Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 16 de maio de 2008
O renascimento do Che Eu tive um irmão Ele faria hoje(14/05/2008) 80 anos e mais do que uma lenda, precisa ser recordado apenas como um homem. Um homem que honrou o sentido mais recôndito do significado de ser “humano”. Porque não é certo que todo ser humano é naturalmente humano. Um ser humano pode se tornar ‘humano” ao longo de uma vida. Mas “nem todo mundo chega lá”, como nos lembra um sábio do povo, chamado pelos europeus e seus sucessores, de índio. Eu tive um irmão que andava na selva enquanto eu dormia. Che Guevara não era um humanitarista, esses que, a serviço do sistema, são premiados por tentar fazer, desse horror de mundo, um mundo apenas “melhor”. O Che era um revolucionário humanista, um fazedor de mundos, um criador de idéias, um pensador político. Um homem que até os detratores de qualquer revolução ou revolucionário têm dificuldade em macular. Che Guevara, um homem, que com seu amor desmedido pelo gênero humano, pela vida, carregava o sonho de ver emergir, numa sociedade renovada, o homem novo. “A revolução se faz através do homem, mas o homem deve forjar dia-a-dia seu espírito revolucionário”, ele dizia. E acreditava ser necessário que se desenvolvesse uma consciência na qual os valores adquirissem categorias novas.”A sociedade em seu conjunto deve transformar-se em uma gigantesca escola”. O amei ao meu modo, Lhe tomei a voz livre como a água, caminhei às vezes perto de sua sombra. meu irmão desperto enquanto eu dormia. O Che também sabia que o caminho é largo e, em parte, desconhecido. Mas não se deixava amedrontar pelo que estaria por vir: “Conhecemos nossas limitações. Faremos o homem do século XXI: nós mesmos. Nos forjaremos na ação quotidiana, criando um homem novo com uma nova técnica". E o sentido de amor desmesurado que o transformara em um guerrilheiro nascera nas primícias da sua meninice, quando abrigava em casa meninos e meninas pobres, que ali se alimentavam, na mesa com sua família, e encontravam um ninho de terno acolhimento. Nada de filantropia nem de caridade. O mais essencial amor era o que já movia os passos do pequeno Ernesto, que um dia se tornaria o Che, apenas um homem. Nesses 40 anos que se somam desde seu assassinato, bem que o mercado quis se apropriar de sua imagem doce-amarga, que guarda no olhar uma dignidade invencível. O sistema que tudo torna descartável – na indústria do usa e joga - quis vender sua figura de guerrilheiro heróico em produtos que só visam o lucro. Mas não é a força do mercado que leva uma multidão de humanos, estradas adentro, a abrigar, no peito, nas mãos, nas cabeças, o seu vulto misterioso e ao mesmo tempo translúcido. O seu mistério, nesse mundo que se despedaça em misérias e se maquia em falsidades, é exatamente a transparência. A sua absoluta convicção,cristalina e confessada, de que só há um rumo para a humanidade: o da revolução transformadora, aquela à qual entregou a sua vida completamente, até os 39 anos roubados, dia 9 de outubro de 1967, por mercenários carniceiros em La Higuera, na Bolívia. Assim, neste maio de 2008 que assinala os seus 80 anos não alcançados em vida, se tornam desprezíveis as tentativas de mistificar ou de mitificar a vida e a história do Che como o mártir de revoluções derrotadas e o símbolo de revolucionários vencidos. Nessas oito décadas de uma história que se escreve sobre os passos do Che, o que é preciso elevar e trazer à luz é a sua profunda reverência pela vida. E a sua incomensurável ternura, nunca perdida em meio à dureza de um mundo cruel e de uma luta desigual e impiedosa. Meu irmão mostrando-me por detrás da noite a sua estrela eleita. Júlio Cortazar, com o mágico poder que os escritores e poetas sabem colher das palavras, em um comovente texto, escrito quando de seu assassinato em La Higuera, pediu que fosse o próprio Che a conduzir sua mão no momento da dolorosa despedida. “Sei que é absurdo e que é impossível, e por isso mesmo creio que ele escreve isto comigo, porque ninguém soube melhor até que ponto o absurdo e o impossível serão um dia a realidade dos homens”. E é por tudo que sua vida representa, por ter sonhado o impossível como sendo possível, que