Escrito por Fortunato Esquivel no CORREIO DA CIDADANIA |
Em 1997, aprovou-se a Lei de Telecomunicações, em atual vigência e
agonia agora que, a partir desta semana, o parlamento começará a debater
a lei que a substituirá, beneficiando o conjunto da população boliviana
e provavelmente promovendo o fim dos latifúndios midiáticos.
A lei ainda vigente, aprovada pelo governo neoliberal de então,
reordenou o espectro radioelétrico, ainda que na verdade tenha sido uma
genialidade para fazer desaparecer as emissoras sindicais, que eram as
únicas mídias opositoras. Desde então, todas foram igualadas a uma
licença de vinte anos, ao tempo em que se decretava a licitação de
freqüências.
O prazo de vinte anos terminará em 2017, mas para então estará
vigente a nova lei a ser analisada a partir de agora. As autoridades
adiantaram que a divisão das freqüências será de 33% para o setor
privado, 33% para o público (governo, províncias, municípios e
universidades públicas) e 34% para as rádios comunitárias e os povos
originários e camponeses.
Na atualidade, 98% das freqüências estão em mãos do setor privado,
cujo privilégio lhes permitiu construir verdadeiros “latifúndios
midiáticos” que garantiram a eles poder político para manipular a
opinião pública.
A lei a ser consensuada refere-se à repartição de freqüências em
rádio e televisão, mas só o seu anúncio mobilizou os donos desses meios
de comunicação, que acabam de “denunciar” as afetações a seus interesses
contidas no projeto.
A nova Lei de Telecomunicações regerá adequadamente a posse de
freqüências. Terá de evitar que banqueiros e grupos econômicos poderosos
acessem as mesmas, pois esses as utilizam para sustentar seu poder, uma
vez que a mídia é elemento estratégico que tampouco pode ficar nas mãos
de estrangeiros.
Nessa época de mudanças, os meios de comunicação deverão estar a
serviço e benefício geral de todos os bolivianos através de uma
comunicação livre, equitativa, participativa e inclusiva, que atenda às
aspirações dos povos, cujas lutas por verdadeiras mudanças vêm de muito
tempo atrás.
Se olhamos atentamente para a atualidade, nos convenceremos de que a
mídia serve às oligarquias. É seu instrumento de domínio e submissão em
benefício de seus próprios interesses, razão mais que suficiente para
confiar que a lei que logo será aprovada no parlamento terminará com o
patrimônio da oligarquia para passá-lo à posse de todos os bolivianos.
Os monopólios chegam a seu fim
A Lei de Telecomunicações substituirá a atual e regulará o
funcionamento técnico dos meios audiovisuais. Possivelmente e mais
adiante, se pensará em outra Lei de Mídia que poderia regular os
conteúdos e o exercício legal dos comunicadores, começando pelos donos,
que na atualidade e majoritariamente nada têm a ver com o jornalismo.
Desejamos um trabalho auspicioso aos legisladores que sem temores
deverão continuar com as consultas e assessorias necessárias.
Sendo aprovada com rapidez, a Lei de Telecomunicações acabará com a
lei neoliberal que em linhas gerais completará apenas 14 anos de
vigência e desordem nas freqüências divididas e nos conteúdos,
principalmente das rádios, que passam de mil, e das emissoras de TV, que
oscilam em torno de 500 canais.
As oligarquias midiáticas
Três redes de televisão acumularam enorme poder de manipulação da
opinião pública, posta a serviço de seus interesses políticos sectários e
em feroz oposição às verdadeiras mudanças inclusivas que se verificaram
pela primeira vez na Bolívia. Quem são seus proprietários e que
interesses representam? Aqui os temos:
Red Uno
Seu dono é o político e empresário croata Ivo Kuljis Fütchner. Atuou
em sociedade com Gonzalo Sanchez de Lozada (MNR – Movimento Nacionalista
Revolucionário), Carlos Palenque (CONDEPA – Consciência de Pátria),
Johnny Fernandez (UCS – União Cívica Solidariedade) e Manfred Reyes
Villa (NFR – Nova Força Republicana). Como político foi um fracasso, mas
conseguiu benefícios para suas empresas.
No campo empresarial, está ligado a exitosos negócios na banca, à
rede de supermercados Hipermaxi, ao frigorífico Fridosa, às indústrias
Kupel, à pecuária em grande escala, além de ser exportador de soja,
possuir bens imóveis e estabelecimentos educativos, entre outras coisas.
Red PAT
Começou como notável esforço de jornalistas associados para dar a
entender que entre os profissionais também se pode oferecer uma
televisão com menos alienação. Efetivamente, em seu momento a Red PAT
foi única em produção nacional.
Porém, as imparcialidades não parecem ter muito futuro neste país e a
rede foi se inclinando ao neoliberalismo, escorregando até acabar nas
mãos de um empresário de origens árabes, Abdalá Daher, cujos interesses,
entre outros, estão ligados às importações eletrônicas. Daher não é
conhecido no campo político e o único escândalo que se atribui a ele é o
de ter sido pressionado por Eduardo Rosza Flores a dar contribuições ao
contratado para liderar o separatismo em Santa Cruz.
Red UNITEL
Esta emissora é a mais radical dos latifúndios midiáticos, filial da
CNN estadunidense e propriedade da família Monasterios, cujo principal
representante é Osvaldo Monasterios Añez, ativo militante do MNR e
parlamentar em pelo menos duas ocasiões.
Sua rede midiática tem muito a defender, pois os Monasterios estão
ligados a enormes empresas da banca privada, fábricas de refrigerantes,
sorveterias, produção de álcool e derivados, estâncias pecuárias (com
criação de gado da raça Nelore), importação de móveis, administração da
Zona Franca Puerto Suarez, entre outros interesses.
Os interesses existem, claro que sim
Um poder econômico tão enorme é defendido por um grande conglomerado
de jornalistas através de programas habilmente estruturados para
executar uma inteligente oposição ao atual processo de mudança, com base
em pesquisas e enquetes claramente manipuladas, que não fazem outra
coisa que rechaçar suas pouco críveis pretensões de imparcialidade e
objetividade.
Os parlamentares que tratarão da nova Lei de Telecomunicações estão
obrigados a analisar se a mídia deve estar somente nas mãos de poderosos
empresários cujos interesses podem distorcer a opinião pública, caso
consigam a colaboração de escolhidos manipuladores, que sempre existem,
sim senhores.
Nota:
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Lei de Telecomunicações
que garante a distribuição equitativa das freqüências, e que deverá ser
enviado à Câmara Alta (Senado) para ser revisado e aprovado.
Fortunato Esquivel é jornalista e trabalha na Rádio Pátria Livre
Traduzido por Gabriel Brito, jornalista.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Bolívia: latifúndios midiáticos chegam perto de seu fim
Marcadores:
America Latina,
midia,
movimentos sociais,
POLITICAS PUBLICAS
O direito à diversidade
Maria Berenice Dias
O jeito mais popular de ridicularizar ou xingar alguém é
chamá-lo de homossexual, utilizando uma infinidade de expressões
pejorativas.
Também a forma mais rasa de fazer humor é imitar homens com trejeitos femininos.
Todas manifestações homofóbicas aceitas com naturalidade.
No entanto, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal que
retirou a população LGBT – gays, lésbicas, bissexuais, travestis e
bissexuais – da invisibilidade jurídica há a necessidade de uma mudança
de postura.
O julgamento não serviu exclusivamente para reconhecer os casais
homoafetivos como família. Seu alcance foi muito maior. Transformou-se
em marco histórico na garantia dos direitos humanos.
Agora todos precisam aprender a conviver com a diferença.
Essa verdadeira mudança de paradigma se impõe a toda sociedade. Não
só no mundo público, mas em todos os segmentos da iniciativa privada. A
postura inicialmente omissiva, que acabava por chancelar o assédio moral
no ambiente de trabalho, não mais tem espaço. É necessário criar
mecanismos de interlocução para evitar situações de constrangimento e
prevenir perseguições que configuram o que se chama de mobbing. Além de
assegurar o direito de denunciar, as empresas devem punir exemplarmente
manifestações discriminatórias.
Mas a responsabilidade de gestão deve ir além. É preciso garantir
igualdade de oportunidades e ascensão profissional, bem como impedir
demissões em face da orientação sexual de funcionários. Também é
necessário que as empresas admitam o ingresso de transexuais e
travestis, segmentos alijados do mercado de trabalho.
Do mesmo modo, não cabe diferenciação de direitos aos parceiros dos
empregados que mantém uniões homoafetivas. Muitas empresas,
principalmente multinacionais, já adotam políticas de inclusão. As que
assim não agem ficam sujeitas a condenações trabalhistas ou a pagar
indenizações por danos morais.
No entanto, esta não deve ser a única preocupação do mundo
corporativo. O mais significativo é manter um ambiente de respeito,
segurança e harmonia, de modo que não seja necessário que alguém oculte
ou disfarce sua identidade sexual.
Ninguém mais precisa manter-se no armário para ser aceito, como se heterossexual fosse.
Mas há outra realidade a atentar. O espaço significativo das pessoas
LGBT no mercado consumidor. Para uma empresa atender a esta demanda
precisa adotar uma política interna que deixe transparecer que elas são
bem-vindas não só como consumidoras, mas também como trabalhadoras.
Afinal, a diversidade é um direito e sua aceitação, uma obrigação.
