terça-feira, 19 de abril de 2011

UERGS no limite: comunidade acadêmica deposita em Tarso expectativas de reestruturação

Rachel Duarte no Sul21



Ramiro Furquim/Sul21

Na pauta de votação dos parlamentares gaúchos nesta terça-feira, 19, está o PL 112/2011 que autoriza a contratação emergencial de 60 professores para a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). O pleito é uma reivindicação da comunidade acadêmica, que estará mobilizada a partir das 8h30min para manifestar a importância da aprovação do projeto. Os alunos da Uergs irão se integrar aos estudantes dos movimentos estudantis do estado, na Praça da Matriz, para marcar o começo de uma mobilização em prol da educação gaúcha.
O Rio Grande do Sul foi o último estado do Brasil a ter uma universidade pública estadual e é o que menos destina recursos para sua manutenção. Em junho deste ano, a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) completa dez anos de existência e a realidade da universidade é um déficit estrutural preocupante e uma defasagem de cursos e professores. Ainda, caso o governo Tarso Genro não cumpra a sua promessa de recuperar a universidade, em 2016 a Uergs poderá ser rebaixada pelo Ministério da Educação por não atingir as exigências da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para ser uma instituição de ensino superior.
O alerta já foi dado ao governador, segundo o reitor Fernando Guaragna Martins. Ele explica que a Uergs precisa alcançar a meta de instituir dois cursos de Doutorado e quatro de Mestrado até 2016 para não ser rebaixada. “O governo eleito antes de assumir recebeu a nossa proposta. O governador assumiu publicamente o compromisso de reestruturar a Uergs. O desenvolvimento regional passa pela Uergs e reconhecemos que hoje a Universidade não cumpre o seu papel da maneira ideal”, falou.
A Uergs está presente em 24 municípios gaúchos, divida em sete regiões, cobrindo todo o estado. São oferecidos 19 cursos de graduação, nas áreas das Ciências da Vida e do Meio Ambiente, Exatas e Engenharia, e Ciências Humanas. O total é 2,5 mil alunos, número que vem caindo com a falta de investimentos na universidade.

Fernando Guaragna Martins, reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Precisamos investir em cursos, rediscutir as unidades e modernizar o desenho da Uergs. O desenho é de 10 anos atrás. Precisamos evoluir porque o ensino superior e técnico avançou nos últimos anos”, disse o reitor. Com a expansão das Universidades Federais de Santa Maria e Pelotas e também da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bem como a criação de duas novas instituições federais de ensino superior (Unipampa e a Fronteira Sul), a universidade estadual terá que atuar de forma estratégica. “Temos que redefinir nossa atuação e adequá-la a esta realidade. A estratégia será oferecer cursos que as outras não oferecem, para complementar a oferta por região. Estamos nos articulando com as demais universidades para montar nosso mapa”, disse.
Para poder investir em ensino, pesquisa e extensão de qualidade, a Uergs precisa começar do básico. Prédios sucateados, falta de professores e falta de recursos fazem parte do dia-a-dia da universidade. O Orçamento do RS para 2011, decidido no ano passado, prevê a destinação de apenas 0,08% para a UERGS. O número de professores previsto em lei é de 300 e a universidade gaúcha conta com apenas 116, ou seja, tem um déficit de mais de 180 educadores. Além disso, a Uergs é a única que não dispõe de um plano de carreira para seus professores.
Há nove anos na UERGS, a professora Ana Carolina Martins da Silva diz que a falta de concursos públicos é outra deficiência do sistema estadual que prejudica a universidade. “É conflitante porque sem concursos, não temos professores e sem Plano de Carreira os professores entram e saem, assim como os funcionários”, disse.
A constituição da UERGS
A professora Ana Carolina Martins da Silva, conta que quando a UERGS foi constituída, na gestão de Olívio Dutra, ela contava com um grupo de profissionais que tinha um perfil ligado à Educação Popular, aos Movimentos Sociais, ao processo transformador da Educação. Esta característica sempre diferenciou a universidade estadual das demais instituições públicas de ensino superior do estado. Porém, a visão partidária sobre a universidade e o processo de indicação do reitor pelos governos, provocou danos a imagem e ao papel da instituição. “Quando o PT deixou o governo, muitos desses profissionais saíram da UERGS, dando espaço para um novo perfil de profissional ligado mais aos aspectos tecnicistas do Ensino Superior. A ideia dos antigos reitores era transformá-la numa Universidade essencialmente tecnológica, para formar operários para “chão de fábrica”, como muitos diziam”, relata. O que não aconteceu devido a uma forte mobilização da comunidade acadêmica.
Em 2010, professores, funcionários e alunos puderam escolher seu próprio reitor. “A eleição do reitor pela comunidade muda o caráter da instituição como de estado e não de governo”, disse o reitor eleito Fernando Guaragna Martins. Ele diz que, apesar do alinhamento com as perspectivas do governo Tarso e da necessidade de negociações políticas, a autonomia da UERGS será preservada na sua gestão. “Nosso planejamento é para longo prazo, de modo que ultrapasse as mudanças de governo”, salientou.
Sinais de uma recuperação

Fernando Guaragna Martins, reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O governador Tarso Genro tomou algumas medidas emergenciais ao assumir a gestão, como a contratação de 23 professores para a instituição de ensino nos diversos campi, a elaboração de projeto de lei para a contratação de 17 servidores técnico-administrativos e 60 professores, além da designação de diretores regionais, e iniciou a preparação de concurso público.
O reitor Fernando Guaragna Martins alerta que os esforços da reitoria junto ao governo estadual serão para a elaboração de um plano de carreira. “É importante termos esta valorização. Temos uma proposta aprovada há três anos na Assembleia Legislativa que o governo anterior (Yeda Crusius-PSDB) sentou em cima. Este governo assumiu o compromisso de fazer, mas não está andando como gostaríamos”, criticou.
Segundo o reitor, as sinalizações que o governador têm dado vão no sentido de recuperar a UERGS, mas a defasagem é tão grande que há certo descrédito. “Nós avaliamos que não estão acontecendo ações na velocidade desejável. Existem setores que estão um pouco frustrados”, disse.

Secretário de Educação José Clóvis, ex-reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
De acordo com o secretário de Educação José Clóvis, ex-reitor da UERGS, a universidade é uma instituição prioritária nas ações do programa de governo e será possível atender a demanda de concretizar um plano de carreira para os professores.
Construção da nova sede
Um passo importante para recuperação da UERGS é melhorar a sua estrutura física. Desde a criação, a universidade não possui prédio próprio, o que já comprometeu R$ 200 mil reais de verbas federais. “A gente escreve projetos para receber recursos do governo federal, mas, como não temos sede própria não estamos regulares. Tivemos que devolver o dinheiro dos projetos aprovados no ano passado”, disse.
Atualmente a sede da reitoria e os setores administrativos da universidade funcionam em um prédio de propriedade do estado, no Centro de Porto Alegre. Também na capital gaúcha funciona a Unidade Porto Alegre (Rua Bento Gonçalves, 2.460) e em outro funciona a Biblioteca Central (Rua dos Andradas, 1223). Há um terceiro prédio que está sem utilização.
“Precisamos unificar estas unidades de Porto Alegre para propiciar uma apresentação melhor da universidade, ter um prédio próprio e aproximar os estudantes da UERGS. Aqui neste prédio (reitoria) funcionava um banco. É isolado do ambiente acadêmico”, reclama o reitor Fernando.
A negociação com o governo estadual já iniciou e a reforma da UERGS deve acontecer em breve.
Ampliação de recursos

Fernando Guaragna Martins, reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Para garantir a autonomia da gestão acadêmica e as melhorias mais imediatas, a UERGS necessita de um orçamento maior do que o destinado pelo estado hoje. Na Assembleia Legislativa tramita um Projeto de Lei de autoria do deputado estadual Raul Pont, que prevê 0,5% da receita líquida de impostos próprios para a manutenção do ensino superior público. “Queremos ter um orçamento fixo acima do que temos para podermos trabalhar independente do estado. Somados aos recursos extras, daríamos um salto. Os recursos federais tem que ser a possibilidade de incremento e não o recursos essenciais”, explica o reitor da UERGS.
Outra possibilidade de incremento para investimentos na UERGS vem de emendas parlamentares. O secretário estadual de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT), Cleber Prodanov, garantiu junto ao senador Paulo Paim (PT) e o deputado Ronaldo Zulke (PT) a liberação dos R$ 10 milhões da emenda parlamentar de 2010 para a UERGS. Além disso, ficou combinado o repasse de R$ 10 milhões anuais para a Universidade, até 2014. A verba total chega a R$ 50 milhões.
“O salto de qualidade do país passa pela educação. Muitos setores pensam que o desenvolvimento está apenas ligado as questões de infraestrutura e saneamento. Mas, o salto só se dá com investimentos pesados em educação. Outros países já mostraram isso”, avalia o reitor da UERGS.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

As reformas em Cuba

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180411_raul_castroDiário Liberdade - [Laerte Braga] É difícil à primeira vista imaginar onde Raúl Castro pretende chegar com suas propostas de reformas políticas e econômicas feitas no VI Congresso do Partido Comunista Cubano.