os quiseram e o querem “morto” pagam o preço de ver esse homem, médico e lutador argentino-cubano renascer, a cada dia, em meio às lutas do povo, que se levanta em todo canto mundo, a despeito do massacre, do terror, da dor e do desencanto. Ele renasce a cada ano porque o Che, nos diz Eduardo Galeano, é o mais renascedor de todos os seres. O nascedor Por que será que o Che Tem este perigoso costume De seguir sempre renascendo? Quanto mais o insultam, O manipulam O atraiçoam Mais ele renasce. Ele é o mais renascedor de todos! Não será por que Che Dizia o que pensava e fazia o que dizia? Não será por isso que segue sendo tão extraordinário, Num mundo onde palavras e atos tão raramente se encontram? E quando se encontram raramente se saúdam Por que não se reconhecem? (Eduardo Galeano) *Os versos em destaque no texto são de Julio Cortázar. |
Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Adital
Essa novidade de uma penúria alimentar causada pelos próprios mecanismos do mercado deveria provocar uma reflexão mais alentada do que a reação dos economistas afirmando que a crise será superada pelo próprio mercado auto-regulado. Para eles, a elevação do nível de preços incentivará a produção e trará um novo equilíbrio entre oferta e demanda. Isso implicará também maior exploração da terra (desmatamento) e das águas (irrigação), e portanto o agravamento dos problemas ecológicos - mas este não é um problema de economistas, para quem o mercado ser a instituição reguladora da economia é tão natural quanto ser a família a instituição reguladora da sexualidade.
Para quem se atreve a olhar um pouco mais longe, porém, numa perspectiva histórica e crítica, a crise atual pode ser uma rica fonte de ensinamentos sobre a realidade atual. É o que desejo mostrar neste pequeno artigo, inspirado num estudo clássico de história social e econômica.
E. Thompson fez um pormenorizado estudo das revoltas populares contra o preço do trigo, na Inglaterra do século XVIII. Nesse estudo, o autor mostra como a doutrina do "justo preço" foi sendo substituída pela doutrina do "livre-mercado" que é a base do capitalismo moderno, num longo processo que vai desde o século XVI até o início do século XIX. No sistema tradicional, a compra e venda de cereais e outros gêneros alimentícios, nas cidades inglesas era regulada pelo costume cujo símbolo era o toque dos sinos. Os produtores (camponeses) chegavam cedo à praça do mercado, mas só podiam iniciar as operações de venda após o toque do sino, quando os moradores da cidade adquiriam o necessário para seu consumo. Atendidos os moradores, tocava novamente o sino e os comerciantes, donos de moinho e padeiros locais entravam no mercado como compradores. Só mais tarde, após o novo toque dos sinos, comerciantes de fora podiam comprar as mercadorias que tivessem sobrado. Ficava assim assegurado o abastecimento da população local só sendo exportados os excedentes.
Os grandes negociantes, porém, ganharam peso político cada vez maior e isso resultou em decretos reais suprimindo os empecilhos legais à sua participação nas operações de compra e venda. Mas a oposição de movimentos sociais dos trabalhadores pobres, apoiados na tradição local, impede - inclusive pela força física - que tais decretos sejam aplicados. Aí se dá um longo e acalorado debate ideológico entre os defensores do "paternalismo" na economia e os "liberais", entre os quais se destaca Adam Smith, que com sua obra A riqueza das nações (1776) inaugura a moderna economia política. Ao iniciar-se o século XIX, as guerras na Europa contra Napoleão dão ao governo as razões que ele precisava para abolir toda regulação do mercado, consagrando então a vitória ideológica do liberalismo e assegurando o funcionamento do mercado auto-regulado. Daí em diante, a história é conhecida: o mercado se expande continuamente, incorporando novos contingentes da população, até sua completa mundialização no final do século 20.
A atual crise de alimentos pode então trazer muitos ensinamentos sobre o funcionamento do mercado, que nos dois últimos séculos tem sido a instituição fundamental das sociedades modernas e pós-modernas (que não por acaso se auto-intitulam "sociedades de mercado").
