sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Nova bolha imobiliária está em gestação nos EUA, diz analista


Poderemos ver, em breve, um aumento da atividade econômica no setor habitacional nos Estados Unidos, à medida que os bancos dispuserem dos 40 bilhões de dólares mensais jogados no mercado como subsídios do FED para fazer a coisa funcionar e emprestar loucamente, de novo. O mercado financeiro está chantageando o governo. Os bancos estão dizendo que não farão novas hipotecas enquanto não tiverem o que querem. E o que eles querem é imunidade legal e não ficar com aconta nas mãos quando o sistema financeiro explodir mais uma vez. O artigo é de Mike Whitney.

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É possível que Richard Cordray seja hoje o homem mais poderoso nos Estados Unidos e você provavelmente nunca ouviu falar dele. Como dirigente da nova Agência de Proteção Financeira ao Consumidor dos EUA [CFPB na sigla em inglês], Cordray pode efetivamente voltar o relógio para 2005 e inflar uma outra gigantesca bolha imobiliária sem esforço algum. Tudo o que ele tem de fazer é definir o termo “hipoteca qualificada”, seguindo os critérios dos grandes bancos e – rapidamente – 40 bilhões de dólares por mês começarão a fluir em novas hipotecas. É simples assim. Eis a história contada pela Bloomberg:

Credores estadunidenses podem obter forte proteção contra ações judiciais relativas às hipotecas regulamentadas pelas regras mantidas pela Agência de Proteção Financeira ao Consumidor, de acordo com fontes ligadas à política de direito do consumidor do país.

As assim chamadas regulamentações de hipotecas qualificadas dariam a bancos, inclusive ao JP Morgan, ao Chase & Co. (JPM) e o Wells Fargo & Co. (WFC) garantias contra ações legais oriundas dos processos de subscrição de seguros, de acordo com fontes que falaram com a condição do anonimato, porque as discussões a respeito não são públicas (a agência Bloomberg noticiou assim: “A Agência de Proteção Financeira ao Consumidor dos EUA afirma que dará mais proteção aos credores”).

Então, é por isso que os bancos não têm intensificado a criação de suas hipotecas, mesmo que o FED [Banco Central dos EUA] tenha dito que comprará 40 bilhões de dólares em títulos lastreados em hipotecas via o programa QE3 [1]? É porque querem assegurar a imunidade legal frente a ações judiciais de proprietários de imóveis que venham a ser executados injustamente. Mas por que é que Cordray os está ajudando? Por que ele está tornando mais difícil paras vítimas processarem os meliantes que as expulsam de seus lares? Seu trabalho não é proteger consumidores? Em vez disso, ele está sob o comando dos bancos. Aqui, mais do que a Bloomberg diz:

A agência do consumidor, que está negociando as regras como parte de uma ampla revisão do controle do financiamento habitacional, revelou seus planos num encontro com outras agências reguladoras ontem (17/10). Em torno de 80% dos empréstimos segurados pelo Fannie Mae (FNMA), Freddie Mac ou seguradoras governamentais, como a Federal Housing Administration Housing Administration, estariam se qualificando para dispor de um porto seguro contra ações judiciais, de acordo com dados da Agencia de Administração do Financiamento Habitacional.

Então está feito, é isso? Eles só precisam fazer um pouquinho, antes do grande anúncio. Mas preste atenção nos detalhes: “80% dos empréstimos... seriam qualificados para dispor de um porto seguro contra ações judiciais nos planos da agência”. Que piada. Fannie [Mae] e Freddie [Mac] já seguram 90% de todas as novas hipotecas, agora se vai garantir imunidade legal para contratos de hipoteca de que eles já detêm a titularidade, gratuitamente? É um grande brinde para os bancos, você não acha? Por que não dar-lhes logo as chaves do Fort Knox agora mesmo e era isso? O fato é que Cordray não deveria estar fazendo concessão alguma. A coisa toda é ridícula. Mais da Bloomberg:

As proteções cobririam empréstimos feitos com taxas de juros para os mutuários cujo endividamento não ultrapasse 43% de sua renda total.

Por quanto tempo você acha que será capaz de manter a sua cabeça acima da água se 43% do seu salário desapareceu antes mesmo que você ponha a mão nele? Não muito, eu apostaria. Na verdade, os especialistas acham que pagamento de financiamento imobiliário jamais deveria ultrapassar 33% da renda total. Então, o que isso nos diz? Diz que Cordray fez um acordo que custará ao contribuinte um pacote para cobrir as hipotecas novas que os bancos farão assim que as tintas promocionais [do anúncio do QE3] secarem. Mas tudo bem, certo, porque ao menos os bancos farão um bolo e cortarão pedados desse lixo em partes seguradas e as venderão ao FED com o dólar nas alturas. Que truque!