Um modelo chinês, guardadas as devidas proporções (Cuba é uma ilha e a China um dos maiores países do mundo em extensão territorial)? Não existem condições para isso. A China é só um Japão em tamanho maior com o agravante de ser uma ditadura – não tem nada de comunista – e milhões de chineses (dos quase dois bilhões de habitantes do país) vivem na linha da miséria.
Desde que assumiu o governo de Cuba o irmão de Fidel tem dado mostras que vai se distanciar do modelo até então posto em prática. Registre-se a guisa de informação que Raúl Castro foi o único dos irmãos de Fidel a ficar a seu lado. Juanita saiu pela América Latina afora – a soldo dos EUA – dizendo que o irmão era um “assassino”.
Certas feridas parecem ser intocáveis. Stalin dizia que Trotsky era um “social democrata de direita com idéias esquerdistas”, acho que isso. Se não for literalmente é na essência.
Hoje começam a surgir tênues indicativos de recuperação do governante soviético. O discurso de Nikita Kruschev no célebre congresso do PC da URSS que demoliu Stalin. Já se percebem tímidos laivos de farsa, de dados falsos (afinal Kruschev era homem da copa e cozinha de Stalin), sinaliza disputa de poder e tentativa de reformas que acabaram fracassando.
Pode ser que sim, pode ser que não, começa ali o fim da revolução soviética. A ascensão da burocracia no controle do partido mantém a União Soviética estática, presa à incapacidade e a corrupção de seus governantes (Brezhnev).
O jornalista Paulo Francis, trotskista na juventude, por sua guinada política à direita parece confirmar o que Stalin dissera de Trotsky. Ele e outros. Francis dizia que o “mérito de Stalin era o de fuzilar a burocracia a cada dez anos”. Essa figura de linguagem, a expressão, a frase, digamos assim, sugeria a capacidade do governante soviético de renovar o processo revolucionário e alcançar através de saltos expressivos a posição de grande potência mundial.
De sã consciência ninguém tem dúvida que a União Soviética evitou a vitória nazista na Europa. Como há a certeza que norte-americanos contavam com os nazistas para derrotar Stalin e por fim ao comunismo. No final, nos momentos que antecederam o célebre DIA D, Eisenhower, comandante aliado – ocidental – mandou um apelo desesperado a Stalin para reforçar a defesa e o ataque no front soviético, do contrário não haveria DIA D, mas um grande massacre de tropas aliadas pelos alemães.
A jornalista Eliane Catanhede (um prodígio na capacidade ou de falar o óbvio, ou quando quer ser diferente produzir asneiras tucanas) afirmou num programa da GLOBONEWS (no máximo uns duzentos telespectadores, uma espécie de prévia de outra baboseira, MANHATAN CONNECTION), que os cem primeiros dias de Dilma “vão bem” – o que torna o governo suspeito – e que é preciso ter cuidado com a amizade dos chineses. “São amigos, mas a gente sempre desconfia”.
Vale para os norte-americanos bem mais que para os chineses, ou se equivalem.
Como diz Chico Buarque “a História não é uma carroça abandonada à beira da estrada”.
A revolução cubana é um marco na América Latina. Se antes tentativas foram feitas para sair das garras totalitárias dos EUA, o primeiro grande triunfo foi de Fidel. Uma etapa fundamental no processo histórico.
É só olhar a reação dos EUA. Num primeiro momento tentou derrubar o governo no episódio da Baía dos Porcos. Em seguida chamou às falas militares latino-americanos que obedecem ao comando de Washington e espalhou ditaduras por essa parte do mundo, inclusive no Brasil.
As conquistas do povo cubano ao longo desses anos são outro marco. Uma pequena ilha sobrevivendo à meia hora de Miami, a um bloqueio imoral e típico de ditaduras como a norte-americana (esse caráter de ditadura nos EUA fica claro no documentário de Michael Moore, “CAPITALISMO, UMA HISTÓRIA DE AMOR”).
Como cristalina a condição de conglomerado de empresas e bancos associados Israel. EUA/ISRAEL TERRORISMO S/A. No discurso de Raúl Castro há uma passagem que o líder cubano condena o terrorismo e explicita o “terrorismo de Estado”.
Os artigos de Fidel têm evitado uma análise mais profunda, ou mais detida das propostas de reformas feitas pelo irmão. Em discursos anteriores, quando ainda governava Cuba, Fidel falou de erros e da necessidade de corrigi-los. Não significou abrir às portas a doença capitalista. É possível que esteja aí o silêncio do ex-presidente sobre as discussões do VI Congresso do Partido Comunista. Fidel se ateve ao caráter solene e aos triunfos da revolução.
Alexis Kossigin, primeiro-ministro soviético durante os primeiros momentos que se seguiram à queda de Kruschev, fala sobre um salto de qualidade na União Soviética. “É hora de começarmos a pensar em produzir batons para as mulheres”.
Não significa necessariamente que sejam vermelhos, verdes, azuis, carmins, etc. O ex-primeiro-ministro parecia estar acendendo uma luz noutra direção. A retomada do processo dinâmico da revolução soviética, extinto com Stalin e na tentativa fracassada de Kruschev.
Brezhnev, ao contrário, era fascinado por carros produzidos pela Mercedes e tinha uma coleção deles.
Luís Carlos Prestes achava que Yuri Andropov tinha a visão correta do momento histórico e teria retomado o caráter revolucionário de 1917 em seu tempo e seu espaço, vale dizer, eliminar o caráter burocrático dominante desde a morte de Stalin. Morreu pouco tempo depois de assumir a Secretaria Geral do PC da URSS, deu lugar a um último e inexpressivo revolucionário de 1917, Konstantin Tchernenko e ao final o desastre, Mikhayl Gorbachev. As políticas implementadas por Gorbachev eram um desafio histórico maior que ele. Não percebeu a armadilha montada em Washington e interpretada por um ator de segunda categoria Ronald Reagan.
Caiu sem um tiro e é exibido em circos do capitalismo como estadista.
No Brasil o governo tecnocrata de Dilma Roussef está bem para as forças de direita (é só olhar o que dizem os comentaristas da GLOBO), mas ao mesmo tempo, no burocratismo que tomou do PT “disceusista” (quero o meu mandato de volta mesmo sem ter votos), parece uma nau sem rumo levando em conta as esperanças de um salto de boas proporções, até considerando que Lula (que a elegeu) havia desbravado uma boa parte da clareira burguesa, com caminhos e descaminhos aqui e ali.
Como isso pode ser percebido? O artigo em que FHC pede ao PSDB para esquecer o “povão” e ir atrás da classe média responde. Se o programa Bolsa Família no governo Lula permitia espaços para o processo de formação e avanços políticos a médio prazo, no governo Dilma tem características de curral eleitoral.
As elites entenderam isso com clareza. Mais ou menos como aconteceu em 1999, em dezembro, no Congresso do PT. A esquerda do partido pedia debate político e José Dirceu recusou com um argumento simples – “minha base não debate nada, vota onde eu mando”. E secundado por Marco Aurélio Garcia – “a minha nem sabe o que é debate político”.


No endereço acima, no portal TERRA, em meio ao noticiário sobre o VI Congresso do PCC – Partido Comunista Cubano – e a comemoração da derrota dos invasores na Baía dos Porcos, há uma foto de Fidel conversando com os presos. Os invasores. Imagens dizem muito. Há toda uma carga de solidariedade ali, é só prestar atenção aos olhos atentos dos prisioneiros e a forma descontraída com que Fidel aparece, em contraste com o que vemos hoje. Guantánamo, as prisões norte-americanas no Iraque, o genocídio contra palestinos.
Essa diferença é fundamental.
O discurso de Raúl Castro, longo, detalhado, soa mais como relatório e preparação para mudanças perigosas (o projeto de rejuvenescimento do PCC é correto, mas ainda assim precisa ser melhor explicitado) e riscos maiores ainda de concessões em prejuízo do povo cubano. E de todos os povos da América Latina.
As decisões sobre os rumos de Cuba cabem aos cubanos. Mas o debate a discussão sobre o assunto é dever dos marxistas latino-americanos, num momento de crise aguda do capitalismo, por isso mesmo, acentuado o seu caráter tirânico, boçal e predador. Numa hora em que o governo brasileiro, supostamente progressista, começa a enfiar a cabeça no buraco do avestruz, ou do chão, iluminando o país com letreiros FIESP/DASLU em chinês.
Gorbachev foi saudado como um homem do seu tempo e um admirável estadista. Era só um blefe. Ou um “social democrata de direita com idéias de esquerda”, como dizia Stalin a propósito de Trotsky.
Mais ou menos o que diz um ucraniano hoje (Kruschev era ucraniano, como Stalin nasceu na Geórgia) – “éramos uma nação, hoje somos exportadores de drogas e prostitutas”.
Ao invés de polacas pisando as “pedras pisadas dos cais”, ucranianas.