É evidente que o mercado incentiva - como nenhum outro sistema até hoje inventado - a produção e o consumo de bens e serviços. O PIB mundial, hoje estimado em US$45 trilhões, é o melhor indicador dessa capacidade de produzir riqueza. (Se fosse dividido pela população mundial, cada família de quatro pessoas teria hoje uma renda bruta mensal de R$3.750). Mas é também evidente que o mercado, por fundar-se na competição, beneficia os fortes e prejudica os fracos. A menos que se submeta a um poder maior que o controle, ele tende a agravar as desigualdades sociais. Isto já foi percebido no século XIX, resultando, no século XX, em políticas de intervenção do Estado: o socialismo e o Estado de bem-estar dos países de capitalismo avançado. O fim da guerra-fria, porém, favoreceu a vitória ideológica do neoliberalismo e, com ele, a desregulamentação externa do mercado. No caso dos alimentos, essa vitória se deu quando a Organização Mundial do Comércio - e não a FAO (organismo da ONU para a regular a Agricultura e os Alimentos) - é incumbida de regular sua distribuição em escala mundial. Tratados como uma mercadoria entre outras, os alimentos tornam-se objeto de transações de compra e venda regidas pela expectativa de lucros. O Estado renuncia assim a seu poder regulador, e limita-se a prestar socorro a pessoas desvalidas, incapazes de assegurar a própria sobrevivência alimentar - são os programas de tipo "Bolsa Família" e "cestas básicas".
Outra deficiência congênita do mercado, percebida em meados do século 20 e agora cada vez mais clara, é sua índole produtivista. O mercado só alcança o desejado equilíbrio entre oferta e procura, aumentando a produção que, por sua vez, gera novas demandas e o avanço sobre os recursos naturais da Terra que sabemos serem limitados. Aqui está uma barreira aparentemente insuperável ao crescimento econômico: a menos que a tecnologia chegue a formas inteiramente novas de produção, estamos nos aproximando perigosamente da exaustão dos recursos naturais. A atual crise do preço dos alimentos é reveladora desse limite. Basta pensar, por exemplo, no consumo de carnes e o desgaste que ele provoca ao transformar florestas e vegetação do cerrado em pastagens, e por exigir enormes plantações de soja e milho (que entre outros danos ecológicos consomem grande quantidade de água na irrigação) para alimentar animais e aves criados em regime de reclusão. Como, na lógica do mercado, só se reduz a demanda pela elevação dos preços - e não pela mudança de hábitos alimentares, como uma dieta menos devastadora dos recursos naturais - sua única saída é aumentar a produção, ainda que isso implique antecipar a crise ecológica que já esta no horizonte.
Visto isso, chega-se a conclusão que a atual crise de preços de alimentos está pedindo às pessoas de boa-vontade uma séria e alentada reflexão sobre o sistema de produção e consumo baseado no mercado. O pensamento liberal conquistou a vitória no debate ideológico do século XVIII, derrotando o "paternalismo" abençoado pela tradição cristã, e recuperou-se do revés sofrido no século XX (quando os êxitos do Estado de bem-estar e do planejamento socialista o ofuscaram), mas hoje ele encontra-se sem argumentos convincentes diante da crise ecológica e da desigualdade social por ele agravadas. Neste contexto, faz-se necessário um pensamento rigoroso e crítico, que não se contente em propor correções ao sistema de mercado, mas busque alternativas econômicas viáveis para uma população mundial que poderá chegar a dez bilhões de pessoas. Este é um belo desafio aos cristãos e cristãs que não já não temos mais como modelo o "paternalismo" tradicional, aprendemos as lições do socialismo do século XX, e acreditamos que um novo mundo é possível - porque Jesus ressuscitou.
* Membro da equipe de ISER-Assessoria e da Coordenação Nacional do Movimento Fé & Política
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Marina imprimiu uma gestão pontuada por uma visão estratégica do meio ambiente, com foco no desenvolvimento sustentável. Sua saída é uma derrota deste governo, que não consegue enfrentar com rigor e coragem os desafios que têm pela frente
As empresas socialmente responsáveis, que buscam o equilíbrio socioambiental e econômico por meio de uma nova maneira de fazer negócios, devem estar bastante desapontadas com a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente. Desapontadas mas não surpreendidas, porque a ex-ministra teve sempre de enfrentar muitas resistências as suas idéias e precisou comprar muitas brigas por elas, logo Marina, pessoa tão afável e muito mais adepta do consenso do que do confronto.
Os meios de comunicação destacam os reveses que ela sofreu como motivos de sua demissão. Eu quero destacar as vitórias de sua gestão, importantes para o (pouco, mas expressivo) avanço que a questão do desenvolvimento sustentável obteve nesses últimos seis anos no âmbito do Executivo federal.
