Rachel Duarte no Sul21
Nascido em 14 de junho de 2010, João Vitor teve um segundo nascimento no dia 8 de outubro do mesmo ano, quando trocou a casa de adoção por sua nova família. Há dez meses, o bebê de cabelos crespos e sorriso fácil vive com o primeiro casal gay de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, a adotar uma criança: o consultor Rafael Gerhardt, 36 anos, e o bancário Lucimar Quadros da Silva, 46. Neste domingo (14), os três irão comemorar o primeiro Dia dos Pais. Rejeitado pela mãe biológica e por outros três casais heterossexuais, João Vitor hoje tem um lar, dois pais e muito amor.
Desde que se conheceram, em 1995, Rafael e Lucimar cultivam muitos amigos, o carinho e o respeito das suas famílias e partilham solidariedade. Ex-proprietários de um bar em Gravataí, eles realizavam festas para arrecadar fundos e ajudar entidades assistenciais. “Foi aí que começamos a nos aproximar de crianças e despertar para a vontade de ter um filho”, conta Lucimar.
Pelas relações de amizade que fizeram com clientes que eram funcionárias do Foro de Gravataí, Rafael e Lucimar conheceram a casa de passagem Restaurar, local em que conheceriam o futuro filho João Vitor. “Na primeira vez em que fomos lá, não deixaram a gente entrar nem conhecer as crianças. Queríamos ajudar e fazer uma festinha lá. Mas eram as regras, nos disseram”, explica Lucimar.
O primeiro passo até a adoção foi o alistamento no Programa Apadrinhamento Afetivo. Após um ano de espera, nenhuma criança apareceu. Por conselho de uma assistente social do programa, optaram em ir direto para a fila de espera da adoção, já que o tempo normal de espera era de cinco anos. Em 2007, eles deram entrada no procedimento jurídico e, então, surgiu dúvida: adotar individualmente ou como casal?
Adoção homoafetiva
Com o auxílio de uma advogada, Rafael e Lucimar levaram quatro meses até saber que poderiam ser pais adotivos. A ajuda e dedicação dos amigos foram fundamentais. “O Rafael ia toda semana no Foro. Ele sabia mais do processo que a advogada”, conta Lucimar. O medo era não conseguirem adotar, o que havia ocorrido com um casal de lésbicas que eles conheciam.
O telefonema veio depois de três anos e meio. O tempo de espera é considerado razoável para a adoção, até porque o casal em questão é livre de discriminação. “Não limitamos nem cor, nem sexo e poderiam ser crianças de zero a cinco anos de idade. Como a maioria dos casais não quer negros ou crianças, prefere bebês brancos, a gente foi chamado antes dos cinco anos”, diz Lucimar.
Tanto esperavam pela notícia que Lucimar lembra a hora exata em que foi oficializar a adoção. “Nos ligaram para avisar que tinha um bebê para adoção. Eu saí mais cedo do trabalho e chegamos lá às 17h15″, recorda. “Ele quase infartou”, revela o companheiro Rafael.
O “nascimento” de João Vitor
Depois de três casais desistirem do pequeno bebê de quatro meses de pele parda e cabelos crespos, Rafael e Lucimar ao chegarem na sala para conhecê-lo tiveram uma surpresa. “Ele segurou na minha camiseta e depois segurou também na camiseta do Lucio”, conta Rafael. O gesto da criança emocionou as escrivãs e demais funcionárias do Foro. Sozinhos com o bebê, os dois começaram a trocar fraldas e a cuidar do menino, sem saber que a equipe jurídica tratava da adoção em tempo recorde. “Normalmente temos três visitas para ir conhecendo a criança, até termos certeza e a criança também acostumar. Mas saímos às 21 horas do Foro com o João Vitor naquele mesmo dia”, lembra Lucimar.
A chegada em casa, em uma véspera de feriado, foi um desafio como para qualquer outro casal de pais em primeira viagem. “Nós não tínhamos experiência. Pedimos ajuda para uma amiga que tinha criado um filho já. O guri começou a chorar e eu a suar. Me deu um desatino”, recorda Lucimar. “Quando eu vi, estavam o João Vitor e o Lucio chorando”, brinca Rafael.
A adoção foi surpresa para familiares e amigos. Ninguém sabia que eles estavam na fila de espera da adoção e quando conheceram o novo integrante da família, todos se emocionaram. “Chegamos na porta da casa da vizinha no primeiro dia que trouxemos o João Vitor para casa, e ela se emocionou perguntando quem era. Falamos que era nosso filho e ela começou a chorar. Eu disse: ‘chora depois, primeiro me dá algo para eu dar para esse guri”, diz Rafael.
A vida em família
A festa de um ano de João Vitor, no dia 14 de junho, teve tudo o que qualquer criança tem direito. O álbum de fotos revela o amor da família constituída. Com bons empregos, Rafael e Lucimar conseguem proporcionar comida, roupa, brinquedos, escolhinha e aulas de natação para o filho. Mas o mais visível na família Quadros da Silva é o amor incondicional.
Ambos trocam fraldas, fazem comida, levam ou buscam na escolhinha. A qualquer sinal de perigo nas aventuras de João Vitor, dispara nos dois o sinal de alerta. “Cuidado”, “aí não”, diziam durante conversa com o Sul21. Musicas e brincadeiras também fizeram parte da entrevista, já que João Vitor é um menino com bastante energia.
Na escolinha, o casal enfrentou o primeiro problema relacionado ao preconceito. “A diretora perguntou quando a mãezinha iria vir conhecer a escola”, conta Rafael. Aceitos na escolinha, o casal já passou datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal, de forma tranquila. “No Dia das Mães, foi a avó, e no Natal tiveram algumas reações sobre nossa foto em família, mas todos nos tratam igual”, conta Rafael. “Nos olham como dois homens e uma criança”, complementa Lucimar.
Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu os mesmos direitos civis da união estável para casais do mesmo sexo. A decisão sinaliza um período de mudanças na sociedade brasileira, e o casal de Gravataí vê com otimismo o futuro de João Vitor. “Ele não vai sofrer ou ter vergonha de nós, porque iremos explicar para ele que isso é uma coisa legal. Falaremos que ele é diferente porque tem dois pais. E isso não é ruim. É maravilhoso ter dois pais que dão muito carinho e muito amor para ele”, fala Lucimar. “Ele vai dizer para os coleguinhas, ‘olha lá meus dois pais me esperando’”, brinca Rafael.