito pacientes desses países em transição, estão cerrando os dentes na esperança de que a próxima eleição vai levar ao poder um salvador messiânico em um cavalo branco que – juntamente com assistência muito mais generosa do que os bolsos supostamente sem fundo do Ocidente – vai finalmente libertar de sua falência, as sociedades atingidas pelo abismo da pobreza em que caíram.
As pessoas comuns na parte pós-comunistas do mundo acreditam que suas revoluções democráticas e grandes expectativas foram traídas, roubadas ou sequestradas por várias “forças obscuras”, que vão desde as elites ex-comunistas que agora substituiu seu antigo poder político com o poder do dinheiro, com uma aliança corrupta (na visão de muitos esquerdistas nativos) entre ambiciosos pseudo-democratas locais e gananciosos capitalistas ocidentais e, finalmente, a uma insidiosa conspiração envolvendo o FMI, o Banco Mundial, a Fundação Soros, e "financiamento internacional judeu "(geralmente aos olhos dos nacionalistas de extrema-direita). Como ironiza Sir Robert Chiltern em espirituosa comédia de Oscar Wilde, Um Marido Ideal: “Quando os deuses desejam nos punir, eles respondem a nossas orações”.
Só o tempo dirá se as orações respondidas das nações ex-comunistas acabarão por revelarem-se uma punição de cima. Por outro lado, pode abrir novas perspectivas para essas nações que lutam para resistir ao poder esmagador dos bancos internacionais e empresas multinacionais através da adoção de reformas progressistas que visam a criação de uma ordem democrática mundial não controlada pelos senhores da globalização e as elites locais que os servem.

Notas
[1] George Jahn, “In Romania, Turmoil Fuels Nostalgia for Communism,” Washington Post, 11 de janeiro de 2011.
[2] Michael Hudson and Jeffrey Sommers, “Latvia Provides No Magic Solution for Indebted Economies,” Guardian.co.uk, 20 de dezembro de 2010.
[3] “There’s More at Stake than Just Freedom of the Press,” Der Spiegel International, 19 de janeiro de 2011.
[NT] "Absurdistan" é um termo utilizado para designar um país onde políticas absurdas são comuns, sem tradução literal para o português.
[4] “Saakashvili Has Turned Georgia into A Police State,” Interfax, 11 de fevereiro de 2011.
[5] “45% of Romanians Say ‘Ceauşescu, Please Forgive Us for Being Drunk in December (1989)’,” Bucharest Herald, 29 de dezembro de 2010.
[6] Os resultados desta pesquisa realizada com uma amostra representativa dos romenos entre 22 de Outubro e 01 de novembro de 2010 foram divulgados pelo Instituto de Investigação de Crimes Comunista e da Memória dos Exilados Romenos em http://www.crimelecomunismului.ro/en/about_iiccr.
[7] Jahn, “In Romania, Turmoil Fuels Nostalgia for Communism.
[8] “Ostalgie” é derivado das palavras alemãs Ost (leste) e Nostalgie (nostalgia) e refere-se ao sentimento generalizado de saudade de muitos aspectos da vida da antiga República Democrática Alemã.
[9] Julia Bonstein, “Majority of East Germans Feel Life Better under Communism,” Der Spiegel International, 3 de julho de 2009.
[10] Ibid. O jornal britânico The Guardian, marcou o aniversário de 20 anos desde a queda do Muro de Berlim com um artigo de uma acadêmica ex-Alemanha Oriental ue similarmente lamentou o fim da RDA, que, afirmou, ofereciam "igualdade social e de gênero, o pleno emprego e a falta de medos existenciais, bem como rendas subsidiadas". Segundo ela, a unificação tem "trazido desagregação social, desemprego generalizado, listas negras, um crasso materialismo e uma "sociedade de cotovelo ...." Veja Bruni de la Motte, “East Germans Lost Much in 1989: For Many in the GDR the Fall of the Berlin Wall and Unification Meant the Loss of Jobs, Homes, Security and Equality”, Guardian.co.uk, 8 de novembro de 2009.

Traduzido para Diário Liberdade por Pamela Penha

A Coragem de Helder Santos clama por Solidariedade

No blog Arqueologia das urgências

O companheiro Helder Santos, estudante de História da Unipampa de Jaguarão - RS, nos dá um exemplo de luta pelos oprimidos e pelos Direitos Humanos.
 Ao ser abordado pela Brigada Militar, em fevereiro desse ano, Helder e amigos foram vítima de racismo e abuso de autoridade. Helder, como integrante do Movimento Negro, contestou a abordagem dos policiais e foi agredido.
 Após denunciar os abusos, foi constantemente perseguido pelos policiais. Recebeu cartas de ameaça. Porém Helder levou até a todas as instâncias públicas o que ocorreu e ocorre em Jaguarão. Denunciou na corregedoria da BM, no Ministério Público, nos veículos de comunicação.
 Teve ele de desistir de sua faculdade em defesa de sua própria integridade. Está voltando para a Bahia, seu estado de origem, e não sabe se conseguirá terminar seus estudos lá.
 Assim como vários outros estudantes que migraram para outros estados em busca do acesso ao ensino superior público, pelo ENEM-SISU, Helder foi um alvo de xenofobia também, ao ser perseguido por ser nordestino e pobre. Na região da campanha onde a Unipampa está presente, muitos estudantes de outros estados estão sendo vítima de preconceitos, desestímulos dados à busca por melhores condições de moradia e alimentação, na forma de expressões como "Ninguém mandou vocês virem para cá!" ou "Não tem nada lá daonde vocês vieram?".
 Helder esteve em Porto Alegre com representantes estaduais e federais dos Direitos Humanos, para que seja garantida a análise do caso com urgência pública, pela gravidade das denúncias.
 Em pouco tempo ele estará voltando para Feira de Santana, onde espera conseguir transferência para a UFRB.