Marina imprimiu uma gestão pontuada por uma visão estratégica do meio ambiente, com foco no desenvolvimento sustentável, que passava por todo um esforço de melhoria dos quadros técnicos, da legislação e da fiscalização, bem como do enfrentamento das forças interessadas na destruição da floresta.
Dessas realizações, não podemos deixar de destacar a verdadeira revolução que Marina promoveu no Ibama, responsabilizando-o como órgão executor da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), exercendo atividades de controle e fiscalização de recursos naturais, realizando estudos ambientais, liberando licenças ambientais, embargando obras, propondo e editando medidas ambientais. Ao criar o Instituto Chico Mendes em 2007, deu relevância maior às atividades de apoiar o extrativismo e as populações tradicionais, executar políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais e incentivar programas de pesquisa e de proteção à biodiversidade, antes a cargo do Ibama. Por isso, nunca na história da entidade, este Instituto teve um papel tão ativo na preservação das nossas imensas riquezas naturais, embora esse papel ainda esteja longe do ideal.
Marina Silva também inovou ao criar o conceito de floresta pública para manejo privado, criando o interesse econômico na floresta em pé, fundamental para segurar o desmatamento. O projeto causa polêmicas e até agora não conseguiu sair do papel. Mas é uma prova de que a ex-ministra e agora senadora pode pensar à frente do seu tempo.
Especificamente para nós, empresários comprometidos com a gestão socialmente responsável como ferramenta de transformação social, a passagem de Marina Silva pelo Ministério do Meio Ambiente representou uma oportunidade única de diálogo de alto nível com foco na solução dos problemas e não no proselitismo político. Por isso, os verdadeiros empresários do agronegócio sabem que perderam uma importante aliada que tem voz nos meios externos e, enquanto esteve à frente da pasta do Meio Ambiente, usou-a para defendê-los, separando o joio do trigo.
Finalmente, mas não por último, a maior vitória de Marina é ter posto a visão do desenvolvimento sustentável na pauta de todas as discussões ministeriais. Por isso, ela deve ter perdido apoio de governo, mas não poderá ser esquecida nem longe do Ministério. A saída dela não é derrota da Marina ou de algo que tenha feito. É derrota deste governo que não consegue enfrentar com rigor e coragem os desafios que têm pela frente.
O maior deles é, sem dúvida, a Amazônia. Como ela destacou em sua carta de demissão, “o que se fizer na Amazônia será o padrão de convivência futura da humanidade com os recursos naturais,a diversidade cultural e o desejo de crescimento...(e) revela potencial de gerar alternativas de resposta inovadora ao desafio de integrar o social, o econômico e o ambiental ao desenvolvimento”.
O Instituto Ethos entende que, a partir de agora, a busca pelo desenvolvimento sustentável deixa de se dar no nível institucional e volta para a sociedade. E espera ter na senadora Marina Silva uma trincheira no Legislativo, dando novamente a este Poder a possibilidade de assumir papel mais relevante no debate sobre desenvolvimento sustentável.
Convite
Gostaria de convidar todos os internautas e leitores desta coluna a participar da Conferência Internacional do Ethos, que começa no próximo dia 27 de maio e vai até o dia 30 de maio, no Palácio das Convenções do Anhembi. Este ano, a Conferência adquire um significado especial porque vai celebrar os dez anos do movimento da responsabilidade social no Brasil, do Instituto Ethos e da própria Conferência. Por isso, simultaneamente à Conferência, serão realizados mais quatro eventos: uma exposição sobre os dez anos de movimento da RSE no país, a primeira Mostra de Tecnologias Sustentáveis e a celebração do décimo aniversário do Instituto Ethos.
Este ano, o tema da Conferência é “Mercado socialmente responsável: uma nova ética para o desenvolvimento” que será discutido em alguns de seus vários desdobramentos por palestrantes como o empresário e pioneiro da gestão sustentável Ray Anderson, o físico indiano Amit Goswani, o educador Oscar Motomura, o filósofo Mário Sérgio Cortella, o vice-presidente da Febraban e diretor do Banco Itaú Antônio Jacinto Mathias, e Oded Grajew.
