Quando o imperialismo dos EUA se empenha num ataque a qualquer governo ou
movimento, os movimentos políticos dos trabalhadores e dos progressistas
para uma transformação precisam forçosamente de reunir o
maior número de informações disponíveis e assumir
uma posição.
É uma cobardia manter-se neutro e é uma traição
alinhar com o polvo imperialista, que procura dominar o mundo.
Isto é o ABC dos movimentos dos trabalhadores ao longo dos 150 anos de
lutas com consciência de classe. É a própria base do
marxismo. Reflecte-se nas canções sindicais que lançam o
desafio "De que lado é que estás?" e por
intermédio dos dirigentes sindicais que explicam vezes sem conta:
"Uma ofensa feita a um é uma ofensa feita a todos".
O mundo árabe está a ser abalado por uma explosão social.
O imperialismo americano e todos os antigos regimes da região a ele
ligados estão a tentar desesperadamente gerir e conter esta revolta de
massas, que ainda está em evolução, canalizando-a de modo
a não ameaçar o domínio imperialista na região.
Os EUA e os seus colaboradores também estão a tentar dividir e
corroer as duas alas de resistência – as forças
islâmicas e as forças nacionalistas seculares – que, em
conjunto, derrubaram as ditaduras apoiadas pelos EUA no Egipto e na
Tunísia. Há neste momento um esforço concertado dos EUA
para virar essas mesmas forças políticas contra dois regimes na
região que se têm oposto ao domínio dos EUA no passado
– a Líbia e a Siria.
Tanto a Líbia como a Síria têm os seus problemas de
desenvolvimento, que são exacerbados pela crise geral do capitalismo
global e por décadas de compromissos que lhes foram impostos quando
tentavam sobreviver num ambiente hostil de ataques permanentes –
políticos, por vezes militares, e que incluíam
sanções económicas.
Os bombardeamentos dos EUA/NATO sobre a Líbia clarificaram a
posição do imperialismo em relação a este
país. Os exploradores transnacionais estão apostados em
apoderar-se totalmente das mais ricas reservas de petróleo da
África e eliminar os milhares de milhões de dólares com
que a Líbia estava a contribuir para o desenvolvimento de países
africanos muito mais pobres.
A Síria também é um alvo do imperialismo – por causa
da sua heróica defesa da resistência palestina durante
décadas e da sua recusa em reconhecer a ocupação sionista.
Não podemos esquecer o apoio da Síria ao Hezbollah na sua luta
para acabar com a ocupação israelense do Líbano e a sua
aliança estratégica com o Irão.
Embora seja difícil compreender uma grande parte da
situação interna da Síria, é importante assinalar
que, nesta luta em curso, apareceram nítidas declarações
de apoio ao governo sírio e contra as tentativas dos EUA de
desestabilização vindos de Hugo Chávez da Venezuela, do
secretário geral do Hezbollah Seyyed Hassan Nasrallah do Líbano e
de diversos dirigentes exilados do Hamas, a organização palestina
que foi eleita pela população de Gaza. Estes líderes
políticos têm sofrido campanhas de desestabilização
dos EUA que utilizaram maquinações dos media empresariais, de
grupos da oposição financiados a partir do exterior, de
assassínios programados, de operações especiais de
sabotagem e de operacionais da Internet bem treinados.
Do lado da supostamente "oposição democrática"
estão reaccionários como o senador Joseph Lieberman, presidente
da poderosa Comissão de Segurança Nacional do Senado, que apelou
ao bombardeamento da Síria a seguir ao da Líbia. Os veementes
apoiantes da oposição na Síria incluem James Woolsey,
antigo director da CIA e conselheiro da campanha presidencial do senador John
McCain.