 Que todos os movimentos sociais e grupos locais de Porto Alegre, das cidades da região da campanha ( Bagé, Jaguarão, Alegrete, etc. ) e de Feira de Santana prestem solidariedade a este jovem herói das classes oprimidas! Solidariedade tão necessária para que ele tenha sua integridade física e mental garantidas, para estudar e exercer seus direitos sem medo!


 O fim à repressão policial e sua abordagem racista e elitista só se dará com atitudes de denúncia, como as desse herói! A Brigada Militar mais uma vez demonstra de que lado está e para que(m) serve. Lembramos o assassinato de Elton Brum por esta corporação! Não podemos mais deixar o Estado reprimir, perseguir e matar nosso povo! Denunciem!
 Destaques de notícias sobre Helder Santos para saber mais sobre:
 

sábado, 26 de março de 2011

Há quarenta anos nascia a esquerda tolerante no Uruguai

Archivo/presidencia.gub.uy

Felipe Prestes no Sul21

No dia 26 de março de 1971, o general Líber Seregni comandou o primeiro ato público da Frente Ampla, em Montevidéu. Três anos antes, Seregni deixara o Exército, recusando-se a compactuar com a escalada repressiva do governo de Jorge Pacheco Areco contra movimentos grevistas. Naquela época o militante do PT Gustavo de Mello, superintendente da Funasa no RS, era uma criança que vivia no Uruguai. Seu pai, integrante do Partido Comunista do Uruguai, foi um dos tantos que ajudou a fundar a Frente que conseguiu reunir socialistas, comunistas, democratas cristãos, dissidentes blancos e colorados, militares, sindicalistas, estudantes. Para Gustavo, o espírito tolerante de um general que se recusa a reprimir grevistas simboliza a Frente Ampla. “A Frente Ampla é indissociável de Líber Seregni, um general que se negava a reprimir grevistas. Era uma espécie de síntese desta concertação política”, diz.
A ideia de busca por convergência, apesar das divergências, era tamanha que conseguiam conviver os comunistas, ainda adeptos dos conceitos da União Soviética, com socialistas, profundamente críticos do modelo político do Leste Europeu. Ao lado deles, conviviam políticos que eram apenas reformistas, contrários à dualidade blancos x colorados da política uruguaia. “A Frente Ampla era um lugar de grande tolerância em um período em que a esquerda se caracterizava por grande intolerância entre si e patrocinava sucessivos rachas em várias partes da América Latina”, afirma Gustavo.
Para o presidente da Assembleia Legislativa gaúcha, deputado Adão Villaverde (PT), a Frente Ampla serviu como um exemplo para as esquerdas em toda a América Latina. “O exemplo de como você se unifica em cima dos acordos principais que você tem, e as coloca acima das divergências”, diz.
General Líber Seregni se recusava a reprimir movimentos sociais (Foto: Divulgaçãoi/Frente Ampla)

Convulsão política

O professor de História da Ufrgs, Enrique Padrós, nascido no Uruguai, conta que a Frente Ampla surge em um período de convulsão política, mesmo que o país vivesse um período democrático. O presidente Jorge Pacheco Areco fora eleito vice-presidente de Oscar Gestido, em 1967. Gestido morreu um ano depois e Areco armou um governo formado essencialmente por estancieiros e grandes empresários. O governo de Areco instaurou um clima autoritário dentro da democracia, utilizando leis de exceção como regra, censurando veículos de imprensa, reprimindo os movimentos sociais.
Ao mesmo tempo em que Areco marchava para o autoritarismo, os Tupamaros surgiam como alternativa da esquerda armada. Por outro lado, a aglutinação de dissidentes dos partidos tradicionais do Uruguai com comunistas, socialistas, movimentos sociais se dá porque estes setores todos viam no poder um inimigo em comum, mas buscavam uma saída democrática – embora houvesse na Frente Ampla também o braço político dos Tupamaros, liderado pelo escritor Mario Benedetti. “A Frente Ampla surge como a esquerda que quer reforçar o campo democrático. Sua tendência majoritária era algo entre o socialismo e a social democracia”, afirma Padrós.
O momento vivido pelo Uruguai era de intenso debate político. Trabalhadores ocupavam fábricas, intelectuais se aglutinavam em semanários de grande audiência, como o “Marcha”. Os frenteamplistas começam a organizar comitês nos bairros populares de Montevidéu. Estudantes protestavam nas ruas, e o movimento armado chegava a contar com a simpatia de setores da população charrua. Neste contexto político, seriam realizadas eleições presidenciais, ainda em 1971, apenas alguns meses depois da fundação da Frente Ampla. A candidatura de Líber Seregni consegue reunir grandes comícios e faz quase 20% dos votos, tendo sua votação concentrada especialmente em Montevidéu. O novo partido consegue eleger um número significativo de senadores e deputados que se tornam os mais combatentes opositores do presidente eleito Juan Maria Bordaberry, do Partido Colorado.
No dia 5 de fevereiro de 1971, reunião institui o partido (Foto: Divulgação/Frente Ampla)