A programação completa da Conferência pode ser conferida em www.ethos.org.br/ci2008
A Mostra de Tecnologias Sustentáveis e a exposição dos dez anos do movimento da RSE são abertas ao público, mas é preciso credenciar-se no site para visitá-las: www.ethos.org.br/mostradetecnologiassustentaveis
Espero encontrar vocês todos no Anhembi.
Desenvolvimento sustentável
Altamiro Borges - Adital
O governo Lula, que neste segundo mandato ainda não baixou medidas graves de regressão dos direitos trabalhistas, está na berlinda. O Senado aprovou o projeto do petista gaúcho Paulo Paim que extingue o fator previdenciário, uma excrescência imposta por FHC que reduziu a já misera renda dos aposentados e pensionistas. Diante da decisão, a equipe econômica, sempre apegada à ortodoxia do ajuste fiscal, pressiona os deputados e já ameaça com o veto presidencial ao projeto do senador, um ex-sindicalista que fundou a CUT ao lado de Lula. A briga promete ser quente.
Em reunião no final de abril, dirigentes das principais centrais sindicais do país manifestaram seu apoio ao projeto do senador Paim, que elimina o fator previdenciário e garante o mesmo reajuste do salário mínimo aos aposentados. Conforme declarou Wagner Gomes, presidente da CTB, "o sindicalismo está vigilante e preparado para mobilizar suas bases em defesa destas duas medidas, que já foram aprovadas no Senado e, em breve, serão apreciadas e votadas na Câmara Federal". As centrais planejam realizar várias atividades para pressionar os deputados federais e o governo Lula, incluindo uma barulhenta concentração na Câmara dos Deputados em 14 e 15 de maio.
Matemática perversa dos tucanos
O fator previdenciário foi instituído pela Lei 9.876, aprovada em novembro de 1999, no bojo da contra-reforma de FHC. Ele é um perverso mecanismo contábil de arrocho dos trabalhadores que retarda os pedidos de aposentadorias por tempo de contribuição, elevando em cinco anos a idade média de quem requer o benefício. Como a redução dos rendimentos é expressiva (ele fica menor quanto mais tarde a pessoa se aposenta), o trabalhador é obrigado a adiar o acesso ao benefício. Aplicado no cálculo da contribuição, o fator reduz em 30 e 35% - respectivamente para homens e mulheres - o valor da aposentadoria e da pensão em comparação com o salário da ativa.
Não é para menos que o fim deste monstrengo tucano foi saudado por várias categorias. Na base do próprio presidente Lula, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC divulgou boletim com o título: "Fim do fator previdenciário, vitória dos trabalhadores". Segundo o texto, a aprovação do PLS 296/03 do senador Paulo Paim representa "uma alteração de amplo e importante alcance social". Além de extinguir o fator previdenciário, "esse redutor das aposentadorias", o projeto "estende a política de valorização do salário mínimo às aposentadorias e pensões. O sindicato, que projetou Lula no cenário nacional, promete pressionar o governo e elogia a "tenacidade do senador Paim".
A desculpa esfarrapada do déficit
Apesar do uníssono apoio ao fim do fator previdenciário, o Palácio do Planalto parece decidido a sabotar a vitória. O atual ministro da pasta, Luiz Marinho, que por ironia da história já presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, informou às centrais que o presidente Lula vetará o projeto, caso ele não seja rejeitado pela Câmara Federal. A desculpa apresentada é a mesma de sempre: a de que a medida elevará o déficit da Previdência Social. Durante a campanha eleitoral de 2006, o candidato Lula garantiu nos palanques que "a Previdência não é deficitária", contrapondo-se aos agourentos neoliberais que propunham mais arrocho no setor. Agora, parece, mudou o discurso.
A realidade, porém, rejeita os mitos neoliberais. No primeiro trimestre deste ano, em decorrência do tímido aquecimento da economia, o déficit a Previdência baixou 17,2% na comparação com o mesmo período de 2007. A própria Folha de S.Paulo, ardorosa defensora da destruição do setor, foi forçada a admitir que "a redução do rombo reflete a maior criação de empregos formais, que impulsiona a arrecadação das contribuições que financiam a Previdência. Entre janeiro e março, foram criadas 554 mil vagas - aumento de 39% em relação a 2007. Com isso, a arrecadação no trimestre chegou a R$ 35,4 bilhões, alta de 9,9% em relação ao mesmo período do ano passado".
[Autor do livro recém-lançado "Sindicalismo, resistência e alternativas" (Editora Anita Garibaldi)].
