Escrito por Demetrio Cherobini no Correio da Cidadania | |
Resisto a tudo menos minha própria diversidade,
Sou vasto... contenho multidões.
Walt Whitman
A afinidade eletiva existente entre o Partido dos Trabalhadores e o
capital é visível desde já um bom tempo. Em 2004, por exemplo, num gesto
de autoritarismo extremo acompanhado de um discurso cínico e
oportunista, o partido expulsou quatro de seus parlamentares que não
concordavam com as determinações da cúpula acerca da famigerada reforma
da previdência, então em curso (1).
Esta atitude - a imposição dos interesses de uma parte do partido sobre o
todo de que é composto -, muito aquém de afirmar uma virtude política
indispensável para os tempos atuais, configurou apenas a ilustração
exemplar do imperativo prático que tem orientado as ações do PT ao longo
dos últimos anos: a busca fetichista da unidade, realizada com vistas a
neutralizar as energias críticas dos trabalhadores e a promover a ampla
e irrestrita conciliação das classes estruturalmente antagônicas da
presente sociedade (2). Demonstrou, acima de tudo, como o referido
partido expressa, em sua forma de ser e de se comportar, a maneira de se
estruturar do próprio capital, com seus respectivos interesses e
contradições.
Ora, o capital, explica-nos István Mészáros (2002), é justamente esse
modo totalizante de controle sobre a atividade produtiva humana, que se
configura de maneira hierárquica e autoritária, visando eliminar toda e
qualquer postura que seja diferente do propósito de levar a efeito a
mais elevada extração praticável do trabalho excedente, num movimento
perene, sempre acumulativo e auto-expansivo. Nesse contexto, diz o
filósofo, a única alternativa viável é a crítica radical, feita pelo
trabalho, de tal conjunto de relações sociais, uma crítica que promova a
negação das determinações materiais do sistema e a conseqüente
afirmação de novas maneiras de mediar o metabolismo social humano - a
negação, portanto, do modo de ser hierárquico e excludente do capital e a
afirmação de uma forma de relacionamento genuinamente associativa e
horizontal entre os "produtores livremente combinados" (3). Tal
alternativa se encontra delineada em torno daquilo que Mészáros denomina
de pluralismo socialista, um princípio de organização que visa superar
as contradições inerentes à imposição da unidade e as infelizes
mistificações de que essa proposta vem acompanhada.
Nesse sentido, argumenta o autor de Para além do capital, é
possível observar que já Marx e Engels em sua época estavam atentos para
o fato de que a unidade não é pré-requisito para o êxito do projeto
revolucionário dos trabalhadores. Duas breves passagens dos referidos
autores, listadas por Mészáros, servem para demonstrar o posicionamento
de ambos sobre o assunto. A primeira é de uma carta de Engels a August
Bebel, datada de 1º-2 de maio de 1891, condenando a influência de
Wilhelm Liebknecht sobre a redação do Programa de Gotha: "Da democracia
burguesa ele (Liebknecht) trouxe e manteve uma verdadeira mania de
unificação" (ENGELS, apud Mészáros, 2002, 811). A segunda é de uma carta
de Marx a Wilhelm Bracke, escrita em 5 de maio de 1875, onde se lê que
"é um engano acreditar que este sucesso momentâneo (isto é, a unidade em
redor de um movimento político) não será comprado a um preço muito
alto" (MARX, apud Mészáros, ibid., 811).
Para Marx e Engels, a suspeita em relação à exigência da unidade se
devia ao fato de que tal proposta costumava levar os partidos e as
organizações de esquerda a conseqüências prejudiciais, entre elas a
supressão da autocrítica e a barganha sobre princípios. Isto era,
evidentemente, um preço alto demais a ser pago pelas forças que lutavam
pela realização de uma comunidade humana livre do jugo do capital, onde
homens e mulheres pudessem desenvolver ao máximo as suas
potencialidades. Ciente desse dilema, Mészáros estabelece uma reflexão
que pretende apontar uma saída para o labirinto no qual se perdem muitos
dos movimentos socialistas da atualidade.
A unidade política, explica o filósofo, não pode ser um objetivo porque a
classe trabalhadora não é, por sua própria condição, unificada. Na
verdade, ela constitui um complexo de setores variados - muitas vezes
antagonicamente estruturado - em contraposição à pluralidade de capitais
em torno da qual se baseia o sistema vigente (4). Por isso, o que é
desejável no movimento revolucionário é a articulação pluralista – e não
a unidade, que pressupõe camuflar diferenças artificialmente - dos
diversos grupos que combatem pela causa dos trabalhadores.
Como explica Mészáros, "Assim como naqueles dias (isto é, nos tempos de
Marx e Engels), mais uma vez este assunto é de suprema importância. Pois
hoje – talvez mais que nunca, em vista das experiências amargas do
passado recente e do não tão recente – não é mais possível conceber as
formas imprescindíveis de ação comum sem uma articulação consciente de
um pluralismo socialista, que não só reconhece as diferenças existentes,
mas também a necessidade de uma adequada 'divisão do trabalho' na
estrutura geral de uma ofensiva socialista. Em oposição à falsa
identificação da 'unidade' como o único meio de patrocinar princípios
socialistas (enquanto, na realidade, a perseguição irreal e a imposição
de unidade trouxeram com elas as necessárias concessões sobre
princípios), permanece válida a regra de Marx: não pode haver barganha
sobre princípios" (2002, 812).
De acordo com Mészáros, somente o pluralismo socialista pode impedir
que, dentro de um movimento de luta social e política complexo e
multifacetado, ocorra a imposição do interesse de uma das suas partes
sobre as demais – imposição esta que, justamente, como o citado caso do
PT o demonstra, origina a supressão da autocrítica e a barganha sobre
princípios, que tanto beneficiam a ordem de reprodução sócio-metabólica
vigente (5).
A práxis pluralista, no sentido que o filósofo atribui ao termo, é
aquela que reconhece e combina as diferenças e as particularidades
concretas inerentes aos variados setores do proletariado (6) em função
do seu objetivo maior. Ao assim proceder, cria uma forma de ação
conjunta que possibilita o combate do próprio fundamento de hoje haver
os particularismos antagônicos de classe, a saber: a dinâmica – sempre
acumulativa e auto-expansiva - da exploração do trabalho excedente que
configura o sistema do capital.
As implicações políticas de tal proposta são claras: o agente social da
transformação revolucionária não pode ser definido como sendo composto
unicamente por este ou por aquele ramo específico dos trabalhadores. Ao
contrário: precisa ser buscado no trabalho como um todo, que,
reconhecendo sua constituição múltipla e heterogênea, age no sentido de
realizar o – também reconhecido - interesse que permeia a classe em sua
totalidade.
Lemos, assim, em O poder da ideologia, que o sujeito social da
emancipação "só estará apto para criar as condições do sucesso se
abranger a totalidade dos grupos sociológicos capazes de se aglutinarem
em uma força transformadora efetiva no âmbito de um quadro de orientação
estratégica adequado. O denominador comum ou o núcleo estratégico de
todos esses grupos não pode ser o 'trabalho industrial', tenha ele
colarinho branco ou azul, mas o trabalho como antagonista estrutural do
capital. Isto é o que combina objetivamente os interesses variados e
historicamente produzidos da grande multiplicidade de grupos sociais que
estão do lado emancipador da linha divisória das classes no interesse
comum da alternativa hegemônica do trabalho à ordem social do capital.
Pois todos esses grupos devem desempenhar seu importante papel ativo na
garantia da transição para uma ordem qualitativamente diferente" (2004,
51).
Ou seja, mesmo a classe trabalhadora sendo composta de uma miríade de
setores, cada qual com interesses correspondentes às suas posições
particulares, há, por trás disso, pela própria situação atual do
trabalho enquanto atividade subordinada ao capital, uma condição e um
interesse compartilhado por todos: isto é, respectivamente, a exploração
fetichista do trabalho excedente e a necessidade de superá-la em
direção a uma sociedade emancipada.
No processo revolucionário, portanto, todos os grupos terão papel
fundamental, mas é preciso que estejam alertas para o fato de que, para
uma emancipação realmente digna deste nome, a luta não pode se realizar
com um dos segmentos afirmando o seu interesse sobre os demais. O
pluralismo exige horizontalidade entre os movimentos de trabalhadores.
Somente dessa maneira os socialistas poderão aspirar à radical e efetiva
superação do sistema do capital.
O novo modo de operação dos revolucionários não deverá, então, espelhar a
maneira de se estruturar do próprio capital – isto é, como o PT o faz:
hierarquicamente e afirmando o interesse da parte sobre o todo, com
vistas a eliminar as energias combativas dos trabalhadores. A emergente
força social emancipadora conseguirá ter êxito em seus propósitos apenas
se se articular a partir de princípios radicalmente diferentes de ação e
de organização. A reconstrução das mediações sociais e políticas em
torno das quais estarão reunidos os socialistas já necessitará, pois,
estar baseada naquilo que Mészáros chama de igualdade substantiva, (7)
em contraposição à igualdade meramente formal da atual ordem vigente.