Pense a respeito, por um minuto. Se o FED está dizendo que comprará 40 bilhões de dólares em títulos lastreados em hipotecas por mês, então o dinheiro da finança irá dragar contratos de hipoteca o suficiente para vender ao adquirente, certo? Porque você precisa de hipotecas para segurar hipotecas. Bem, adivinhem, os bancos não dão a mínima se os novos candidatos a obterem hipotecas pagam ou não. Por que eles se preocupariam? À medida que consigam inscrever essas hipotecas nas novas definições, eles obterão seu recurso segurado de todo jeito. Eles querem apenas ter certeza de que estarão protegidos quando Joe quebrar (porque foi atraído para um contrato de hipoteca que ele claramente não poderia pagar). Querem uma garantia de que ele não poderá processá-los alegando cláusulas frouxas para fornecimento de crédito. Agora, Joe terá de matar no peito e pagar um aluguel barato em algum lugar, porque o senhor Cordray o vendeu para os gângsters do sistema financeiro. Obrigado, Rich.

E ainda há mais: porque os bancos não estão somente buscando carta branca nas garantias de seus contratos bumerangues de hipotecas. Eles também querem estar assegurados de que não terão de arcar sequer com 1% das suas novas hipotecas-lixo. Eles acham que poderão criar tanto crédito quanto quiserem, sem qualquer risco para si mesmos ou para os seus acionistas. É uma arrogância levada ao extremo. Eis um trecho de uma segunda página no Whashington Post, do economista Mark Zandi, que explica o que está acontecendo:

Uma segunda decisão que está para ser tomada, com grandes implicações para o crédito hipotecário envolve algo chamado de regra da “hipoteca residencial qualificada”. Embora o nome seja similar, é bem diferente da definição de hipoteca qualificada, e está desenhada para coibir maus empréstimos ao forçar os credores a arcarem com uma parte dos riscos dos contratos mais arriscados de hipotecas.

Sob a lei Dodd-Frank, um credor deve arcar com 5% de qualquer empréstimo que não seja uma “hipoteca residencial qualificada” (QRM na sua sigla em inglês), de modo que, se esta for executada, o credor também perde algo. Isso em princípio faz sentido, mas, assim como no caso da regra da hipoteca qualificada, o diabo mora nos detalhes. E estes são bastante complicados, refletem os medos de regulação que os credores trabalharão duro para contornar. Mas complexidade acrescenta custos, e como resultado, empréstimos que não sejam “QRM” correm o risco de ter um custo significativamente mais elevado dos que os “QRM”. (“Definindo uma ‘hipoteca qualificada’, Marz Zandi, Wahsington Post).


Certo, isso também é complicado para você entender, Senhor Contribuinte, então vamos ao seu negócio e deixe conosco, os experts, para resolver o seu problema. Nós “cuidaremos de tudo”. Ah, por favor, Zandi, ninguém entende desse troço. Os bancos simplesmente não querem arcar com capital suficiente para cobrir o seu lixo. É isso, não é? Eles querem poder criar mais títulos tóxicos em seus falsos balanços, mas não mantêm dinheiro suficiente para pagar aos investidores quando o barco afundar. A isso se chama “retenção de risco” e não é diferente em nada de se requerer das companhias de seguro que tenham reservas o bastante para pagar os segurados em caso de sua casa incendiar. Aqui tem mais de Zandi:

Na medida em que a lei Dodd-Frank estipula que os empréstimos feitos pelas agências federais são hipotecas residenciais qualificadas, por definição o modo como as QRM são definidas ajudará a traçar o papel das agências federais no mercado de hipotecas. Se a definição for muito estreita, credores privados não poderão competir, dada a alta taxa de juros com que terão de arcar para compensar o risco excessivo. O governo deve então continuar a dominar o mercado de crédito de hipotecas no curto prazo. Por outro lado, se o Fannie Mae e o Freddie Mac vierem a ser privatizados, uma definição estreita de QRM encolheria significativamente o papel do governo no mercado hipotecário, potencialmente ameaçando a existência dos empréstimos hipotecários por 30 anos.