"Vamos investir no programa de Compra Direta", afirma governador da Paraíba


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Da Secretaria de Comunicação da Paraíba

Uma comissão de representantes do Movimento dos Sem Terra (MST) foi recebida na tarde desta sexta-feira (16), no Palácio da Redenção, e entregou ao governador Ricardo Coutinho (PSB) uma pauta de reivindicações que inclui a desapropriação de terras via Interpa e Incra, a construção de escolas no campo, crédito para a compra de maquinários e incentivo à instalação de agroindústrias nos assentamentos.
O governador discutiu com os representantes do movimento vários pontos da pauta e adiantou que pretende ainda este ano instalar três escolas em assentamentos do Estado. “Pedi hoje que o MST levante os assentamentos onde existe uma maior demanda e vamos investir na educação dos jovens e adultos nos assentamentos”.
Ricardo recebeu a pauta de reivindicação e foi até a frente do Palácio conversar com os trabalhadores. Ele adiantou que encaminhará a pauta de reivindicação para cada secretaria e que alguns pontos estão de acordo com a visão do governo de estimular o crescimento da economia de baixo para cima. Disse também que estará empenhado na formação de pontos de inclusão produtiva nos assentamentos nas áreas da agricultura familiar, agroindústria e piscicultura. “Também vamos investir na implementação do programa de Compra Direta da produção nos assentamentos para abastecimento das escolas estaduais”, disse Ricardo.
O governador recomendou aos diretores do MST a realização de um levantamento das áreas prioritárias para visualizar onde o Empreender-PB  e o Cooperar podem entrar, facilitando o acesso ao crédito a cooperativas para a aquisição de maquinário e a agregação de valor aos produtos.  “É preciso investir no fortalecimento de ações que promovam a inclusão coletiva e movimente uma cadeia produtiva”, ressaltou o governador.

Em relação à questão de licenciamento dos assentamentos, o governador recomendará à Sudema agilidade nos processos para facilitar o processo de obtenção de terras.  O governador destacou o interesse do Estado em assinar convênios com o Incra de forma a garantir aos assentamos as condições necessárias para a produção e o aumento da renda das famílias.
A coordenadora do MST na Paraíba, Dilei Schiochet,  ressaltou que nestes 100 dias do governo os trabalhadores sem terra caminham juntos para contribuir no desenvolvimento do Estado por meio da agricultura familiar e a agroindústria. Ela agradeceu ao governador e ressaltou que irá procurar as secretarias de Agricultura e Educação para dar andamento a projetos em beneficio dos trabalhadores do campo.
A reunião contou com a participação de diretores do MST, do superintendente do Incra na Paraíba, Marcos Faro, com o  secretário de Governo, Walter Aguiar, e com o deputado federal Luiz Couto (PT).

A fantástica democracia fernandista

Miguel do Rosário



As notas acima foram publicadas neste domingo na coluna da Renata Lo Prete, na Folha.

O príncipe surtou de vez. Depois de ser ridicularizado até entre seus pares por uma visão partidária absurdamente classista, o ex-presidente, em vez de dar uma resposta geral a todos os que criticaram o teor de seu artigo, dá uma resposta ad hominem, inflada de inveja, aquele que é o novo sucesso do circuito internacional de palestras.

Não comento os pitis de inveja, visto que estes são, a meu ver, autodesmoralizantes. Ressalto, porém, algumas pérolas do pensamento fernadista acerca do que seja uma democracia, as quais ilustram bem a esquizofrenia a que chegaram setores da oposição, ao trocarem a ciência política clássica, e o pensamento lógico, por uma visão sectária, tacanha, medíocre, submissa aos preconceitos mais vulgares da imprensa conservadora:

Sou contra o que ele fez com o povo: cooptar movimentos sociais; enganar os mais carentes e menos informados trocando votos por benefícios de governo; transformar direitos do cidadão em moeda clientelista. Quero que o PSDB, sem esquecer nem excluir ninguém, se aproxime das pessoas que não caíram na rede do neoclientelismo petista.

Cooptar movimentos sociais? Claro, ao dar-lhes voz, ao lhes respeitar, ao ouvi-los e recebê-los no Palácio do Planalto, Lula estimulou os movimentos sociais a encaminharem suas propostas por vias democráticas, pacíficas, institucionais. Já FHC preferiu criminalizar os movimentos sociais, levando-os a se radicalizarem.

Enganar os mais carentes trocando votos por benefícios do governo? Aí FHC, como se dizia antigamente, peidou na farofa. Se um eleitor da classe média votar no PSDB por querer pagar menos imposto, não estará da mesma forma trocando seu voto por um benefício do governo? O pobre agora tem que votar pensando em quê? Nas Olimpíadas? No Conselho de Segurança da ONU? Nos direitos humanos do Irã? Nas xaropadas pseudo-libertárias dos estrupícios do Instituto Millenium? Bem, poderiam votar pensando simplesmente num país melhor... mas não seremos um país melhor se os pobres tiverem mais benefícios, de maneira que ganhem fôlego para lutarem contra a pobreza?

FHC, e a direita brasileira, desenvolveram um ideário tão absolutamente antipobre que se tornou uma muralha de estupidez e insensibilidade que os impedem de compreender, ou sequer imaginar, as terríveis difículdades em que vive a maior parte da população brasileira. O pobre, mesmo o remediado, que tem emprego, está sempre a beira de uma tragédia, pois sua vida só dá certo na medida em que não acontece nenhum acidente. Uma doença, uma dívida, um deslize, uma crise de depressão, um filho com problemas com drogas, um acidente climático, qualquer coisa pode botar tudo a perder. Todas suas modestas conquistas podem se esvair ao menor soluço negativo da fortuna. Esta é a classe média que FHC pretende tratar como se lidasse com parentes empobrecidos dos Matarazzo.

Denegrir o pobre que vota em prol de sua classe é mais do que estupidez, é um tipo de fascismo que, na boca de um sociólogo, apenas se explica como doença provocada pela leitura sistemática e acrítica de editoriais de jornal.

Diálogo e investimentos marcam nova política educacional gaúcha, diz Tarso Genro

Foto da Notícia Sitio da SEDUC-RS


Ministro da Educação durante o Governo Lula, o governador Tarso Genro tem por meta dar um novo rumo ao ensino no Rio Grande do Sul. Esta mudança passa por uma nova relação com os servidores, com diálogo e respeito ao magistério. Em 2011, os salários da categoria receberão o maior reajuste dos últimos 10 anos, 10,91%, e o Governo reafirmou seu compromisso com o piso nacional. Trinta escolas estaduais em situação precária receberão R$ 8 milhões para obras emergenciais. Na quinta-feira (14), Tarso falou sobre os planos do Governo do Estado para o setor em seu escritório, no Palácio Piratini.

O Estado já recebeu a visita do Ministro da Educação, Fernando Haddad, iniciou o trabalho da Câmara Temática Pacto Gaúcho pela Educação, e o Cpers aprovou a proposta do Governo. É um novo momento para a educação do RS?

Tarso Genro - De fato é o começo de um novo momento, é uma articulação que parte do zero, não há um trabalho sistemático do Governo do Rio Grande do Sul, vinculado ao projeto educacional do Governo Federal. Existem ações esparsas, e isso é natural e até positivo. Mas nós vamos agora fazer um vínculo permanente e estruturado das nossas políticas educacionais com o Governo Federal. Isso parte de um termo de cooperação, que aponta em quais setores vai ocorrer esta colaboração e, a partir disso, cada setor vai ter seu convênio específico, com aporte de recursos da União para cá e sob nossa gestão, para a aplicação destes recursos de acordo com o nosso programa de Governo.

E na relação com os professores, qual é o objetivo do Governo e como o senhor avalia o resultado da negociação com o Cpers?

Tarso Genro - Isso é um processo político natural, mas havia uma determinada expectativa de alguns setores ligados à formação de opinião que ocorresse um enfrentamento do Cpers com o Governo, um sindicato forte, combativo, com forças políticas que são oposição ao Governo Estadual, como o PSTU e o PSOL, além de setores do PT. Havia a expectativa do confronto, e essa expectativa tornou-se, em um determinado momento, uma torcida. Nós tivemos a maturidade de fazer uma discussão séria com o Cpers, e o Cpers fez uma discussão com a sua base a respeito da nossa proposta. O diálogo com o Cpers, com o MST, empresários e vários setores da sociedade foi aceito. O Cpers reagiu a este diálogo, considerando positiva nossa proposta para a categoria, então houve certa frustração de que o Governo obtivesse esta interlocução e que desse certo. Como teve certa frustração porque nós fizemos um acordo com o MST, que também é emblemático. Em outros momentos isso foi feito com muita violência, e nós estamos simplesmente levando a termo - com respeito a todas as forças políticas e todas as fontes de produção de opinião política - o que dissemos, que teríamos um Governo firme, dentro do Estado de direito, programático, mas com dialogo, com abertura, com interlocução.