Isto quer dizer, em outras palavras, que a estruturação interna do
movimento terá que apresentar, em seu próprio processo constitutivo,
"prenúncios de uma nova forma – genuinamente associativa – de cumprir as
tarefas que possam se apresentar" (8) - 2004, 52. E para que tudo isso
possa, enfim, se realizar, é imprescindível, diz Mészáros, a formação de
uma "consciência de massa socialista", a ser desenvolvida no processo
mesmo de confrontação prática com a ordem do capital (9).
A proposta mészáriana do pluralismo socialista é, portanto, de
fundamental importância para a esquerda brasileira nos dias atuais.
Depois do tsunami de pelegos que assolou o país com o governo do PT, as
novas forças socialistas a se constituírem precisarão se reformular sem
repetir as mesmas contradições. PSOL, PCB, PSTU e todos os demais grupos
políticos imbuídos do objetivo da superação do capital necessitarão se
articular de forma crítica e pluralista daqui por diante, ou estarão
condenados ao fracasso e à impotência.
Mais do que a falsa unidade – calcada, como vimos, na imposição da parte
sobre o todo e na barganha sobre princípios –, é imperioso coadunar
grupos diversificados, com as suas respectivas particularidades, em
redor do objetivo comum: derrotar o capital e instaurar a comunidade dos
homens e mulheres verdadeiramente emancipados - ou a "associação livre
dos produtores", como a chamou Marx.
Em tempos históricos de profunda crise, torna-se imprescindível que
construamos essa capacidade de atuar em conjunto de forma horizontal. Se
continuarmos mergulhados na inépcia no que diz respeito a travarmos
esse tipo de ação coletiva, estaremos com toda certeza perdidos. Se, ao
contrário, conseguirmos envidar esforços articulados, mesmo que tenhamos
entre nós algumas eventuais diferenças, teremos, quem sabe, alguma
chance.
Notas:
1) Os parlamentares em questão eram a senadora Heloísa Helena e os
deputados federais Luciana Genro, João Fontes e Babá. Eles alegavam que a
reforma tinha viés privatizante e retirava dos trabalhadores direitos
conquistados historicamente, indo assim em direção contrária ao ideário
mantido pelo PT ao longo da sua trajetória passada. Para um maior
entendimento sobre o caráter conservador da referida reforma, ver
Oliveira (2006).
2) Por meio, entre outras coisas, da administração de políticas
assistencialistas e da cooptação de centrais sindicais, o imperativo da
conciliação de classes foi tão intenso no período das duas primeiras
gestões petistas que o sociólogo Francisco de Oliveira (2010) não
hesitou em afirmar que "se FHC destruiu os músculos do Estado para
implementar o projeto privatista, Lula destrói os músculos da sociedade,
que já não se opõe às medidas de desregulamentação". O mesmo, ao que
tudo indica, está a se reproduzir no governo Dilma.
3) Este conceito de crítica – articulação material de negação e
afirmação no sentido de promover a "transcendência positiva da
auto-alienação do trabalho" – é desenvolvido pelo filósofo húngaro em
praticamente todas as suas obras. Ver, por exemplo, a esse respeito:
Mészáros (2008).
4) Conforme as palavras de Mészáros: "Na realidade, temos uma
multiplicidade de divisões e contradições e o 'capital social total' é a
categoria abrangente que incorpora a pluralidade de capitais, com todas
as suas contradições. Ora, se olharmos para o outro lado, também a
'totalidade do trabalho' jamais poderá ser considerada uma entidade
homogênea enquanto o sistema do capital sobreviver. Há, necessariamente,
inúmeras contradições encontradas sob as condições históricas dadas
entre as parcelas do trabalho, que se opõem e lutam umas contra as
outras, que concorrem umas com as outras, e não simplesmente parcelas
particulares do capital em confronto. Essa é uma das tragédias da nossa
atual situação de apuro. (...) Essas divisões e contradições restam
conosco e, em última instância, devem-se explicar pela natureza e
funcionamento do próprio sistema do capital" (2007, 66).
5) A expressão, na forma de atuação prática do Partido dos
Trabalhadores, das exigências materiais do capital deve ser entendida,
evidentemente, a partir dos múltiplos complexos de mediação que permeiam
a relação entre essas duas estruturas, especialmente a crise estrutural
do capital e a crise estrutural da política, que acometem o sistema
sócio-metabólico vigente. Em razão das limitações do presente artigo,
não poderemos nos aprofundar acerca desses temas. Para uma maior
compreensão das crises estruturais do capital e da política, ver
Mészáros (2002). Para uma boa visão das transformações do PT ao longo
dos últimos anos, ver Oliveira (2006, 2010 e 2010b).
6) Segundo Mészáros (2007), proletário não pode ser definido meramente
como o operário de fábrica ou o trabalhador manual. Proletariado,
enquanto categoria social, diz respeito a todos os grupos sociais que,
sofrendo a ação usurpadora do capital em relação aos meios de produção,
se encontram alijados da possibilidade de controle consciente sobre o
sócio-metabolismo humano. Proletarizar-se, nesse sentido, é perder esse
controle.
7) A igualdade substantiva é definida por Mészáros qualitativamente, com
base nas teses de Babeuf que foram endossadas por Marx: "A igualdade
deve ser medida pela capacidade do trabalhador e pela carência do
consumidor, não pela intensidade do trabalho nem pela quantidade de coisas consumidas (grifo nosso).
Um homem dotado de certo grau de força, quando levanta um peso de dez
libras, trabalha tanto quanto outro homem com cinco vezes a sua força
que levanta cinqüenta libras. Aquele que, para saciar uma sede
abrasadora, bebe um caneco de água, não desfruta mais do que seu
camarada que, menos sedento, bebe apenas um copo. O objetivo do
comunismo em questão é igualdade de trabalhos e prazeres, não de coisas
consumíveis e tarefas dos trabalhadores" (BABEUF, apud Mészáros, ibid.,
42). Tais são os princípios de organização da produção e da distribuição
a serem implementados na fase superior da sociedade socialista: não a
igualdade de coisas consumidas, nem de tarefas ou horas de trabalho
realizadas, mas a igualdade medida pelas capacidades e carências não
alienadas dos indivíduos sociais.
8) Nessa forma de organização política - horizontal e radicalmente
pluralista -, é fundamental, afirma Mészáros, que os trabalhadores
saibam articular as suas demandas parciais com as exigências gerais de
superação do sistema. Vale a pena, mais uma vez, ler o que escreve o
autor de Para além do capital acerca de sua proposta: "as
demandas mais urgentes de nossa época, que correspondem diretamente às
necessidades vitais de uma grande variedade de grupos sociais –
empregos, educação, assistência médica, serviços sociais decentes, assim
como as demandas inerentes à luta pela libertação das mulheres e contra
a discriminação racial -, podem, sem uma única exceção, ser abraçadas
sem restrições por qualquer liberal genuíno. Entretanto, é absolutamente
diferente quando não são consideradas como questões singulares,
isoladamente, mas em conjunto, como partes do complexo global que
constantemente as reproduz como demandas não realizadas e
sistematicamente irrealizáveis. Desse modo, o que decide a questão é a
sua condição de realização (quando definidas em sua pluralidade como
demandas socialistas conjuntas), e não o seu caráter considerado
separadamente. Por conseguinte, o que está em jogo não é a enganosa
'politização' destas questões isoladas, pela qual poderiam cumprir uma
função política direta numa estratégia socialista, mas a efetividade de
afirmar e sustentar tais demandas 'não-socialistas', tão largamente
auto-motivadoras no front mais amplo possível" (2002, 818). Ou seja, as
"demandas urgentes de nossa época" – empregos, educação, saúde etc. –
são todas importantes e não devem deixar de ser reivindicadas. Mas o
essencial, diz Mészáros, não é a "politização destas questões isoladas" e
sim a integração de tais demandas dentro de um quadro reivindicatório
mais amplo, que combata o fundamento real de a sociedade se ver hoje
majoritariamente privada dessas condições básicas: o sistema de controle
sócio-metabólico do capital.
9) Daí a importância atribuída pelo filósofo húngaro (2008b) à educação
revolucionária, que necessita se realizar em meios formais e não
formais, a fim de proporcionar o desenvolvimento contínuo da consciência
e dos valores socialistas exigidos para a efetivação da nova forma
histórica.
Referências:
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002.
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.
MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007.
MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e ciência social. São Paulo: Boitempo, 2008.
MÉSZÁROS, István, A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008b.
OLIVEIRA, Francisco de. O momento Lenin, 2006.
OLIVEIRA, Francisco de. O avesso do avesso. in OLIVEIRA, Francisco de,
BRAGA, Ruy e RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas: economia,
política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo: Boitempo,
2010.