* Maria Berenice Dias é advogada, ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS — www.mbdias.com.br
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Pagamento de juros da dívida pública atingirá a marca de R$ 1 trilhão
Brasil já gastou com juros da dívida pública R$ 947 bilhões desde que o chamado superávit primário começou a ser praticado, em dezembro de 1998. Em 150 meses, Estado brasileiro usou R$ 200 milhões por dia do que arrecadou com tributos para transferir aos credores da dívida. Para cumprir meta de superávit este ano, setor público ainda precisa de um arrocho fiscal de mais R$ 53 bilhões. Congresso prepara-se para votar lei que vai impedir o uso de R$ 140 bilhões em políticas públicas no ano que vem para que mais juros sejam pagos.
André Barrocal no CARTA MAIOR
BRASÍLIA – O Congresso prepara-se para votar
a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2012, uma espécie de rascunho
do orçamento do ano que vem contendo alguns parâmetros econômicos. Um
deles é a quantia que o governo federal deseja que o Estado brasileiro
recolha da população em tributos e depois use para pagar juros da dívida
pública. Pela LDO, em 2012, os credores da dívida devem lucrar R$ 140
bilhões com o chamado superávit primário, mecanismo adotado em 1998 que,
até o fim de 2011, terá sonegado, em sua história, R$ 1 trilhão à saúde
e à educação, por exemplo.
O desvio de recursos fiscais de políticas públicas para o pagamento de juros da dívida começou em dezembro de 1998, num acordo do então presidente Fernando Henrique Cardoso com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em troca de empréstimos que ajudariam o Brasil a evitar a falência. Desde então, o Estado usa o superávit para tentar controlar o aumento da dívida.
Ao longo de 150 meses até maio de 2011, governo federal, estados, prefeituras e empresas estatais destinaram R$ 947 bilhões ao pagamento de juros da dívida, segundo estatísticas do Banco Central (BC).
Só em 2011, o superávit primário já custou R$ 64 bilhões ao cofres públicos. Pela LDO em vigor, o valor precisa fechar o ano em pelo menos R$ 117 bilhões - embora seja possível fazer alguns descontos, o governo federal, que lidera o esforço de todo o setor público, diz trabalhar com aquele alvo. Faltam, portanto, R$ 53 bilhões para o objetivo ser alcançado. Exatamente o valor que fará o Brasil atingir a marca trilionária na história do superávit primário.
Ao longo de 150 meses, o total de juros da dívida pública somou R$ 1,8 trilhão, também segundo o BC. Ou seja, com recursos de tributos, o Brasil liquidou só a metade dos juros que topou pagar ao “mercado”.
Para pagar a outra metade, precisou pedir dinheiro emprestado ao mesmo “mercado”, vendendo títulos que, um dia, vão virar dívida. E pegou empréstimo aceitando pagar em troca os maiores juros do planeta, o que dificulta a redução da dívida e, portanto, do superávit primário.
O pagamento de R$ 947 bilhões em juros da dívida durante 150 meses significa R$ 200 milhões por dia, em média, patamar que deve se manter quando a marca de R$ 1 trilhão for alcançada em dezembro.
Comparações: o programa federal para tirar 16 milhões de brasileiros da miséria custará cerca de um quarto do juro da dívida (R$ 54 milhões por dia). Com a quantia já empatada no superávit primário, seria possível pagar 366 mil aposentadorias de um salário mínimo todos os dias.
O desvio de recursos fiscais de políticas públicas para o pagamento de juros da dívida começou em dezembro de 1998, num acordo do então presidente Fernando Henrique Cardoso com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em troca de empréstimos que ajudariam o Brasil a evitar a falência. Desde então, o Estado usa o superávit para tentar controlar o aumento da dívida.
Ao longo de 150 meses até maio de 2011, governo federal, estados, prefeituras e empresas estatais destinaram R$ 947 bilhões ao pagamento de juros da dívida, segundo estatísticas do Banco Central (BC).
Só em 2011, o superávit primário já custou R$ 64 bilhões ao cofres públicos. Pela LDO em vigor, o valor precisa fechar o ano em pelo menos R$ 117 bilhões - embora seja possível fazer alguns descontos, o governo federal, que lidera o esforço de todo o setor público, diz trabalhar com aquele alvo. Faltam, portanto, R$ 53 bilhões para o objetivo ser alcançado. Exatamente o valor que fará o Brasil atingir a marca trilionária na história do superávit primário.
Ao longo de 150 meses, o total de juros da dívida pública somou R$ 1,8 trilhão, também segundo o BC. Ou seja, com recursos de tributos, o Brasil liquidou só a metade dos juros que topou pagar ao “mercado”.
Para pagar a outra metade, precisou pedir dinheiro emprestado ao mesmo “mercado”, vendendo títulos que, um dia, vão virar dívida. E pegou empréstimo aceitando pagar em troca os maiores juros do planeta, o que dificulta a redução da dívida e, portanto, do superávit primário.
O pagamento de R$ 947 bilhões em juros da dívida durante 150 meses significa R$ 200 milhões por dia, em média, patamar que deve se manter quando a marca de R$ 1 trilhão for alcançada em dezembro.
Comparações: o programa federal para tirar 16 milhões de brasileiros da miséria custará cerca de um quarto do juro da dívida (R$ 54 milhões por dia). Com a quantia já empatada no superávit primário, seria possível pagar 366 mil aposentadorias de um salário mínimo todos os dias.
terça-feira, 12 de julho de 2011
A segregação racial está de volta ao sul dos EUA
Com as novas legislações anti-imigração aprovadas em junho no
Alabama, na Carolina do Sul e na Geórgia, foi instaurado no sul dos EUA
uma versão século XXI das chamadas Leis de Jim Crow, que vigoraram entre
1876 e 1965, institucionalizando a segregação racial na região. Só que
agora o alvo dos legisladores – em sua maioria republicanos – não são os
negros, e sim a população de origem hispânica. Quem estabelece o
paralelo histórico é a pedagoga Maureen Costello, uma das mais
respeitadas especialistas em reforma educacional dos EUA, diretora do
projeto Ensinando Tolerância, do Southern Poverty Law Center, referência
na luta pelos direitos civis de grupos minoritários desde sua criação,
em 1971.
“Ao dificultar a contratação, o transporte e até mesmo qualquer ajuda
humanitária a imigrantes não-documentados, a lei aprovada no Alabama já
é um horror para os adultos. Mas o desastre é ainda maior para
crianças, já que ela determina que as escolas chequem o status
migratório de cada aluno, eliminando, na prática, a diferença entre
educadores e oficiais da Imigração. Já há pais questionando se devem ou
não matricular seus filhos nas escolas em setembro, quando o novo ano
letivo começar por aqui”, denunciou Costello, em artigo no site liberal
The Huffington Post reproduzido em jornais dos quatro cantos dos EUA.
Na primeira semana de julho, o governador republicano Robert Bentley
comemorou a passagem da lei H.B. 56 pedindo ao responsável pelo cargo
semelhante ao de Secretário de Educação de um estado brasileiro a
desenvolver uma cartilha para diretores das escolas públicas, obrigados a
partir de setembro a informar ao governo sobre a situação legal de
todas as crianças matriculadas, entre 5 e 17 anos.
Leis similares – embora sem o ataque ao ensino fundamental, cuja
universalidade é garantida pela Constituição americana – foram aprovadas
na Carolina do Sul e na Geórgia, no que o New York Times, em irado
editorial publicado na segunda-feira 4, qualificou de “tentativa de
maquinar uma expulsão em massa dos não-documentados, passando por cima
da Carta Magna, da segurança do público, das economias locais e das
famílias do imigrantes”. São leis, segue o editorial, que, apesar das
diferenças regionais, têm um mesmo propósito: tornar impossível a vida
nos EUA de cidadãos sem documentação legal.
As leis dos três estados foram inspiradas na polêmica S.B. 1070,
aprovada no ano passado e considerada até então a mais dura peça legal
aprovada nos EUA contra imigrantes não-documentados. A partir de abril
de 2010, a polícia estadual do estado do sudoeste americano teria o
poder de prender qualquer cidadão maior de 14 anos que esteja em público
sem documentos provando estar no país de forma legal. A lei, defendida
pela maioria republicana no legislativo estadual, foi duramente
criticada pelos democratas, que a consideraram de cunho racista.
O governo Obama iniciou uma batalha judicial e impediu, em caráter
provisório, que a lei entrasse em vigor. Mas a vitória conservadora nas
eleições de meio-termo, no ano passado, levou para o legislativo de
vários estados sulistas parlamentares eleitos com a promessa de apertar o
cerco contra os imigrantes não-documentados, estimados em 12 milhões
nos EUA. A argumentação da direita, contrária a qualquer projeto
envolvendo anistia ou a chamada reforma do sistema de imigração, é a de
que o fluxo de imigrantes não-documentados aumentou tremendamente o
arrocho sobre trabalhadores norte-americanos menos qualificados,
reduzindo tanto o mercado quanto o valor de seu trabalho.
Diminui o número de entrada de hispânicos nos Estados Unidos
Curiosamente, as leis restritivas a imigrantes não-documentados se
multiplicam no exato momento em que se registra uma redução
significativa no número de latino-americanos entrando nos EUA
ilegalmente, algo inédito nos últimos trinta anos. De acordo com o
Mexican Migration Project (MMP) da Universidade de Princeton, o
interesse de mexicanos em entrar ilegalmente nos EUA é o menor desde
1950.
