Em
dezembro de 2010 teve início um movimento revolucionário que se
espalhou pelo Magreb (Norte da África) e Oriente Médio. Começou na
Tunísia derrubando a ditadura de Ben Ali, derrubou Mubarak no Egito e
ameaçava todos os regimes da região.
As formas e o próprio
desenvolvimento da situação revolucionária variaram em cada país, mas
seu conteúdo era o mesmo, uma revolta das massas contra as condições de
vida que lhes eram impostas pelas tiranias a serviço do imperialismo. A
autoimolação do jovem Mohamed Bouazizi foi o estopim, mas a situação
que levou a água à borda do copo foi a crise econômica mundial que
atinge violentamente as condições de vida dos povos e o aumento da
exploração e repressão sobre os trabalhadores.
Na Líbia frente a
uma verdadeira insurreição popular que se iniciava o regime começava a
se desagregar e o imperialismo toma a iniciativa de buscar legitimar os
opositores burgueses e assim assumir o controle da situação, impedindo
um aprofundamento revolucionário. Em nome de um hipócrita humanitarismo o
imperialismo intervém na Líbia diretamente. Esta intervenção provoca
por um lado um recoesionamento dos setores leais a Kadafi e por outro
coloca o controle da situação nas mãos dos seus agentes locais. O
resultado foi o recrudescimento da guerra, sectarização da luta e a
destruição do país, com a população que havia iniciado a insurreição
afastada da cena tendo confiscada sua revolução e o controle do país
tomado por bandos armados.
Na Síria, o imperialismo, notadamente o
norte-americano e francês, além dos regimes reacionários locais, como
Arábia Saudita e outros, todos se lançaram imediatamente para impedir a
generalização da revolução e se dedicam a deturpar a revolução,
desviá-la conduzindo e preparando a situação para uma intervenção
militar imperialista da ONU, ou de outra força imperialista diretamente.
Na
Líbia no inicio eles foram surpreendidos e não estavam seguros de
assumir o controle frente a independência do movimento. Entretanto a
falta de organização e de direção política, a violência de Kadafi e a
transformação da insurreição nas cidades em combate de exércitos colocou
a direção nas mãos daqueles que o imperialismo armava e deslocou os
métodos e o resultado final da luta popular chegando a estabelecer um
governo abertamente pró-imperialista e desagregando o país em uma guerra
de milícias e tribos. Agora, eles tomam iniciativas mais rapidamente
inclusive pelo lugar e grau de desenvolvimento da Síria na região.
A
Síria está sendo levada a destruição enquanto o imperialismo deturpa a
verdadeira insurreição popular que buscava se livrar de Assad, e prepara
uma intervenção. Em todos os casos, tanto na Líbia como na Síria,
trata-se de criar condições para impedir que uma verdadeira revolução
tenha lugar e coloque o problema da exploração e da opressão na mesa
para ser resolvido. Tanto na Líbia como na Síria no inicio do processo
as insurreições populares começaram a constituir Conselhos Populares com
delegados eleitos e revogáveis que assumiam as tarefas de direção e
controle de cidades. Para os capitalistas e seus agentes este é um
processo que é preciso interromper a qualquer custo.
Só no
último mês de agosto estima-se que 100 mil pessoas abandonaram a Síria
de Bashar Al-Assad, no poder desde 17 de julho de 2000, quando
substituiu seu pai, Hafez al-Assad que assumiu o controle do país, em
1970, em um golpe dentro do golpe que ele e outros haviam dado em 1963.
A
TV não pára de mostrar cenas de guerra e de horror. A imprensa burguesa
apresenta os fatos fingindo-se alarmada e preparando o terreno para uma
intervenção militar imperialista.
O conflito na Síria, assim como
foi na Líbia, coloca questões políticas importantes. Ex-estalinistas,
grupos pequeno-burgueses e diversas seitas se colocaram desde o início
contra as manifestações populares que enfrentavam a ditadura de Assad
gritando que se tratava de “ações imperialistas infiltradas” contra um
regime progressista e anti-imperialista. Essa lamentável posição de
capitulação a um regime reacionário e sanguinário é expressão da
falência política destas correntes.
Por um lado, afastam a
história e por outro não levam em consideração os sentimentos das massas
revoltadas, mas apenas as declarações hipócritas do regime. E por fim,
de fato, consideram as massas populares como uma manada sem
discernimento e sem objetivos, capaz de ser “levantada” por intrigas
imperialistas secretas. O absurdo de conceder ao imperialismo a
capacidade de em ações secretas conseguir jogar as massas contra um
regime progressista é a prova de que estas correntes não têm nenhuma
confiança no povo trabalhador e se movem pela ação dos aparelhos. Eles
não se movem pelas necessidades profundas dos oprimidos. São meros
impressionistas incapazes de distinguir a realidade da farsa.