OLIVEIRA, Francisco de. Consenso conservador cria falsa divergência
entre Serra e Dilma (entrevista a Valéria Nader e Gabriel Brito). 2010b.
Disponível em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/5102/9/. Acesso em 03/01/11.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 10 de abril de 2011
István Mészáros e a imperiosa necessidade do pluralismo socialista
"Al-Gaddafi" não é “Al-Mahdi"
Assim como um Mahdi ( o messias - o ungido), o coronel Kadafi se considera fonte de todo o conhecimento.
|
por Filipe Pinto Monteirono LeMonde-Brasil |
Davi era um rei valente e destemido. Nas batalhas que comandou, não
demonstrava misericórdia com seus inimigos. Sua espada era a mais
pesada, sua bravura a mais indômita. Para se manter no poder,
envolveu-se em intrigas palacianas, perseguiu desafetos e transformou a
corte em seu bunker de guerra. Reinou há aproximadamente 1.000 a.C na
antiga Judéia e, dizem os especialistas, serviu de inspiração para seu
povo que, após a sua morte, alimentou a crença no seu retorno. Foi
tomado como um Ungido, um personagem magnífico, às vezes
folclórico, responsável por inaugurar, num futuro próximo, um tempo de
liberdade, paz e felicidade para os Judeus. Muitos entusiastas cristãos enxergaram esse grande Messias na figura de Jesus Cristo quando este andou pela terra e tantos outros aguardam ansiosamente pela sua volta até os dias de hoje. No islamismo, ele também existe e se faz presente. É segundo longa tradição (apontam alguns autores, influenciada por elementos judaico-cristãos), um membro da família do profeta Maomé. Conhecido como Al-Mahdi, foi ressuscitado diversas vezes ao longo da história e influenciou inúmeros movimentos e personagens religiosos no continente africano e até na Europa, principalmente na região espanhola de dominação moura, a Andaluzia, ou como era conhecida na Idade Média, Al-andaluz. Expulsos pelos cristãos do Velho Continente, muitos muçulmanos migraram para o norte da África e os que permaneceram sob a opressão da Cruz e da Coroa, criaram profecias várias que vislumbravam a volta triunfante de um Salvador. Imaginavam incríveis e assombrosas histórias, como a que entrevia uma sangrenta batalha em território norte-africano. Perseguidos desde o mediterrâneo - dizia a tal lenda, encontrada em uma espécie de “apócrifo” do Alcorão - os árabes lutariam pelas terras onde hoje se encontram os atuais Estados da Argélia, da Líbia e seguiriam até o Egito, onde se daria a derrota final dos europeus, sob a mão impiedosa de Mahdi. A Guerra Civil era só questão de tempo. Essas “revelações”, por assim dizer, permaneceram vivas nas tradições populares muçulmanas e foram reinventadas em diversos momentos da História. Mahdi Muhammad Ahmed, por exemplo, foi um líder religioso que venceu as tropas inglesas no Sudão em diversas batalhas campais no séc. XIX, oferecendo séria resistência aos colonialistas. Já na Líbia do século XX, o rei Idris I, ao cair do trono em 1969, abriu caminho para a chegada de Muammar Muhammad Al-Gaddafi (ou Muamar Kadafi, para nós brasileiros), que prometeu perseguir e aniquilar os usurpadores do seu país. A velha monarquia havia se rendido ao ocidente e Kadafi, ao contrário, prometeu reacender a chama do pan-arabismo. Fez do islã, religião oficial do Estado. Assim como deveria ser Mahdi, o coronel Kadafi se considerava fonte de todo o conhecimento. Redigiu de próprio punho o Livro Verde, cujo primeiro capítulo foi impresso em 1975 e cujos princípios deveriam nortear o destino de seu povo. Prometeu, num contexto de forte exacerbação nacionalista, reunir sob seu manto toda a nação árabe, como se fosse o único guardião dos desígnios de Maomé. Tal qual um santo guerreiro, armou seu povo, oferecendo cursos de treinamento militar em escolas, empresas e universidades. Refundou o país à sua maneira e cunhou o termo jamahiriya, ou “Estado das Massas”, como que para refletir o seu desejo de guiar toda a sociedade. Ainda que a maioria da população muçulmana da Líbia seja Sunita, para a qual a força da figura histórica de Mahdi tem menos significado do que para os Xiitas, as tribos árabes do norte sempre mantiveram em perspectiva a sua chegada, como por exemplo, os magrebinos, no Marrocos. Kadafi se apoderou indevidamente das esperanças do povo árabe de sua terra. Subverteu a figura histórica de Mahdi e acomodou-se confortavelmente em seu trono. Diferentemente de Davi - um grande monarca e respeitado chefe militar da história de Israel –, ou milhares de personagens por ele influenciados - como Moisés, Jesus, D. Sebastião de Portugal e etc. - traiu as expectativas do país, se aliou aos inimigos e atacou covardemente seus irmãos de sangue.
Filipe Pinto Monteiro
Mestrando em História Social da UFRJ e bolsista do CNPQ |
Livro “Inclusão Digital – Experiências Brasileiras” está disponível para download
Do blog Nas retinas
Lançado durante o último Fórum TIC Dataprev, o livro “Inclusão Digital –
Experiências Brasileiras” já está disponível para download. Escrito
pelo historiador Maurício Falavigna, o livro reúne depoimentos de
especialistas em ID, a formação dos telecentristas pelo Brasil, a
criação de políticas públicas para a área e a trajetória da Oficina para
Inclusão Digital, desde a sua primeira edição, realizada em 2001.
Licenciado sob Creative Commons, o livro está disponível, gratuitamente, aqui.
O arquivo em PDF tem o tamanho de 22.1 Mb e é totalmente pesquisável.
Basta usar CTRL + F para buscar palavras e tópicos de seu interesse. A
licença CC permite que todo o conteúdo do livro seja utilizado para
pesquisas, teses, replicações, recompilações, impressão, desde que seja
citada a fonte.
Sem geraldinos e arquibaldos
Em meio a falência de clubes, ganância de emissoras e um
mercado voraz, desaparece a possibilidade do pobre torcedor de assistir
ao esporte que adora
Por: Redação da Rede Brasil Atual
Alma Ferida: A reforma do Maracanã vai encolher o estádio,
que na reabertura terá ingressos mais caros. Paulo Roberto lembra
saudoso, com o ingresso na mão, os tempos da popular geral, extinta em
2005. (Foto:Rodrigo Queiroz/Revista do Brasil)
Com a aparente "volta por cima" da Globo nas negociações sobre a transmissão dos campeonatos brasileiros de 2012 a 2014, as esperanças de transmissão de jogos na TV aberta em horários civilizados, para espectadores e atletas, se esvaem. Os clubes, atolados em dívidas, menosprezam a negociação coletiva. Também passam ao largo preocupações com o que o torcedor mortal terá de pagar por ingressos em estádios ou pacotes televisivos para ver seu time ou secar os demais. O esporte mais popular do país é cada dia mais impagável para a maioria da galera. O professor Flávio de Campos, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), compara a situação a uma briga oligárquica. "Essa cartolagem é muito parecida com determinadas raposas da política brasileira, e às vezes se confundem mesmo", diz.
A realização da Copa de 2014 no Brasil reforça a mudança de foco do
futebol e potencializa a cobiça. Construídos ou reformados, às vezes com
necessidade duvidosa, os estádios serão em tese mais bem aparelhados,
terão capacidade menor e ingressos mais caros, o que evidencia essa
busca pelo público de maior poder aquisitivo. "A questão da transmissão é
um complemento da exclusão que vem sendo feita há anos nos estádios. Em
nome da segurança, um padrão de modernidade se impõe e remove os
setores populares. Como se a violência fosse um atributo desses setores,
o que é uma falácia", acrescenta Campos.
No Maracanã, a geral, conhecida pelo grande número de populares
fantasiados que ali acompanhavam os jogos, foi destruída em 2005 e deu
lugar às cadeiras - setor nobre. Foi o fim dos geraldinos, como eram
conhecidos os frequentadores. E os arquibaldos, a turma da arquibancada,
também não tem vida fácil. Ambos os tipos foram cunhados pelo escritor
Nelson Rodrigues, frequentador do velho Maracanã.
Aperto
O
funcionário público Paulo Roberto Evaristo estava lá no último dia da
geral, em 24 de abril de 2005, no jogo entre Fluminense e São Paulo - e
até guardou o ingresso. "Estudava e trabalhava, o salário era pequeno,
era a opção mais em conta. Além disso, era legal ficar mais perto do
campo. A visão era ruim, mas compensava. Dava para chamar e xingar os
jogadores. Pelo menos ficava a impressão de que podiam ouvir", brinca.
Na despedida, Paulo e alguns amigos foram os últimos a deixar o
estádio. Aos 39 anos, realizou o sonho de muitos meninos: conseguiu
entrar no campo, cobrar pênaltis imaginários e fingir que estava ligando
do orelhão, como alguns jogadores costumavam comemorar seus gols, em
vez de correr para diante da câmera mais próxima. Segundo ele, o
ingresso custava um quarto do da arquibancada, que por sua vez era
metade do preço das cadeiras.