Sobrevivência no exílio

Apesar de o Uruguai já rumar para o autoritarismo desde antes da criação da Frente Ampla, o professor Enrique Padrós acredita que o partido assustou quem estava no poder e “ajudou” a fazer com que o golpe militar ocorresse, em 1973. Àquela altura, a frente já era a maior opositora de Bordaberry, uma vez que o poderio militar dos Tupamaros havia sido debelado ainda no primeiro semestre de 1972. “A força que a Frente Ampla mostrou era um novo fator, que assustava ainda mais. O golpe foi contra as organizações, em especial a Frente Ampla”.
O medo que o partido de esquerda provocou se tornou evidente, porque a ditadura militar tratou de acabar com a agremiação. O Congresso foi fechado; os partidos políticos, extintos.  Líber Seregni e os militares que o apoiavam ficaram presos por quase uma década. Dois dos parlamentares mais expressivos da Frente Ampla acabaram sendo assassinados. Em 20 de maio de 1976, o ex-senador Zelmar Michelini, um dissidente colorado, e o ex-deputado Gutierrez Ruiz, dissidente Blanco, são sequestrados e levados para Buenos Aires, onde são mortos. Até hoje o dia 20 de maio é lembrado ano após ano e conhecido como o “Dia do Silêncio” no Uruguai.
A repressão faz com que a luta pela democracia ocorra no exterior. Primeiro, em Buenos Aires, que se torna a segunda cidade com mais uruguaios no planeta. Com o golpe militar na Argentina, em 1976, a luta se transfere especialmente para a Europa, mas também para Venezuela, México e Estados Unidos. Neste combate, tiveram papel escritores como Eduardo Galeano e músicos como Daniel Viglietti, exilados blancos e frenteamplistas e, até, exilados de Argentina, Chile e Brasil, que se uniam para denunciar as ditaduras do Cone Sul. “O exílio uruguaio foi muito combativo”, conta Padrós.
Os frenteamplistas fazem comitês por cidades, e representações em cada país. O partido consegue, inclusive, realizar grandes encontros fora do Uruguai e age denunciando a ditadura na imprensa internacional e, em organismos de defesa dos Direitos Humanos, faz articulações políticas com exilados blancos, conseguindo, inclusive, influenciar no processo de abertura do país, de 1984 a 1985. “Mesmo sendo derrotada eleitoralmente, mesmo com o golpe militar, a Frente Ampla buscou se reorganizar com as mais variadas formas de resistência. Teve papel estratégico na redemocratização do Uruguai”, diz Adão Villaverde.
Villaverde conta que, em Porto Alegre, quando o Brasil já caminhava de forma “lenta, gradual e segura” para a democracia, ele e outros militantes petistas tiveram intercâmbio com frenteamplistas. “Eu e vários militantes do PT tivemos relação muito estreita com o conjunto de dirigentes que estão hoje à frente da FA. Foi muito importante albergarmos eles em Porto Alegre. Nós os ajudamos a criar condições para eles poderem se rearticular e fazer a resistência democrática, recompor a organização da Frente e voltar depois da anistia no Uruguai para se reestruturar”.

Da liberdade negociada ao poder

Em novembro de 1984, o Uruguai realiza eleições gerais, mas a democracia não está totalmente reinstalada no país cisplatino. Líber Seregni é impedido de concorrer à presidência. A Frente Ampla não volta com a mesma força, mas inicia um processo de crescimento – elege seis senadores e 21 deputados. Em 1989, a Frente Ampla chega à prefeitura de Montevidéu, com Tabaré Vazquez. A experiência na capital do país, segundo cargo político mais importante no Uruguai, foi fundamental para credenciar o partido a chegar à presidência. Em Montevidéu, a Frente Ampla nunca mais deixou o poder. Já são 22 anos comandando a capital uruguaia. “A Frente Ampla ganha credibilidade ao governar Montevidéu”, afirma Gustavo de Mello.
O deputado Adão Villaverde diz que a Frente Ampla na capital inverteu a lógica política de blancos e colorados, priorizando investimentos na periferia da cidade, especialmente em obras de infraestrutura, como habitação. “A frente recuperou uma das coisas mais importantes de Montevidéu: voltou a ser uma cidade alegre. Ao longo do regime militar, ela havia perdido isto”.
Enrique Padrós afirma que as diferenças entre a gestão frenteamplista na capital uruguaia e a dos dois partidos tradicionais foram a ética no exercício do poder e a articulação política nos bairros populares. “Os cidadãos passaram a ser consultadas por seus representantes”. Assim, a Frente Ampla melhorou significativamente o serviço de saúde da cidade, o transporte público e democratizou os espaços públicos.
Em 2004, coube a Tabaré Vazquez o pioneirismo novamente, sendo eleito presidente do Uruguai. No poder máximo do país, a Frente Ampla não fez reformas radicais, mas tratou de avançar na erradicação da pobreza, especialmente no interior do país. Investiu em habitação e nos assentamentos rurais, ampliou o acesso à saúde de qualidade. Avançou também nos Direitos Humanos, conseguindo punir alguns dos militares e civis envolvidos na ditadura militar. O programa de governo que ficou mais famoso, sendo exportado para outros países, foi o “Plan Ceibal”, que visa dar um laptop para cada aluno da escola pública no Uruguai. O plano já está sendo estendido para o ensino superior.
No poder, Frente Ampla tem as mesmas dificuldades que o PT para imprimir mudanças (Foto: Rooswelt Pinheiro/ABr)