* Jornalista, editor da revista Debate Sindical
Bach - Well tempered clavier - Glenn Gould
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quarta-feira, 14 de maio de 2008
Ambientalista acusa: governo quer “bonequinho” para autorizar obras
Por Anselmo Massad
José Adilson Vieira, secretário geral da rede Grupo de Trabalho Amazônico, considera um desastre a saída da ministra Marina Silva, que era “a única coisa boa no governo”. Para ele, o sinal é de que a gestão do presidente Lula mostra falta de compromisso com a questão ambiental e com a busca pelo desenvolvimento sustentável.
Apesar de medidas criticadas por ambientalistas – como a liberação do plantio de sementes transgênicas, a construção das hidrelétricas do Rio Madeira, da transposição do São Francisco, entre outras –, a preocupação é com a ausência de resistência no conflito de forças entre os ministérios.
Um dos convidados para o lançamento do Plano Amazônia Sustentável (PAS), no dia 8 de maio, Adilson Vieira afirma que não sabe se a entrega da coordenação do plano para Mangabeira Unger tenha sido ou não o pivô da crise. Mas “se eu fosse ministro do meio ambiente também pediria demissão”, declara.
Para ele, quem entrar agora no cargo, independentemente do nome escolhido, estará debilitado, porque o governo está querendo apenas um “bonequinho” para aprovar os licenciamentos ambientais.
Confira a íntegra.
Fórum – Como o GTA avalia o pedido de demissão da ministra Marina Silva?
José Adilson Vieira – Para nós, do GTA, a saída é um desastre para a política ambiental brasileira. Pelo compromisso dela e pelo que ela representava no Ministério do Meio Ambiente, que era uma certa qualidade da política ambiental, uma seriedade. O desastre é deixar de fazer o combate interno dentro do governo. Com a demissão, o sinal é de que o governo não tem compromisso com o meio ambiente, com a redução do desmatamento da Amazônia, com povos da Amazônia.
Fórum – Há alguma outra pessoa que, ao substituir a ministra, poderia representar esse compromisso dentro do governo?
Adilson Vieira – Para nós, a única coisa boa no governo era a ministra Marina. De todos os quadros do atual governo, nenhum tem a preocupação socioambiental ou qualquer interesse em equacionar o desenvolvimento com sustentabilidade. É só fachada. A única que a gente respeitava era a ministra Marina. Sem ela, ficamos totalmente céticos em relação ao governo.
Fórum – Durante a gestão da ministra, diversos grupos ambientalistas criticaram decisões do governo, a exemplo das hidrelétricas do Rio Madeira. Mesmo diante dessas derrotas, a ministra Marina Silva tinha esse papel importante?
Adilson Vieira – Tem questões que, olhando de fora, parecem derrota, mas que também tem ganhos. No caso das hidrelétricas do Madeira, somos contra a construção. O Ibama deu as licenças, mas adicionou condicionantes, incorporou uma série de exigências aos estudos que não existiam. Parece derrota, mas [essas condicionantes] podem ser consideradas vitórias. Em um governo desenvolvimentista por natureza, agregar vitórias ambientais é um avanço. A vitória plena seria barrar, mas é complexo no conflito de forças.
Os ambientalistas são muito exigentes, sempre reclamamos um pouco para conseguir mais. É inegável que se conseguiu baixar as taxas de desmatamento. Mesmo assim, as taxas atuais são elevadas. O nível bom seria reduzir a 1% ou 2%. É inegável que o esforço dela fez com que o desmatamento baixasse por cinco anos seguidos. Não considero isso uma derrota.
Fórum – O fato de a coordenação do Plano Amazônia Sustentável (PAS) ter sido dado ao ministro Mangabeira Unger é apontada como “gota d’água” para a saída da ministra Marina. Qual a avaliação sobre Mangabeira Unger nesse cargo?
Adilson Vieira – Não sei se o fato foi esse como se divulgou, só a própria ministra pode explicar. Eu estava no lançamento do PAS, em Brasília, e fiquei extremamente sem graça e até meio deslocado quando residente Lula anunciou que a coordenação do plano iria ficar com Mangabeira Unger. Uma pessoa que desconhece totalmente a região, cuja “melhor idéia” a respeito é a de um aqueduto para levar água da Amazônia ao Nordeste. Eu, no lugar dela [Marina Silva], também me demitiria, porque mostra que o presidente não tem compromisso com a região, que só quer oba-oba, o que nem é sério.