O
fato é que ninguém organizou ou previu a explosão popular contra o
regime assassino, nem mesmo os serviços de Inteligência do imperialismo
ou seus melhores analistas. O influente "The Economist Intelligence
Unit" previa um futuro de paz para Damasco. Ninguém viu a insurreição
que chegava.
Em fevereiro de 2011, poucos dias após o ditador Hosni Mubarak foi derrubado no Cairo, Bashar Al-Assad, dizia em público que “as
revoluções recentes na Tunísia e no Egito nunca poderiam ser repetidas
em seu país porque o povo sírio apreciava seu regime e sua resistência
contra o sionismo e imperialismo”.
Apenas Assad fez esta
previsão e milhares de habitantes da cidade de Derá, no sul do país,
tomaram as ruas para protestar contra a detenção e interrogatório de
vários adolescentes que tinham escrito grafites contra o governo. Era 15
de março, o primeiro dia de uma rebelião que foi inicialmente pacífica,
mas que desde o início sofreu uma repressão contundente e sangrenta. A
rebelião logo se espalhou a partir do epicentro de Derá para as
províncias periféricas do país até ser deslocada pela fabricação do
Exército Livre Sírio que transformou a insurreição em guerra de
guerrilha nas cidades afastando o componente de luta de massas.
Mas,
o prognóstico de Al-Assad não foi o único errado. Especialistas de todo
tipo fizeram previsões semelhantes nos meses anteriores. Um relatório
da Economist Intelligence Unit (EIU), de junho de 2010, analisa a
situação política e econômica na Síria e faz previsões para o segundo
semestre de 2010 e todo o ano de 2011. Diz o relatório que o regime de
Assad “talvez faça algumas reformas políticas limitadas" nesse período,
mas insiste que a sua posição não está ameaçada. "O presidente Assad
deve permanecer no poder em 2010 e 2011 e apesar de algumas tensões
dentro do regime, não há nenhuma ameaça significativa para seu governo", prevê o relatório.
O
levante sírio veio como uma surpresa da mesma forma que as revoltas na
Tunísia e no Egito não foram previstos por ninguém, incluindo os
próprios regimes, até que estouraram. E isso inclui os serviços de
inteligência das potências ocidentais, entre os quais estão os Estados
Unidos que se aprontavam para enviar um novo embaixador para a Síria já
que não tinha ninguém ali neste posto há cinco anos. Mas, os eternos
conspiradores que nunca confiam nas massas são incapazes de compreender
isso.
A insurreição popular iniciada contra Assad apavorou não só o
regime, mas seus aliados e adversários imperialistas. A derrubada do
regime e a extensão de Conselhos Populares controlando cidades não é o
tipo de regime e estado que os capitalistas possam apoiar, em nenhum
caso. Era preciso por um lado intensificar a repressão para aterrorizar e
estancar a revolução e por outro criar as condições para tirar as
massas da cena e organizar um conflito de tipo militar entre frações
armadas pelo regime e por seus adversários. Esse foi o papel reservado
ao autoproclamado Exército Livre Sírio.
Os massacres ordenados por
Assad levaram a uma situação em que a violência com que os soldados
eram obrigados a reprimir seu próprio povo propiciou deserções massivas
no exército. Muitos desses soldados não tinham outra coisa a fazer que
juntar-se à iniciativa de grupos religiosos armados pela Arábia Saudita,
Qatar e outras organizações integristas muçulmanas que constituíam o
autoproclamado Exército de Libertação Sírio (ELS). Muitos dos
massacrados sobreviventes também fugiram e se enredaram no ELS, única
força com meios de propiciar a sobrevivência e armas. Estes soldados
desertores e os sobreviventes, sinceros combatentes pela derrubada de
Assad, engrossaram o que até então era um grupo armado por regimes
rivais.
No ELS entraram oficiais que apoiavam o regime, mas
mudaram de lado como ratos que abandonam um navio naufragando assim como
mercenários dos países vizinhos cujo soldo é bancado pelos mais
reacionários regimes da região. O Qatar e Arábia Saudita, e diversas
lideranças religiosas pretendem derrubar Assad e impor um regime a sua
imagem. O fato de Assad pertencer à minoria alauita em um país
predominantemente sunita é apontado por essa gente como a causa de todos
os seus crimes. Fomentando o ódio religioso, buscando transformar a
revolução em uma jihad (guerra santa), contra os inimigos do Islã.
A
ação do ELS iniciando a luta armada interrompeu os protestos de massas e
o processo dos conselhos populares que se desenvolvia. O ELS não
representa uma vanguarda revolucionária que poderia constituir-se uma
milícia proletária independente, mas é a expressão da degeneração da
revolução em contrarrevolução através do predomínio de forças e
interesses em oposição à insurreição das massas cansadas da exploração
capitalista que o regime representava. O ELS pede armas às monarquias
locais e um intervenção militar imperialista, o que já mostra seu
caráter.