Para Enrique Padrós a maior prova de êxito na condução da economia uruguaia é ter cessado, nos últimos dois anos, a fuga de jovens do país em busca de melhores oportunidades no exterior. Em 2010, inclusive, muitos uruguaios retornaram ao país – o governo tem ajudado os que desejam voltar. O professor pondera, contudo, que, em parte, isto também se deve à crise econômica que afeta a Europa, principalmente devido à crise na Espanha, país que costumava receber muitos imigrantes uruguaios.
Padrós afirma que, assim como o PT no Brasil, a Frente Ampla também precisou se aproximar do centro. “Para viabilizar a chegada ao governo, a Frente Ampla foi sinalizando para o centro. Os setores reformistas ganharam espaço. O partido está em sintonia com o Brasil. Faz um governo de muito diálogo, muito reformismo, concessões aos bancos”.
Gustavo de Mello acredita que a Frente Ampla não se aproximou do centro. Ele pondera que as dificuldades de implementar políticas mais arrojadas se devem ao fato de que, assim como no Brasil, a transição democrática uruguaia não se deu com ruptura, mas de forma negociada. A prova para ele, de que a Frente não deu uma guinada para o centro, foi a eleição de José Pepe Mujica, em 2009, para suceder Tabaré. Ex-guerrilheiro tupamaro, Mujica venceu nas prévias do partido o moderado Danilo Astori. “A maior prova de que a Frente Ampla não se aproximou do centro é a derrota de Astori. A frente é representada hoje por uma de suas figuras mais radicais em termos de pensamento. Um homem que não pode ser dito de centro, mas que governa com grande responsabilidade”, afirma.
Para Gustavo de Mello, a consolidação da Frente Ampla no poder já demonstra uma radical mudança no processo político do Uruguai. “Só o fato de que esta tradição (blancos x colorados) está morta prova que o Uruguai abriu novo caminho”, diz. Aos 40 anos, a Frente Ampla pode dizer que um dos grandes objetivos de sua criação está cumprido com louvor: a política tradicional uruguaia, com apenas dois grandes partidos, é coisa do passado.

Entenda o sistema político uruguaio

No Uruguai, partidos como o Colorado, a Frente Ampla e o Nacional (blanco) são, na verdade, federações de agremiações. O sistema político do país platino tem voto em lista para o Parlamento e permite que o mesmo partido lance várias listas. Os partidos também podem lançar quantos candidatos à presidência quiserem. O candidato mais votado do partido mais votado acaba se elegendo presidente (há a possibilidade de segundo turno entre os principais candidatos dos dois partidos mais votados).
Na Frente Ampla, por exemplo, há vários partidos que têm, inclusive, estatutos próprios, mas que se subordinam às decisões maiores da Frente. O Partido Socialista (de Tabaré Vazquez), o Partido Comunista, o Partido Democrata Cristão, a Assembleia Uruguay (de Danilo Astori) são todos como se fossem partidos dentro da Frente Ampla. Hoje, o Partido Socialista é dos segmentos mais importantes da Frente, junto com o Movimiento de Participación Popular, liderado por ex-tupamaros, como o presidente Pepe Mujica. Os tupamaros ingressaram na Frente Ampla em 1989.
Este sistema, por um lado, permite que as correntes partidárias atuem de forma mais livre, mesmo estando em conjunto. Por outro lado, gera contradições nos partidos. Segundo Enrique Padrós, a Frente Ampla sofre algumas contradições, mas tem conseguido mais consensos que colorados e blancos. A Frente nunca lançou vários candidatos à presidência, por exemplo, enquanto os outros dois partidos fazem isto com frequência. Padrós afirma que um grande consenso entre os frenteamplistas é quanto à necessidade de um estado que atua no desenvolvimento econômico. Entre colorados e blancos, segundo ele, é possível encontrar neoliberais e defensores da atuação forte do estado, o que tem causado problemas para estes partidos. Na Frente Ampla ocorre um problema pontual atualmente. O partido decidiu que todos seus senadores devem votar pelo fim da Ley de Caducidad (a anistia aos militares no Uruguai). Três senadores frenteamplistas, no entanto, ainda se recusam a fazê-lo.