No plano de carreira do magistério, existe a questão do mérito como um dos pontos de melhoria e valorização do funcionalismo. Qual será a proposta do Governo aos servidores em relação ao mérito?

Tarso Genro - O que vai ser aplicado é outro aspecto desta disputa política na qual o Estado está imerso. Vai ser discutido com os professores e com a sociedade civil, não apenas com os professores. Uma questão de interesse público desta natureza deve ser tratada com muito cuidado, muita sobriedade para que não se caia em posições provocativas. O mérito é a metodologia por meio da qual você estimula e qualifica o servidor público, passando de nível, melhorando sua remuneração, para que ele cumpra adequadamente as suas funções. A diferença radical para a "meritocracia" é que ela pode ser imposta pelo patrão. Se o trabalhador não cumpre o que está previsto na meritocracia, ele é despedido, o patrão tem o direito de rescindir o contrato, inclusive sem justa causa. A "meritocracia" é uma instituição de qualificação do serviço empresarial, típico das estruturas privadas, e o mérito é típico do serviço público. Então temos que discutir com o Cpers e também com a sociedade civil, para que ela acompanhe a discussão e opine sobre ela. É como transformar este mérito que já existe em uma instituição funcional, estimulante, qualificadora, que tenha transparência. Isso não pode ser feito contrariando os professores. Se você faz isso contrariando os professores, de maneira autoritária, não dá certo, porque no serviço público não se tem os mesmos métodos de qualificação do trabalho que se tem em uma empresa privada.

O desenvolvimento da Metade Sul

Zelmute Marten *no Sul21

A abordagem sobre os aspectos relacionados ao desenvolvimento da Metade Sul necessita sempre de um ensaio que contemple análise histórica e resultados atuais da geopolítica desta mesorregião do Rio Grande do Sul. A distribuição da propriedade rural e as unidades formadas por grandes áreas acabaram sendo decisivas neste processo.
Ao longo de décadas, o modelo de desenvolvimento da Metade Sul esteve centrado em monoculturas, como a criação extensiva de gado e a produção de arroz irrigado. Estes meios de produção criaram diferentes subserviências na relação entre capital e trabalho. O cidadão desta parte do estado esteve por longo período submetido a hegemonias conservadoras, muito próximas de orientações produtivas pré-capitalistas.
Como resultados geográficos, a Metade Sul possui 54% do território gaúcho com 154.099 km², 105 municípios, população estimada de 2.698.651, equivalente a aproximadamente 25% do povo gaúcho. Contribui com percentuais próximos a 17% da conformação do PIB estadual.
Neste quadro de dificuldades soma-se uma reduzida participação do setor industrial na conformação da matriz produtiva regional. Longo período de baixa articulação entre os municípios. Limitada representação nos parlamentos estadual e federal, assim como, subrepresentação na composição de diversos governos ao longo da história.
De outra parte, a região pode contar com uma qualificada oferta de ensino superior, com Universidades de destaque como UFPel, FURG, UCPel, ULBRA, UFSM e mais recentemente a UNIPAMPA. Excelente oferta de ensino profissionalizante com instituições como os Institutos Federais de Educação — IF-Sul e o Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça — CAVG, entre os principais. Porém, formando mão-de-obra qualificada para outros centros com processos de industrialização mais avançados.
No período entre 1999 a 2002, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou estratégias claras de valorização dos Sistemas Locais de Produção — SLP’s, ampliou a participação das Universidades em iniciativas de aproximação com os setores produtivos como nas Redes de Cooperação e criou ambientes de estímulos à integração regional,através de setores como, por exemplo, o turismo com a criação dos Fóruns Regionais de Turismo.
Desde 2005 se constata novas perspectivas nestes contextos sociais estruturados. A organização regional do turismo ganhou força e legitimidades com a criação da Agência de Desenvolvimento do Turismo na Costa Doce — AD Costa Doce. As administrações municipais passaram a ampliar sua integração através das Associações de Prefeitos e dos Consórcios Intermunicipais do Centro-Sul, Extremo-Sul e Alto Camaquã. Fóruns regionais como da agricultura familiar sedimentam coesões
determinantes à efetivação de programas como os territórios da cidadania. As Universidades estão expandindo suas áreas de atuação. E instituições de pesquisa como a EMBRAPA atuam decisivamente em todo este ambiente.
O governo federal tomou decisões absolutamente relevantes como a opção do Presidente Lula em valorizar a indústria brasileira para fabricação de navios e plataformas de petróleo, criando o Polo Naval do Rio Grande, com investimentos previstos na ordem de US$ 240 bilhões até 2014 e excepcionais perspectivas de ampliação com o Pré-Sal. Estas iniciativas estão atraindo outros investimentos como as duplicações das BRs 392 e 116. Desenvolvimento da Hidrovia do Mercosul. Demonstrando o aumento da participação de setores industriais na economia regional. E aumentando a agregação tecnológica e a inovação em setores potenciais como a fabricação de equipamentos médico-hospitalares.
Porém, o planejamento territorial integrado deve preocupar-se com os riscos destes fluxos financeiros e econômicos exógenos, pelo perigo do aumento da concentração de renda, ainda muito presente. Empoderar as comunidades locais neste novo momento é tarefa imprescindível. Estimular a cidadania e a emancipação dos trabalhadores para que possam protagonizar novas possibilidades endógenas representa uma nova agenda extremamente positiva e necessária. Perspectivas que enalteçam saberes e fazeres das populações autóctones. Consolidando um novo período de possibilidades e perspectivas fundadas na valorização das pessoas, construindo um futuro com sustentabilidade e justiça social. Incorporando os aspectos ambientais na nova estratégia de desenvolvimento da Metade Sul.

* Jornalista, chefe de Gabinete do Deputado Federal Henrique Fontana (PT/RS)

domingo, 17 de abril de 2011

Escassez de mão de obra?


 
 
Marcio Pochmann
 
 
A temática da qualificação da mão de obra não é desprezível no atual momento pois corre o sério risco de se tornar um verdadeiro entrave ao curso do desenvolvimento nacional, quando não um constrangimento adicional ao avanço adequado dos grandes eventos esportivos para 2014 (Copa do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos). Na crise internacional transcorrida no fim de 2008, o ciclo de expansão produtiva com forte emprego assalariado formal iniciado três anos antes foi arrefecido, o que permitiu postergar resoluções necessárias em torno da temática da qualificação da força de trabalho no país.
Desde o segundo trimestre de 2009, contudo, a produção nacional voltou a se recuperar, fruto das positivas políticas anticíclicas adotadas pelo governo federal. Tanto assim que, no ano de 2010, a economia registrou forte expansão do Produto Interno Bruto (PIB), com impactos significativos na geração de mais de 2 milhões de empregos formais. Por força disso, algumas regiões e setores de atividade econômica apresentaram, inclusive, alguns sinais de escassez relativa da mão de obra qualificada. Em geral, é possível assumir que o emprego de profissionais das engenharias pode ajudar a observar - ainda que sinteticamente - o impacto da expansão econômica sobre a determinação do nível de ocupação do trabalho qualificado.
No contexto de expansão das atividades econômicas que demandam crescentemente força do trabalho mais qualificada, devem ser considerados primordialmente os elementos determinantes da oferta laboral, sobretudo aquela derivada das engenharias, frente às suas interligações com outras categorias profissionais. Assim, não há com deixar de relacionar o processo de formação superior nas engenharias, uma vez que o ensino superior no Brasil é constituído por duas centenas de universidades, 127 centros universitários e quase 2 mil faculdades e institutos de educação tecnológica, responsáveis pela absorção de quase 6 milhões de alunos.
Nos dias de hoje, são cerca de 830 mil pessoas que se graduam anualmente, equivalendo a menos de 26% do total de vagas ofertadas a cada ano pelo ensino superior. Das 3,2 milhões de vagas disponíveis pelo conjunto dos cursos de graduação, 322 mil são de responsabilidade da área das engenharias (engenharia, produção e construção), ou seja, 10,2% do total de vagas abertas no país por ano. Para esse contingente de vagas, registram-se mais 770 mil candidatos (12,5% do total de candidatos aos cursos de ensino superior), o que resulta em 2,4 candidatos por vaga em todo o Brasil (para mais detalhes, ver a publicação Radar nº 12, do Ipea, de fevereiro de 2011).
No ano de 2009, houve a graduação de 47,1 mil engenheiros, que equivaleram a apenas um pouco menos de 15% do total de alunos que ingressam nos cursos de engenharia. Isso significa que as engenharias registraram elevados índices de evasão, impondo baixa quantidade de concluintes nos cursos de graduação e certo desperdício de recursos humanos e financeiros para vagas não ocupadas ou ocupadas por período demasiadamente longo. Além disso, assinala-se também o problema associado à qualidade formativa dos engenheiros, uma vez que 42,3% dos concluintes das engenharias que se formaram em 2008 são oriundos de instituições de nível superior que detêm baixo desempenho na proficiência acadêmica, segundo informações do Ministério da Educação (MEC). Ainda para o MEC, somente um em cada grupo de quatro graduados provém de instituições com nível superior de alto desempenho educacional.
Adicionalmente, ressalta-se que a oferta total de engenheiros formados no Brasil não se encontra ainda plenamente absorvida pelas atividades tradicionais das engenharias. Em plena década de 2000, por exemplo, constatou-se que, do total da mão de obra qualificada nas engenharias, estimada em 550 mil profissionais, havia menos de 1/3 exercendo atividades finalísticas da profissão. Esse desvio na alocação dos profissionais das engenharias em relação ao emprego final resulta de duas décadas anteriores de baixa demanda de engenheiros devido ao contido dinamismo econômico e quase ausência de investimentos em infraestrutura nacional.
Da situação atual de disponibilidade nacional de engenheiros, deve-se considerar o ingresso do contingente de graduandos a cada ano e o desvio de profissionais para outras áreas de ocupação, o que pode permitir antever alguns dos possíveis constrangimentos à demanda de pessoal qualificado a serem atenuados. Em 2009, por exemplo, 323 mil engenheiros foram contratados em todo o país, o que significou duas vezes mais a abertura de vagas que o verificado no ano 2000. Se a economia brasileira vier a crescer 6% em média nos próximos quatro anos, por exemplo, a demanda por engenheiros em 2014 pode chegar a quase 650 mil novos profissionais.
É em função disso que a formação de mão de obra qualificada no Brasil requer atenção, seja no processo formativo, seja no ambiente de contratação por parte das empresas. A ampliação das vagas no ensino superior pressupõe enfrentar simultaneamente tanto a qualidade dos cursos ofertados como a enorme evasão dos estudantes. Ao mesmo tempo, cabe mencionar a necessidade da oferta de cursos de readaptação ao ambiente de trabalho nas engenharias para aqueles profissionais que se encontram desviados e podem retornar às atividades finalísticas tradicionais. Considera-se que, do ponto de vista da demanda de mão de obra qualificada, há espaço para avançar nas relações de trabalho, especialmente naqueles setores mais dinâmicos em termos de contratação de trabalhadores.
O processo de formação no próprio local de trabalho pode ser uma oportunidade desenvolvida com apoio das instituições de representação dos trabalhadores e do governo federal, o que inibiria o veto à contratação de profissionais sem prévia experiência profissional. Também a restrição à elevadíssima rotatividade contratual permitiria que os investimentos na qualificação da força de trabalho pelas empresas se convertessem em maior segurança na própria ocupação por maior tempo. Isso implica planejamento democrático e participativo, sobretudo dos diretamente interessados em impedir que a escassez de mão de obra seja mais um obstáculo ao curso do desenvolvimento nacional.
 