Ah, por favor! Esqueça o papel do governo no mercado habitacional; isso é completamente irrelevante. Aquilo em que estamos interessados é que os bancos tenham alguma grana a mais em caixa para recuperarem suas ações lixo quando o próximo zeppelin cair. Isso também é perguntar muito? O fato é que capitalismo requer capital, é simplesmente assim que funciona. Você não pode simplesmente continuar girando empréstimos sem garantia suficiente para reavê-los mesmo quando o menor dos desvios no mercado envie o sistema financeiro para o esquecimento. Credores precisam ter lastro suficiente para cobrirem as suas perdas potenciais e para evitar outro derretimento que requeira trilhões do governo para preencher o buraco negro que eles (os bancos) criaram.

Você consegue ver o que está errado aqui? Por trás de toda essa conversa barroca, os mercados estão é chantageando o governo. Eles estão dizendo que não farão novas hipotecas enquanto não tiverem o que querem. E o que eles querem é um porto seguro (imunidade legal) e não mais custos regressivos. (Hipotecas que os bancos foram forçados a refazer porque contêm “substantivas subscrições e deficiências documentais” em seus contratos.) Em outras palavras, eles não querem ficar com a conta nas mãos quando o sistema financeiro explodir, de novo. Isso significa que o modo como Cordray define “hipoteca qualificada” importa muito, porque determinará se os bancos emprestarão em padrões baratos, se aumentarão a originação de hipotecas, se estimularão o crédito para aplicações paralelas, e se darão conta do sonho de [Ben] Bernanke de inflar uma nova bolha imobiliária. É isso o que está em jogo. A definição de hipoteca qualificada pela Agência de Proteção Financeira ao Consumidor pode implicar um profundo impacto na direção da economia, então tem muita coisa em jogo, aqui.

Infelizmente, parece que Cordray tem cedido em todos os aspectos, o que significa que poderemos ver, em breve, um aumento da atividade econômica habitacional, à medida que os bancos dispuserem dos 40 bilhões de dólares mensais jogados no Mercado como subsídios do FED para fazer a coisa funcionar e emprestar loucamente, de novo.

Não parece que estamos cometendo os mesmos erros, mais uma vez?

NOTA
[1] Terceira rodada de “Quantitative Easing”, lançado pelo FED. É um programa que visa a, ao menos nominalmente, injetar dinheiro no mercado para prover o fluxo de crédito, lançado há poucos dias, pelo atual presidente do FED, Ben Bernanke.

Tradução: Katarina Peixoto

O grito Guarani-Kaiowá

Fernanda Melchiona - SUL21


A gravidade do caso dos 170 indígenas Guarani-Kaiowá no acampamento Pyelito Kue/Mbarakay, cidade de Iguatemi (MS) causou grande e necessária repercussão nas redes sociais e nas mídias alternativas diante da decisão da (in)Justiça de pedir reintegração de posse de terras que há muito deveriam estar demarcadas. Com a ameaça premente de desocupação, os indígenas lançaram uma nota denunciando o abandono, o fato de conseguirem se alimentar apenas uma vez ao dia, a violência dos fazendeiros e a decisão dramática de um povo de luta de resistir até as últimas consequências, com a morte coletiva.
Esta repercussão, os atos ocorridos em São Paulo e Botucatu, protestos organizados pela internet (com milhares de confirmações) em várias cidades brasileiras para o dia 09 de novembro, garantiram uma vitória parcial: a cassação da liminar de reintegração de posse concedida pela Justiça Federal em Naviraí. Certamente, uma vitória da resistência, do heroísmo dos Guarani-Kaiowá e do apoio de milhares de ativistas brasileiros e mundiais.
Os indígenas têm outra relação com a terra, que não é tida como uma mercadoria ou um bem para negócio, mas como a origem da vida, depositária dos ancestrais, raiz da constituição das tribos e suas tradições. Obviamente, uma visão absolutamente oposta à lógica do capitalismo e da propriedade privada. Por que, apesar do verdadeiro massacre reconhecido nos livros de História que passaram os indígenas desde a colonização brasileira, o governo federal não cumpre a Constituição (artigo 231, que garante ao Estado a demarcação e a proteção às terras indígenas)? Por que a omissão e a demora do Estado em garantir os estudos antropológicos necessários ao processo de demarcação? Enquanto os indígenas esperam, aumentam os conflitos e estes convivem com as ameaças permanentes de jagunços e pistoleiros do agronegócio. Além disso, a conivência de boa parte do poder Judiciário com a lógica rentista da terra também chama atenção, desde a decisão da Justiça de São Paulo no caso da desocupação de seis mil pessoas de Pinheirinho para garantir os interesses do especulador financeiro Naji Nahas até a determinação do STF da continuidade das obras de Belo Monte.
Todas as respostas anteriores têm relação com interesses econômicos, com o enorme peso que a elite do agronegócio tem no Congresso Nacional e também na base de sustentação do governo Dilma. Por exemplo, André Puccinelli, governador do MS que aparece nos documentos divulgados pelo Wikileaks como autor de deboches sobre as reivindicações indígenas, é do PMDB, partido que hoje, lamentavelmente, é eixo de poder junto ao PT, ocupando não apenas a Vice-presidência, mas também ministérios importantes como o Ministério de Minas e Energia (Edison Lobão), responsável por “brilhantes” projetos como Belo Monte, que além de atacar milhares de indígenas, coloca em risco dezenas de espécies, abrindo a possibilidade de seca na Volta Grande (área de 100 km na volta do Rio Xingu).
Marcelo Freixo – deputado estadual do PSOL no Rio de Janeiro – sempre diz que “quem diz que governa para todos, mente para alguém”. No governo de coalizão com os ruralistas, pagam os povos originários que, muito além do massacre sofrido há mais de 500 anos, seguem sendo dizimados diariamente. Segundo Fabio Nassif, em artigo na Carta Maior, o Mato Grosso do Sul tem os maiores índices de assassinatos de indígenas do Brasil (cerca de 500 assassinados nos últimos dez anos), enquanto o aumento do agronegócio exportador, baseado no plantio desenfreado de soja, é gritante.
Que a conquista da cassação da liminar de reintegração de posse fortifique a solidariedade e a capacidade de mobilização de todos em defesa dos direitos de demarcação dos indígenas e que a gravidade das denúncias em relação às péssimas condições de vida causadas pela morosidade do Estado, conivência de uma parte do Poder Judiciário e a violência das hordas armadas a mando dos ruralistas não sejam apenas encaradas como parciais, mas como parte das relações brutais capitalistas sobre os povos que verdadeiramente descobriram o Brasil. Viva os Guarani-Kaiowá!