O poder da imprensa e os abusos do poder



Por Bernardo Kucinski no Obsevatório da Imprensa
Prefácio de Regulação das comunicações – História, poder e direitos, de Venício A. de Lima, Editora Paulus, São Paulo, 2011; intertítulos do OI
Todos sabemos que a imprensa pode destruir reputações, derrubar ministros e às vezes um governo inteiro. Foi uma campanha de imprensa, liderada por um grande jornalista, Carlos Lacerda, que levou Getúlio ao suicídio em 1954. Vinte anos depois, nos Estados Unidos, o presidente Richard Nixon renunciou por causa de denúncias da imprensa.
Nos dois episódios, o poder havia recorrido a métodos criminosos para eliminar ou intimidar oponentes políticos. Ao revelarem esses abusos, derrubando a parede de segredo que os protegia, jornalistas exerceram uma das funções sociais que legitimam a imprensa como ator importante numa democracia.
Mas no Chile, em 1973, a grande imprensa contribuiu não para aprimorar a democracia ou denunciar abusos do poder, ao contrário, para derrubar o governo democraticamente eleito de Salvador Allende, abrindo caminho para a uma das mais abomináveis chacinas políticas da nossa história, sob a ditadura de Pinochet.
Esses três episódios comprovam o imenso poder da mídia tanto de fazer o bem – sob a ótica do aperfeiçoamento democrático – quanto de fazer o mal. E apontam para a questão crucial, objeto dos ensaios que compõem esta obra definitiva do professor Venício Lima: como regular o mercado da comunicação de massa numa sociedade em que a informação é uma mercadoria apropriada por empresas privadas portadoras de interesses políticos, de modo a preservar o potencial democrático da mídia e ao mesmo tempo impedir abusos de poder da própria mídia?
Critérios democráticos Essa questão é ainda mais crucial em sociedades de cultura autoritária, como as latino-americanas, nas quais predomina um cenário de polarização da renda e concentração da propriedade e do poder econômico, inclusive o dos conglomerados da indústria da comunicação.
É um cenário propício à instrumentação da mídia nas disputas de poder. Basta lembrar como se deu a eleição do primeiro presidente civil, ao fim do regime militar. Inventado do nada, endeusado pela revista Veja como condutor de uma luta implacável contra a corrupção e com o apoio da Rede Globo, que falseou o debate final decisivo da campanha, Fernando Collor tornou-se o primeiro presidente eleito, após os 25 anos de ditadura.
Depois, a mesma mídia que inventara sua candidatura conduziu a campanha que levou ao seu impeachment. Mas o resultado duradouro e nefasto do episódio não foi a autocrítica. Ao contrário, foi a percepção pelos principais grupos de mídia de massa do país de seu poder de eleger ou derrubar presidentes. Desde então, nossa mídia de massa não se limita a reportar a nossa história – quer determinar os rumos de nossa história.
Nas democracias mais avançadas, ou sociedades de cultura menos autoritária, abusos e instrumentação da mídia são dirigidos principalmente para fora, para objetivos de dominação mundial. O ataque americano ao Iraque em 1991 foi precedido por uma operação de mídia que iludiu a opinião pública com a falsa noção dos bombardeios cirúrgicos, que atingiriam instalações com precisão milimétrica, sem matar ninguém. No segundo ataque ao Iraque, esse seguido da invasão e ocupação, dezenas de jornalistas foram "embutidos" nos diferentes batalhões, disseminando a cada dia uma nova falsa informação de que haviam sido encontrados indícios dos meios de destruição de massa – o pretexto da invasão.
Nas grandes democracias representativas, as democracias de massa, como Brasil, Estados Unidos e Índia, a mídia substituiu as praças públicas como o espaço em que se dá a disputa pelo voto. Obviamente, se o grosso dessa mídia se alinha a uma determinada corrente política, gera-se um desequilíbrio fundamental na disputa democrática. Como garantir ao mesmo tempo a mais ampla liberdade de alinhamento político dos meios de comunicação, e impedir esse desequilíbrio?
A resposta, de novo, está numa regulação de mercado formatada por critérios republicanos e democráticos. Daí a importância desta obra do professor Venício Lima, em especial as referências às experiências de regulação em outros países.
Unidade de propósitos Estudos empíricos feitos em sua maioria nos Estados Unidos sugerem que os meios tradicionais de comunicação de massa conseguem determinar que temas serão objeto do debate público e que temas serão omitidos. No debate da regulação, vive-se no Brasil um paradoxo nefasto: os meios de comunicação de massa procuram excluir o debate da própria regulação, rotulando-o de ameaça à liberdade de imprensa. Assim, excluíram do debate público as propostas, apresentadas democraticamente pelo governo, de criação de um Conselho Federal de Jornalistas e a de criação de um novo sistema de estimulo ao audiovisual.
É na determinação da agenda pública de debates, de resultados seguros e duradouros, em especial na nomenclatura e forma de abordagem desses temas, que os grupos de interesses mais poderosos, como os bancos, por exemplo, concentram hoje seus esforços midiáticos.
Outro exemplo notável é a visibilidade dada às ocupações de terra do MST, retratando-o como organização violenta, nunca se referindo à Universidade dos Sem Terra, em Guararema (SP) ou às suas escolas primárias ou à escandalosa concentração da propriedade da terra no Brasil.
No plano internacional um bom exemplo de determinação da agenda é a insistência da mídia mundial em classificar certos países como "irresponsáveis", em cujas mãos nunca deveria estar a bomba atômica, quando o único país que ousou despejar bombas atômicas em cima de populações civis foram os Estados Unidos, e sem uma justificativa plausível, se é que poderia haver alguma.