Em 2010, o Maracanã foi fechado. A reforma mira a Copa. Na última, a
capacidade caiu de 120 mil para 86 mil pessoas - que passaram a pagar
mais. Em 1969, o estádio chegou a receber 180 mil torcedores. Com a
reabertura, provavelmente em 2013, caberão apenas 76 mil e esperam-se
preços ainda mais elevados.
Às vezes, alguém reclama. Como na partida entre Santos e Cerro
Porteño, pela Taça Libertadores, em março. O time paulista aproveitou o
jogo contra o rival paraguaio para cobrar R$ 100 pelo ingresso.
Resultado: protestos e pouca gente no estádio.
Em Salvador, o gerente financeiro Marcus Vinícius Vilas Boas, o Kiko,
torcedor do Bahia e fã de carteirinha do estádio da Fonte Nova conta
que os preços não esperam reformas para subir. "Já está tudo mais caro.
No Pituaçu (que vem sendo utilizado para jogos maiores), os ingressos
para o campeonato baiano estão R$ 50, R$ 40 no mínimo, dependendo do
jogo. Na Fonte Nova custavam R$ 10, R$ 20, R$ 30 no máximo."
O palco da Fonte Nova foi fechado em 2007, após a queda de um pedaço
da arquibancada que matou sete pessoas. Kiko estava a poucos metros.
"Lembro o dia da tragédia, nunca teve só 65 mil torcedores ali", diz,
referindo-se ao público oficial informado. "No mínimo, uns 80 mil." O
tradicional estádio foi implodido. No local, será construído um novo,
com capacidade para pouco mais de 50 mil pessoas.
Elitização
Em artigo publicado em O Estado de S. Paulo no final de 2010, o
professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcos Alvito cita a
Soccerex, feira internacional realizada no Rio com foco no futebol como
negócio, na qual "especialistas" decretaram que a modalidade no Brasil
terá a classe A como clientela-alvo, deixando as classes B e C para
trás. "Porque as D e E há muito não sentam em uma arquibancada. Hoje os
estádios viraram estúdios para um show televisivo chamado futebol",
observa o antropólogo, para quem está em curso um processo de elitização
perversa do esporte.
O docente foi um dos criadores, em 2010, da Associação Nacional dos
Torcedores. Incipiente, mas com reivindicações como maior transparência
no futebol, além de igualdade de acesso aos estádios. "Vai acabar com
toda e qualquer possibilidade de a população pobre ou de classe média
baixa frequentá-los. Claro que a gente aprova o conforto. O problema é
transformar o estádio num grande shopping center", diz o estudante
Matheus Serva, da ANT. "E tem o agravante da televisão. Quarta-feira às
10 da noite é impossível para um trabalhador assistir ao jogo."
O historiador Felipe Dias Carrilho vê na questão da TV um
aprofundamento da lógica empresarial, que não chega a ser novidade, mas
se torna mais visível à medida que a Copa se aproxima. "É a
capitalização máxima do esporte. Nossos cartolas são os coronéis dentro
do futebol." O jornalista Juca Kfouri fala em um país sui generis, em
que os capitalistas não gostam de praticar o capitalismo que apregoam.
"Por um lado, uma emissora (Record) capta recursos de forma 'espúria',
no 'mercado da fé'. De outro, a concorrente (Globo) não demonstra
interesse em seguir as regras da concorrência."
No mundo do consumo, os europeus estão muito à frente. Considerado
pela revista Forbes o time mais rico do mundo, o Manchester United, da
Inglaterra, acumula patrimônio de US$ 1,8 bilhão. Seu canal pago é
exibido em 192 milhões de residências. O segundo na lista, o Real
Madrid, da Espanha (US$ 1,3 bilhão), mostra equilíbrio nas fontes de
receitas: 30% vêm da bilheteria de seu estádio, 34% do comércio de
produtos e 36% de direitos da televisão - aqui, a dependência da TV
supera os 50%. Em meados de março, o site do clube tinha poucos
ingressos disponíveis a não sócios para um jogo do campeonato local que
seria realizado três semanas depois, contra o Sporting Gijon: € 225 (R$
530).
Arquibancada
O executivo e consultor espanhol Esteve Calzada calcula que um fã do
Real ou do rival Barcelona gastará aproximadamente € 3.000 (mais de R$
7.000) se acompanhar seu time por toda a temporada europeia. "Em tempo
de crise", lembra. Ele também prevê que, na temporada 2011-2012, o Barça
desbancará o Real e se tornará o clube com maior arrecadação no mundo. O
time catalão tem mais de 170 mil sócios-torcedores e mantém sempre
lotado seu estádio, o Camp Nou, com capacidade para 99 mil espectadores.
No Brasil, os clubes, endividados, as TVs e seus patrocinadores
caminham para consolidar a tipificação do torcedor de "arquibancada de
prédio", na definição do professor Flávio de Campos: aquele que assiste
ao jogo em casa e faz barulho para perturbar o vizinho simpático ao
adversário - que também não vai ao estádio.
O professor vê o país perder a oportunidade de fazer uma correção de
rota. Eventos como Copa do Mundo (2014), Jogos Militares (2011),
Olimpíada e Paraolimpíada (2016) deveriam ser determinantes para
formular políticas de investimentos na formação de atletas. "É incrível a
falta de interesse em vincular essa agenda esportiva à educação", diz.
"Se equipassem as escolas públicas, essa revalorização poderia
transformá-las em centros de difusão do esporte. Não seria muito difícil
pensar num projeto mais interessante e criativo, em vez de gastar
bilhões em estádios ultramodernos."
Autor, 30 anos atrás, do livro História Política do Futebol
Brasileiro, o professor Joel Rufino dos Santos, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), considera que a chave para essa completa
mercantilização é a separação entre o esporte e o espetáculo. "Eu
gostava muito de ver jogos no campo do Palmeiras, da proximidade dos
jogadores. Não sei por que vão construir outro estádio. É para o
espetáculo", ironiza.
"Vai-se ao campo como se vai ao teatro", confirma Juca Kfouri. O
jornalista também detecta um aspecto inexorável de elitização e de
transformação dos estádios em estúdios para programas televisivos.
Corintiano, ele lembra quando saboreava o show da torcida. "O lugar é
para sentir em cima da pedra, no degrau (da arquibancada). Se estivesse
lotado, ia para o alambrado." Juca conta a "sensação paradoxal" que
experimentou, no Allianz Arena, na Copa da Alemanha, em 2006. "Um lugar
suntuoso, limpíssimo e quase esterilizado. Não dá para xingar o juiz.
Você faria isso no Teatro Municipal?", brinca. "Cada vez mais a sensação
que tenho é de que os estádios não têm alma."
Na Argentina, a transmissão dos jogos é de graça
Enquanto no Brasil quem gosta de futebol praticamente fica à mercê de
um conglomerado televisivo, na vizinha Argentina o governo comprou a
briga com o Clarín, principal grupo de mídia do país, e assumiu as
transmissões, que passaram a ser gratuitas e exibidas pela TV pública,
com o lançamento do programa Futebol para Todos. A mudança faz parte da
substituição da antiga Ley de Radiodifusión pela Ley de Medios
Audiovisuales.
"Um capítulo importante dessa lei era precisamente garantir o direito
ao acesso ao esporte mais importante dos argentinos", afirmou a
presidenta Cristina Kirchner, na assinatura do convênio entre a AFA, a
associação de futebol argentina, e o Sistema Nacional de Medios Públicos
(SNMP), em agosto de 2009. Segundo ela, é obrigação do Estado "garantir
a todos, sobretudo àqueles que não podem pagar, o direito a ver seu
esporte predileto".
Para Gustavo Bulla, diretor da Autoridade Federal de Serviços de
Comunicação Audiovisual, órgão regulador argentino, a exclusividade de
direitos para televisionamento de futebol foi um dos fatores que levaram
à concentração no meio audiovisual. "Agora, aquele adolescente de 18,
19 anos está vendo pela primeira vez um jogo de futebol, porque muitas
cidades, devido ao sistema a cabo, não podiam transmitir", afirmou,
durante evento em Brasília no final de 2010.
O governo argentino ofereceu US$ 150 milhões por ano, até 2019, para
televisionar o campeonato. O valor é aproximadamente três vezes maior
que o da TV privada. O acordo foi aceito pelos clubes, todos em
dificuldade financeira, e intermediado pela AFA.
No Brasil, nas negociações pelo direito de transmissão do Campeonato
Brasileiro de 2012 a 2014, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), vinculado ao Ministério da Justiça, até conseguiu impor um
pouco de concorrência ao tema. A Globo ficou de fora do leilão elaborado
pelo Clube dos 13 e implodiu o órgão ao assediar individualmente os
clubes. Ofereceu bem mais do que pagou no contrato anterior a alguns dos
principais times do país. A Rede TV! entrou como única concorrente e
ganhou a licitação no atacado. A Record, da qual se esperava a maior
oferta, nem entrou no leilão depois dos movimentos da Globo "por fora" -
e, como a rival, partiu para as negociações individuais.