A Wikileaks denuncia o papel dos EUA
Um artigo intitulado "Os EUA apoiaram secretamente grupos da
oposição síria", de Craig Whitlock
(Washington Post,
18 de Abril) descreveu com grande pormenor as informações
contidas em telegramas diplomáticos americanos que a Wikileaks enviou a
agências noticiosas de todo o mundo e publicou no seu sítio web. O
artigo resume o que esses telegramas do Departamento de Estado revelam sobre o
financiamento secreto de grupos políticos da oposição,
incluindo a difusão de programação anti-governamental no
país através de televisão por satélite.
O artigo descreve esses esforços, financiados pelos EUA, como fazendo
parte de uma "campanha já antiga para derrubar Bashar al-Assad, o
líder autocrático do país" que assumiu o poder
durante o mandato do presidente George W. Bush e continuou com o presidente
Barack Obama, apesar de Obama ter afirmado estar a reconstruir as
relações com a Síria e ter enviado um embaixador para
Damasco pela primeira vez em seis anos.
Segundo um telegrama de Abril de 2009 assinado pelo principal diplomata
americano em Damasco na altura, as entidades sírias "consideravam
obviamente quaisquer fundos americanos destinados a grupos políticos
ilegais como equivalentes a um apoio à alteração do
regime". O artigo do
Washington Post
descreve com algum pormenor as ligações entre a TV Barada da
oposição, financiada pelos EUA, e o papel de Malik al-Abdeh, que
está na sua direcção e distribui vídeos e protestos
actualizados. Al-Abdeh também está na direcção do
Movimento para a Justiça e Democracia, que é presidido pelo seu
irmão, Anas Al-Abdeh. Os telegramas secretos "relatam receios
persistentes entre os diplomatas americanos de que os agentes de
segurança sírios tenham descoberto o rasto do dinheiro a partir
de Washington".
Papel da Al Jazeera
Talvez que o desafio mais revelador e a denúncia da campanha de
desestabilização na Síria tenha surgido com a
demissão de Ghassan Ben Jeddo, o jornalista mais conhecido do
noticiário da televisão Al Jazeera e chefe do seu
escritório de Beirute. Bem Jeddo demitiu-se como forma de protesto pela
cobertura preconceituosa da Al Jazeera, referindo-se sobretudo a uma
"campanha de difamação contra o governo sírio"
que transformou a Al Jazeera numa "agência de propaganda".
A Al Jazeera fez uma cobertura favorável do imparável
levantamento popular de milhões no Egipto e na Tunísia. Mas este
canal de notícias por satélite também noticiou
extensivamente todas as reivindicações e acusações
políticas, independentemente de serem ou não consubstanciadas,
feitas pela oposição política tanto na Síria como
na Líbia. Tornou-se na voz mais forte na região, seguida por
milhões de visitantes, a clamar pela intervenção
"humanitária" dos EUA, zonas de interdição
aérea e bombardeamento da Líbia. Portanto é importante
compreender a posição da Al Jazeera como uma
corporação de notícias, principalmente quando ela afirma
ser a voz dos oprimidos.
A Al Jazeera, que tem a sede em Qatar, nunca noticia que 94 por cento da
força de trabalho no Qatar é formada por imigrantes que
não têm quaisquer direitos e existem em condições de
quase escravatura. A repressão brutal do movimento de massas na
monarquia absoluta do Bahrein, que fica mesmo ao lado de Qatar e está
hoje ocupada por tropas sauditas, também pouca cobertura recebe da Al
Jazeera.
Será que esta censura existe porque as Notícias TV Al Jazeera
são financiadas pelo monarca absoluto de Qatar, o emir Sheikh Hamad bin
Khalifa Al Thani?
È muito importante assinalar que a Al Jazeera nunca se refere à
imensa base militar americana Central Command ali mesmo em Qatar. Os
aviões de controlo remoto levantam regularmente daquela base em
missões secretas por toda a região. Qatar também tem
enviado aviões para participar no bombardeamento dos EUA/NATO na
Líbia.