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

As raízes ideológicas do Brasil Potência: 1) a política da ''nação proletária''




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Passa Palavra - [João Bernardo] O fascismo nasceu invocando argumentos de emancipação nacional que uma grande parte da esquerda aceitava e, o que é mais grave, continua hoje a aceitar.

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.
Muito interessado pelos problemas do desenvolvimento, o economista sueco Gunnar Myrdal lançou o apelo «Nações proletárias do mundo, uni-vos!» [1] e o intelectual brasileiro Mário Pedrosa escreveu «Países subdesenvolvidos do mundo, uni-vos! Não tendes a perder senão vossas cadeias!» [2]. Embora considerasse que o combate ao subdesenvolvimento exigia a luta das massas pauperizadas contra os ricos dos países pobres, o que implicava que as nações subdesenvolvidas eram atravessadas por antagonismos sociais, Mário Pedrosa afirmou igualmente que «os povos subdesenvolvidos começam a dar mostras, por grande parte de seus governos, de quererem se apresentar “organizados” no terreno internacional como um proletariado total constituído da soma de nações pobres», e apelou para que «os proletariados específicos dos grandes países industrializados» se pusessem «à altura das tarefas históricas» e fizessem «aliança com as nações proletárias» [3].
E ninguém se espantou pelo facto de o socialista Gunnar Myrdal, personalidade eminente da esquerda europeia, que fora ministro no governo socialista do seu país nos anos imediatamente seguintes à segunda guerra mundial e passara depois a desempenhar funções de responsabilidade na ONU, pedir emprestada ao Manifesto de Marx e Engels a fórmula da luta de classes para preenchê-la com os países marginalizados no desenvolvimento económico. Do mesmo modo, foi possível que o marxista Mário Pedrosa, uma das mentes mais lúcidas da extrema-esquerda da sua época, possuidor de uma cultura muito vasta e que se notabilizou noutros campos além da política, tivesse levado ainda mais longe a analogia, num livro que por outros motivos eu classifiquei repetidamente como uma das grandes obras de teoria marxista da segunda metade do século passado. Mas por que me limitar a estes dois? Outros autores de esquerda usaram e usam, se não as mesmas palavras, pelo menos o mesmo conceito, sem que isto faça abrir a boca de espanto ou sequer piscar os olhos, e é possível que uma boa parte dos leitores deste artigo pense que se trata de uma noção surgida na esquerda para dar conta do fenómeno do imperialismo.

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Enrico Corradini
Mas o conceito de nação proletária presidiu à própria génese do fascismo e ao seu desenvolvimento tanto político como económico. Foi entre 1908 e 1910 que o político e pensador nacionalista italiano Enrico Corradini começou a apresentar o seu país como uma «nação proletária» [4]. «Há nações que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras, tal como há classes que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras classes», escreveu Corradini em Outubro de 1910. «A Itália é uma nação proletária; basta a emigração para o demonstrar. A Itália é a proletária do mundo» [5]. Com efeito, entre 1871 e 1901 quase três milhões e meio de pessoas haviam abandonado a Itália rumo ao estrangeiro, e nos quinze anos seguintes o número de emigrantes aumentou para cerca de nove milhões. Nas vésperas da primeira guerra mundial a debandada movia já quase um milhão de pessoas por ano, e Corradini pretendia orientar essas multidões de deserdados para a colonização africana.
Classificar um país como «proletário» requer consideráveis distorções vocabulares. A palavra proletariadodefine uma classe social, pressupondo a cisão entre exploradores e explorados no interior de cada colectividade nacional. Ora, designar como «proletária» uma «nação» equivale a pensá-la enquanto colectividade predominantemente homogénea, negando a sua clivagem em classes antagónicas. A passagem da oposição de classes para a solidariedade entre classes foi o primeiro resultado daquela operação terminológica, mas a junção dos dois vocábulos teve outra faceta. «As nações surgiram porque houve um antagonismo», escreveu Corradini em 1908, «e, de certo modo, elas mais não são do que a consolidação de um estado de guerra permanente de uns contra os outros» [6]. Nestes termos, seria utópico imaginar que, tal como a agregação dos indivíduos levara à formação de nações, também a junção das nações poderia conduzir a um supranacionalismo. Se a vida, como os darwinianos explicavam, era uma luta pela existência, então a existência das nações só podia ser uma luta entre elas. Havia que devorar, para não ser devorado. O imperialismo seria a redenção da nação proletária.
O paradoxo terminológico da «nação proletária» e a reorientação política que nele estava pressuposta cobriram uma operação política arriscada, o apelo aos sindicalistas revolucionários para que dinamizassem o vetusto nacionalismo. «Por favor, não percam de vista os sindicalistas», preveniu Corradini em Abril de 1909. «Eles têm de certo modo um ponto de partida idêntico ao nosso. Trata-se da primeira doutrina sincera e forte produzida pelo inimigo» [7].