Esses exemplos sugerem que ao agendar o que é discutido e o que é omitido, em especial a forma e a linguagem das discussões, os grandes jornais e redes de televisão, cada vez mais interligados e homogêneos, criam o ambiente em que se forma nossa visão de mundo.
Além disso, as simplificações inerentes à linguagem jornalística geram falsos consensos ou um senso comum simplificado ou grosseiro. Em alguns casos-limite, invertem sentidos e escamoteiam a realidade.
Os grandes jornais são também instituições da sociedade civil. A maioria deles foi criada em momentos cruciais da luta política em seus respectivos países. O Estado de S.Paulo, principal jornal brasileiro, foi lançado em 1875 manifestamente para defender a instauração de um regime republicano. O Le Monde nasceu da luta contra a ocupação alemã. O último desses grandes jornais, o espanhol El País, foi criado pela burguesia espanhola como parte do projeto de enterrar o vergonhoso passado do franquismo e levar a Espanha à União Europeia.
No Brasil, os três grandes jornais de referência nacional – Estadão, Folha de S.Paulo e O Globo, e mais alguns importantes diários regionais como o Correio Braziliense e o Zero Hora, de Porto Alegre, e ainda a revista Veja e os canais de televisão e rádio do grupo Globo – formam hoje um compacto político-ideológico em defesa dos fundamentos do modelo econômico chamado neoliberal: privatizações, terceirizações, flexibilização das leis trabalhistas e desrregulação do movimento de capitais. Também combatem em uníssono as principais políticas públicas do governo, como o Bolsa Família, o Plano Nacional de Direitos Humanos, as cotas nas universidades e a política externa. Tornaram-se assim substitutos de um grande partido político conservador e protagonistas centrais na cena político-eleitoral.
Não por coincidência essa unidade ideológica e de propósitos começou a tomar corpo com a fim da ditadura militar. É como se a grande mídia oligárquica tivesse assumido funções de controle social por meios ideológicos, em substituição ao exaurido controle social coercitivo.
Conceito de mercadoria Felizmente, já se foram os tempos em que os grandes jornais combinavam de modo tão explosivo o poder econômico com o poder político que se autodenominavam "o quarto poder." O advento da internet como principal meio hoje de comunicação – tanto interpessoal, como intergrupal e de massa – destruiu o monopólio da fala detido pelos jornais, pelos jornalistas, e pela indústria capital intensiva da comunicação.
Hoje os três grandes jornais de referência nacional não chegam a vender, somados, 900 mil exemplares. No período de duas décadas em que nossa população cresceu uns 25%, esses jornais perderam 25% de leitores.
A internet nasceu com vocação libertária, tornando-se o meio principal de comunicação livre e barata entre as pessoas organizações e movimentos sociais. Além de ferramenta poderosa de pesquisa, registro, processamento e guarda do conhecimento, é ao mesmo tempo uma nova mídia, um novo meio de transmissão, de articulação e de mobilização.
Pela primeira vez, com as novas tecnologias, baratas e livres do controle do grande capital, qualquer ser humano razoavelmente inserido num meio social pode materializar o direito de informar como distinto do direito de ser informado.
A mediação exclusiva dos meios de comunicação foi substituída pela interatividade, pela capacidade de cada leitor modificar, questionar, desconstruir os conteúdos jornalísticos no momento mesmo de sua emissão. Trata-se de todo um novo processo de elaboração coletiva do discurso midiático, um processo tão rico e sedutor, que está cativando até mesmo os jornalistas, cada vez mais dedicados aos seus blogs e twitters do que às suas colunas opinativas nos grandes jornais.
Essa revolução da comunicação está ainda no seu início. Uma de suas conseqüências é o declínio acelerado dos grandes jornais como indústria capital intensiva, que se utiliza de rotativas gigantescas, processando volumes imensos de papel.
Embora o hábito de ler diários seja arraigado, a lógica de produzi-los já morreu. Não tem mais sentido econômico plantar uma floresta inteira de eucaliptos, produzir toneladas de polpa e depois bobinas imensas de papel jornal, transportá-las a grande distância, levá-las até uma rotativa central, imprimir meio milhão de exemplares de jornais e depois distribuí-los em caminhões por vastas distâncias, para nos trazer de manhã uma notícia que já está velha, que já foi superada pelo noticiário online da internet.
Esse "modelo de negócios", como se diz na linguagem neoliberal, está superado. E a indústria dos grandes jornais ainda não conseguiu encontrar uma saída. Os grandes jornais continuam sendo a principal fonte produtora das informações, inclusive as veiculadas pela internet, e todos eles têm hoje uma versão digital, mas não sabem como cobrar por essa leitura e perdem publicidade e leitores pagos na versão tradicional impressa.
O meio internet é infenso ao lucro e ao conceito de mercadoria, fundamental no capitalismo. Na internet é possível "consumir" a matéria jornalística ou de entretenimento sem que com isso ela acabe. Ao contrário, ao mesmo tempo que é consumida, pode ser multiplicada, ao ser reenviada, com um simples comando, a inúmeros outros destinos.
Interesses antagônicos A maioria dos grandes jornais já reduziu suas redações à metade. Alguns já deixaram de circular e outros seguem o mesmo caminho. Embora mais lentamente, a revolução tecnologia está erodindo a indústria dos jornais da mesma forma como erodiu a indústria dos CDs.
Isso não significa que os jornais impressos deixarão de existir. Tanto jornais quanto revistas existirão para sempre, nas mais diversas formas. Mas não mais como uma poderosa indústria que comandava ao mesmo tempo lucros e poder político.
A revolução digital retirou dos jornais sua principal função, a noticiosa. Daí a exacerbação hoje da função ideológica que os marcou na era das revoluções republicanas, antes que a invenção das grandes rotativas fizesse deles também uma indústria de alto retorno.