“Ninguém quer ouvir, mas a onda de migração ilegal para os EUA já
acabou. Pela primeira vez em seis décadas estamos percebendo um nível
zero de tráfego de imigrantes, podendo mesmo haver uma reversão”,
afirmou esta semana o diretor do MMP, Douglas S. Massey, em entrevista
ao New York Times. Um dos reflexos do refluxo foi a descoberta do
governo mexicano, no censo de 2010, de 4 milhões de pessoas vivendo no
país a mais do que o esperado. De acordo com estimativas de Washington,
quase 60% dos imigrantes não documentados nos EUA são oriundos do
México. Mas o Pew Hispanic Center também aponta para uma diminuição
drástica da entrada de imigrantes não-documentados do México: entre 2000
e 2004, o centro de estudos estima que 525 mil mexicanos cruzaram a
fronteira ilegalmente a cada ano. No ano passado, este número não passou
de 100 mil.
Especialistas apontam ao menos uma causa em comum tanto para o
arrefecimento do sentimento xenófobo em estados tradicionalmente mais
conservadores, como Alabama, Geórgia e Carolina do Sul, quanto para a
diminuição dó tráfego de imigrantes não-documentados em direção aos EUA:
a crise financeira global, que atingiu a maior economia do planeta de
forma mais intensa do que os países latino-americanos, inclusive o
México.
Em artigo inspirado na “Newsweek” desta semana o cientista político e
colunista Michael Tomasky lembra que não há como Barack Obama se
reeleger no ano que vem sem uma votação maciça dos eleitores de origem
hispânica, um contingente que deu 67% dos votos para o democrata em
2008. Mas é justamente a falta de vontade política demonstrada por
Washington para iniciar uma reforma do sistema de imigração que, de
acordo com Olívia Mendoza, diretora-executiva do Colorado Latino Forum,
se traduz numa apatia nos bolsões hispânicos frente à campanha
presidencial de 2012. Há, ela diz, uma sensação geral de insatisfação.
Os grupos Latino Decisions e impreMedia apresentaram no dia 13 uma
pesquisa em que mostram uma imensa maioria de eleitores hispânicos
rejeitando a deportação de imigrantes não-documentados sem atividade
criminosa, incluindo estudantes, que vem sendo deportados por conta do
programa “Comunidade Seguras”, a menina dos olhos da área na atual
administração. Dos entrevistados, 49% afirmam que votarão com certeza no
democrata, mas Obama precisa aumenta este número se quiser conquistar
novamente estados importantes como Flórida, Colorado, Carolina do Norte e
Nevada.
No mês passado, Obama viajou para a fronteira com o México para
celebrar seus números relacionados à imigração, que incluem 800.000
deportações. Mas figuras destacadas do Partido Democrata já se recusam a
apoiar o “ Comunidades Seguras”. O governador do Illinois, berço
político de Obama, o liberal Pat Quinn, anunciou em maio que estava
“interrompendo imediatamente” a cooperação com o programa, por dar poder
à policial local para enfrentar “estrangeiros criminosos”, hoje
atribuição exclusiva das forças federais.
Quinn enviou uma carta para a Immigration and Customs Enforcement
lembrando que menos de 20% dos indivíduos deportados anualmente pelo
“Comunidades Seguras”, no estados em que já funciona de modo
experimental, foram condenados por crimes sérios, e que 30% dos
não-documentados expulsos do país por conta do programa sequer cometeram
outra infração que não a da permanência ilegal no país, trabalhando sem
permissão do governo.
Em junho foi a vez de Andrew Cuomo, de Nova York, suspender o
programa no estado mais importante da Costa Leste, por conta do “impacto
danoso nas famílias, nas comunidades de imigrantes e na própria
autoridade dos policiais”. E na semana passada, outro democrata, o negro
Derval Patrick, governador de Massachusetts, pulou fora do barco de
Washington afirmando que o programa “compromete a informação sobre
atividades criminosas, particularmente relacionadas à violência
doméstica”, com mulheres receando levar à polícia casos como agressões e
furtos que levariam à deportação da família. Mais direta, a líder do
Partido Democrata na câmara baixa do Congresso, Nancy Pelosi, disse que
“o programa é um desperdício do dinheiro do contribuinte”. Tomasky
pontua o argumento mais forte de Obama hoje para atrair o voto
hispânico: o de que será muito pior para eles, alvos preferenciais de um
novo Jim Crow, uma vitória republicana: “Isso é verdade, e o medo pode
ser um belo motivador em política. Mas não é o que as pessoas estavam
esperando e hoje parece claro que uma boa percentagem de possíveis
eleitores democratas ficará em casa em novembro de 2012. O tamanho deste
número fará a diferença entre reeleição e aposentadoria para Obama”.
Article printed from CartaCapital: http://www.cartacapital.com.br
URL to article: http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/a-segregacao-racial-esta-de-volta-ao-sul-dos-eua
URLs in this post:
[1] Image: http://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2011/07/foto-eua.jpg
Marcadores:
imperialismo,
movimentos sociais,
racismo
EUA: A classe trabalhadora contra a classe média: Solidariedade ou competição no enfrentamento da crise?
Um
ambiente de profunda crise económica e social não produz, só por si, a
organização e a acção comum daqueles sobre cujas vidas impacto da crise
se faz sentir mais duramente. E não existe pior fraqueza para os
trabalhadores do que a sua divisão.
“Creio que não percebe quão difícil é para os oprimidos tornarem-se unidos. A sua miséria une-os (…) Mas por outro lado a sua miséria é capaz de separá-los uns dos outros, pois são forçados a arrancar as pobres migalhas das bocas uns dos outros”.
Bertolt Brecht, Collected Plays Vol. 9 (Pantheon Books New York 1972) p. 379
“Creio que não percebe quão difícil é para os oprimidos tornarem-se unidos. A sua miséria une-os (…) Mas por outro lado a sua miséria é capaz de separá-los uns dos outros, pois são forçados a arrancar as pobres migalhas das bocas uns dos outros”.
Bertolt Brecht, Collected Plays Vol. 9 (Pantheon Books New York 1972) p. 379
Há
dois factos incontestáveis acerca dos Estados Unidos: a economia e a
classe trabalhadora experimentam uma crise económica prolongada a qual
perdura há mais de três anos e não mostra sinais de acabar; não houve
grande revolta, resistência em massa nacional ou mesmo protestos em
grande escala com quaisquer consequências. Poucos escritores tentaram
abordar este paradoxo aparente e aqueles que o fizeram deram respostas
parciais que de facto levantam mais questões do que as que respondem.
Linha de investigação
No essencial, a maior parte dos que escrevem enfatizam um dos dois lados
do “paradoxo”. Os analistas da “crise” focam a extensão, duração e
natureza duradoura da ruptura económica, descrevendo seu duro impacto
sobre a classe trabalhadora e a média em termos de perdas de emprego,
benefícios, salários, hipotecas, etc. Outros, principalmente na esquerda
progressista, enfatizam os protestos locais, respostas críticas em
inquéritos de opinião, queixas ocasionais de burocratas sindicais e as
esperanças e sermões de académicos e sabichões de que uma “revolta” está
a caminho no futuro próximo.
Dentre a minoria de analistas críticos menos confiantes há desespero
ou, pelo menos, uma visão mais pessimista do “paradoxo”. Apontam vários
obstáculos psicológicos, organizacionais e políticos profundamente
enraizados que impedem qualquer revolta ou inquietação de massa de
apossar-se do público dos Estados Unidos.
Em geral, estes críticos vêem a classe trabalhadora e média como
“vítimas” do sistema, influenciada por líderes falsos, manipulação dos
media, capitalismo corporativo e o sistema de dois partidos, o que os
impede de perseguir os seus interesses de classe.
Neste ensaio, buscarei uma linha alternativa de análise a qual
argumentará que os “inimigos externos” bloqueando a resistência da
classe trabalhadora e da classe média são ajudados e encorajados pelo
comportamento e interesse percepcionado dentro das classes. No
prosseguimento desta linha de investigação, argumentarei que tanto a
natureza como o âmbito da “crises” foi mal compreendido no seu impacto
sobre as classes trabalhadora e média e, em consequência, o grau de
contradições internas dentro daquelas classes não tem sido adequadamente
entendido.
Conceitos chave: clarificando ‘crises’ e o seu impacto
Crises económicas, mesmo severas, prolongadas, tal como a que afecta
hoje os EUA, não têm um impacto uniforme sobre todos os sectores das
classe trabalhadora e média. O impacto desigual segmentou as classes
trabalhadora e média entre aqueles que são afectados adversamente e
aqueles que o não são, ou quem em certas circunstâncias saiu
beneficiado. Esta segmentação é um factor chave responsável pela falta
de solidariedade de classe resultou em “contradições” dentro e entre as
classes trabalhadora e média.
Em segundo lugar o desenvolvimento da organização social –
especialmente a sindicalização – entre trabalhadores do sector público e
privado levou os primeiros a assegurar e reter maiores benefícios
sociais e aumentos e salários, ao passo que os últimos perderam terreno.
Os trabalhadores do sector público valem-se de financiamento público
para financiar os seus “interesses corporativos” ao passo que os do
sector privado são forçados a pagar impostos acrescidos, devido à
legislação fiscal regressiva. O resultado é um aparente ou real conflito
de interesses entre trabalhadores públicos bem organizados unidos em
torno de um estreito conjunto de interesses (próprios) e a massa de
trabalhadores não organizados do sector privado a qual, incapaz de
aumentar seus salários através da luta de classe, posiciona-se ao lado
dos “conservadores fiscais” (financiados pelo big business ) para exigir
cortes entre trabalhadores do sector público.
O sectarismo político, especialmente entre democratas da classe
média e trabalhadora, mina a solidariedade de classe e enfraquece a
resistência social unificada. Isto é evidente em relação a questões de
guerra e paz, de crise económica e de cortes em programas sociais.