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Georges Sorel
Convém aqui prevenir que os sindicalistas revolucionários mencionados por Corradini se distinguiam consideravelmente dos sindicalistas revolucionários franceses, preponderantes na Confédération Générale du Travail (Confederação Geral do Trabalho) depois do congresso de Amiens, em 1906. Discípulos do francês Georges Sorel, cujas ideias tiveram muitíssimo mais êxito a sul dos Alpes do que no seu próprio país, os sindicalistas revolucionários italianos formavam no final de 1902 uma facção no interior do Partido Socialista, e a conjuntura parecia ser-lhes favorável, porque em 1903 a tendência radical obteve o controlo do jornal diário do partido e conseguiu a maioria no congresso de 1904. Mas noutro congresso efectuado quatro anos depois os reformistas triunfaram e passaram a orientar o diário nacional. Verificando a impossibilidade de conquistar os postos de comando, os sindicalistas revolucionários abandonaram o Partido Socialista, e como ao mesmo tempo foram afastados dos lugares de direcção nacional na central sindical socialista, a Confederazione Generale del Lavoro (CGL, Confederação Geral do Trabalho), dedicaram-se à actividade regional e desempenharam um papel de relevo na preparação e na condução de inúmeras lutas. Para evitar a acção da burocracia reformista, os sindicalistas revolucionários organizavam os grevistas através das Câmaras do Trabalho, que no seu entender deveriam constituir a célula fundamental da sociedade futura, e foi assim que nas grandes greves rurais de 1907 e 1908 eles adquiriram uma base efectiva, não se limitando a ser uma corrente de opinião e transformando-se numa força social no seio da classe trabalhadora italiana.
Foi a estes sindicalistas e neste preciso momento que o nacionalista Corradini teve a audácia de propor uma conjugação de forças. Na sua opinião, e consoante o modelo sociológico exposto por Vilfredo Pareto, os sindicalistas constituíam uma nova elite em formação, capaz de derrubar a antiga elite decadente e de revitalizar a nação. O dirigente nacionalista apercebera-se da fraqueza dos grupos sociais conservadores, com os quais seria impossível inaugurar um nacionalismo agressivo, e o seu génio consistiu em, a partir da direita, ter entendido a necessidade de renová-la politicamente, usando para isto o proletariado. Residiu aqui a substância mesma do fascismo.
No congresso de Florença, em Dezembro de 1910, constituiu-se sob a égide de Corradini a Associação Nacionalista Italiana. Ao mesmo tempo, com a publicação de La Lupa, a partir do final de 1910, os sindicalistas revolucionários encetaram o diálogo que os aproximou dos nacionalistas de Corradini, e no ano seguinte surgiu a oportunidade de estreitar esta convergência. Em Setembro de 1911 o governo de Roma enviou ao sultão otomano um ultimato reclamando o reconhecimento dos direitos italianos sobre a Tripolitânia e a Cirenaica. Como se previa, o governo turco rejeitou as exigências e a Itália iniciou as campanhas militares na Líbia. Muitos sindicalistas revolucionários, incluindo algumas das personalidades mais significativas do movimento, como Arturo Labriola e Angelo Oliviero Olivetti, apoiaram activamente a agressão, vendo na expansão para o Norte de África uma forma de absorver a emigração, tal como proclamavam Corradini e os seus nacionalistas. Nesta ocasião, porém, a ala belicista do movimento teve de enfrentar a oposição de correligionários mais numerosos e não menos relevantes, em especial aqueles que, através das Câmaras do Trabalho, mantinham contacto directo com o proletariado. Afirmando que a conquista da Líbia não reflectia os interesses da nação, mas apenas a ganância de um grupo de capitalistas, os sindicalistas revolucionários hostis às aventuras coloniais participaram ao lado do Partido Socialista na greve geral de Setembro de 1911, convocada em protesto contra a expedição africana. Todavia, não se deve exagerar a importância do desacordo, porque em Novembro de 1912 as duas tendências realizaram um congresso unificado, onde decidiram abandonar a CGL, e com a colaboração de outras correntes próximas, incluindo anarquistas, criaram uma central sindical, a Unione Sindacale Italiana (USI, União Sindical Italiana). A audiência de que beneficiavam continuava a ser considerável, pois a nova organização podia apresentar mais de cem mil membros, perante os trezentos mil dos sindicatos socialistas[8]. Mas as fricções no interior deste movimento não deviam ser pequenas, já que a USI mantinha uma posição claramente antimilitarista, e as contradições tornaram-se insanáveis em 1914, quando os partidários da intervenção na guerra mundial acenaram com a possibilidade de satisfazer os sonhos do irredentismo a expensas do Império Austro-Húngaro. Enquanto a maioria da USI, sob orientação anarquista, defendeu que o país permanecesse neutral no conflito, os dirigentes sindicalistas revolucionários adoptaram unanimemente a posição contrária, figurando todos eles na primeira fila dos entusiastas da entrada da Itália na guerra. A cisão era inevitável.
Unione Sindacale Italiana
Unione Sindacale Italiana
Os sindicalistas revolucionários abandonaram a USI para fundar em Outubro de 1914 o Fascio Rivoluzionario d’Azione Internazionalista (FascioRevolucionário de Acção Internacionalista), o primeiro de uma série de fasci que em poucos anos levariam a Itália a um destino bem conhecido. A grande matança foi apresentada como uma guerra revolucionária. «Nós, revolucionários que permanecemos fiéis aos ensinamentos dos nossos mestres», lê-se no manifesto inaugural do Fascio, «acreditamos que não é possível ultrapassar os limites das revoluções nacionais sem passar primeiro pela fase da própria revolução nacional. […] Se cada povo não viver no interior do quadro das suas fronteiras nacionais, formadas pela língua e pela raça, se a questão nacional não estiver resolvida, não poderá existir o clima histórico necessário ao desenvolvimento normal de um movimento de classe» [9]. Com igual inspiração Mussolini proclamou dois meses mais tarde: «Os revolucionários afirmam que a Internacional só poderá existir quando os povos tiverem atingido as suas fronteiras. É por isso que somos partidários de uma guerra de carácter nacional» [10]. E assim, com tal argumentação, um dos mais notáveis chefes da extrema-esquerda do Partido Socialista Italiano converteu-se em fundador do fascismo. Neste contexto devemos meditar nas implicações das palavras de Engels, quando escreveu, numa carta endereçada a Kautsky em 7 de Fevereiro de 1882, que o movimento socialista só se desenvolve depois de a nação se ter unificado e adquirido a independência [11]. A filiação directa de um aspecto crucial da génese do fascismo numa tese sustentada pelo ilustre co-fundador do comunismo moderno confirma que a conversão da luta de classes em luta de nações abriu a brecha teórica e prática onde o fascismo se instalou. Numa série de artigos publicada neste site sob o título Marxismo e Nacionalismo analisei esta questão, causando grande escândalo entre alguns provincianos, veneradores de santos e de lugares-comuns. Espero que agora a indignação não seja menor. O fascismo nasceu invocando argumentos de emancipação nacional que uma grande parte da esquerda aceitava e — o que é mais grave — continua hoje a aceitar.
Mussolini numa ficha policial de 1903
Mussolini numa ficha policial de 1903
E assim a audaciosa operação política proposta por Enrico Corradini teve êxito. O nacionalismo foi renovado e revigorado graças à energia proletária dos sindicalistas revolucionários, que, juntamente com os futuristas — uma corrente estética e política que, por sua vez, operara uma convergência entre o nacionalismo e um certo anarquismo — e com os arditi — os ousados, tropas de elite, uma espécie de comandos — constituíram os três elementos formadores do movimento de Mussolini. Mas se Mussolini levou para o fascismo as massas de militantes, foi Corradini a provê-lo da formulação teórica básica e da principal orientação estratégica, até que por fim os nacionalistas se integraram no Partido Nacional Fascista (PNF), em Março de 1923. A partir do momento em que não bastavam já a ferocidade e os maus modos dos squadristi e era propriamente necessário governar, acabaram por ser os antigos nacionalistas, apesar de minoritários, quem, com a sua competência e o seu rigor doutrinário, dominou por dentro a direcção do PNF. «Mussolini não foi o inventor do aspecto imperialista do fascismo; herdou-o de Corradini», notou Jacques Ploncard d’Assac, um fascista francês que durante muitos anos foi português de adopção. «Mussolini não inovou nada; realizou» [12]. Nesta perspectiva, pode dizer-se que Mussolini teve a capacidade táctica de concluir na prática a estratégia política paradoxal concebida e inaugurada por Corradini em torno do conceito de «nação proletária».
Nacionalismo e expansionismo formam um continuum. Nos finais de 1935, a meio da guerra de conquista da Abissínia, Mussolini teve a desfaçatez de proclamar «à Itália proletária e fascista»: «A guerra que começámos em terras de África é uma guerra de civilização e de libertação. […] É a guerra dos pobres, dos deserdados, dos proletários» [13]. Como se não fosse a Abissínia ainda mais «proletária» do que a Itália! E no seu discurso de 10 de Junho de 1940, quando anunciou a entrada da Itália na nova guerra mundial, o Duce retomou os termos da «nação proletária». «Esta luta gigantesca não é mais do que uma fase do desenvolvimento lógico da nossa revolução: é a luta dos povos pobres e com mão-de-obra abundante contra os açambarcadores que detêm ferozmente o monopólio de todas as riquezas e de todo o ouro da terra; é a luta dos povos fecundos e jovens contra os povos estéreis e votados ao desaparecimento; é a luta entre dois séculos e duas ideias» [14]. Do princípio ao fim, a dialéctica paradoxal da «nação proletária» forneceu o fio condutor do fascismo.
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Kita Ikki
O mesmo sucedeu do outro lado do mundo. A extrema-direita japonesa nunca hesitou em conjugar o expansionismo com os apelos libertadores. Estreitamente ligadas às forças armadas, as associações patrióticas sabiam que o seu país só se poderia afirmar como potência mundial contra os interesses das principais nações europeias e dos Estados Unidos, e apresentavam esta rivalidade como um renascimento da Ásia e uma defesa dos valores orientais contra a cultura ocidental. Já num livro publicado em 1906 Kita Ikki, o fundador do fascismo japonês, estabelecera uma analogia entre o confronto de classes no interior das fronteiras nacionais e a disputa entre Estados na arena mundial, e anunciara a necessidade de promover o imperialismo nipónico através de uma estratégia que estimulasse os movimentos opostos ao colonialismo ocidental na Ásia. Mas foi numa obra editada em 1923 que ele expôs de maneira detalhada o programa que a partir de então serviu de referência inevitável à extrema-direita radical. Além de defender uma série de reformas económicas e sociais, Kita propôs um plano de armamento intensivo, que desse ao exército a possibilidade de encetar uma política externa agressiva. Este país movido pela ambição imperialista era apresentado por Kita como o campeão dos restantes povos asiáticos contra o colonialismo ocidental. «Tal como no interior de uma nação se trava a luta de classes pelo reajuste das desigualdades, também a guerra entre nações por uma causa nobre há-de resolver as actuais desigualdades injustas», escreveu Kita naquele livro. «Os socialistas ocidentais entram em contradição ao admitirem que o proletariado tem o direito de recorrer à luta de classes dentro do país e ao condenarem simultaneamente como militarismo e agressão a guerra travada pelas nações proletárias» [15]. O paradoxo da «nação proletária» desvendava-se uma vez mais na sua verdadeira função, justificando os novos expansionismos, e era anunciado além-fronteiras sob a forma não menos paradoxal de um imperialismo anti-imperialista.
Talvez isto não soe estranho a alguns leitores. Era o mesmo tema daquelas forças políticas de esquerda que há bem pouco tempo bramavam contra a ALCA, onde dominaria o imperialismo norte-americano, e teciam loas ao Mercosul, onde domina o nascente imperialismo brasileiro. Pois não serviria o poderio económico do Brasil para emancipar os países latino-americanos da prepotência yankee? É possível definir com rigor o caminho que levou os paradoxos da «nação proletária» a criarem raízes fundas na esquerda e na extrema-esquerda brasileiras, como mostrarei no artigo seguinte.
Notas
[1] Citado em Mário PEDROSA, A Opção Imperialista, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, pág. 308.
[2]Id., op.cit., pág. 309.
[3]Id., op. cit., págs. 528-529 n. 1 (sub. orig.).
[4] Segundo Adrian LYTTELTON, La Conquista del Potere. Il Fascismo dal 1919 al 1929, Roma e Bari: Laterza, 1982, págs 27-28 e 31, foi na obra do poeta Giovanni Pascoli que Corradini encontrou a imagem da Itália como «nação proletária». Mas o que me interessa aqui é o conceito político, não a expressão literária.
[5] Citado em Zeev STERNHELL, Mario SZNAJDER e Maia ASHERI, The Birth of Fascist Ideology. From Cultural Rebellion to Political Revolution, Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1994, pág. 164.
[6] Citado em Jacques PLONCARD D’ASSAC, Doctrinas del Nacionalismo, Barcelona: Acervo, 1971, pág. 98.
[7] Citado em Pierre MILZA, Mussolini, [Paris]: Fayard, 1999, pág. 107. Note-se que segundo Gioacchino VOLPE, História do Movimento Fascista, Roma: Novissima (ano XIX), 1941, pág. 13 estas apreciações de Corradini datariam de 1910.
[8] Estes são os números fornecidos por Z. STERNHELL et al., op. cit., pág. 139. Porém, P. MILZA, op. cit., pág. 92 atribuiu apenas cem mil membros à USI e pretendeu que a CGL mobilizava meio milhão de trabalhadores.
[9] Citado em Z. STERNHELL et al., op. cit., pág. 205.
[10] O manifesto de Mussolini de Dezembro de 1914, Contro la Neutralità, encontra-se citado em G. S. SPINETTI (org.), Mussolini. Spirito della Rivoluzione Fascista, Milão: Ulrico Hoepli, 1938, pág. 49.
[11] Paul W. BLACKSTOCK e Bert F. HOSELITZ (orgs.), The Russian Menace to Europe, by Karl Marx and Friedrich Engels, Glencoe: Free Press, 1952, págs. 116-117.
[12] J. PLONCARD D’ASSAC, op. cit., págs. 92, 93 (sub. orig.).
[13] Discurso de 18 de Dezembro de 1935 antologiado em G. S. SPINETTI (org.), op. cit., pág. 203. Uma versão um pouco diferente encontra-se em BENOIST-MÉCHIN, Histoire de l’Armée Allemande, vols. I a VI, Paris: Albin Michel, 1964-1966, vol. IV, pág. 166. Ver também G. VOLPE, op. cit., pág. 211.
[14] Antologiado em Charles F. DELZELL (org.), Mediterranean Fascism, 1919-1945, Nova Iorque: Walker, 1971, pág. 214 e citado em P. MILZA, op. cit., pág. 777 e Enzo SANTARELLI, Storia del Fascismo, 2 vols., Roma: Editori Riuniti, 1981, vol. II, pág. 402.
[15] Citado em Richard STORRY, The Double Patriots. A Study of Japanese Nationalism, Londres: Chatto and Windus, 1957, pág. 38.