A dita luta armada do ELS impede as massas de utilizarem
seus métodos de luta e as atomiza em “civis” ou “soldados”. Torna
impossível que as manifestações continuem e impede a organização da
classe trabalhadora nos seus locais de trabalho fazendo uso de suas
armas históricas, como as greves e paralizações para golpear regime e
classe inimiga.
Paralelamente à constituição do ELS, uma parcela
da burguesia nativa da Síria, ao perceber que Assad não teria condições
de se manter no poder e que era uma questão de tempo para sua deposição,
autoproclamou-se direção da revolução sob o nome de Conselho Nacional
da Síria (CNS). Um conglomerado de burgueses liberais, que deseja a
deposição de Assad tanto quanto teme a tomada do poder pelas massas de
trabalhadores. E por isso mesmo tem clamado abertamente pela intervenção
militar imperialista no país.
Hoje não há uma organização
revolucionária de massas dos trabalhadores na Síria, uma organização à
qual eles possam se agarrar nesse momento revolucionário para golpear
Assad. A falta de organizações de massa dos trabalhadores cria um vácuo
que em política nunca permanece muito tempo sem ser ocupado.
As
massas deram início a uma experiência de Conselhos Populares de tipo
soviético na cidade de Zabadani, na fronteira com o Líbano, ao final de
2011. Não por acaso esta cidade foi alvo de ataques sucessivos até que
ao final de janeiro desse ano foi tomada pelo exército. O resultado foi
massacre, repressão, prisões, tortura e estupros de pessoas de todas as
idades. A intenção de Assad era fazer fracassar a experiência dos
Conselhos antes que seu exemplo permitisse apontar para uma nova ordem
social.
As consequências dessa repressão foram dramáticas. Desde
as crescentes deserções engrossando as fileiras do ELS até o crescimento
de lideranças religiosas na revolução com consignas reacionárias. Eles
apenas dividem os trabalhadores ocultando que os interesses do conjunto
da classe não são distintos, seja de um sunita, xiita, alauita, curdo,
cristão ou druso. O resultado é também um coesionamento das forças sob
controle de Assad.
A forma de impedir a completa degeneração do
processo revolucionário em curso, de barrar uma intervenção militar
imperialista ou dos regimes da região diretamente, é a entrada em cena
das massas trabalhadoras com seus métodos históricos de greves gerais,
manifestações de massas, ocupação de fábricas e empresas colocando-as
sob o controle dos trabalhadores, demonstrando quem é que comanda e
controla a economia da sociedade, paralisando o regime até a sua
liquidação. Este é o caminho para uma saída positiva frente a atual
situação e ao sofrimento das massas sírias.
O que necessita a
revolução síria para salvar-se é a constituição imediata de conselhos
populares de trabalhadores, em todas as fábricas e locais de trabalhos,
mas também nos bairros, democraticamente eleitos, a organização de
milícias armadas proletárias sob controle dos Conselhos, armamento geral
das massas, para depor Assad e varrer o regime. Frente a estas ações o
regime seu exército se desagregarão. Foi assim no Irã em 1979, foi assim
na Tunísia e em tantas outras revoluções.
A emancipação dos
trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores, como disse Marx,
assim repudiamos e nos opomos a qualquer intervenção estrangeira, mesmo
que envolta no véu “humanitário”. Que o povo sírio, através de conselhos
revolucionários e da tomada do poder resolva a situação tomando seu
destino em suas próprias mãos. Nenhuma confiança no CNS ou no ELS que
apenas militarizou a revolução apagando o protagonismo e participação
popular do processo, transformando em guerra civil sangrenta de duas
frações reacionárias em luta pelo poder, sem que nenhuma represente um
futuro digno ou o final das condições que propiciaram o início dos
protestos das massas sírias.
As massas são plenamente capazes de concluir o processo revolucionário que iniciaram.
Uma
união de todos os trabalhadores do campo e da cidade, sem divisões
religiosas ou étnicas, a partir da deposição de Assad, deve constituir o
único poder legítimo e reconhecido, para que as tarefas da revolução
sejam conduzidas até o fim.
Essas são as condições para que a
revolução não se perca e tenha por consequência mais que a deposição de
um tirano sanguinário, mas o início de um tempo onde todas as riquezas
socialmente produzidas deixem de ser apropriadas por uma camarilha de
parasitas e passem a ser distribuídas e utilizadas no interesse social
do povo sírio.
Fora disso, se as tropas imperialistas entrarem na
Síria as armas dos revolucionários estarão voltadas contra eles. De uma
intervenção imperialista só se pode esperar a desagregação da Síria,
como fizeram na Somália e agora na Líbia, e um aumento do sodfrimento de
todo o povo e ameaças sobre toda a revolução árabe e do Magreb.
Fora com a intervenção imperialista! Viva a primavera árabe!