Quando os democratas ocupam posição [no governo], quando anunciam guerra
e os gastos de guerra se multiplicam, o grosso do movimento da paz
desapareceu, protestos do trabalho contra cortes orçamentais
concentram-se sobre governadores republicanos, não democratas, mesmo
quando as classes trabalhadora e média (incluindo empregados do sector
público) é afectada adversamente.
Os milionários dirigentes sindicais de topo (salário médio anual de
mais de US$300 mil mais benefícios) aprofundam a divisão ao dar
prioridade à segurança da sua posição através de contribuições de
milhões de dólares para os democratas, comprando portanto segurança
quanto aos fluxos de rendimento decorrentes de pagamentos devidos. A
segurança do funcionalismo, através do alinhamento com legisladores,
governadores, presidentes de municipalidades e líderes executivos do
Partido contribui mais uma vez para a divisão no interior da classe
trabalhadora entre “funcionários seguros” e seus seguidores por um lado e
o resto da classe média e da trabalhadora.
A operar com estes conceitos chave, voltaremos agora para a
descrição das “condições objectivas de crise”, um levantamento crítico
de algumas explicações para o “paradoxo”, prosseguiremos com um exame
pormenorizado das “contradições internas” e concluiremos esboçando
alguns pontos de partida para a resolução do paradoxo.
A crise económica é real, profunda e prolongada
Os sintomas e estruturas de uma crise económica profunda são
facilmente visíveis para qualquer um, mesmo o mais obtuso apologista do
governo ou economista de prestígio: os desempregados e subempregados
atingiram 18 a 20 por cento. Uma em cada três famílias dos EUA é
directamente afectada pela perda de emprego. Um em cada dez
proprietários de casa americanos está ou atrasado nos pagamentos da
hipoteca ou enfrenta o arresto. Mais da metade dos desempregados actuais
(9,1 por cento) esteve sem trabalho durante pelo menos seis meses.
Cortes maciços em despesas públicas e investimentos levaram ao fim de
programas de saúde, educacionais e de bem-estar para dezenas de milhões
de famílias de baixo rendimento, crianças, os deficientes, os
pensionistas idosos. Firmas privadas eliminaram ou reduziram pagamentos
de seguro de saúde, deixando mais de 50 milhões de trabalhadores
americanos sem seguro de saúde e outros 30 milhões com cobertura médica
inadequada. Isenções fiscais, tributação reduzida e regressiva
aumentaram pagamentos de impostos sobre salário e trabalhadores
assalariados, reduzindo seu rendimento líquido. Aumentos sobre
pagamentos de pensões e de saúde forçaram empregados da classe média e
trabalhadora a sofrerem nova redução do rendimento líquido. As despesas
acrescidas para pelo menos quatro guerras (Iraque, Afeganistão,
Paquistão e Líbia), preparativos para uma quinta (Irão) e apoio ao
estado mais militarista do mundo (Israel) e um altamente expandido e
custoso aparelho de segurança interna (só o Homeland Security custa
US$180 mil milhões) deterioram muito o ambiente, os lugares de trabalho,
o espaço de lazer e os padrões de vida.
O poder político corporativo e o controle absolutamente tirânico
sobre o lugar de trabalho aumentaram o medo, a insegurança e o terror
virtual entre empregados que enfrentam ritmos acrescidos e eliminação
arbitrária de qualquer intervenção na saúde e segurança do lugar de
trabalho, na programação do trabalho, nas cargas de trabalho acima e
abaixo dos prazos. Empregos em serviços de baixo pagamento proliferam,
empregos bem pagos são exportados do país; fábricas manufactureiras são
relocalizadas no exterior; profissionais e trabalhadores imigrantes mal
pagos são importados aumentando a pressão sobre os trabalhadores
americanos para competir por pagamento mais baixo e menores benefícios. A
“crise económica” está incorporada na estrutura profunda do capitalismo
estado-unidense e não é um “fenómeno cíclico” sujeito a uma recuperação
dinâmica, restaurando empregos, lares, padrões de vida e condições de
trabalho perdidos.
Respostas das classes trabalhadora e média à crise económica
Respostas das classes trabalhadora e média à crise económica
A crise económica profunda, enraizada e generalizada não produziu
quaisquer revoltas proporcionais, rebeliões ou mesmo um movimento
nacional de protesto constante. Na melhor das hipóteses, protestos de
segmentos específicos da classe trabalhadora e da média tem procurado
defender estreitos interesses organizativos e económicos. Os movimentos
de protesto dos empregados públicos em Wisconsin foram tão excepcionais
na sua militância quanto ficaram isolados e limitados no seu impacto
nacional. Quando governadores republicanos na Califórnia e democratas em
Nova York eliminaram dezenas de milhares de milhões de dólares em
salários, pensões e benefícios de saúde para centenas de milhares de
empregados públicos sindicalizados, responsáveis sindicais guincharam de
modo impotente do lado de fora, incapazes de organizar quaisquer
protestos sérios e muito menos movimentos populares. Embora inquéritos
de opinião pública registem altos níveis de preocupação individual
acerca das crises económicas e insatisfação com a resposta de ambos os
partidos políticos às crises, isto não levou à actividade prática, nem
tão pouco daí emergiu qualquer “movimento” de massa – o descontentamento
permanece privado e inconsequente.
Até que milhões de membros das classes média e trabalhadora estejam
profundamente preocupados com as crises económicas em cursos não pode
haver repercussões sociais ou políticas significativas passadas,
presentes ou no futuro previsível.
Todas as esperanças bombásticas e “prognósticos ameaçadores” da
parte de liberais e gente de esquerda, socialistas e progressistas, que
escreveram e previram uma próxima “revolta da massas” estavam
redondamente erradas. A crise continua e as altamente insatisfeitas
classe média e trabalhadora continuam a sofrer privadamente, a resmungar
seus descontentamentos isoladamente, pouco desejosas de empenhar-se em
qualquer acção colectiva de massa.
Mesmo quando os mass media, mesmo quando a Internet, o Facebook e o
Tweeter apresentam milhões a manifestarem-se, a golpearem e mesmo a
derrubarem regimes opressivos no Médio Oriente e na África do Norte,
mesmo quando nos noticiários transparecem repetidas greves gerais e
ocupações de massa de praças públicas por empregados, trabalhadores e
desempregados na Grécia, Espanha, Portugal, Itália e França, os
trabalhadores dos Estados Unidos permanecem apáticos, indiferentes e
impotentes para “aprender as lições” e “efectuar acções colectivas”
mesmo quando as questões de emprego e dos cortes são semelhantes.
Explicações para a imobilidade social face às crises económicas
Não há falta de “reconhecimento” de que “alguma coisa está errada”
quanto a isto nos Estados Unidos. Não há falta de sabichões a tentarem
agarrar o paradoxo das crises económicas e da imobilidade social.
Vários assaltos explicativos estão a pairar através dos media e da
Internet. Alguns autores recorrem a explicações psicológicas para a
passividade social destacando o “medo” generalizado da retaliação
patronal, da repressão do estado ou uma sensação de “futilidade” e de
indiferença e hostilidade a partidos políticos. Os argumentos
psicológicos têm algum mérito pois apontam para algumas das causas
imediatas do não envolvimento, mas falham em explicar o que provoca o
“medo” e a sensação de futilidade.
Em resposta, muitos críticos progressistas citam a ausência ou
fraqueza de organizações sociais e apontam em particular para o declínio
de organizações sindicais, que deixam 93 por cento do sector privado
não organizado e os trabalhadores sindicalizados do sector público com
poderes limitados de negociação. Se bem que estes críticos estejam
certos ao enfatizar a relutância de dirigentes sindicais milionários em
romperem novo terreno político e iniciarem novos esforços organizativos,
é preciso explicar porque as não organizadas classe média e
trabalhadora não lançaram por si próprias quaisquer novas iniciativas.
Dirigentes sindicais têm um longo historial de “retornos” que remontam a
pelo menos duas décadas e ainda assim aqueles que são afectados
directamente e de modo adverso e aqueles que perderam os seus empregos
não organizaram uma rede alternativa de solidariedade.
Analistas políticos enfatizam a natureza oligárquica e restritiva do
sistema eleitoral que esvazia previamente a emergência de novas
iniciativas políticas. O custo de muitos milhões de dólares da
concorrência a eleições, a dominância quase monopolista dos mass media
pela elite dos dois partidos e o obstáculo legal de assegurar um lugar
na votação desencorajam eleitores desencantados a apoiar novas
iniciativas políticas. Mas a questão mais profunda é porque movimentos
de massa, fora da estrutura dos partidos eleitorais, não emergiram de
modo a poder finalmente desafiar a oligarquia política, o monopólio
corporativo dos media e mudar os constrangimentos legais quanto à
entrada efectiva na arena eleitoral. Por que em outros países ainda mais
repressivos emergem movimentos de massa, enfrentando constrangimentos
semelhantes quanto a acesso legal e confrontando oligarquias
estabelecidas?
Se “constrangimentos externos” semelhantes àqueles encontrados nos EUA levam a respostas comportamentais divergentes, isto levanta a questão de se as diferenças dentro das classe média e trabalhadora podem ser a fonte da passividade e da imobilidade.
Se “constrangimentos externos” semelhantes àqueles encontrados nos EUA levam a respostas comportamentais divergentes, isto levanta a questão de se as diferenças dentro das classe média e trabalhadora podem ser a fonte da passividade e da imobilidade.