As dúvidas se multiplicam. Durante o programa Observatório da
Imprensa, o procurador-geral do Cade, Gilvandro Araújo, afirmou que a
autoridade antitruste poderá se manifestar novamente se acionada. "Isso
(as discussões entre TVs e clubes) talvez vá ensejar no futuro um outro
tipo de análise, não só do Cade, mas de todos os interessados nesse
setor."
No campeonato inglês, os clubes negociam juntos. Na Espanha,
separados, com grande parte do bolo destinada ao Barcelona e ao Real
Madrid. Enquanto na Inglaterra o troféu é disputado por várias equipes, a
Espanha criou "o melhor campeonato gaúcho do mundo", conforme expressão
do jornalista esportivo Paulo Vinicius Coelho, em referência ao
campeonato do Rio Grande do Sul, quase sempre vencido por Internacional
ou Grêmio.
A questão, no Brasil, passa também pela política. Parte dos clubes é
aliada de Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de
Futebol (CBF) há 22 anos, parceiro da Globo e candidatíssimo ao comando
da Fifa, a entidade maior da modalidade mundialmente. Antes de assistir
de camarote à implosão, Teixeira tentou sem sucesso emplacar na
presidência do Clube dos 13 seu aliado Kléber Leite, ex-presidente do
Flamengo.
Entre os cotados para substituí-lo na CBF, se o mundo não acabar até
lá, estão o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, companheiro de
primeira hora, e até Marcelo Campos Pinto, executivo da Globo e
principal articulador do atual imbróglio do futebol brasileiro - que não
está livre de acabar nos tribunais.
Direitos humanos no Brasil, por dentro e por fora
Por Fábio Konder Comparato, da Caros Amigos
Artigo do jurista Fábio Konder Comparato evidência a dupla visão
dos grupos dominantes brasileiros diante da questão dos direitos
humanos, presente em toda história nacional e que atualmente encoberta
crimes da Ditadura Militar, no blog o escrevinhador.
No conto O Espelho, de Machado de Assis, o narrador assevera a seus
ouvintes espantados que cada um de nós possui duas almas. Uma exterior,
que exibimos aos outros, e pela qual nos julgamos a nós mesmos, de fora
para dentro. Outra interior, raramente exposta aos olhares externos, com
a qual julgamos o mundo e a nós mesmos, de dentro para fora.
Penso que essa alegoria explica perfeitamente a diplopia ou dupla
visão dos nossos grupos dominantes diante da questão dos direitos
humanos. A alma exterior dessas falsas elites, exibida ao mundo,
sustenta que neste país todos, sejam eles ricos ou pobres, poderosos ou
humildes, têm seus direitos igualmente respeitados. Mas a alma interior
repele com desprezo esse igualitarismo absurdo. Afinal, como bem
sentenciava Napoleão – não o imperador dos franceses, mas o líder suíno
da rebelião dos animais na famosa novela de George Orwell – se todos, em
princípio, são iguais entre si, alguns acabam sendo mais iguais do que
os outros.
Dois episódios históricos ilustram à perfeição esse aspecto deplorável dos nossos costumes políticos.
O primeiro deles foi a refinada hipocrisia das autoridades públicas
(nelas incluído o clero católico, pois a Igreja era aliada ao Estado) a
respeito do tráfico negreiro, durante a primeira metade do período
imperial.
Em 1826, firmamos com a Inglaterra uma convenção, pela qual o tráfico
de africanos que se fizesse depois de três anos da troca de
ratificações seria equiparado à pirataria. Para cumprimento desse
tratado internacional, promulgamos a Lei de 7 de novembro de 1831, a
qual determinou que, a partir de então, todo africano desembarcado no
Brasil seria considerado livre.
Essa lei, porém, permaneceu letra morta, pois fora editada unicamente
“para inglês ver”. Os traficantes de carne humana tornaram-se os mais
poderosos empresários do Império. Como lembrou o grande advogado negro
Luiz Gama, ele próprio vendido como escravo pelo pai quando tinha apenas
10 anos, “os carregamentos eram desembarcados publicamente, em pontos
escolhidos das costas do Brasil, diante das fortalezas, à vista da
polícia, sem recato nem mistério. Eram os africanos, sem embaraço algum,
levados pelas estradas, vendidos nas povoações, nas fazendas, e
batizados como escravos pelos reverendos, pelos escrupulosos párocos!”
Diante desse comportamento indigno das autoridades brasileiras, e
tendo em vista a iminente expiração do tratado de 1826, o Parlamento
britânico votou em 1845 o bill Aberdeen, pelo qual, reiterando-se a
qualificação do tráfico negreiro como pirataria, foi autorizado o
apresamento, até mesmo em águas brasileiras, dos tumbeiros e de sua
carga, com o julgamento da tripulação pelas Cortes do Almirantado em
Londres.
Viu-se, portanto, o governo imperial constrangido a abandonar sua
política de vistas grossas em relação ao comércio de seres humanos.
Levou, porém, um lustro até fazer votar, em 4 de outubro de 1850, e
aplicar efetivamente, a Lei Eusébio de Queiroz, que impunha o julgamento
dos traficantes e compradores de africanos como contrabandistas.
Pois bem, vivemos agora um episódio análogo.
Durante a maior parte do regime militar, uma política de Estado
efetivamente aplicada, embora nunca oficialmente reconhecida – como
sempre, a alma exterior desmentindo a alma interior – consistiu em
torturar e assassinar (com ou sem ocultamento, ou mutilação do cadáver),
os principais opositores políticos, mesmo quando já recolhidos à
prisão.
Em 1979, na esteira de outras ditaduras do hemisfério, decidiram os
chefes militares, como condição para se afastarem do poder, impingir ao
Congresso Nacional uma lei de anistia, aparentemente dirigida aos
perseguidos pelo regime, mas na verdade e principalmente para garantir a
total impunidade dos agentes de Estado, militares ou civis, que haviam
ordenado e executado aqueles crimes hediondos. Em suma, uma
auto-anistia.
Em 2009, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
ingressou com uma demanda perante o Supremo Tribunal Federal, pleiteando
a interpretação dessa lei de anistia, à luz não só da Constituição de
1988, mas ainda dos princípios e tratados de direito internacional. Com
efeito, o art. 5º, inciso XLIII da Constituição declara imprescritível e
insuscetível de anistia o crime de tortura; e qualquer bacharel
aprovado em concurso de ingresso à magistratura sabe que a entrada em
vigor de uma nova Constituição revoga, de pleno direito, as leis
anteriores com ela incompatíveis.
Por outro lado, desde o final da Segunda Guerra Mundial, com os
julgamentos de Nuremberg dos criminosos nazistas, fixou-se no direito
internacional o princípio fundamental de que os atos de terrorismo de
Estado (como os praticados durante o nosso regime militar) são crimes
contra a humanidade e, como tais, não sujeitos à prescrição nem à
anistia.
A demanda proposta pela OAB perante o Supremo Tribunal foi,
lamentavelmente, julgada improcedente. A Procuradoria-Geral da República
e alguns julgadores chegaram, sem ironia, a afirmar que a anistia dos
mandantes e executores de crimes de Estado, durante o período de
exceção, fora um “acordo histórico”, graças ao qual havíamos
ingressado, triunfalmente, no regime democrático.
Sucedeu que em novembro do ano passado, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, ao julgar a atuação de nossos capitães do mato na
repressão da chamada “guerrilha do Araguaia”, condenou o Brasil por
unanimidade pela prática de graves violações de direitos humanos.
Além da abertura total dos arquivos militares e da reparação dos
danos, físicos e morais, sofridos pelas vítimas sobreviventes daquela
chacina e pelos familiares dos mortos, a sentença determinou:
>> Que se conduza eficazmente perante a jurisdição ordinária
(ou seja, fora da Justiça Militar), a investigação penal de todos os
crimes (não só os da “Guerrilha do Araguaia”), praticados pelos agentes
do Estado contra opositores políticos ao regime militar, pois “as
disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e
sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a
Convenção Americana, e carecem de efeitos jurídicos”. A Corte
reconheceu, portanto, como destituída de fundamento jurídico a decisão
do Supremo Tribunal Federal a esse respeito.
>> Que o Estado brasileiro realize “um ato público de
reconhecimento de responsabilidade internacional”, a respeito dos crimes
praticados por seus agentes durante a chamada “Guerrilha do Araguaia”,
em presença de altas autoridades nacionais e das vítimas.
>> Que o Estado brasileiro “deve implementar, em um prazo
razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos
humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas”.
>> Que “o Estado deve adotar, em prazo razoável, as medidas que
sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado de
pessoas, em conformidade com os parâmetros internacionais”.