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Síria: Para onde vai a revolução confiscada e a preparação de intervenção militar imperialista

 


Em dezembro de 2010 teve início um movimento revolucionário que se espalhou pelo Magreb (Norte da África) e Oriente Médio. Começou na Tunísia derrubando a ditadura de Ben Ali, derrubou Mubarak no Egito e ameaçava todos os regimes da região.
As formas e o próprio desenvolvimento da situação revolucionária variaram em cada país, mas seu conteúdo era o mesmo, uma revolta das massas contra as condições de vida que lhes eram impostas pelas tiranias a serviço do imperialismo. A autoimolação do jovem Mohamed  Bouazizi foi o estopim, mas a situação que levou a água à borda do copo foi a crise econômica mundial que atinge violentamente as condições de vida dos povos e o aumento da exploração e repressão sobre os trabalhadores.
Na Líbia frente a uma verdadeira insurreição popular que se iniciava o regime começava a se desagregar e o imperialismo toma a iniciativa de buscar legitimar os opositores burgueses e assim assumir o controle da situação, impedindo um aprofundamento revolucionário. Em nome de um hipócrita humanitarismo o imperialismo intervém na Líbia diretamente. Esta intervenção provoca por um lado um recoesionamento dos setores leais a Kadafi e por outro coloca o controle da situação nas mãos dos seus agentes locais. O resultado foi o recrudescimento da guerra, sectarização da luta e a destruição do país, com a população que havia iniciado a insurreição afastada da cena tendo confiscada sua revolução e o controle do país tomado por bandos armados.
Na Síria, o imperialismo, notadamente o norte-americano e francês, além dos regimes reacionários locais, como Arábia Saudita e outros, todos se lançaram imediatamente para impedir a generalização da revolução e se dedicam a deturpar a revolução, desviá-la conduzindo e preparando a situação para uma intervenção militar imperialista da ONU, ou de outra força imperialista diretamente.
Na Líbia no inicio eles foram surpreendidos e não estavam seguros de assumir o controle frente a independência do movimento. Entretanto a falta de organização e de direção política, a violência de Kadafi e a transformação da insurreição nas cidades em combate de exércitos colocou a direção nas mãos daqueles que o imperialismo armava e deslocou os métodos e o resultado final da luta popular chegando a estabelecer um governo abertamente pró-imperialista e desagregando o país em uma guerra de milícias e tribos. Agora, eles tomam iniciativas mais rapidamente inclusive pelo lugar e grau de desenvolvimento da Síria na região.
A Síria está sendo levada a destruição enquanto o imperialismo deturpa a verdadeira insurreição popular que buscava se livrar de Assad, e prepara uma intervenção. Em todos os casos, tanto na Líbia como na Síria, trata-se de criar condições para impedir que uma verdadeira revolução tenha lugar e coloque o problema da exploração e da opressão na mesa para ser resolvido. Tanto na Líbia como na Síria no inicio do processo as insurreições populares começaram a constituir Conselhos Populares com delegados eleitos e revogáveis que assumiam as tarefas de direção e controle de cidades. Para os capitalistas e seus agentes este é um processo que é preciso interromper a qualquer custo.  
Só no último mês de agosto estima-se que 100 mil pessoas abandonaram a Síria de Bashar Al-Assad, no poder desde 17 de julho de 2000, quando substituiu seu pai, Hafez al-Assad que assumiu o controle do país, em 1970, em um golpe dentro do golpe que ele e outros haviam dado em 1963.
A TV não pára de mostrar cenas de guerra e de horror. A imprensa burguesa apresenta os fatos fingindo-se alarmada e preparando o terreno para uma intervenção militar imperialista.
O conflito na Síria, assim como foi na Líbia, coloca questões políticas importantes. Ex-estalinistas, grupos pequeno-burgueses e diversas seitas se colocaram desde o início contra as manifestações populares que enfrentavam a ditadura de Assad gritando que se tratava de “ações imperialistas infiltradas” contra um regime progressista e anti-imperialista. Essa lamentável posição de capitulação a um regime reacionário e sanguinário é expressão da falência política destas correntes.
Por um lado, afastam a história e por outro não levam em consideração os sentimentos das massas revoltadas, mas apenas as declarações hipócritas do regime. E por fim, de fato, consideram as massas populares como uma manada sem discernimento e sem objetivos, capaz de ser “levantada” por intrigas imperialistas secretas. O absurdo de conceder ao imperialismo a capacidade de em ações secretas conseguir jogar as massas contra um regime progressista é a prova de que estas correntes não têm nenhuma confiança no povo trabalhador e se movem pela ação dos aparelhos. Eles não se movem pelas necessidades profundas dos oprimidos. São meros impressionistas incapazes de distinguir a realidade da farsa.