Alguns poucos autores, principalmente na esquerda, mencionam o
divórcio entre intelectuais/académicos e a mobilidade declinante das
classes média e trabalhadora. Nos Estados Unidos há poucos intelectuais
politicamente empenhados e conferencistas políticos.
O que se passa quanto às classes educadas é que são profissionais
académicos em tempo integral que pouco diferem na sua vida social e
diária, pouco importando as suas filosofias ideológicas declaradas. A
vasta maioria dos académicos de esquerda concebe o seu “activismo” como
leitura de documentos uns para os outros em “fóruns sociais” de
“esquerda”, os quais pouco diferem em formato e consequências das
reuniões dos profissionais da corrente dominante.
Mesmo aqueles académicos quando tomam um papel político fazem-no
principalmente em relação aos multimilionários altos dirigentes
sindicais e ao seu leal aparelho. Em consequência, os académicos
progressistas acabam por conseguir pouca penetração junto à vasta
maioria de trabalhadores que estão fora dos sindicatos e cujas facções
sindicais dissidentes desafiam o nexo corporativo sindicato/Partido
Democrata.
Uma explicação alternativa para o “paradoxo”
Uma explicação alternativa para o “paradoxo”
Um dos problemas chave que inibe um entendimento do paradoxo é o
tratamento do conceito chave – “crises”. Muitos autores concebem as
“crises” de um modo “holístico”, presumindo que é “geral” ou “sistémica”
e tem um efeito homogéneo sobre as classes média e trabalhadora. De
facto a vasta maioria, digamos três quartos, não sofreu um impacto sério
com as “crises”. Assumindo que os desempregados e o subempregados
compreendam cerca de vinte por cento e acrescentando aqueles que
sofreram grave mobilidade para baixo, ainda temos pelo menos 70 por
cento cuja preocupação principal é manter sua posição “privilegiada” e
desconectar-se daqueles que caíram para fora da órbita da sua classe
social. Nos EUA, mais do que em qualquer outro país, as agudas
diferenças internas entre empregados sub/desempregados levaram à
“competição” e não à solidariedade. Na maior parte dos países do mundo,
trabalhadores “desempregados” e “subempregados” podem esperar apoio,
suporte activo dos trabalhadores sindicalizados; nos EUA uma vez que
empregados da classe média e trabalhadores perdem o seu emprego e não
podem pagar dívidas eles são abandonados. Mesmo em termos de vida
social, familiar e de vizinhança, são vistos como um “custo”, uma
drenagem potencial dos recursos daqueles que estão empregados. O
empregado vê o desempregado e mal pago como um custo para a previdência,
portanto um fardo tributário acrescido ao invés de um aliado na luta
para fazer com que a elite corporativa pague impostos mais altos e
reduza despesas de guerra. Impostos mais altos entre trabalhadores
empregados significa fuga de capital; menores despesas militares
significa poucos empregos na indústria de guerra.
A segmentação dentro da classe média e trabalhadora opera a muitos
níveis. O mais gritante é entre a escala de pagamento de dirigentes
sindicais de topo que ganham mais de US$ 300 mil mais benefícios e os
desempregados/subempregados que vivem com menos de US$ 30 mil. Estas
diferenças económicas são exibidas política e socialmente. O aparelho
sindical compra “segurança de emprego” ao contribuir com dezenas de
milhões principalmente para os democratas, para assegurar que os
sindicatos mantêm a sua legalidade formal e direitos de negociação
colectiva. Por outras palavras, os sindicatos dos “organizados”, 12% da
força de trabalho, são “prisioneiros forçados” do estado “infestado de
crises”, as quais excluem quaisquer novas iniciativas sociopolíticas que
reflectiriam as exigências e os interesses dos sub/desempregados e
trabalhadores não sindicalizados com baixa remuneração.
As classes média e trabalhadora sofrem o impacto das crises de modo diferente: aqueles com empregos e ligações ao Partido Democrata colocam as suas lealdades partidárias acima de qualquer noção de solidariedade de classe. Os que têm emprego não apoiam os desempregados – vêem-nos como competidores numa fatia de rendimento que se contrai.
Se examinarmos estes dois grupos em pormenor descobriremos que os mal pagos e ou sub/desempregados tendem a ser jovens com menos de 30 anos, negros, hispânicos e pais/mães solteiros; os empregados mais bem pagos das classes média e trabalhadora tendem a ser mais velhos, brancos educados e de procedência anglófona ou judaica. As divisões geracionais, raciais, étnicas desempenham um papel muito maior nos EUA do que em qualquer outra parte, devido ao apagamento da identidade de classe e de perspectivas, as quais diluíram qualquer noção de solidariedade de classe.
As classes média e trabalhadora sofrem o impacto das crises de modo diferente: aqueles com empregos e ligações ao Partido Democrata colocam as suas lealdades partidárias acima de qualquer noção de solidariedade de classe. Os que têm emprego não apoiam os desempregados – vêem-nos como competidores numa fatia de rendimento que se contrai.
Se examinarmos estes dois grupos em pormenor descobriremos que os mal pagos e ou sub/desempregados tendem a ser jovens com menos de 30 anos, negros, hispânicos e pais/mães solteiros; os empregados mais bem pagos das classes média e trabalhadora tendem a ser mais velhos, brancos educados e de procedência anglófona ou judaica. As divisões geracionais, raciais, étnicas desempenham um papel muito maior nos EUA do que em qualquer outra parte, devido ao apagamento da identidade de classe e de perspectivas, as quais diluíram qualquer noção de solidariedade de classe.
A segmentação da classe média e trabalhadora é aprofundada nos EUA
pelo facto de que aqueles com emprego estável em muitos casos beneficiam
das consequências adversas que afectam a mobilidade descendente
(desemprego) dos empregados e trabalhadores.
Os arrestos hipotecários afectam mais de 10 milhões de famílias
americanas incapazes de cumprirem os seus pagamentos. Bancos ansiosos
por recuperar alguma parte dos seus empréstimos, põem à venda casas a
preços drasticamente reduzidos. Empregados da classe média e
trabalhadora ficam exultantes em comprar casas, mesmo quando membros da
sua classe são expulsos para a rua ou para reboques de campismo. Não há
movimento para impedir ou protestar contra os despejos por parte de
vizinhos, colegas de trabalho e/ou parentes; ao invés disso são feitas
investigações discretas acerca da data do leilão.
Trabalhadores mais bem pagos procuram obter bens de consumo mais
baratos em super-lojas que empregam trabalhadores de salário mínimo. Os
“interesses” dos trabalhadores são definidos pelos interesses imediatos
do consumidor individual e não em termos da melhoria de interesses
estratégicos resultando do poder social e político potencial de uma
classe organizada.
Proprietários de casa das classes média e trabalhadora vêem-se como
“contribuintes” aliados a magnatas corporativos e imobiliários no
combate pela redução de impostos através de cortes na previdência e
serviços sociais para a classe trabalhadora de baixa remuneração e os
desempregados. O crescimento da revolta das classes superior e média
contra o estado previdência é com efeito uma guerra de um segmento da
classe contra outro. Claramente um segmento combate para apanhar as
migalhas da boca do outro segmento.
Mesmo entre a classe trabalhadora organizada há segmentação. Grupos
de trabalhadores sindicalizados do sector público mais bem pagos
asseguram aumentos de pagamentos, pensões e planos de saúde através de
luta colectiva, ignorando os interesses, pedidos e necessidades do mar
de trabalhadores não sindicalizados, os quais estão em processo de
mobilidade descendente ao pagarem impostos mais altos. Portanto as suas
diferenças socioeconómicas foram politizadas pela direita – e os
sectores público-privado das classes média e trabalhadora competem pelas
migalhas de um orçamento em contracção.
Quando instalações públicas de saúde e educação declinam, as classes
média e trabalhadora dividem-se entre aqueles que se voltaram para
clínicas e escolas privadas e aqueles que permanecem dependentes de
instalações públicas, baseadas em investimentos estatais. Os segmentos
ligados ao “privado” rejeitam impostos para financiar o “público”,
minando qualquer solidariedade de classe para melhorar o financiamento e
a qualidade da saúde e educação públicas.
Conclusão
Conclusão
É claro que a crise do capitalismo provocou respostas contraditórias
entre diferentes segmentos das classes média e trabalhadora com base no
seu impacto diferencial. Ausência anterior de identidade de classe,
divisão económica interna entre líderes e seguidores, divisões
geracionais e lealdades partidárias minaram a solidariedade de classe e
levaram a queixas inconsequentes e hostilidade difusa.
Competição – não solidariedade – dentro e entre as classes média e
trabalhadora é razão da profunda imobilidade dos americanos face a uma
crise económica prolongada e em aprofundamento.
Isto é assim agora e foi assim no passado. Haverá quaisquer
perspectivas de um futuro diferente? Haverá qualquer possibilidade de
unir segmentos das classe média e trabalhadora em alguma luta
prolongada? Haverá caminhos alternativos para a solidariedade de classe e
a mobilização popular?
O rumo mais promissor é começar ao nível local e regional e envolver
em lutas organizações da comunidade local, dissidentes da base sindical
e profissionais progressistas (advogados, médicos, etc.), os quais
entram em sintonia com os grupos mais gravemente afectados que enfrentam
desemprego, arrestos, ausência de planos de saúde, etc. Todos os
inquéritos mostram uma profunda divergência entre a vasta maioria dos
americanos e a elite política de ambos os partidos sobre questões de
salvamentos bancários, isenções fiscais para os ricos, “reformas”
(privatizações e reduções), Medicare, Medicaid e Segurança Social.