Fórum – O senhor mencionou um aqueduto?
Adilson Vieira – Há algum tempo, o Mangabeira Unger veio ao Amazonas e falou um milhão de coisas. Entre as "pérolas" estava construir um aqueduto para levar água da região amazônica para o Nordeste Setentrional como alternativa à transposição do rio São Francisco. Quer dizer, em vez de falar em revitalização, reflorestamento, falou em tirar água da Amazônia para o Nordeste. Uma idéia sem pé nem cabeça. Isso mostra o desconhecimento deste senhor. Se eu fosse ministro do meio ambiente também pediria demissão.
Fórum – Há especulações sobre nomes de substitutos. Há algum que poderia retomar esse compromisso?
Adilson Vieira – Não vou opinar sobre especulações. Quem perdeu não foi só o governo Lula, mas a sociedade brasileira. Perdeu o compromisso dela e dá uma marcha ré no caminho para a sustentabilidade no desenvolvimento brasileiro. Um ministro que queira seguir o rumo trilhado vai estar muito debilitado. O sinal do governo é de falta de compromisso com o meio ambiente. Quem entrar vai ser um “bonequinho” para fazer licenciamento. O governo Lula não quer sustentabilidade.
Anselmo Massad
01 - Vou Vivendo (Pixinguinha / Benedito Lacerda)
02 - Lamento (Pixinguinha / Vinicius de Moraes)
03 - Ingênuo (Benedito Lacerda / Pixinguinha)
04 - Atraente (Chiquinha Gonzaga)
05 - Amapá (Chiquinha Gonzaga)
06 - Io T'amo (Chiquinha Gonzaga)
07 - Monotonia (Radamés Gnattali)
08 - Samba-canção (Radamés Gnattali)
09 - Devaneio (Radamés Gnattali)
10 - Fantasia (Ronaldo Miranda)
Download abaixo:
http://rapidshare.com/files/114448555/clara_sverner___paulo_moura_-_vou_vivendo.rar
terça-feira, 13 de maio de 2008
Um novo olhar sobre a questão da terra | |
A recente absolvição do fazendeiro acusado de mandar Não se deve, com isso, concluir que a imprensa brasileira é contrária à preservação do meio ambiente, ou que seja favorável à expansão ilimitada de pastagens e plantações de soja sobre o cerrado ou as florestas tropicais. A imprensa é, a seu modo, defensora da "natureza", mas isola esse tema da questão do desenvolvimento, como se isso fosse possível ou recomendável. Esta é provavelmente a razão pela qual parece esquizofrênica uma publicação que coloca nas ruas uma edição especial sobre a Amazônia e, ao mesmo tempo, em seu noticiário de rotina, trata como criminosos os indígenas que se defendem da invasão de grileiros ou garimpeiros ou os sem-terra que bloqueiam estradas e exigem uma ação mais efetiva do governo na gestão territorial das terras agriculturáveis. Grileiros e agronegócio A imprensa parece ignorar que aqueles aventureiros brancos presentes em terras indígenas são, quase sempre, a tropa de choque dos chamados empreendedores rurais. Não poucos entre os grandes do agronegócio começaram ou expandiram seus latifúndios usando a mão-de-gato de grileiros e armando pistoleiros para "limpar" o caminho. Não faz muito mais do que vinte anos que o falecido deputado e fazendeiro João Branco se vangloriava, no Acre, de resolver a bala as dificuldades para a expansão de seus negócios e que uma famigerada quadrilha de policiais militares ofertava serviços de pistolagem, tendo o mais notório de seus líderes, o coronel Hildebrando Paschoal, alcançado as manchetes pela prática de, digamos, "desmobilizar" seus adversários com a ajuda de uma moto-serra A rigor, nenhum editor admitiria que sua visão da questão agrária se aproxima mais do pensamento vivo de Hildebrando ou de João Branco do que da missionária Dorothy Stang. Tampouco se poderia acusar a imprensa de considerar aceitável o uso da violência como meio de resolver disputas por terra, mas de modo geral se pode afirmar que, ideologicamente, a imprensa penderia mais a favor de um Hidebrando sem moto-serra do que de um João Pedro Stédile sem seu alicate de cortar arame farpado. O problema é que não há muitas formas de encarar o problema da gestão territorial, seja do ângulo da organização da produção agrícola, seja diante da questão da acomodação de indígenas e quilombolas em porções de terra adequadas ao seu modo tradicional de vida. O que transcende da leitura de jornais e revistas é que a concessão dessas terras representa um desperdício de recursos, uma vez que, vista das redações, a atividade dessas comunidades não