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Depois do Arizona, Alabama, Geórgia e Carolina do Sul aprovam leis severas contra a imigração
Eduardo Graça
Com as novas legislações anti-imigração aprovadas em junho no
Alabama, na Carolina do Sul e na Geórgia, foi instaurado no sul dos EUA
uma versão século XXI das chamadas Leis de Jim Crow, que vigoraram entre
1876 e 1965, institucionalizando a segregação racial na região. Só que
agora o alvo dos legisladores – em sua maioria republicanos – não são os
negros, e sim a população de origem hispânica. Quem estabelece o
paralelo histórico é a pedagoga Maureen Costello, uma das mais
respeitadas especialistas em reforma educacional dos EUA, diretora do
projeto Ensinando Tolerância, do Southern Poverty Law Center, referência
na luta pelos direitos civis de grupos minoritários desde sua criação,
em 1971.
“Ao dificultar a contratação, o transporte e até mesmo qualquer ajuda
humanitária a imigrantes não-documentados, a lei aprovada no Alabama já
é um horror para os adultos. Mas o desastre é ainda maior para
crianças, já que ela determina que as escolas chequem o status
migratório de cada aluno, eliminando, na prática, a diferença entre
educadores e oficiais da Imigração. Já há pais questionando se devem ou
não matricular seus filhos nas escolas em setembro, quando o novo ano
letivo começar por aqui”, denunciou Costello, em artigo no site liberal
The Huffington Post reproduzido em jornais dos quatro cantos dos EUA.
Na primeira semana de julho, o governador republicano Robert Bentley
comemorou a passagem da lei H.B. 56 pedindo ao responsável pelo cargo
semelhante ao de Secretário de Educação de um estado brasileiro a
desenvolver uma cartilha para diretores das escolas públicas, obrigados a
partir de setembro a informar ao governo sobre a situação legal de
todas as crianças matriculadas, entre 5 e 17 anos.
Leis similares – embora sem o ataque ao ensino fundamental, cuja
universalidade é garantida pela Constituição americana – foram aprovadas
na Carolina do Sul e na Geórgia, no que o New York Times, em irado
editorial publicado na segunda-feira 4, qualificou de “tentativa de
maquinar uma expulsão em massa dos não-documentados, passando por cima
da Carta Magna, da segurança do público, das economias locais e das
famílias do imigrantes”. São leis, segue o editorial, que, apesar das
diferenças regionais, têm um mesmo propósito: tornar impossível a vida
nos EUA de cidadãos sem documentação legal.
As leis dos três estados foram inspiradas na polêmica S.B. 1070,
aprovada no ano passado e considerada até então a mais dura peça legal
aprovada nos EUA contra imigrantes não-documentados. A partir de abril
de 2010, a polícia estadual do estado do sudoeste americano teria o
poder de prender qualquer cidadão maior de 14 anos que esteja em público
sem documentos provando estar no país de forma legal. A lei, defendida
pela maioria republicana no legislativo estadual, foi duramente
criticada pelos democratas, que a consideraram de cunho racista.
O governo Obama iniciou uma batalha judicial e impediu, em caráter
provisório, que a lei entrasse em vigor. Mas a vitória conservadora nas
eleições de meio-termo, no ano passado, levou para o legislativo de
vários estados sulistas parlamentares eleitos com a promessa de apertar o
cerco contra os imigrantes não-documentados, estimados em 12 milhões
nos EUA. A argumentação da direita, contrária a qualquer projeto
envolvendo anistia ou a chamada reforma do sistema de imigração, é a de
que o fluxo de imigrantes não-documentados aumentou tremendamente o
arrocho sobre trabalhadores norte-americanos menos qualificados,
reduzindo tanto o mercado quanto o valor de seu trabalho.
Diminui o número de entrada de hispânicos nos Estados Unidos
Curiosamente, as leis restritivas a imigrantes não-documentados se
multiplicam no exato momento em que se registra uma redução
significativa no número de latino-americanos entrando nos EUA
ilegalmente, algo inédito nos últimos trinta anos. De acordo com o
Mexican Migration Project (MMP) da Universidade de Princeton, o
interesse de mexicanos em entrar ilegalmente nos EUA é o menor desde
1950.