Existem divergências sobre as perdas de vidas e as despesas das
múltiplas e prolongadas guerras da América (Afeganistão). Referendos
propondo (1) acabar com o tecto nas contribuições de segurança social
para os ricos finalizariam a chamada “crise da segurança social”. (2) Um
imposto de vendas sobre transacções financeiras financiaria o défice do
Medicare. Investimentos públicos na nossa infra-estrutura em
deterioração com base na transferência de fundos de guerra (US$790 mil
milhões) criaria empregos, aumentaria a procura na economia interna e
aumentaria a produtividade e competitividade da economia dos EUA. O
apoio à saúde pública é uma questão que une a maior parte dos segmentos
da classe média e trabalhadora, trabalhadores sindicalizados da saúde e
organizações da comunidade numa confrontação potencial com a grande
indústria farmacêutica e as corporações privadas das indústrias da
saúde.
Um salário mínimo mais alto – arrancando nos US$12 por hora – podia
mobilizar a maior parte dos segmentos das classes media e trabalhadora;
iniciativas ao nível local podiam atrair trabalhadores imigrantes e
nacionais com baixa remuneração.
Dados de entrevistas demonstram que a maior parte dos americanos tem
atitudes aparentemente “contraditórias”: apoiam políticas progressistas
e regressivas. Exemplo: muitos apoiam o Medicare e “pouco governo”,
criação de emprego federal e redução do défice; tarifas de importação e
importações de bens de consumo baratos. Um programa de educação política
abrangente para activistas, que demonstrassem serem factíveis e
financiáveis reformas sociais progressistas, pode ser convertido em
organização e acção directa. Começamos com uma realidade objectiva,
demonstrando que a crise contínua do capitalismo não atende e não pode
atender as exigências mais elementares: empregos, habitação, segurança,
paz e crescimento. Isso constitui uma grande vantagem sobre os advogados
do sistema os quais argumentam em favor de medidas regressivas
prolongadas e mais profundas no futuro previsível.
Em segundo lugar, começamos com a vantagem de saber que o país tem a
riqueza, qualificação e recursos potenciais para ultrapassar as crises.
Em terceiro, podemos argumentar a partir de programas populares
relativamente bem sucedidos os quais têm um apoio amplo – segurança
social, Medicare, Medicaid – como “exemplos” a estender a aprofundar na
cobertura social.
Para a maior parte dos americanos o combate de hoje, para manter o
que existe, é defensivo – esforços para preservar os últimos vestígios
de organização independente, defender a segurança social, programas de
saúde, educação pública razoável, pensões. A ofensiva corporativa está a
“homogeneizar” cada vez mais as classes média e trabalhadora com os
segmentos não organizados de baixa remuneração. Há cada vez menos
“trabalhadores privilegiados” mesmo que eles ainda o não reconheçam.
A próxima extinção do sindicalismo do sector privado e da sua
moribunda liderança milionária proporciona uma oportunidade para começar
de novo com uma liderança horizontal, responsável para com os seus
membros e integrada com organizações da comunidade de cooperativas,
ecologistas, imigrantes e de consumidores. O que é absolutamente claro é
que as “crises” sozinhas não resultarão em qualquer levantamento em
massa; nem tão pouco “iluminados” académicos progressistas aninhados no
seu micro-mundo oferecem qualquer liderança.
A estrada em frente começa com líderes locais a emergirem de
coligações locais, a construírem organizações na base de iniciativas
políticas e sociais independentes em sintonia com seus vizinhos,
trabalhadores amigos e os americanos em mobilidade declinante,
organizados e não organizados. Não vejo soluções fáceis ou rápidas para o
“paradoxo” mas vejo condições objectivas para construir um movimento.
Ouço uma multidão de vozes iradas e dissonantes. Acima de tudo, espero
que os oprimidos cessem “arrancar as migalhas uns dos outros”.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=25395
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
Marcadores:
analise economica,
critica social,
Formação Politica,
literatura,
politica internacional
A crítica de Marx à alienação política
Para Marx, a preservação dos direitos do homem, presentes na sociedade civil, seria a razão de ser do Estado. Numa formulação que continuará a ser central no restante da sua obra, considera que ao invés de pôr fim às contradições da sociedade civil, como acreditara Hegel, o Estado existiria como instrumento para a manutenção dessas contradições, ou seja, a política não resolveria os problemas da sociedade civil, mas como que os refletiria. Nesse sentido, haveria uma espécie de alienação política, em que se acredita que as particularidades constitutivas da sociedade civil seriam superadas na universalidade do Estado. O artigo é de Bernardo Ricupero.
Bernardo Ricupero - Jornal de Resenhas
SOBRE A QUESTÃO JUDAICAKarl Marx
Tradução: Nélio Schneider
BOITEMPO
140 p., R$ 30,00
Quando escreveu Sobre a questão judaica
Marx não tinha ainda vinte e seis anos. Pouco antes, iniciando o
“ajuste de contas com sua consciência filosófica”, empreendera uma
cerrada crítica à Filosofia do direito, de Hegel. Pouco depois, em Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, encontra a “classe com cadeias radicais”, o proletariado, o que marca sua adesão ao socialismo.
Sobre a questão judaica deve, portanto, ser compreendida tendo em vista esse momento do desenvolvimento intelectual e político de Marx. Mais, um momento central, que, em linhas gerais, coincide com seu curto período em Paris. Nele, edita, junto com Arnold Ruge, o único número dos Anais Franco-Alemães, revista na qual aparece Sobre a questão judaica, a Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel e um artigo que chama sua atenção, Esboço para uma crítica da economia política, de Friedrich Engels.
É grande mérito da Boitempo tornar acessível para o leitor brasileiro mais um dos escritos de Marx e Engels. Não menos importante é que essas bem cuidadas edições têm sido traduzidas diretamente do alemão, o que, infelizmente, não é sempre a regra entre nós.Tal prática evita equívocos, como o próprio título do trabalho, Sobre a questão judaica, e não, como é comum, A questão judaica. Por outro lado, a tradução acaba pecando, por vezes, pelo preciosismo, preferindo não usar termos consagrados, como “emancipação civil”, mas “emancipação cidadã”, não “vida genérica”, mas “vida como gênero”, não “sociedade civil”, mas “sociedade burguesa”.
O livro versa sobre dois artigos de Bruno Bauer e não diretamente sobre a questão judaica. O ensaio é dividido em duas partes, praticamente independentes. Na primeira, já com o estilo polêmico que o marcará, Marx realiza uma crítica detalhada das teses de Bauer; na segunda, procura, num momento em que está começando a desenvolver a concepção materialista da história, entender “não o judeu de sábado, objeto da consideração de Bauer, mas o judeu de todos os dias”.
O problema de seu antigo companheiro “jovem hegeliano” seria precisamente o de manter-se preso a uma concepção puramente religiosa da emancipação política dos judeus. Em outras palavras, ao criticar a reivindicação da emancipação política dos judeus, transforma uma questão secular em religiosa, sugerindo que o problema ainda se encontra na religião.
O erro seria acreditar que os judeus para se emanciparem politicamente deveriam se libertar do judaísmo. A emancipação política possibilitaria, ao contrário, que os homens, fossem eles judeus, protestantes, católicos, etc. professassem a religião que quisessem. Em outras palavras, a libertação do Estado da religião não seria um sinônimo da libertação do homem da religião, a emancipação política não correspondendo, de maneira alguma, à emancipação humana.
Numa orientação oposta, Marx procura mostrar que o Estado, ao não se identificar com os que professam uma determinada religião ou com os que são proprietários, procuraria precisamente garantir, para além de elementos particulares, sua universalidade. A partir daí, a vida genérica do homem pareceria ocorrer no espaço do Estado, sua vida privada subsistindo na sociedade civil.
Haveria, conseqüentemente, uma cisão do homem enquanto cidadão, ser genérico atuante na comunidade política, que visaria o interesse geral, e o burguês, indivíduo privado, membro da sociedade civil que procuraria realizar seu interesse privado.
Bauer também erraria ao considerar que os homens, a fim de terem acesso aos direitos humanos, deveriam se libertar da religião. No entanto, não seria isso que se constata examinando as Declarações dos direitos do homem da Revolução Americana e da Revolução Francesa. Em particular, é comum nos documentos franceses aparecer a distinção entre os “direitos do homem” e os “direitos do cidadão”.
No entanto, nenhum dos direitos do homem – igualdade, liberdade, segurança e propriedade – iria além do homem como burguês, membro egoísta da sociedade civil. Os direitos do cidadão, por seu turno, seriam entendidos como simples meios para a realização dos direitos do homem.
Segundo Marx, não deixa de ser significativo que o “o membro da sociedade civil lhe chamam homem, simplesmente homem”, ao passo que o cidadão, o homem político é o homem abstrato, “artificial, o homem como pessoa alegórica, moral”. Isto é, se o homem político, cidadão, não teria verdadeira existência, o homem egoísta, membro da sociedade civil, seria identificado com o homem natural.
Para Marx, a preservação dos direitos do homem, presentes na sociedade civil, seria a razão de ser do Estado. Numa formulação que continuará a ser central no restante da sua obra, considera que ao invés de pôr fim às contradições da sociedade civil, como acreditara Hegel, o Estado existiria como instrumento para a manutenção dessas contradições, ou seja, a política não resolveria os problemas da sociedade civil, mas como que os refletiria.
Nesse sentido, da mesma maneira que Ludwig Feuerbach notara a existência da alienação religiosa – na qual os homens projetam suas potencialidades numa suposta entidade superior, Deus – haveria uma espécie de alienação política, em que se acredita que as particularidades constitutivas da sociedade civil seriam superadas na universalidade do Estado.