O fato é que ninguém organizou ou previu a explosão popular contra o regime assassino, nem mesmo os serviços de Inteligência do imperialismo ou seus melhores analistas. O influente "The Economist Intelligence Unit" previa um futuro de paz para Damasco. Ninguém viu a insurreição que chegava.
Em fevereiro de 2011, poucos dias após o ditador Hosni Mubarak foi derrubado no Cairo, Bashar Al-Assad, dizia em público que “as revoluções recentes na Tunísia e no Egito nunca poderiam ser repetidas em seu país porque o povo sírio apreciava seu regime e sua  resistência contra o sionismo e imperialismo”.
Apenas Assad fez esta previsão e milhares de habitantes da cidade de Derá, no sul do país, tomaram as ruas para protestar contra a detenção e interrogatório de vários adolescentes que tinham escrito grafites contra o governo. Era 15 de março, o primeiro dia de uma rebelião que foi inicialmente pacífica, mas que desde o início sofreu uma repressão contundente e sangrenta.  A rebelião logo se espalhou a partir do epicentro de Derá para as províncias periféricas do país até ser deslocada pela fabricação do Exército Livre Sírio que transformou a insurreição em guerra de guerrilha nas cidades afastando o componente de luta de massas.
Mas, o prognóstico de Al-Assad não foi o único errado. Especialistas de todo tipo fizeram previsões semelhantes nos meses anteriores. Um relatório da Economist Intelligence Unit (EIU), de junho de 2010, analisa a situação política e econômica na Síria e faz previsões para o segundo semestre de 2010 e todo o ano de 2011. Diz o relatório que o regime de Assad “talvez faça algumas reformas políticas limitadas" nesse período, mas insiste que a sua posição não está ameaçada. "O presidente Assad deve permanecer no poder em 2010 e 2011 e apesar de algumas tensões dentro do regime, não há nenhuma ameaça significativa para seu governo", prevê o relatório.
O levante sírio veio como uma surpresa da mesma forma que as revoltas na Tunísia e no Egito não foram previstos por ninguém, incluindo os próprios regimes, até que estouraram. E isso inclui os serviços de inteligência das potências ocidentais, entre os quais estão os Estados Unidos que se aprontavam para enviar um novo embaixador para a Síria já que não tinha ninguém ali neste posto há cinco anos. Mas, os eternos conspiradores que nunca confiam nas massas são incapazes de compreender isso.
A insurreição popular iniciada contra Assad apavorou não só o regime, mas seus aliados e adversários imperialistas. A derrubada do regime e a extensão de Conselhos Populares controlando cidades não é o tipo de regime e estado que os capitalistas possam apoiar, em nenhum caso. Era preciso por um lado intensificar a repressão para aterrorizar e estancar a revolução e por outro criar as condições para tirar as massas da cena e organizar um conflito de tipo militar entre frações armadas pelo regime e por seus adversários. Esse foi o papel reservado ao autoproclamado Exército Livre Sírio.
Os massacres ordenados por Assad levaram a uma situação em que a violência com que os soldados eram obrigados a reprimir seu próprio povo propiciou deserções massivas no exército. Muitos desses soldados não tinham outra coisa a fazer que juntar-se à iniciativa de grupos religiosos armados pela Arábia Saudita, Qatar e outras organizações integristas muçulmanas que constituíam o autoproclamado Exército de Libertação Sírio (ELS). Muitos dos massacrados sobreviventes também fugiram e se enredaram no ELS, única força com meios de propiciar a sobrevivência e armas. Estes soldados desertores e os sobreviventes, sinceros combatentes pela derrubada de Assad, engrossaram o que até então era um grupo armado por regimes rivais.
No ELS entraram oficiais que apoiavam o regime, mas mudaram de lado como ratos que abandonam um navio naufragando assim como mercenários dos países vizinhos cujo soldo é bancado pelos mais reacionários regimes da região. O Qatar e Arábia Saudita, e diversas lideranças religiosas pretendem derrubar Assad e impor um regime a sua imagem. O fato de Assad pertencer à minoria alauita em um país predominantemente sunita é apontado por essa gente como a causa de todos os seus crimes. Fomentando o ódio religioso, buscando transformar a revolução em uma jihad (guerra santa), contra os inimigos do Islã.
A ação do ELS iniciando a luta armada interrompeu os protestos de massas e o processo dos conselhos populares que se desenvolvia. O ELS não representa uma vanguarda revolucionária que poderia constituir-se uma milícia proletária independente, mas é a expressão da degeneração da revolução em contrarrevolução através do predomínio de forças e interesses em oposição à insurreição das massas cansadas da exploração capitalista que o regime representava. O ELS pede armas às monarquias locais e um intervenção militar imperialista, o que já mostra seu caráter.