“Ninguém quer ouvir, mas a onda de migração ilegal para os EUA já
acabou. Pela primeira vez em seis décadas estamos percebendo um nível
zero de tráfego de imigrantes, podendo mesmo haver uma reversão”,
afirmou esta semana o diretor do MMP, Douglas S. Massey, em entrevista
ao New York Times. Um dos reflexos do refluxo foi a descoberta do
governo mexicano, no censo de 2010, de 4 milhões de pessoas vivendo no
país a mais do que o esperado. De acordo com estimativas de Washington,
quase 60% dos imigrantes não documentados nos EUA são oriundos do
México. Mas o Pew Hispanic Center também aponta para uma diminuição
drástica da entrada de imigrantes não-documentados do México: entre 2000
e 2004, o centro de estudos estima que 525 mil mexicanos cruzaram a
fronteira ilegalmente a cada ano. No ano passado, este número não passou
de 100 mil.
Especialistas apontam ao menos uma causa em comum tanto para o
arrefecimento do sentimento xenófobo em estados tradicionalmente mais
conservadores, como Alabama, Geórgia e Carolina do Sul, quanto para a
diminuição dó tráfego de imigrantes não-documentados em direção aos EUA:
a crise financeira global, que atingiu a maior economia do planeta de
forma mais intensa do que os países latino-americanos, inclusive o
México.
Em artigo inspirado na “Newsweek” desta semana o cientista político e
colunista Michael Tomasky lembra que não há como Barack Obama se
reeleger no ano que vem sem uma votação maciça dos eleitores de origem
hispânica, um contingente que deu 67% dos votos para o democrata em
2008. Mas é justamente a falta de vontade política demonstrada por
Washington para iniciar uma reforma do sistema de imigração que, de
acordo com Olívia Mendoza, diretora-executiva do Colorado Latino Forum,
se traduz numa apatia nos bolsões hispânicos frente à campanha
presidencial de 2012. Há, ela diz, uma sensação geral de insatisfação.
Os grupos Latino Decisions e impreMedia apresentaram no dia 13 uma
pesquisa em que mostram uma imensa maioria de eleitores hispânicos
rejeitando a deportação de imigrantes não-documentados sem atividade
criminosa, incluindo estudantes, que vem sendo deportados por conta do
programa “Comunidade Seguras”, a menina dos olhos da área na atual
administração. Dos entrevistados, 49% afirmam que votarão com certeza no
democrata, mas Obama precisa aumenta este número se quiser conquistar
novamente estados importantes como Flórida, Colorado, Carolina do Norte e
Nevada.
No mês passado, Obama viajou para a fronteira com o México para
celebrar seus números relacionados à imigração, que incluem 800.000
deportações. Mas figuras destacadas do Partido Democrata já se recusam a
apoiar o “ Comunidades Seguras”. O governador do Illinois, berço
político de Obama, o liberal Pat Quinn, anunciou em maio que estava
“interrompendo imediatamente” a cooperação com o programa, por dar poder
à policial local para enfrentar “estrangeiros criminosos”, hoje
atribuição exclusiva das forças federais.
Quinn enviou uma carta para a Immigration and Customs Enforcement
lembrando que menos de 20% dos indivíduos deportados anualmente pelo
“Comunidades Seguras”, no estados em que já funciona de modo
experimental, foram condenados por crimes sérios, e que 30% dos
não-documentados expulsos do país por conta do programa sequer cometeram
outra infração que não a da permanência ilegal no país, trabalhando sem
permissão do governo.
Em junho foi a vez de Andrew Cuomo, de Nova York, suspender o
programa no estado mais importante da Costa Leste, por conta do “impacto
danoso nas famílias, nas comunidades de imigrantes e na própria
autoridade dos policiais”. E na semana passada, outro democrata, o negro
Derval Patrick, governador de Massachusetts, pulou fora do barco de
Washington afirmando que o programa “compromete a informação sobre
atividades criminosas, particularmente relacionadas à violência
doméstica”, com mulheres receando levar à polícia casos como agressões e
furtos que levariam à deportação da família. Mais direta, a líder do
Partido Democrata na câmara baixa do Congresso, Nancy Pelosi, disse que
“o programa é um desperdício do dinheiro do contribuinte”. Tomasky
pontua o argumento mais forte de Obama hoje para atrair o voto
hispânico: o de que será muito pior para eles, alvos preferenciais de um
novo Jim Crow, uma vitória republicana: “Isso é verdade, e o medo pode
ser um belo motivador em política. Mas não é o que as pessoas estavam
esperando e hoje parece claro que uma boa percentagem de possíveis
eleitores democratas ficará em casa em novembro de 2012. O tamanho deste
número fará a diferença entre reeleição e aposentadoria para Obama”.