Nessa referência, é possível considerar que Marx está iniciando, em Sobre a questão judaica, a crítica às aparências invertidas da sociedade burguesa. Pouco depois, nos Manuscritos econômicos-filosóficos, começa a realizar a crítica da alienação do trabalho. Continua a ter motivação similar a análise realizada em O capital sobre o “fetichismo das mercadorias”, onde relações entre pessoas e os produtos de seu trabalho aparecem como “relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas”.
Mas se a crítica de Marx aos direitos dos homens chama a atenção principalmente para seu caráter ideológico – falsa aparência de igualdade, liberdade, segurança e propriedade que obscurece as contradições da sociedade civil – ela não percebe o potencial emancipatório desses direitos. Ou melhor, que mais do que refletirem as condições da sociedade civil eles podem também entrar em tensão com a sociedade burguesa e pressionar para sua transformação. Nesse sentido, para além dos direitos civis, que Marx conhecia, foram criados, por pressão do movimento operário e feminista, direitos políticos e sociais, que, hoje, se encontram sob ataque...
(*) Bernardo Ricupero é professor no departamento de ciência política da USP e autor de Romantismo e a idéia de nação no Brasil (WMF Martins Fontes)
Sobre a questão judaica deve, portanto, ser compreendida tendo em vista esse momento do desenvolvimento intelectual e político de Marx. Mais, um momento central, que, em linhas gerais, coincide com seu curto período em Paris. Nele, edita, junto com Arnold Ruge, o único número dos Anais Franco-Alemães, revista na qual aparece Sobre a questão judaica, a Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel e um artigo que chama sua atenção, Esboço para uma crítica da economia política, de Friedrich Engels.
É grande mérito da Boitempo tornar acessível para o leitor brasileiro mais um dos escritos de Marx e Engels. Não menos importante é que essas bem cuidadas edições têm sido traduzidas diretamente do alemão, o que, infelizmente, não é sempre a regra entre nós.Tal prática evita equívocos, como o próprio título do trabalho, Sobre a questão judaica, e não, como é comum, A questão judaica. Por outro lado, a tradução acaba pecando, por vezes, pelo preciosismo, preferindo não usar termos consagrados, como “emancipação civil”, mas “emancipação cidadã”, não “vida genérica”, mas “vida como gênero”, não “sociedade civil”, mas “sociedade burguesa”.
O livro versa sobre dois artigos de Bruno Bauer e não diretamente sobre a questão judaica. O ensaio é dividido em duas partes, praticamente independentes. Na primeira, já com o estilo polêmico que o marcará, Marx realiza uma crítica detalhada das teses de Bauer; na segunda, procura, num momento em que está começando a desenvolver a concepção materialista da história, entender “não o judeu de sábado, objeto da consideração de Bauer, mas o judeu de todos os dias”.
O problema de seu antigo companheiro “jovem hegeliano” seria precisamente o de manter-se preso a uma concepção puramente religiosa da emancipação política dos judeus. Em outras palavras, ao criticar a reivindicação da emancipação política dos judeus, transforma uma questão secular em religiosa, sugerindo que o problema ainda se encontra na religião.
O erro seria acreditar que os judeus para se emanciparem politicamente deveriam se libertar do judaísmo. A emancipação política possibilitaria, ao contrário, que os homens, fossem eles judeus, protestantes, católicos, etc. professassem a religião que quisessem. Em outras palavras, a libertação do Estado da religião não seria um sinônimo da libertação do homem da religião, a emancipação política não correspondendo, de maneira alguma, à emancipação humana.
Numa orientação oposta, Marx procura mostrar que o Estado, ao não se identificar com os que professam uma determinada religião ou com os que são proprietários, procuraria precisamente garantir, para além de elementos particulares, sua universalidade. A partir daí, a vida genérica do homem pareceria ocorrer no espaço do Estado, sua vida privada subsistindo na sociedade civil.
Haveria, conseqüentemente, uma cisão do homem enquanto cidadão, ser genérico atuante na comunidade política, que visaria o interesse geral, e o burguês, indivíduo privado, membro da sociedade civil que procuraria realizar seu interesse privado.
Bauer também erraria ao considerar que os homens, a fim de terem acesso aos direitos humanos, deveriam se libertar da religião. No entanto, não seria isso que se constata examinando as Declarações dos direitos do homem da Revolução Americana e da Revolução Francesa. Em particular, é comum nos documentos franceses aparecer a distinção entre os “direitos do homem” e os “direitos do cidadão”.
No entanto, nenhum dos direitos do homem – igualdade, liberdade, segurança e propriedade – iria além do homem como burguês, membro egoísta da sociedade civil. Os direitos do cidadão, por seu turno, seriam entendidos como simples meios para a realização dos direitos do homem.
Segundo Marx, não deixa de ser significativo que o “o membro da sociedade civil lhe chamam homem, simplesmente homem”, ao passo que o cidadão, o homem político é o homem abstrato, “artificial, o homem como pessoa alegórica, moral”. Isto é, se o homem político, cidadão, não teria verdadeira existência, o homem egoísta, membro da sociedade civil, seria identificado com o homem natural.
Para Marx, a preservação dos direitos do homem, presentes na sociedade civil, seria a razão de ser do Estado. Numa formulação que continuará a ser central no restante da sua obra, considera que ao invés de pôr fim às contradições da sociedade civil, como acreditara Hegel, o Estado existiria como instrumento para a manutenção dessas contradições, ou seja, a política não resolveria os problemas da sociedade civil, mas como que os refletiria.
Nesse sentido, da mesma maneira que Ludwig Feuerbach notara a existência da alienação religiosa – na qual os homens projetam suas potencialidades numa suposta entidade superior, Deus – haveria uma espécie de alienação política, em que se acredita que as particularidades constitutivas da sociedade civil seriam superadas na universalidade do Estado.
Nessa referência, é possível considerar que Marx está iniciando, em Sobre a questão judaica, a crítica às aparências invertidas da sociedade burguesa. Pouco depois, nos Manuscritos econômicos-filosóficos, começa a realizar a crítica da alienação do trabalho. Continua a ter motivação similar a análise realizada em O capital sobre o “fetichismo das mercadorias”, onde relações entre pessoas e os produtos de seu trabalho aparecem como “relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas”.
Mas se a crítica de Marx aos direitos dos homens chama a atenção principalmente para seu caráter ideológico – falsa aparência de igualdade, liberdade, segurança e propriedade que obscurece as contradições da sociedade civil – ela não percebe o potencial emancipatório desses direitos. Ou melhor, que mais do que refletirem as condições da sociedade civil eles podem também entrar em tensão com a sociedade burguesa e pressionar para sua transformação. Nesse sentido, para além dos direitos civis, que Marx conhecia, foram criados, por pressão do movimento operário e feminista, direitos políticos e sociais, que, hoje, se encontram sob ataque...
(*) Bernardo Ricupero é professor no departamento de ciência política da USP e autor de Romantismo e a idéia de nação no Brasil (WMF Martins Fontes)
Marcadores:
analise economica,
critica social,
cultura,
Formação Politica,
Historia,
opinião filosofica,
revolucionários
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Ato de desagravo a Pedro Ruas tem presença de governador do RS
Igor Natusch no Sul21
O ato de desagravo ao vereador Pedro Ruas (PSol), condenado por
calúnia no último dia 4, contou com a presença ilustre do chefe do
Executivo Estadual. O governador do RS, Tarso Genro, esteve presente na
solenidade desta segunda-feira (11) e ofereceu seu apoio ao parlamentar
de Porto Alegre, que sofre processo movido por Carlos Crusius, ex-marido
da ex-governadora Yeda Crusius. “Nossa posição não é de discutir a
decisão do Poder Judiciário, mas sim de fazer uma manifestação política
de apoio a quem sempre lutou contra a corrupção”, disse o governador.
Tarso Genro ofereceu-se para prestar testemunho a favor de Pedro Ruas
no recurso extraordinário que o parlamentar pretende levar ao Supremo
Tribunal Federal, contestando a decisão do Tribunal de Justiça do RS.
“Algumas posições do Judiciário causam grande estranhamento aos que
prezam a liberdade de opinião”, acentuou o governador gaúcho. “Queremos
deixar pública nossa preocupação com a efetividade dos direitos
democráticos”.
Em conversa com o Sul21, logo após o ato, Pedro Ruas
admitiu que a presença do governador reforça sua posição na luta contra
o mau uso da máquina pública. “Desde o governador Tarso até a Carmen,
militante do PSol de Cachoeirinha que mora com sete filhos em uma
casinha de madeira, todos vieram participar do que acaba sendo um grande
ato contra a corrupção”, comemorou. “Todos estamos juntos nessa luta,
porque temos consciência de que a corrupção acaba causando a miséria de
muitas pessoas”.
A manifestação, ocorrida no plenário da Câmara de Vereadores de Porto
Alegre, reuniu integrantes de vários partidos. Entre as personalidades
políticas presentes, estavam o presidente da Assembleia Legislativa do
RS, Adão Villaverde; o presidente estadual do PT, Raul Pont; a deputada
estadual Juliana Brizola (PDT); o ex-governador e presidente de honra do
PT-RS, Olívio Dutra; o deputado Raul Carrion (PCdoB); a secretária de
Administração do RS, Stela Farias; o vereador Airto Ferronato (PSB); e o
tradicionalista Nico Fagundes.