A dita luta armada do ELS impede as massas de utilizarem seus métodos de luta e as atomiza em “civis” ou “soldados”. Torna impossível que as manifestações continuem e impede a organização da classe trabalhadora nos seus locais de trabalho fazendo uso de suas armas históricas, como as greves e paralizações para golpear regime e classe inimiga.
Paralelamente à constituição do ELS, uma parcela da burguesia nativa da Síria, ao perceber que Assad não teria condições de se manter no poder e que era uma questão de tempo para sua deposição, autoproclamou-se direção da revolução sob o nome de Conselho Nacional da Síria (CNS). Um conglomerado de burgueses liberais, que deseja a deposição de Assad tanto quanto teme a tomada do poder pelas massas de trabalhadores. E por isso mesmo tem clamado abertamente pela intervenção militar imperialista no país.
Hoje não há uma organização revolucionária de massas dos trabalhadores na Síria, uma  organização à qual eles possam se agarrar nesse momento revolucionário para golpear Assad. A falta de organizações de massa dos trabalhadores cria um vácuo que em política nunca permanece muito tempo sem ser ocupado.
As massas deram início a uma experiência de Conselhos Populares de tipo soviético na cidade de Zabadani, na fronteira com o Líbano, ao final de 2011. Não por acaso esta cidade foi alvo de ataques sucessivos até que ao final de janeiro desse ano foi tomada pelo exército. O resultado foi massacre, repressão, prisões, tortura e estupros de pessoas de todas as idades. A intenção de Assad era fazer fracassar a experiência dos Conselhos antes que seu exemplo permitisse apontar para uma nova ordem social.
As consequências dessa repressão foram dramáticas. Desde as crescentes deserções engrossando as fileiras do ELS até o crescimento de lideranças religiosas na revolução com consignas reacionárias. Eles apenas dividem os trabalhadores ocultando que os interesses do conjunto da classe não são distintos, seja de um sunita, xiita, alauita, curdo, cristão ou druso. O resultado é também um coesionamento das forças sob controle de Assad.
A forma de impedir a completa degeneração do processo revolucionário em curso, de barrar uma intervenção militar imperialista ou dos regimes da região diretamente, é a entrada em cena das massas trabalhadoras com seus métodos históricos de greves gerais, manifestações de massas, ocupação de fábricas e empresas colocando-as sob o controle dos trabalhadores, demonstrando quem é que comanda e controla a economia da sociedade, paralisando o regime até a sua liquidação. Este é o caminho para uma saída positiva frente a atual situação e ao sofrimento das massas sírias.
O que necessita a revolução síria para salvar-se é a constituição imediata de conselhos populares de trabalhadores, em todas as fábricas e locais de trabalhos, mas também nos bairros, democraticamente eleitos, a organização de milícias armadas proletárias sob controle dos Conselhos, armamento geral das massas, para depor Assad e varrer o regime. Frente a estas ações o regime seu exército se desagregarão. Foi assim no Irã em 1979, foi assim na Tunísia e em tantas outras revoluções.
A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores, como disse Marx, assim repudiamos e nos opomos a qualquer intervenção estrangeira, mesmo que envolta no véu “humanitário”. Que o povo sírio, através de conselhos revolucionários e da tomada do poder resolva a situação tomando seu destino em suas próprias mãos. Nenhuma confiança no CNS ou no ELS que apenas militarizou a revolução apagando o protagonismo e participação popular do processo, transformando em guerra civil sangrenta de duas frações reacionárias em luta pelo poder, sem que nenhuma represente um futuro digno ou o final das condições que propiciaram o início dos protestos das massas sírias.
As massas são plenamente capazes de concluir o processo revolucionário que iniciaram.
Uma união de todos os trabalhadores do campo e da cidade, sem divisões religiosas ou  étnicas, a partir da deposição de Assad, deve constituir o único poder legítimo e reconhecido, para que as tarefas da revolução sejam conduzidas até o fim.
Essas são as condições para que a revolução não se perca e tenha por consequência mais que a deposição de um tirano sanguinário, mas o início de um tempo onde todas as riquezas socialmente produzidas deixem de ser apropriadas por uma camarilha de parasitas e passem a ser distribuídas e utilizadas no interesse social do povo sírio.
Fora disso, se as tropas imperialistas entrarem na Síria as armas dos revolucionários estarão voltadas contra eles. De uma intervenção imperialista só se pode esperar a desagregação da Síria, como fizeram na Somália e agora na Líbia, e um aumento do sodfrimento de todo o povo e ameaças sobre toda a revolução árabe e do Magreb.   
Fora com a intervenção imperialista! Viva a primavera árabe!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Olga Benário luta contra violência às mulheres