Qatar trabalha em ligação estreita com o Departamento de Estado
dos EUA apoiando a intervenção americana na área. Qatar
foi um dos primeiros estados árabes, e o primeiro dos estados do Golfo,
a estabelecer relações com Israel. Durante o bombardeamento de
Gaza por Israel, em 2009, cancelou essas relações mas já
propôs restabelecê-las.
O Facebook e a contra-revolução
A CIA e a National Endowment for Democracy tornaram-se especialistas na
utilização duma barragem dos media sociais, tal como o Facebook,
o Twitter e o Youtube para atulhar os governos visados com milhões de
mensagens fabricadas, boatos falsos e imagens.
Alertas fabricados sobre lutas e divisões entre facções
rivais nas forças armadas da Síria, com vista a provocar
demissões, vieram a provar-se serem falsos. Por exemplo, o major general
al-Rifai (Ret.) desmentiu, por não terem fundamento, notícias
difundidas por televisão satélite de que estava a liderar uma
divisão nas forças armadas. Acrescentou que já se tinha
reformado há dez anos.
Izzat al-Rashek, da Comisão Política do Hamas, e Ali Baraka,
representante do Hamas no Líbano, desmentiram publicamente
afirmações de que a liderança desta
organização de resistência palestina estava a mudar-se de
Damasco para Qatar. Ali Baraka explicou que isso era uma invenção
americana para pressionar Mahmoud Abbas da Fatah e impedir a
reconciliação palestina, agudizando o conflito entre os
movimentos de resistência e a Síria.
O governo sírio denunciou que franco-atiradores tinham disparado sobre
manifestações, visando militares e policiais na tentativa de
levar a polícia a abrir fogo sobre os manifestantes.
Boatos, publicações anónimas na Internet e notícias
por televisão satélite destinadas a agudizar diferenças
sectárias fazem parte da campanha de desestabilização.
Carácter duplo da Síria
Não é difícil perceber porque é que o imperialismo
dos EUA e os seus peões na região, incluindo Israel e as
monarquias corruptas dependentes da Jordânia, do Qatar e dos Emirados
Árabes Unidos e da Arábia Saudita, querem ver uma 'mudança
de regime' na Síria.
A Síria é um dos poucos estados árabes que não tem
relações com Israel. Várias organizações de
resistência palestina têm escritórios no exílio na
Síria, incluindo a Hamas. A Síria é um estreito aliado do
Irão e do Líbano.
A Síria actualmente não é um país socialista nem
país revolucionário. O capitalismo, com as suas
inevitáveis desigualdades, não foi derrubado. Há uma
classe capitalista na Síria, muita gente dentro dela beneficiou das
'reformas' que privatizaram antigas indústrias anteriormente na posse do
estado.
No entanto, o estado sírio representa forças
contraditórias. Tem sido um bastião na defesa das conquistas
alcançadas nas lutas anti-colonialistas e nos levantamentos das massas
árabes nos anos 60 e 70. Durante esse período foram feitas muitas
conquistas sociais importantes, foram nacionalizadas as principais
indústrias e recursos que tinham pertencido ao capital estrangeiro e
foram feitos importantes avanços nos cuidados de saúde
garantidos, nos padrões de vida e na educação.
A Síria, sob o Partido Baath Socialista Árabe, é um
país rigorosamente laico. Manteve a liberdade de religião para
toda a gente, embora sem permitir que um grupo religioso dominasse ou fosse
promovido pelo estado.
Mas o regime na Síria também tem reprimido duramente as
tentativas dos movimentos de massas, com base no Líbano e na
Síria, que pretendiam continuar a lutar. Justificou a repressão
dos movimentos passados apontando para a sua posição
precária mesmo ao lado de Israel, o impacto das duas guerras israelenses
em 1967 e 1973, e a consequente ocupação israelense e
anexação da importante região dos Montes Golan na
Síria durante 44 anos.
Anos de sanções dos EUA e anteriores tentativas de
desestabilização também tiveram um efeito cumulativo. O
aparelho de estado, sempre temeroso duma intervenção externa
continuada, passou a ter medo da mudança.