Nunca é demais lembrar que, no livre exercício de sua soberania
internacional, o Brasil aderiu solenemente à Convenção Americana de
Direitos Humanos em 1992, e reconheceu a jurisdição da Corte
Interamericana em 1998. Ora, o art. 68 da Convenção determina que os
Estados por ela vinculados “comprometem-se a cumprir a decisão da Corte
em todo caso em que forem partes”.
No entanto, passados mais de quatro meses da prolação da sentença
condenatória no caso, as autoridades brasileiras ainda continuam a fazer
de conta que o assunto não é com elas. Até mesmo as publicações do
decisório, ordenadas pela Corte, não foram feitas.
Ou seja, seguindo o precedente da criminosa condescendência com o
tráfico negreiro no século XIX, e o nosso tradicional jogo duplo em
matéria de direitos humanos, o Estado brasileiro não repele a decisão da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas tampouco a executa.
Diante disso, o Conselho Federal da OAB ingressou recentemente com
uma petição, no processo acima referido sobre a interpretação da lei de
anistia, pleiteando que o Supremo Tribunal Federal decida, claramente e
sem rebuços – ou seja, fazendo coincidir o juízo da alma interior com o
da alma exterior – qual das posições da seguinte inescapável alternativa
o Estado brasileiro deve tomar:
>> Cumprir integralmente a sentença condenatória proferida pela
Corte Interamericana de Direito Humanos, inclusive quanto à
inadmissibilidade de anistia dos crimes cometidos por agentes públicos
contra opositores políticos durante o regime militar;
>> Ou tornar-se-á um Estado fora-da-lei no plano internacional.
Fábio Konder Comparato é Professor Emérito da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa da
Universidade de Coimbra
“Belo Monte não vai sair porque é uma grande farsa”
Altamira, Pará – Ser ouvido, de forma
séria. Essa é a principal reivindicação de indígenas, ribeirinhos e
pequenos agricultores que sofrerão os impactos diretos da hidrelétrica
de Belo Monte. A usina, planejada para ser construída próximo daqui, na
região da Volta Grande do rio Xingu, será a terceira maior do mundo,
desalojando comunidades e alterando profundamente o ecossistema.
No dia 1º de abril, essas comunidades conseguiram uma importante
vitória. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA), respondendo a uma demanda deles, solicitou
que o governo brasileiro suspendesse imediatamente o processo de
licenciamento e construção de Belo Monte, citando o potencial prejuízo
aos direitos das comunidades tradicionais da bacia do Xingu.
O documento diz, por exemplo, que o Brasil deve garantir que as
comunidades indígenas beneficiárias tenham acesso a um estudo de impacto
social e ambiental do projeto em um formato acessível e traduzido para
os diferentes idiomas indígenas dos povos ali presentes. Ou seja, que
possam saber o que está acontecendo.
Isso gerou reações indignadas do governo federal brasileiro, que
afirmou ter ouvido envolvidos e que promoveu o diálogo. Ministros
reclamaram contra uma suposta ingerência na soberania do país. Membros
do governo prometeram que, custe o que custar, a obra continua.
Abaixo estão depoimentos de lideranças indígenas, ribeirinhas e de
pequenos agricultores que colhi, nesta sexta (8), em uma reunião do
Movimento Xingu Vivo para Sempre, aqui, em Altamira. Na roda de
conversa, estavam lideranças como Sheila Juruna, Ana Alice Plens,
Antonia Melo, entre outras e outros.
Monólogo
O diálogo com o governo está fechado, não tem jeito. Não acreditamos mais no governo federal. Que diálogo é esse que o governo tem com a sociedade em que falamos e não se escuta?
O diálogo com o governo está fechado, não tem jeito. Não acreditamos mais no governo federal. Que diálogo é esse que o governo tem com a sociedade em que falamos e não se escuta?
Modelo de desenvolvimento
O governo diz tanto sobre preservação e traz um empreendimento desses? Que direitos humanos a gente tem? Tem que ser discutido, não pode ser assim, na pressão. Dizem que querem trazer desenvolvimento para cá. Para nós está sendo um rolo compressor.
O governo diz tanto sobre preservação e traz um empreendimento desses? Que direitos humanos a gente tem? Tem que ser discutido, não pode ser assim, na pressão. Dizem que querem trazer desenvolvimento para cá. Para nós está sendo um rolo compressor.
Descomplicar pra quê?
Quem veio nas audiências do governo, não teve resposta para as suas perguntas. Além disso, organizaram audiências em cima da hora para não podermos participar. Nós não estamos sendo ouvidos pelas empresas e pelo governo. Eles vêem, jogam um livro em cima da nossa mesa ou embaixo da porta com as etapas da obra e dizem que aquilo é diálogo.
Quem veio nas audiências do governo, não teve resposta para as suas perguntas. Além disso, organizaram audiências em cima da hora para não podermos participar. Nós não estamos sendo ouvidos pelas empresas e pelo governo. Eles vêem, jogam um livro em cima da nossa mesa ou embaixo da porta com as etapas da obra e dizem que aquilo é diálogo.
Fast food
Os agricultores que vieram nas audiências se sentiram intimidados. Muita polícia, pouco tempo para falar. Agricultor não tem esses costumes… Achamos que na audiência pública, nós podíamos falar nossas coisas, mas não conseguimos.
Os agricultores que vieram nas audiências se sentiram intimidados. Muita polícia, pouco tempo para falar. Agricultor não tem esses costumes… Achamos que na audiência pública, nós podíamos falar nossas coisas, mas não conseguimos.
Favelização
Para onde vamos? Para a periferia da cidade, que já está cheia de gente?
Para onde vamos? Para a periferia da cidade, que já está cheia de gente?
E aquilo ali é um índio
A Funai havia explicado no começo que as comunidades indígenas seriam ouvidas e receberiam todas as explicações. O que aconteceu é que as comunidades foram estudadas, não ouvidas, nem consultadas. O governo federal está mentindo dizendo que fomos consultados, porque não fomos.
A Funai havia explicado no começo que as comunidades indígenas seriam ouvidas e receberiam todas as explicações. O que aconteceu é que as comunidades foram estudadas, não ouvidas, nem consultadas. O governo federal está mentindo dizendo que fomos consultados, porque não fomos.
Gato por lebre
Eu estou lá e não fui ouvida. Estou consciente, não sou louca. Era para ter encontro só com os indígenas, mas houve só audiência [para a população em geral] e não para os índios como deveria ter.
Eu estou lá e não fui ouvida. Estou consciente, não sou louca. Era para ter encontro só com os indígenas, mas houve só audiência [para a população em geral] e não para os índios como deveria ter.
Assistencialismo
Não queremos doações de cestas básicas como eles ofereceram [para mitigar o impacto]. Queremos nossa terra livre para produzir nela.
Não queremos doações de cestas básicas como eles ofereceram [para mitigar o impacto]. Queremos nossa terra livre para produzir nela.
O que os olhos não vêm…
Nós sabemos o que está acontecendo, mas tem outros índios, isolados, que não sabem. O que vai ser deles?
Nós sabemos o que está acontecendo, mas tem outros índios, isolados, que não sabem. O que vai ser deles?
Desterro
Meu pai tem 64 anos e herdou a terra dos avós dele. Lá estão os restos mortais de todos. Ele me disse que não quer sair, que quer ficar lá quando morrer. Cortou meu coração.
Meu pai tem 64 anos e herdou a terra dos avós dele. Lá estão os restos mortais de todos. Ele me disse que não quer sair, que quer ficar lá quando morrer. Cortou meu coração.
Responsabilidade ambiental
A Norte Energia [empresa responsável pela obra de Belo Monte] disse que não vai indenizar área de mata, só terreiro, benfeitoria. Estamos sendo punidos por proteger a mata.
A Norte Energia [empresa responsável pela obra de Belo Monte] disse que não vai indenizar área de mata, só terreiro, benfeitoria. Estamos sendo punidos por proteger a mata.
Guerrilha
No feriado de Carnaval, colocaram um placa gigantesca dizendo que já estavam construindo, o que intimidou o povo. E não era verdade. As pessoas começaram a me ligar, perguntando.
No feriado de Carnaval, colocaram um placa gigantesca dizendo que já estavam construindo, o que intimidou o povo. E não era verdade. As pessoas começaram a me ligar, perguntando.
Mortos
Perguntamos o que eles vão fazer com o nosso cemitério. Eles disseram que isso é sentimentalismo.
Perguntamos o que eles vão fazer com o nosso cemitério. Eles disseram que isso é sentimentalismo.
Quem avisa, amigo é
Eu estava descansando. Chegou o pessoal da empresa pedindo autorização para fazer um levantamento topográfico. Peguei o papel, olhei e rasguei. Disse que jamais assinaria o papel. A moça disse que são três vezes que vão à propriedade. Depois vem a ordem judicial e vou ficar sem indenização.
