Jornal Nacional' contra MST: os novos terroristas da mídia
Poucas vezes uma reportagem foi tão distorcida quanto a do Jornal Nacional de quarta-feira (9/4) a respeito do MST. Nos dois minutos e vinte e quatro segundos da matéria busca-se a criminalização dos camponeses. Para tanto, imagens e palavras são cuidadosamente articuladas para transmitir ao telespectador a idéia de que os militantes do MST é quem são os responsáveis por todo o medo que ronda os paraenses.
Logo na abertura da matéria, o fundo escurecido por trás do apresentador exibe a sombra de três camponeses portando ferramentas de trabalho em posições ameaçadoras, como a destruir a cerca cuidadosamente iluminada pelo departamento de arte da emissora. Quando os militantes aparecem nas imagens, estão montando o acampamento e utilizando folhas de palmeiras - naturalmente já arrancadas das árvores.
Quando a matéria corta para ouvir a opinião de um empresário local, ele tem ao fundo exatamente uma folha de palmeira, só que firme no solo - e vistosa, viva. O representante da Vale do Rio Doce é o que tem mais tempo para se manifestar, tanto tempo que até gagueja - e balbucia: "Esses movimentos... estão (nos) impedindo de trabalhar".
Em nenhum momento os representantes do MST são ouvidos, o que contraria, inclusive, as próprias regras do jornalismo da Globo. Mas quando os interesses comerciais de empresas amigas estão em jogo, no caso a Vale, tudo indica que essas regras são postas de lado.
Versão única
Outro dado marcante desta reportagem veiculada pelo Jornal Nacional é a descontextualização dos fatos. O telespectador é apenas informado que o MST "ameaça invadir a Estrada de Ferro Carajás, da companhia Vale", mas não se explica que esta ação direta tem uma origem: a privatização fraudulenta da Vale do Rio Doce.
A companhia foi leiloada, em 1997, por R$ 3,3 bilhões. Valor semelhante ao lucro líquido da empresa obtido no segundo trimestre de 2005 (R$ 3,5 bilhões), numa clara demonstração do prejuízo causado ao patrimônio do povo brasileiro. Desde então, cidadãos e cidadãs vêm promovendo manifestações políticas e ações judiciais que têm por objetivo chamar a atenção da sociedade brasileira e sensibilizar as autoridades competentes para anular o processo licitatório.
Se há uma diferença brutal entre discordar de uma determinada opinião e omiti-la, este caso torna-se ainda mais grave porque não se trata de uma opinião, e sim de um fato político: a privatização da Vale está sendo questionada na Justiça - e com grandes chances de ser revertida. Ao sonegar esta informação, a Globo comete um crime e deveria ser punida pelos órgãos competentes.
Com a mesmíssima parcialidade age o jornal O Globo. A reportagem publicada na mesma quarta (9) sobre o MST não deixa dúvidas quanto ao lado assumido pela publicação. A chamada na primeira página diz tudo: "MST desafia a Justiça e volta a ameaçar a Vale"; o pequeno texto, logo abaixo, aprofunda a toada:
"O MST ameaça descumprir ordem judicial e invadir novamente a ferrovia de Carajás, da Vale, no Pará. Moradores da região estão atemorizados, com a cidade cercada por mais de mil militantes do MST, a quem acusam de terrorismo".
A reportagem principal, à página 9, é acompanhada de outra de igual tamanho. Ambas ouvem apenas a versão da mineradora privatizada pelo governo tucano de FHC. Imediatamente abaixo, como a reforçar a visão policialesca, uma fotografia de um homem morto sobre o título: "Em Porto Alegre, um flagrante de homicídio". Nenhum dos dois veículos (O Globo e JN) registrou o apoio recebido pelo MST por artistas, intelectuais e lideranças partidárias.
Lugar na história
Esta falsa preocupação do Globo com a defesa do povo brasileiro não é de agora. O mesmo jornal que hoje sugere que os militantes do MST são terroristas por atemorizar os paraenses procedeu da mesma forma há 44 anos, quando um golpe de Estado derrubou o presidente constitucional João Goulart. Em texto editorial do dia 2 de abril de 1964, O Globo assinalou:
"Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas (...) para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas (...), o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. (...) Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente (...) Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. (...) Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.(...) A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo.(...) Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos (...)."
Assim como para o Globo os inimigos do passado eram aqueles que se insurgiam contra a ditadura que seqüestrou, torturou e matou milhares de brasileiros, hoje os terroristas são aqueles que lutam contra as multinacionais que roubam o patrimônio público, danificam o meio ambiente e produzem graves problemas sociais. É exatamente por isso que ao interromper o fluxo de exportação de uma dessas empresas os militantes do MST acertam em cheio no sistema nervoso do capitalismo.
Dotados apenas de enxadas e coragem, os sem-terra enfrentam jagunços armados, policiais e poderosos grupos de comunicação - esse coquetel que tem como objetivo massacrar o povo organizado. Assim é que os militantes do MST ensinam ao povo brasileiro: não é uma luta justa, mas é uma luta que pode ser vencida.
Por outro lado, o jornalismo das Organizações Globo mais uma vez revelou seu caráter covarde e submisso. Aliou-se aos poderosos e rasgou o juramento profissional da categoria, sobretudo no seguinte trecho:
"A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na luta por sua dignidade."
Mas não há de ser nada. A História vai se ocupar de reservar a cada qual seu devido lugar.
( do Observatório da Imprensa)