Mas, sem poder econômico, os grandes jornais tendem a perder poder político. Na França já há subsídio estatal a alguns grandes jornais. As tevês, em ritmo mais lento, perdem poder pela força da fragmentação do meio e do rápido avanço da informação digital em outras plataformas, inclusive no celular.
O símbolo maior da nova era da comunicação é o celular, com o qual cada ser humano pode se comunicar com todos os demais, informar e ser informado. Vivemos hoje uma situação em que a comunicação como um todo assumiu estatuto antropológico nas nossas vidas, constituindo-se no ambiente no qual se formam as novas gerações, desde a infância.
Não há mais distinção nítida entre comunicação pública e privada, entre jornalistas e não jornalistas. O próprio jornalismo como um campo constituído de relações definidas, papéis pré-atribuídos, uma ética própria, foi destruído pela internet e ainda não sabe como se recompor.
O vazio jurídico provocado pelo advento da internet é imenso. Nos principais países, inclusive no Brasil, discutem-se novos marcos legais para a comunicação. Como preservar o direito autoral, se a cópia é tecnicamente acessível a todos e barata? Como preservar o direito à auto-imagem se uma matéria difamatória, mesmo se posteriormente corrigida, fica registrada para sempre nos arquivos digitais da internet? Deve haver direito de resposta na internet? Qualquer um tem o direito de enviar uma mensagem a outra pessoa? Com se define um atentado ao pudor pela internet? Como tipificar crimes de imprensa pela internet, se ela é ao mesmo tempo comunicação pública e privada? Como preservar a neutralidade da rede, ou seja, o princípio pelo qual nenhum acesso pode ser filtrado por interesses particulares?
Entre nós esse vazio jurídico agravou-se depois da extinção da Lei de Imprensa e da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo pelo Supremo Tribunal Federal. A Lei de Imprensa estabelecia mecanismos específicos para o exercício do direito de resposta, que não afetavam a liberdade de expressão, mas garantiam às pessoas ou instituições injustamente agredidas pela mídia o direito básico à retificação.
Além disso, até hoje não foram regulamentados os artigos da Constituição "cidadã" de 1988, que tentam colocar um pouco de ordem na casa. Ou acabar com ilegalidades flagrantes como é a posse direta ou disfarçada de concessões de rádio e televisão por políticos com mandato.
A regulação é em si mesmo um campo de disputa entre forças de interesses antagônicos. Daí o paradoxo de termos uma Constituição "cidadã", na esfera do direito à informação, mas uma realidade de mercado autoritária e, a rigor, prosperando na ilegalidade. A Constituinte refletia uma correlação de forças efêmera.
Linha de frente Os proprietários da grande mídia identificam liberdade de expressão, um dos direitos humanos fundamentais, com liberdade da indústria de comunicação, que é um direito empresarial. Como se as empresas fossem as detentoras exclusivas do direito de expressão. Ou, em outras palavras, como se o direito de expressão só pudesse ser exercido na forma de uma mercadoria.
A liberdade de expressão tem como limites ou pontos de atrito o direito à auto-imagem e à privacidade, assim como a presunção da inocência. São conflitos delicados, em parte objeto de leis especificas de imprensa e em parte objeto de códigos de ética ou leis ordinárias. O espírito dessas leis em geral é o de não intimidar o jornalista ou o meio de comunicação a tal ponto que ele sinta inibição no seu trabalho, porque se reconhece o peso especial de uma imprensa livre na constituição da democracia. Mas, ao mesmo tempo, assegurar a imediata reparação de eventuais erros cometidos. Daí o direito de resposta.
O direito empresarial tem seus limites na formação de cartéis, oligopólios e monopólios – considerados crimes contra a livre concorrência. É nesse âmbito, principalmente, que incide a regulação nos países mais ricos, como mostra o professor Venício Lima neste livro. Além disso, a mercadoria comunicação tem dimensões próprias que exigem regulamentação específica, assim como a mercadoria medicamento tem regulamentação própria. Medicamento mexe com saúde. Tem faixa vermelha, tem faixa preta. Tem restrição de propaganda. Comunicação mexe com cultura, com educação, com interesse social e nacional. Com erotismo, com pornografia. Tem restrição de horário, faixa etária. Linguagem.
E há também que distinguir os meios oriundos de concessão pública, a partir de um espectro de freqüências necessariamente limitado, como rádio e tevê. Essas concessões devem ser regidas pelos princípios republicanos do serviço público e neutralidade política – além de critérios de regionalização, diversificação editorial, desconcentração do mercado e outras políticas públicas.
No nosso caso, predomina a desordem nas três esferas – na do direito de expressão em si, na do direito comercial e na das políticas públicas para a concessão de freqüências de rádio e tevê. Vivemos hoje no Brasil à mercê de uma grande mídia sofisticada e avançada em termos técnicos e estéticos, mas excessivamente concentrada, atrasada em relação aos direitos básicos da pessoa; que prospera na ilegalidade constitucional e ao mesmo tempo se insurge por antecipação à qualquer tentativa de regulação.
As empresas não querem que se legisle sobre das três esferas. É como se quisessem estender à indústria da comunicação todas as benesses da desrregulação neoliberal que a banca internacional conseguiu para o capital financeiro.
A batalha da regulação do mercado de comunicação no Brasil está hoje na linha de frente da luta pelo aperfeiçoamento democrático. Esta obra do professor Venício Lima é referência obrigatória nesse debate, que a despeito da resistência dos grandes meios de comunicação está destinado a ser um dos temas centrais da agenda pública deste início de um novo século.