Eu estava descansando. Chegou o pessoal da empresa pedindo autorização para fazer um levantamento topográfico. Peguei o papel, olhei e rasguei. Disse que jamais assinaria o papel. A moça disse que são três vezes que vão à propriedade. Depois vem a ordem judicial e vou ficar sem indenização.
Frila
Tudo o que a gente tem foi feito com amor. É difícil ver tudo isso. Mesmo sendo agricultor, a gente sabe que tem outras maneiras. Esses presidentes estão a serviço das grandes empresas.
Tudo o que a gente tem foi feito com amor. É difícil ver tudo isso. Mesmo sendo agricultor, a gente sabe que tem outras maneiras. Esses presidentes estão a serviço das grandes empresas.
Revolta
O EIA/Rima [Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental] é incompleto e mentiroso. As respostas do governo frente à OEA são horríveis e vergonhosas.
O EIA/Rima [Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental] é incompleto e mentiroso. As respostas do governo frente à OEA são horríveis e vergonhosas.
Nariz grande
Queremos ver a Norte Energia, o Ibama, a Funai, dizer para a presidente Dilma que mentiram , que não ouviram o lado dos moradores. A situação na OEA é essa hoje porque o governo nunca quis nos ouvir.
Queremos ver a Norte Energia, o Ibama, a Funai, dizer para a presidente Dilma que mentiram , que não ouviram o lado dos moradores. A situação na OEA é essa hoje porque o governo nunca quis nos ouvir.
Avaliação e diagnóstico
Imaginamos um governo democrático e popular e vemos que ele não é. Belo Monte não vai sair porque é uma grande farsa.
Imaginamos um governo democrático e popular e vemos que ele não é. Belo Monte não vai sair porque é uma grande farsa.
Em seus 100 dias de governo, Dilma busca alinhamento com EUA
Por Deutsche Welle
Primeira mulher a presidir o Brasil, Dilma Rousseff completa neste
domingo 100 dias de um mandato que, segundo recente pesquisa de opinião,
conta com a aprovação de 73% da população brasileira. Considerada mais
discreta e mais pragmática que seu antecessor e mentor, o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma vem aos poucos definindo seu próprio
estilo de governar.
Apesar do pouco tempo de comando e de ter mantido vários nomes da
gestão anterior, as primeiras diferenças, segundo analistas, já começam a
ser sentidas, especialmente na política externa. Se com Lula o Brasil
arriscou ser protagonista em alguns episódios internacionais – em boa
parte deles sem sucesso, como no asilo ao então presidente hondurenho
Manuel Zelaya, deposto pelos militares – a nova presidente vem mostrando
ser mais sensível a críticas e favorável a uma maior atuação dos
diplomatas.
Na avaliação do cientista político Carlos Pio, da Universidade de
Brasília, o ex-presidente ocupou-se demais em “acalmar os grupos mais à
esquerda da legenda”, o que teria resultado em confronto direto com os
Estados Unidos. A defesa de Lula por uma solução diplomática na questão
iraniana é o caso mais emblemático, exemplifica Pio.
A mudança de posição (no governo Dilma) ficou clara com a votação
brasileira a favor da resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU,
desfavorável ao Irã (no final de março). Isso marcou uma inversão de
postura”, ressalta o cientista político Christian Lohbauer, integrante
do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São
Paulo.
– Este governo também deve adotar, ao que tudo indica, um leve
distanciamento de regimes bolivarianos na América do Sul, com os quais
Lula manteve alinhamento. Mas também não deve abandonar a política de
protagonismo no continente – avalia Lohbauer.
Aproximação
com os EUA
com os EUA
A visita ao Brasil do presidente norte-americano, Barack Obama,
também foi percebida como um sinal claro de que as relações políticas e
econômicas entre os dois países devem ficar mais afinadas. A diplomacia
brasileira sempre tentou preservar a independência com relação aos
Estados Unidos, mas na era Lula a postura do Itamaraty bateu de frente
com a maior economia do mundo.
A política conduzida pelo atual ministro das Relações Exteriores,
Antonio Patriota, no entanto, visa retomar os bons laços. Em meio aos
afagos do presidente norte-americano ao Brasil, Dilma pediu, durante a
visita, uma parceria “entre iguais” e ressaltou a importância de se
“prosseguir nas discussões para que a relação Brasil e Estados Unidos
tenha resultados ainda mais positivos”. O objetivo é estreitar as
relações econômicas e reduzir o saldo desfavorável ao Brasil na balança
comercial, que atualmente chega a 8 bilhões de dólares.
Da mesma maneira, não surpreendeu a abstenção do Brasil – junto com
China, Rússia, Índia e Alemanha – na votação do Conselho de Segurança da
ONU, no mês passado, que decidiu sobre o uso da força militar na Líbia.
– Na retórica, a diplomacia brasileira sempre defendeu a democracia.
Mas na prática, ela tradicionalmente se abstém de qualquer tipo de
medida que afete a soberania dos governos nacionais, inclusive nos casos
de governos autoritários – afirma Pio.
Na busca pela
continuidade
continuidade
Eleita em segundo turno em outubro do ano passado com 55,7 milhões de
votos – cerca de 56% dos votos válidos – a grande bandeira de campanha
da economista Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto era a continuidade.
Já neste início de sua gestão, ela lançou a marca “Brasil, país rico é
um país sem pobreza” como forma de ratificar seu compromisso com as
políticas sociais e econômicas conduzidas por Lula e que renderam a ele,
ao final de oito anos no poder, uma aprovação recorde de 87%.
No campo econômico, no entanto, Dilma já enfrenta dificuldades para
seguir com o projeto do antecessor. Até agora não foi apontada uma
solução para conter os gastos públicos e, com isso, preservar pelo menos
parte do anunciado corte de R$ 50 bilhões do orçamento em programas de
investimento.
Além disso, a valorização do real frente ao dólar, prejudicando a
competitividade dos produtos nacionais e ajudando a desestabilizar a
balança comercial, e a previsão de aumento da inflação acima das metas
estipuladas tornaram-se fortes pontos de crítica da oposição.
Apesar das declarações da presidente de que “não vai negociar com a
inflação”, na tentativa de acalmar a população, alguns analistas afirmam
não haver um grande empenho do governo em conter a alta de preços, como
se via na gestão anterior.
– O Banco Central tem se mostrado não tão forte na defesa do ajuste
fiscal nem suficientemente intolerante com relação à inflação – diz Pio.
Na avaliação dele, o Banco Central dá sinais de que vai tolerar uma
taxa acima da meta, o que seria injustificável.
Fama de durona
A fama de durona e a conhecida personalidade forte de Dilma, que
militou contra a ditadura brasileira – chegando a ser presa e torturada
pelo regime militar – tem sido suavizada pelas aparições em programas
femininos de televisão e pela presença em exposições artísticas e
apresentações culturais.
– Ela tem se mostrado mais uma boa administradora do que uma
política. E, com certeza, tem personalidade própria – afirma o sociólogo
Thomas Fatheuer, consultor e ex-diretor do escritório da Fundação
Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde alemão.
Em sua avaliação, a presidente tem mantido as linhas gerais do
governo Lula, tanto nos avanços na área social quanto nas lacunas ainda
existentes em algumas questões de sustentabilidade. Por ter sido
ministra de Minas e Energia de Lula, Fatheuer diz ser “um pouco
decepcionante” a falta de posicionamento claro do governo brasileiro
quanto ao uso da energia nuclear e à construção da usina de Angra 3.
– Esperava uma mudança na posição do novo governo. Dilma conhece
muito bem a questão da energia nuclear, e quando era ministra barrou um
pouco o uso, sobretudo por achar esta energia muito cara – disse.
sábado, 9 de abril de 2011
Música brasileira "das buenas"...
Tom Zé – Postmodern Platos (2000)
downloadCréditos: UmQueTenha
O Bando de Maria – Tiro de Bodoque (2003)
Eudóxia de Barros – Saudades do Brasil (1979)
Disco Síntese da Coleção Música Popular do Nordeste (1979)
Geraldo Vandré – 5 Anos de Canção (1966)
Os Bolsonaros e a rua Lima e Silva
O grupo Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade
publicou nota manifestando repúdio às recentes declarações racistas e
homofóbicas do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e criticando a matéria
publicada pelo jornal Zero Hora sobre o vandalismo que teria tomado
conta da rua Lima e Silva, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.
Intitulada “Vandalismo, drogas e sexo a céu aberto”, a matéria tem como ilustrações fotos de casais gays se beijando. A nota do Somos afirma:
Na última semana nos deparamos com o deputado Jair Bolsonaro dando
declarações racistas, heterossexistas e homofóbicas em rede nacional de
televisão. “Pra mim ser gay é promíscuo, sim”, disse o deputado,
democraticamente eleito pelo Partido Progressista do Rio de Janeiro,
quando questionado sobre suas posições.