produz nem uma fração da riqueza que brota das pastagens ou das plantações dos brancos. Talvez fosse o caso de se perguntar a certos articulistas se eles preferem ver os descendentes de quilombolas morando nas favelas das cidades. Interesse nacional A imprensa, de modo geral, vê a produção agrícola e a gestão territorial exclusivamente do ponto de vista da relação custo-benefício econômica, num sentido de economia muito questionável, uma vez que a organização da economia deve também objetivar a resolução ou prevenção de problemas sociais, pela oferta de oportunidades mais amplas. Neste sentido, a pouca e mais custosa produção que atende e garante qualidade de vida a uma comunidade quilombola pode ser mais importante para o interesse do país do que aquela que oferece números estupendos, mas beneficia um grupo minúsculo de acionistas. Este é o debate que não está presente na imprensa brasileira, mesmo sabendo-se que o Brasil tem terras agriculturáveis em extensão suficiente para a expansão do agronegócio, para assegurar o desenvolvimento da agricultura familiar onde existe a cultura apropriada, e para permitir a continuidade dos modos de vida tradicionais que se alimentam da terra. Nenhum governo produziu até hoje no Brasil uma estratégia que contemplasse essas diferentes formas de exploração da terra, e os conflitos, como o que resultou, em 2005, no assassinato da missionária Dorothy Stang, seriam perfeitamente evitáveis se tivéssemos uma estratégia sustentável para a questão agrária e o patrimônio ambiental. Conceito de desenvolvimento obsoleto O governo nunca elaborou uma estratégia abrangente, e a imprensa passa ao largo dessa idéia porque vive amarrada a um conceito de desenvolvimento obsoleto que, até aqui, só aumentou as diferenças sociais e, se vem apresentando algum resultado nos últimos anos, é justamente pela combinação do planejamento centralizado com políticas emergenciais de transferência de renda. Por não ter em sua rotina a prática de abordar esse conjunto de temas de maneira sistêmica é que a imprensa brasileira surpreendeu no último final de semana, especialmente a Folha de S.Paulo e O Globo. A Folha porque destacou, como manchete no domingo, o risco da volta do terror representado pelos pistoleiros nas regiões de conflito constante, como a área, no Pará, onde foi assassinada a missionária. O Globo, pelo levantamento das terras agriculturáveis ociosas, informação que ajuda a pensar numa reforma agrária capaz de aliviar a disputa por terras nas fronteiras agrícolas que permanentemente ameaçam as florestas e cerrados. Também o Estadão contribui para o debate sobre o tema, embora tenha limitado sua abordagem à repercussão da morte de Dorothy Stang. O mais comum é encontrar na imprensa artigos, editoriais ou mesmo reportagens questionando a concessão de terras a comunidades indígenas ou quilombolas, com o argumento de que os beneficiários dessas concessões ganham o direito simplesmente declarando que são indígenas ou descendentes dos habitantes das antigas comunidades de africanos fugidos da escravidão ou da miséria pós-"libertação". Omite-se ou ignora-se o fato de que, tanto os guaranis do Brasil como os sapmis da Suécia ou os sasqatchewan do Canadá são assim considerados quando declaram sua ascendência e têm essa declaração confirmada pela comunidade a que afirmam pertencer. É um critério internacional de identificação de populações nativas, definido pela ONU e aceito pela maioria dos países, inclusive o Brasil, há muito tempo. Não se trata, como faz crer a imprensa, de uma invenção do atual governo ou de militantes de organizações de direitos humanos. É uma forma de preservar direitos centenários ou milenares, que um sistema econômico predador vinha eliminando. No momento em que o Brasil é convocado a melhorar sua produção agrícola por conta da mudança na matriz de combustíveis e pela necessidade de oferecer mais alimento ao mercado global, a imprensa prestaria um bom serviço se ajudasse a pressionar o governo por políticas mais justas e efetivas no ordenamento do uso da terra. Mas, para isso, seria preciso que a imprensa perdesse o medo de encarar as questões agrária, ambiental e social como se fossem pautas isoladas.
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