É essencial reconhecer este carácter duplo e não desculpar
nem ignorar todos os problemas que daí decorrem.
A Síria ainda tem o fardo acrescido de albergar mais de 500 mil
refugiados palestinos e seus descendentes nos últimos 63 anos. As
condições destes são melhores do que em qualquer dos
países vizinhos porque, ao contrário do Líbano e da
Jordânia, os cuidados de saúde, o ensino e a
habitação são acessíveis aos palestinos na
Síria.
O impacto da guerra do Iraque
A maciça invasão americana e a destruição do Iraque
vizinho, o debate Bush-Blair sobre um ataque semelhante à Síria
em 2003, e as novas e duras sanções sobre a Síria
aumentaram a pressão intensa.
Mas o factor mais perturbador nunca é discutido nos media: mais de um
milhão e meio de iraquianos invadiram a Síria para fugir aos
últimos oito anos de ocupação dos EUA.
Esta foi uma invasão brutal para um país com uma
população de 18 milhões em 2006. Segundo um
relatório de 2007 do gabinete do Alto Comissário para Refugiados
dos EUA, a chegada diária de 2 000 iraquianos desesperados teve um
impacto enorme sob todos os aspectos da vida da Síria, em especial nos
serviços prestados pelo estado a todos os seus cidadãos e a todos
os refugiados. A Síria tem o nível mais alto de direitos
cívicos e sociais para refugiados em toda a região. Outros
países vizinhos exigem uma conta bancária mínima e impedem
a entrada de refugiados pobres.
A chegada inesperada destes refugiados iraquianos teve um impacto
dramático nas infra-estruturas, nas escolas primárias e
secundárias garantidas, nos cuidados de saúde grátis, na
disponibilidade de habitações e noutras áreas da economia.
Levou a um aumento de custos a todos os níveis. Os preços dos
géneros alimentícios e dos bens básicos aumentaram 30 por
cento, os preços do imobiliário de 40 por cento e as rendas de
casa em 150 por cento.
Os refugiados iraquianos também beneficiaram dos subsídios
estatais sírios na gasolina, na alimentação, na
água e noutros bens essenciais fornecidos a toda a gente. Uma massa
tão grande de gente desempregada levou ao abaixamento dos
salários e a uma concorrência acrescida nos empregos. O impacto
das dificuldades económicas globais durante este período
difícil agudizou os problemas. (Middle East Institute, 10/Dezembro/2010,
relatório sobre Cooperação com Refugiados)
Os EUA criaram a crise de refugiados, que provocou a deslocação
de mais de 25 por cento da população iraquiana, por causa da
violência sectária. No entanto, são os que aceitam o menor
número de refugiados e dão menos do que o custo de um dia de
guerra no Iraque para os custos de assistência das Nações
Unidas. As sanções americanas na Síria aumentaram as
deslocações económicas.
Tudo isto reforçou a consciência do governo sírio e da
população quanto aos perigos da ocupação americana
e da desestabilização interna e quanto ao banho de sangue que
pode resultar da violência sectária instigada pelos EUA.
Washington afirma estar preocupado com a instabilidade na Síria. Mas o
imperialismo americano enquanto sistema é obrigado a criar a
instabilidade. O domínio esmagador e o poder das
corporações militares e petrolíferas na economia dos EUA e
os enormes lucros dos contratos militares reforçam infindavelmente o
pendor para procurar soluções militares.
Todas as declarações feitas pelo governo sírio têm
reconhecido a importância de fazer reformas internas importantes embora
mantendo a unidade nacional num país extremamente diversificado que tem
diferenças históricas na religião, nas tribos e nas
regiões e contém actualmente 2 milhões de refugiados.
As diversas nacionalidades, religiões e grupos culturais na Síria
têm todo o direito de fazer parte deste processo. Mas o que eles precisam
sobretudo é do fim da constante e cruel intervenção dos EUA.
EUA fora da Síria!