 

blog AVERDADE

A atual posição social ocupada pelas mulheres teve sua origem há centenas de anos, com o surgimento da propriedade privada e o nascimento da figura do patriarca, o homem que detinha poder sobre todos os bens da família: terras, ferramentas, excedentes de produção etc. Condenada às obrigações domésticas, a mulher foi escravizada dentro do lar e passou a ser considerada também uma das propriedades do patriarca da família, bem como os filhos gerados por ela.
A sociedade em que vivemos ainda é baseada nessa forma de organização chamada “patriarcal” e economicamente regida pelo sistema capitalista. Este sistema econômico se sustenta a partir das desigualdades e opressões, explorando o trabalho de muitos e enriquecendo poucos. Tudo vira mercadoria e é passível de comercialização, e aquilo que não mais interessa é descartado e substituído por outro artigo mais rentável.
A aprovação da Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, foi, sem dúvida, uma importante conquista da sociedade, em especial das mulheres que lutam há anos pela criminalização da violência. Porém, a lei está aquém do necessário, pois falta muito suporte para que ela seja plena. A existência de apenas 374 delegacias especializadas no enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil faz com que apenas 7% dos 5.554 municípios brasileiros sejam contemplados. Além das delegacias, é necessário que outros órgãos municipais, estaduais e federais atuem de maneira conjunta para reeducar agressores e prevenir e punir qualquer tipo de violência. Atualmente as delegacias comuns desqualificam as denúncias de agressão e violência, não as enquadrando na Lei Maria da Penha. Não existem órgãos de apoio suficientes e não há punição severa para os agressores.
Na última década, percebeu-se um crescimento de políticas e iniciativas que visam a minimizar a prática de violência e assassinatos praticados contra mulheres no Brasil, mas o que se pôde observar foi um aumento de 230% no número de mortes nesse mesmo período. Este assustador crescimento está intimamente ligado ao fato de que as mulheres ainda são consideradas uma propriedade privada dos homens com os quais se relacionam ou são extremamente desvalorizadas por agressores que não sejam de seu convívio.
Belo Horizonte, por exemplo, terceiro centro econômico e político do país, apresentou um aumento de 77% das ocorrências de estupro e ocupa hoje a posição de sétima capital mais violenta para mulheres do Brasil.
Neste sentido, o Movimento de Mulheres Olga Benário lançou,em Minas Gerais, uma ampla campanha que denuncia a violência e exige o combate a todos os tipos de violência cometidas contra as mulheres. Organizando grupos de estudo com as mulheres da Ocupação Eliana Silva, debates em parceria com a Central Única dos Trabalhadores e lançando materiais e manifestos, o Olga Benário começa a reorganizar as mulheres em torno dessa luta para acabar com esta verdadeira chacina cometida contra as trabalhadoras brasileiras – e convoca toda a sociedade para se levantar contra tamanha barbárie.