94 brasileiros serão mortos hoje


Revólveres, pistolas e fuzis: as verdadeiras armas de destruição em massa 
 
João Paulo Charleaux

Hoje, 94 brasileiros morrerão depois de receber um disparo de arma de fogo. É como se a tragédia ocorrida há uma semana na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, se repetisse oito vezes por dia. Todos os dias.

Por não compor um enredo comovente, esta hecatombe a granel passa para os registros sorrateiramente – não há cartas de psicopatas suicidas, nem há vídeos no Youtube mostrando parentes gritando na rua e estudantes fugindo. Não é notícia. E, por isso, os 60 milhões de brasileiros que foram contra a proibição do comércio de armas no Brasil, no referendo de 2005, não se sentem responsáveis por nada disso.

Agora, uma nova iniciativa parlamentar pretende convocar mais um referendo sobre o tema, provavelmente, para o dia 2 de outubro. A proposta, apresentada pelo senador José Sarney depois da tragédia de Realengo, já está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e deve ir a plenário na sequência. Com sorte, os brasileiros terão uma segunda chance de decidir sobre um assunto vital e negligenciado.

Em todo o mundo, a produção, o comércio e o tráfico de pequenas armas de fogo e munição constituem um dos aspectos mais obscuros, menos regulados e mais cinicamente ignorados pela opinião pública.

O Brasil é um grande produtor de armas. Três empresas privadas continuam produzindo a cluster bomb, um tipo de munição altamente letal e imprecisa, proibida pela Convenção sobre Munições em Cacho, da qual o Estado brasileiro não é signatário.

O país é também um grande produtor de revólveres e pistolas. Por dia, são produzidas aqui 2.800 armas de cano curto, das quais 320 ficam no País e o restante é exportado. De cada dez armas apreendidas pela polícia no Brasil, oito são de fabricação nacional. E 70% das mortes por armas de fogo registradas aqui em 2010 foram provocadas pelo uso de armas que entraram legalmente no mercado, ou seja, entraram nas ruas pelas mãos de “pessoas de bem”.

Os assassinos, aliás, também são, na maioria dos casos, “pessoas de bem”. Pesquisadores norte-americanos e australianos realizaram uma pesquisa sobre o perfil dos crimes com armas de fogo em seus países e chegaram à conclusão de que em apenas 15% dos casos as vítimas não conheciam os assassinos. Na maioria das cidades brasileiras, os homicídios também ocorrem entre pessoas que se conheciam, em finais de semana, em brigas de bar ou de família e por motivos fúteis.

Um dos entraves para frear esse massacre é o lobby das empresas produtoras de armas. No referendo brasileiro de 2005, a Taurus doou 2,8 milhões de reais para a campanha do “não” e a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) doou outros 2,7 milhões de reais. A soma corresponde quase à totalidade do custo da vitoriosa campanha do “não”.

No plano internacional, não é diferente. Grandes empresas e governos poderosos lucram com o comércio de armas – principalmente de fuzis baratos e outras armas menores. O documento que deveria regular o setor, o ATT (Arms Trade Treaty) usa termos como “deveria, quando apropriado e levar em consideração” para referir-se às obrigações dos Estados de não vender armas para beligerantes de contextos onde sabidamente cometem-se crimes de guerra. As exigência de respeitar a lei são cênicas, frouxas e escassas. O comércio e o tráfico proliferam nas brechas.

Frequentemente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprova resoluções impondo embargo de armas a ditadores e autorizando o uso da força para proteger a população civil, mas não pode fazer nada por essas vítimas cotidianas de baixo perfil. Os EUA movem sua máquina militar contra o Iraque, alegando combater a ameaça de “armas de destruição em massa”, mas nenhum arsenal tem provocado mais mortes do que estas pequenas armas espalhadas pelo mundo. Neste caso, nem o Exército mais poderoso de todos tem o poder que um voto pode ter num novo referendo.