As crenças do deputado, expressas de modo bastante claro, são
preocupantes. Mas a democracia, instituição pela qual no deputado não
parece ter muito apreço, tem sua utilidade nesse caso: grande parte das
pessoas acredita que é um direito de Bolsonaro dizer o que pensa. Então,
que ele diga o que pensa, que nós discordemos de suas ideias, que haja
discussões e que nada mude na realidade em que vivemos. Afinal, é um
“direito democrático” dizer que gay é promíscuo, é um “direito
democrático” votar em um candidato que acredita nisso, tanto quanto é um
“direito democrático” discordar disso. Será mesmo?
A própria noção do que é democracia é totalmente distorcida neste
caso. Ter liberdade de expressão significa ter direito de posicionar-se
contra ou a favor de acontecimentos do nosso presente, mas jamais
significa incitar ao ódio, promover a discriminação e a violência ou
impor a todo um grupo de pessoas um rótulo preconceituoso. Isso não é
liberdade de expressão: é liberdade de promoção e implantação do ódio.
Entretanto, devemos tirar uma lição bastante preciosa das declarações de
Bolsonaro. Ele dá voz a um murmúrio quase silencioso de muitos cidadãos
e cidadãs brasileiras, que efetivamente concordam com suas ideias,
eleitores e eleitoras que votaram no deputado e que legitimam suas
posições. Há uma massa de pessoas que também acreditam no que Bolsonaro
diz, e que também acreditam que é este o tipo de democracia que precisa
vigorar no Brasil. Temos de estar atentos/as ao que isso pode significar
para o jogo político. Além disso, é importante que as pessoas se
expressem publicamente, que assumam suas crenças e que se
responsabilizem por elas. Se concordam com as declarações do deputado,
que tomem a voz: é importante tirar os/as reacionários do “armário” para
que as discussões se tornem mais claras.
Na edição desta segunda-feira do jornal Zero Hora, de Porto Alegre,
as páginas 4 e 5 são dedicadas a descrever e denunciar os supostos
abusos cometidos por jovens que se encontram na rua Lima e Silva,
localizada no bairro Cidade Baixa na capital gaúcha. O bairro é
reconhecidamente o preferido pela boemia porto-alegrense e é frequentado
por muitos grupos em diferentes dias e diferentes ruas. A matéria,
entretanto, foca como problema a sociabilidade jovem que acontece ali,
sobretudo aos domingos, entre jovens. O título da matéria “Vandalismo,
drogas e sexo a céu aberto” deixa muito a desejar, ainda mais quando
contrastado com as fotografias que ilustram o texto: não há sexo a céu
aberto, mas beijos entre dois meninos ou entre duas meninas. É este o
conceito de “sexo a céu aberto”?
O SOMOS já desenvolveu uma pesquisa de levantamento de dados e um
trabalho de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis junto aos
jovens que se reúnem em frente ao Centro Comercial Nova Olaria. Durante a
implementação das ações da pesquisa e do projeto Qual É A Sua, desde o
ano de 2007, fizemos observações participantes na sociabilidade dos
jovens na rua Lima e Silva. Durante os mais de 6 meses de observações,
não presenciamos nenhuma cena de sexo a céu aberto, como sugere a
matéria, também não presenciamos nenhum/a jovem subindo os parapeitos
dos prédios para cheirar cocaína. Vale lembrar que jovens menores de 18
anos não podem entrar em motéis e normalmente moram junto com seus pais,
o que dificulta os momentos de práticas sexuais a sós – mesmo assim,
jamais vimos nenhum tipo de atentado violento ao pudor acontecendo na
Lima e Silva.
Sim, é verdade que os/as jovens fazem xixi nas ruas, posto que os
banheiros dos estabelecimentos próximos ficam fechados – apenas para os
jovens – e a Prefeitura não disponibiliza banheiros públicos naquela
região da cidade. Porém, o “problema” de urina e fezes nas ruas não é
uma característica apenas da Lima e Silva – várias outras regiões de
Porto Alegre têm sofrido com o total descaso da política de limpeza
urbana do município. Se há consumo de drogas ilícitas, como a cocaína,
ou abuso de drogas lícitas, como o álcool, é importante salientar que o
uso e abuso destes tipos de drogas acontecem também a algumas quadras da
rua Lima e Silva, ao longo da rua João Alfredo. A diferença entre a
sociabilidade das duas ruas é que a primeira é predominantemente
frequentada por jovens gays e lésbicas, enquanto que a segunda é destino
de jovens heterossexuais – de classe média. O uso e abuso de drogas
lícitas e ilícitas não é privilégio dos jovens que se reúnem na rua Lima
e Silva, mas uma prática mais ou menos disseminada e comum entre vários
grupos de pessoas que frequentam vários outros ambientes de
sociabilidade, sem que isso se torne um problema unicamente porque o
consumo se dá dentro destes espaços, sem que o público em geral veja. É
esse, então, o problema? Que sejamos obrigados a ver com nossos olhos
aquilo que normalmente preferimos ignorar? Acreditamos que exista, sim,
um problema em relação à sociabilidade dos/as jovens que frequentam a
Lima e Silva aos domingos; entretanto, as maneiras com que a sociedade e
a mídia vêm lidando com este problema, além da omissão do Poder Público
Municipal, só têm piorado a situação.
A matéria de Zero Hora, cuja demanda de pauta ainda é um mistério,
explicita problemas que não se restringem àquele grupo de jovens. É
curioso notar que ao longo do texto, nenhum dos/as jovens foi ouvido/a
ou entrevistado/a. Por quê? Se a eles/as são impetradas tantas
transgressões, por que não ouvi-los/as sobre o que têm a dizer? Por que
damos ouvidos às declarações de Bolsonaro, por exemplo, e é tão difícil
de articularmos uma resposta consistente contra suas posições? Por que
não há nas páginas de Zero Hora uma matéria sobre o uso e abuso de
álcool e cocaína nas boates freqüentadas pelos jovens da classe média
heterossexual de Porto Alegre? Por que não há políticas públicas
relevantes para dar conta dos jovens, sobretudo no município de Porto
Alegre? Por que é tão fácil de acreditar que Bolsonaro tem direito de
dizer o que pensa, chamando isso de liberdade de expressão, enquanto que
jovens gays e lésbicas não podem se beijar em público, posto que isso é
atentado violento ao pudor? É porque, talvez, em alguma medida,
aqueles/as que veem como um problema jovens gays e lésbicas se beijando
em público estejam também de acordo com as declarações de Bolsonaro.
O SOMOS se posiciona contrariamente às declarações do deputado Jair
Bolsonaro e repudia qualquer tipo de atitude ou ideia que incite ao ódio
e à violência; defendemos, sim, a liberdade de expressão, mas somos
absolutamente contrários/as a posições que denigrem os Direitos Humanos.
Pela mesma razão, somos a favor de um tratamento mais digno e menos
preconceituoso em relação aos/às jovens que frequentam a rua Lima e
Silva aos domingos, de modo que todos os atores sociais e instituições
públicas envolvidas nessa situação possam tomar medidas inclusivas para
resolver a questão, sempre orientadas pelos princípios preconizados
pelos Direitos Humanos.
Educadores do RS aprovam reajuste emergencial de 10,91%
Os
trabalhadores estaduais da educação aprovaram, em assembleia geral
realizada nesta sexta-feira 8, em Porto Alegre, o reajuste emergencial
de 10,91% no salário para toda a categoria a partir de maio. Dez mil
educadores participaram da assembleia.
O reajuste será estendido ao conjunto dos aposentados, incluindo aqueles que se aposentaram por invalidez ou proporcionalmente (Emenda 41) e aos funcionários de escola que estão fora do plano de Carreira.
A assembleia também aprovou a continuidade da luta pela implantação do piso nacional como básico das carreiras. A implementação do piso será garantida com a mobilização da categoria.
O reajuste será estendido ao conjunto dos aposentados, incluindo aqueles que se aposentaram por invalidez ou proporcionalmente (Emenda 41) e aos funcionários de escola que estão fora do plano de Carreira.
A assembleia também aprovou a continuidade da luta pela implantação do piso nacional como básico das carreiras. A implementação do piso será garantida com a mobilização da categoria.
O
calendário de mobilização dos educadores prevê a realização, no dia 28
de abril, de um ato público unitário dos trabalhadores organizados no
Fórum dos Servidores Públicos Estaduais (FSPE).
Para
o dia 11 de maio está prevista a realização de um dia estadual de
paralisação pela implementação do piso e contra a retirada de direitos,
com atividades regionais.
As
atividades do dia foram encerradas com uma caminhada até a Praça da
Matriz, onde foi realizado um ato público em conjunto com as demais
entidades do FSPE.
A
manifestação serviu para que os servidores deixassem claro que
continuarão lutando por seus direitos e que não aceitarão alterações na
previdência estadual e na lei que garante o pagamento das Requisições de
Pequenos Valores (RPVs).
João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/SindicatoFotos: Cristiano Estrela
Assinar:
Postagens (Atom)