EUA destinam US$ 30 milhões para projetos de liberdade de internet contra Cuba

Thaís Romanelli no operamundi
O Departamento de Estado dos EUA planeja destinar até 30 milhões de dólares para projetos na internet que façam apologia à liberdade de expressão em Cuba e outras nações. Em um anúncio oficial datado de 11 de janeiro, foram solicitadas ideias de organizações e pessoas físicas interessadas em desenvolver projetos para desestabilizar a política da ilha. O governo cubano criticou a iniciativa.

O objetivo, segundo o texto, "é reforçar o apoio aos ativistas digitais e as organizações da sociedade civil no exercício de seus direitos de liberdade de expressão e do livre fluxo de informação".

Os nomes das entidades que desenvolverão os projetos, porém, não foram divulgados após o dia 7 de fevereiro, data limite para as inscrições. Foi divulgado apenas que organizações sem fins lucrativos, universidades e centros de pesquisa da Ásia, incluindo China, Oriente Médio, Irã, África e América Latina, incluindo Cuba e Venezuela (opositoras ao regime norte-americano), são elegíveis para participar do projeto. A única exigência é que as organizações tenham experiência em trabalhos relacionados a internet.

Os financiamentos para os projetos vão de meio milhão a oito milhões de dólares, quantia que, segundo o site norte-americano Cuba Money Project (http://cubamoneyproject.org), é proveniente do orçamento federal de 2010, e não de 2011.

A ideia é que os candidatos realizem trabalhos sobre o uso da tecnologia "contra a censura", abordando temas como comunicações móveis, segurança digital e aumento da capacidade de ativistas digitais, possibilitando a criação de centros virtuais abertos e fundos de emergências.

Projetos que coloquem em pauta políticas públicas de internet, como a modificação de leis de meios ou novas regulações pela internet, também são vistos pelos EUA como estratégias para driblar as restrições governamentais de Cuba.

Os programas devem facilitar a criação de redes de apoio à sociedade de forma que os centros virtuais sejam criados em países seguindo a linha cultural da região. O objetivo é identificar e arquivar conteúdos vetados por governos e reintroduzi-los na internet por meio de ferramentas em desenvolvimento. Já o fundo de emergência financiaria internautas sob ameaça por ativismo na internet, cobrindo gastos com questões legais ou de manutenção da rede em caso de ataques de hackers.

Em resposta, o governo cubano condenou a proposta norte-americana e a considerou como uma forma de intervenção internacional em questões internas do país. Para o Ministério de Relações Exteriores cubano, o objetivo dos EUA é aumentar seu controle e acesso a informações sobre a ilha por meio de dispositivos tecnológicos para "desestabilizar o território nacional".

Em março, a TV cubana transmitiu o documentário "As razões de Cuba" denunciando "planos subversivos" dos EUA com o uso das novas tecnologias da informação e das comunicações. Segundo o vídeo, a ciberguerra aparece no atual cenário como uma nova modalidade de agressão, que "não é de bombas nem balas, mas de informação, comunicações".

O vídeo mostra imagens sobre os vínculos de blogueiros e ativistas cubanos com Washington e acusa os EUA de monitorarem o ciberespaço nacional durante 24 horas por dia.

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