João Paulo Charleaux é correspondente do Opera Mundi no Chile.

É a esquerda mundial governista que não quer ajudar ou é Cuba que não tem condições de receber ajuda?


Por Sturt Silva* 

Alguns meses atrás o sociólogo argentino Atílio Boron postou em seu blog (1) um pequeno artigo sobre as “reformas” que estão ocorrendo em Cuba, que tem seu auge na realização do VI congresso do Partido Comunista Cubano (2) durante o período de 16 á 19 de abril. Inclusive o artigo foi traduzido e publicado no Blog Solidários (3) (blog da ACJM-SC, que colaboro) e em diversos blogs e sites da esquerda latino-americana.

Com um título nada atraente, para um leitor de esquerda de primeira viagem, “um plano Marshall para Cuba”, Atílio lançou um manifesto em defesa de Cuba tendo a América latina e os governos “amigos” da ilha como protagonistas.

Segundo Atílio diversos países da América Latina e do Caribe tem dívidas com Cuba, mas também são credores. E devido a toda ajuda e solidariedade que o governo e a sociedade cubana deram durantes anos, e atualmente ainda dá - principalmente na área social, estes países deveriam retribuir e ajudar Cuba neste momento tão difícil para a pátria de José Marti.

Ao contrário dos EUA e dos países colonialistas e imperialistas que além de saquearam, enviaram forças repressivas para massacrar (em suas maiorias terroristas e militares) o povo, Cuba com sua política internacionalista solidária envio médicos, cientistas e educadores. Então deve ser feita além de dedicatórias de solidariedade em relação às mudanças em Cuba, ajudas econômicas efetivas.

Ele também coloca que há uma obrigação moral desses países, hoje em sua maioria governados por partidos de esquerda e movimentos sociais, de ajudar na recuperação econômica da ilha.

Por que se não fosse à heróica e pertinente luta dos cubanos, primeiro contra o colonialismo e imperialismo e depois para manter de pé seu processo revolucionário, nossa América, como outros países do “terceiro mundo”, não teriam resistido e, talvez, não estivesse nesta situação “avançada” que se encontra atualmente. Só para citar dois exemplos de influência da revolução cubana nestes países: o PT, que hoje governa o Brasil, até pouco tempo se orientava estrategicamente através do processo político cubano. E mais recentemente a Revolução Bolivariana, em curso na Venezuela, teve inspiração na luta do povo cubano para conseguir o inicio de sua emancipação.

Então, é devido a esses e outros elementos que a América Latina e os “amigos” da ilha deverão perdoar as dívidas (para aqueles que são credores) e organizar junto um fundo especial de solidariedade á Cuba. Esse fundo ele chamou de Marshall - fazendo analogia ao que os EUA fizeram para os países da Europa - que recuperou parte daquelas economias, daquele continente, após a segunda guerra mundial.

E pelas informações que Atílio levantou há dinheiro, só falta vontade política desses governantes para por em pratica esse ato de estrita justiça.

Como o leitor atento pode observar neste breve resumo do texto do sociólogo argentino, o “Plano Marshall” parece necessário, porém utópico, se considerarmos o caráter de alguns destes governos “amigos” de Cuba. Tirando os países da ALBA, a maioria desses países é governada por um esquerda que há muito tempo esqueceu o que é socialismo e atua no cenário mundial com políticas de acordo com seus interesses nacionais e capitalistas. Será que suas burocracias (burguesias estatais) vão ariscar investir dinheiro num país bloqueado e com poucos recursos naturais e minerais? Será que esses governantes ainda são nutridos por questões humanitárias como fazem nos pensar quando discursam em nome dos direitos humanos?

Eu pessoalmente acho muito difícil um plano desses ser colocado em pratica. Não que Cuba não precisa e não mereça como li pseudo-esquerdistas (4) dizendo por ai. Mas, pela ideologia dessa nova esquerda “amiga” de Cuba, que não custa repetir, não é socialista, embora já tentassem construir o socialismo em seus países, prefiro acreditar mais nas forças internas cubanas do que nesta ajuda externa.

E é justamente em relação às forças internas cubanas que li recentemente um artigo (5) replicando a tese do Atílio, dizendo que o problema é o processo interno cubano. Ou seja, esse militante de esquerda acha que o problema não o que apontei acima.

Para esse militante, português - possivelmente do bloco de Esquerda, já que sua reflexão está no site de uma revista de cunho marxista ligado a esse partido, Cuba só não repetiu os erros do “socialismo real” como não inovou em relação “à construção de política de debates dos movimentos sociais”. Enquanto a sociedade civil teve significativo papel na ação popular e na transformação política latino-americana em Cuba “esta praticamente não contribui em nada para o desenvolvimento do processo”.

Está certo que os movimentos sociais destes países latinos que o próprio Atílio se refere, pelo menos em muitos deles, teve uma grande jornada de debates plurais, desde década de 80 até os dias hoje. E em Cuba em nome de certa unidade e da autodefesa não pode ser tão plural assim como deveria. Porém houve sim  debates e inovações para a construção de um modelo alternativo em relação ao modelo socialista já existente. E mesmo se houve falta de reflexão aberta para uma proposta nacional isso é justificável devido a questões que quem estudou a história cubana sabem quais são. Ignorar essa complexidade é desconhecer a realidade cubana. E fazer analise superficial deste tipo, como fez o escritor do Bloco e fazem outras correntes “esquerdistas” (6), é seguir a cartilha dos reacionários, disfarçado de “liberais”, que vivem na mídia “pregando” o fim da revolução cubana.

Ao fazer a revolução Fidel, líder dessa, queria justiça social e “democracia direta”, porém foi obrigada a seguir um novo modelo para continuar seu processo de emancipação. Lembre que o “fechamento do regime” foi devido aos EUA não deixaram alternativas.

Os “doutores” (7) marxistas acham que as conquistas sociais vieram de uma burocracia ou de um esforço coletivo do povo cubano? Será que as organizações sociais cubanas criadas na década de 60 são apenas superficiais? Os 90% que aprovam a política do partido comunista, vanguarda organizada da nação, e os 92,5% que são membros dos Comitês em Defesa da Revolução (CDR) são pessoas que não servem para nada, numa nação sem analfabetos? São pessoas que deixaram “o gato comer suas línguas”? Ou será que um milhão que lotam as ruas no “Primeiro de Maio” não passam de massas “manipuladas” pelo único partido da ilha que tem um milhão de militantes numa nação com aproximadamente 7 milhões de pessoas ativas? (8)

Não meus caros leitores, quem diz que o povo cubano é ignorante, não passam de ignorantes em relação à realidade cubana e por isso escreve incredulidades como essas.

Quando olho para os movimentos sociais latinos vejo cada um com seus erros e dificuldades. “Cooptado” como é caso do Brasil e criminalizado e marginalizado como é caso do Peru. Situação pior encontro quando analiso as situações dos mexicanos e colombianos (muitos precisam pegar em armas para militar). Não consigo ver esta diferença brutal que se diz que têm em termos de organização democrática entre as sociedades latinas, de “democracias liberais”, e Cuba de “ditadura” socialista.

Cuba tem que avançar em seus debates e corrigir os erros históricos, porém duas coisas me parecem, que não podem se descuidadas: a manutenção da unidade e a atualidade da luta anti-imperialista.

Vejo que os erros internos só podem ser resolvidos pelos cubanos enquanto os fatores externos, como por exemplo, romper com o isolamento, que é uma tarefa fundamental para crescer economicamente e sair de uma crise de quase 30 anos, não é tarefa apenas de suas forças internas.

Por isso reafirmo que o problema maior de Cuba é sua relação com o mundo capitalista é não seus problemas internos. Cuba precisa relacionar com o mundo capitalista e neoliberal, sem ferir seu socialismo e ao mesmo tempo tentar aperfeiçoá-lo. Tarefa muito mais difícil do qual quer país do mundo com uma grave crise econômica, inclusive aqueles governados por esquerdas.

Notas:

(2) http://www.granma.cubaweb.cu/secciones/6to-congreso-pcc/index.html

(3) http://convencao2009.blogspot.com/2010/12/um-plano-marshall-para-cuba.html 

(4) Essa reação partiu principalmente de setores de “esquerda”, inclusive de alguns que com a “derrocada do socialismo real” em 1990 passaram a defender um “socialismo” que não tem nada haver com o “socialismo cientifico” de Marx e Engels.

(5) http://www.acomuna.net/index.php/contra-corrente/2945-cuba-a-suprema-ignorancia-do-povo

(6) Os esquerdistas que me refiro são as correntes trotskistas. A mais forte delas é LIT e sua seção no Brasil é o PSTU.

(7) Chamo de "doutores em marxismo", analistas puros e moralistas do materialismo histórico.

(8) AYERBE, L. A revolução Cubana. São Paulo: Editora da UNESP, 2004.

*Sturt Silva é estudante de história, blogueiro e militante do PCB.