Olívio Dutra: “povo exige luta contra roubalheira”
Segundo o ex-governador Olívio Dutra, a atitude do vereador Pedro
Ruas, que contestou publicamente Carlos Crusius durante programas de
televisão, foi um ato “da maior dignidade” e expressou “a vontade de
milhões”. “A população nos pede o combate contra a corrupção, a
arrogância, a petulância de quem está no poder. Exige que não haja
contemporização na luta contra a roubalheira”, discursou, entre
aplausos.
“O vereador Pedro Ruas não está sendo acusado de mentir, e sim de
difundir a verdade”, reforçou o deputado estadual Raul Carrion (PCdoB),
que levou mensagens de apoio da comunista Manuela D’Ávila, que não pôde
comparecer ao evento. “A imunidade parlamentar é uma garantia para a
democracia. Se dizer a verdade é criminoso, então estamos juntos contigo
nesse crime”.
A fala de Raul Carrion faz referência direta às circunstâncias que
envolvem a condenação de Pedro Ruas. A guerra na Justiça começou quando,
em manifestações transmitidas em debates de televisão, Ruas acusou
Carlos Crusius de participação direta em um suposto esquema de desvio de
recursos de campanha durante a corrida eleitoral pelo Piratini, em
2006. Processado por difamação, o vereador foi absolvido em primeira
instância, com base na sua imunidade parlamentar.
A decisão de segunda instância, anunciada na semana passada, entendeu
que as manifestações de Pedro Ruas, por dizerem respeito a questão de
esfera estadual, iam além dos limites da imunidade parlamentar,
estritamente municipal no caso do vereador. Além disso, ao ser
transmitida pela televisão, a fala de Ruas teria chegado a todo o RS,
indo além da esfera onde a imunidade seria válida. A condenação foi de
três meses de prisão, transformadas em multa pelo fato de Pedro Ruas ser
réu primário. No entanto, a disposição do vereador é de não pagar nem
um centavo desse dinheiro.
“Me processaram por difamação, e não por calúnia”, acentuou Pedro
Ruas, lembrando que a difamação independe da veracidade do fato imputado
à suposta vítima. “Por que não me processaram por calúnia também? Ora,
porque sabem que eu nunca menti”. O vereador jurou, em nome de sua
família, que o processo não mudará sua postura de combate à corrupção.
“Não vou recuar em nada, nem um milímetro que seja. Se mudar, vai ser
para melhor, me tornando ainda mais combativo”, garantiu.
Agora, a decisão sobre o caso vai para o Supremo Tribunal Federal. “O
ato de hoje não foi um ato contra o Judiciário”, frisou Pedro Ruas.
“Respeito muito essa decisão, muitas vezes tivemos vitórias muito
importantes na Justiça. Decisão da justiça a gente aceita, cumpre, mas
também recorre quando se sente injustiçado. É o que eu vou fazer. É meu
direito, como cidadão, de recorrer desta decisão”.
Marcadores:
critica social,
Direitos Humanos,
eleições 2010,
movimentos sociais
O que a mídia privada mostra é o que os donos pagam
|
domingo, 10 de julho de 2011
A reforma política começa pela mídia
Por Bruno Cava, do Outras Palavras e Universidade Nômade
Fala-se muito em reforma política, mas nenhuma reforma política é
mais fundamental do que a democratização da mídia. Esta a grande reforma
que o país aguarda há décadas. Governos mudam, regimes mudam, séculos
mudam, mas o mesmo regime excludente e oligárquico prevalece nas
comunicações brasileiras. Aqui, sequer o capitalismo liberal chegou. É
um oligopólio de empresas familiares. Partilham entre si as concessões
de TV e rádio, de norte a sul, por meio de suas filiais e
retransmissoras. E ainda controlam simultaneamente jornais, revistas,
editoras, produtoras de filmes e teatro.
Esses grandes grupos se vendem como imparciais e neutros, mas estão
entranhados na política nacional e global, com posições conservadoras.
Apoiaram a ditadura cívico-militar e agora se opõem à busca pela verdade
histórica (que os desmascara). Colocam-se como paladinos da liberdade
de expressão, mas são os primeiros a censurar vozes discordantes e
despedir funcionários incômodos.
Apresentam-se como sacerdotes da ética
pública, mas as suas campanhas moralizantes não passam de instrumentos
de chantagem e intimidação. Dizem-se praticantes do bom jornalismo, mas
isto só significa certa forma vertical e elitizante de produzir e
circular verdade e legitimidade. A opinião pública está contra o povo.
Um regime democrático não se concretiza quando toda a mídia for
estatal, mas quando todos formos mídia. Quando for concedida voz aos
sem-voz. Quando uma multidão de verdades e narrativas ocupar e disputar o
espaço público. Mais vital à democracia que a tal “reforma política”,
como vem se apresentando, é pôr em movimento um processo de
empoderamento midiático de todos os cidadãos. Sem intermediário$ ou
usurpadores da opinião pública, afirmar condições materiais para
exercício do direito à expressão e construção coletiva e
compartilhamento. Nessa luta, o estado não é o guardião da comunicação
democrática, mas o seu maior inimigo. Não basta construir uma “TV
pública” e muito menos fortalecer a TV dos bispos.
Mas para não cair na abstração, é preciso reconhecer que a voz nunca será concedida
aos sem-voz. É preciso conquistar a polifonia, contra o coro da grande
imprensa. Não está em jogo uma luta pela verdade, mas pelo regime de
produção de verdades. A história da imprensa brasileira é a história de
sua concentração e elitização. As forças democráticas foram derrotadas
em praticamente todas as tentativas de desconstituir o oligopólio. E já
estamos perdendo de novo. Nos últimos dez anos, foi perdida a batalha pela TV digital, por outro marco regulatório das comunicações, pelas rádios comunitárias. E estão sendo perdidas as batalhas por um Brasil banda larga, pelo compartilhamento de conteúdos, pela multiplicação de pontos de cultura e mídia livres.
O que fazer?
O movimento pode pressionar o estado por mais democracia na mídia. Mas isso cai num ciclo vicioso. Porque, para pressionar,
tem que ter mídia, senão não faz efeito. É preciso capilaridade social,
construção de redes e formulação de discursos pervasivos. Então é
preciso, primeiro, tornar-se mídia. Mais do que isso, uma mídia diferente,
inovadora e alternativa — além dos vícios do bom jornalismo, da
qualidade formal e de edição centralizada, que caracterizam a grande
imprensa. Quando os blogueiros progressistas reproduzem o mesmo modus operandi
dessa mídia velha, não fazem outra coisa que fortalecê-la, reafirmando a
estrutura conservadora. Fica parecendo que, no fundo, ambicionam ser
grande imprensa eles mesmos, com o sinal trocado. E não progridem senão
no caminho errado.
Constituir novas mídias apesar do estado. Isto é,
constituindo um outro mundo que pode atravessar e reconstruir as
instâncias tradicionais de representação: governo, partidos e grande
imprensa. A tarefa reside em promover e ampliar a cauda longa de blogues e sites de
esquerda, pontos e portais de mídia livre, rádios comunitárias, redes
militantes e coletivos político-culturais das periferias,
político-midiáticos e de artivismo subversivo. A criação de um
potente discurso altermundista não se dá somente na língua escrita, mas
também com filmes digitais, peças independentes, grafite, dança de rua,
festivais fora do eixo comercial etc. Tudo isso numa teia de relações
transversais e colaborativas, em sinergia de ações e resistências, cada
um na sua diferença, num ativismo de enxame. Essa rede mobilizada, que circula conhecimento e o reformula, que inventa e reinventa modos de organizar e produzir, esse movimento dos movimentos,
já está arrancando audiência do Jornal Nacional, — e tem tudo para
constituir uma força política além do esquema tradicional de governos e
partidos.
Nesse caldeirão, nascem iniciativas de contrapoder, como o Wikileaks, a Wikipídia, o Anonymous, a Universidade Nômade, o Centro de Mídia Independente, o Outras Palavras, o Diário Liberdade, o Trezentos, entre tantos outros. Assim, não admira o vigilantismo da internet, com seus AI5 digitais e leis Sinde, mas também de modo mais sutil, como no controle de Facebook e tuíter. Não admira, tampouco, a reação das operadoras de telefonia contra a universalização da banda larga e o compartilhamento wi-fi,
— que dobrou, pela força política (midiática), a minoria de esquerda na
composição do governo Dilma. Enquanto isso, os movimentos sociais das rádios comunitárias, dos grupos de compartilhamento livre, dos coletivos hackers vêm sofrendo com a intensificação da criminalização.
Mas não sejamos ingênuos, nem nos furtemos à permanente e saudável
autocrítica. As novas mídias por vezes acabam reproduzindo estruturas
hierárquicas, onde a horizontalidade não é nada além de uma relação de
força posta em questão. Os novos modos de organizar em rede e enxame
significam, sobretudo, assumi-los como um campo de batalha,
continuamente atravessados pela produção comum e pelas tentativas de
capturá-lo comercial ou publicitariamente. É fundamental manter-se
lúcido sobre os riscos e limitações da forma-rede. Não perder de vista a
horizontalidade, o compartilhamento, a lógica de código aberto e o
excedente de cooperação (em relação ao mercado), — que é o próprio
trabalho vivo e que, portanto, faz vivificar o movimento social.
O que fazer?
Articular mais redes, empoderar mais gente no processo de produção de
verdades e narrativas, promover mais espaços dialógicos e horizontais.
Seguir debatendo-se contra o gigantesco polvo das comunicações, nesta
democracia mais-que-imperfeita. E continuar lutando e blogando e tuitando, em suma, devir mídia.
Assinar:
Postagens (Atom)