Raphaela Mendes é Movimento de Mulheres Olga Benário – MG

Indignados não se intimidam com repressão e voltam às ruas

          

Coação policial, processos na Justiça e até acusação de espionagem vinculada ao ETA não impedem que milhares protestem em frente ao Congresso da Espanha contra a proposta de orçamento do governo, que vai aumentar em 34% os gastos destinados ao pagamento da dívida. A reportagem é de Naira Hofmeister e Guilherme Kolling, direto de Madri.


     

           Madri - “A voz do povo/ Não é ilegal!” As palavras de ordem do protesto dos Indignados da Espanha neste sábado contra a proposta de orçamento do governo para 2013 deixaram evidente o desconforto dos manifestantes com a intimidação que vem sofrendo do poder público.

Nessa semana uma denúncia publicada no jornal El Mundo deu conta de que a polícia investiga a ligação do movimento popular que pede uma nova Constituição com o ETA, grupo separatista do País Basco que cometeu diversos atentados nas últimas décadas.

Foi o auge de uma ofensiva para criminalizar esses coletivos que lutam pela mudança no sistema político espanhol - a polícia pratica regularmente a identificação de integrantes em reuniões e protestos, partindo do pressuposto de que estariam cometendo um delito, reprime com violência manifestantes e o governo abre processos judiciais contra lideranças.

A delegada da administração de Madri, Cristina Cifuentes, chegou a declarar que as ações populares previstas para essa semana eram ilegais - anteriormente, comparou a convocação do “Ocupa o Congresso” à tentativa de golpe militar do início dos anos 80.

Mesmo assim, milhares voltaram às ruas na semana em que o Parlamento Nacional começou a discutir o projeto do orçamento de 2013 enviado ao Legislativo. “Cifuentes! Cifuentes!/ Não somos delinquentes!”, provocavam os ativistas, que exibiam faixas com dizeres como “A ditadura não estava morta?”

O conteúdo principal da marcha deste sábado que percorreu a avenida Gran Vía, no Centro de Madri, e que terminou com mais uma concentração em frente ao Congresso, foi questionar os números propostos pela gestão do conservador Mariano Rajoy para 2013.

Nas contas públicas apresentadas ao Parlamento, o gasto destinado ao pagamento da dívida aumentará em 34%. O débito da Espanha poderá alcançar 90,5% do PIB do país no ano que vem, tendo em vista que o passivo aumentará com o resgate para salvar os bancos.

Enquanto isso, os valores destinados para a saúde terão uma redução de 22,6%, conforme calculou o jornal El País. Oficialmente, o governo considera que serão apenas 3,1% a menos nesse item, porém o diário espanhol afirma que nesse cálculo estão incluídas despesas com a seguridade social e obrigações de exercícios anteriores.

A educação perderá 14% de sua verba, enquanto que a cultura terá que se virar com uma redução de 19% em relação a 2012. “O projeto de orçamento para 2013 referenda as irracionalidades e injustiças na organização e distribuição de recursos públicos e reafirma que a maioria da população pagará a dívida, cuja origem é 80% privada e foi transformada em pública mediante o resgate aos bancos”, critica o manifesto que convocou a população para rodear o Congresso mais vez - a primeira foi dia 25 de setembro.

Além de criticar a previsão orçamentária para o próximo ano, a intenção do ato foi demonstrar que os cidadãos não estão satisfeitos com a representação política atual, inclusive os parlamentares eleitos nas urnas que, segundo o texto, realizam um “simulacro de debate democrático”, já que não escutam as queixas que chegam das ruas diariamente.

O movimento popular que defende a abertura um processo constituinte organizou diversos atos públicos ao longo da semana. O primeiro aconteceu na terça-feira, 23, em frente ao Parlamento em Madri para marcar a entrada em pauta do projeto do orçamento. O lema foi “Não devemos!, não pagamos!”. Dois dias depois ocorreram ações descentralizadas para questionar os princípios que regem as contas públicas - uma das atividades foi em frente a sede do Bankia. E, neste sábado, houve ações em todo o país.

Uma pesquisa do instituto Metroscopia divulgada no início de outubro, mostrou que 77% dos espanhóis apoiam a pressão aos deputados, enquanto 93%, estão de acordo com mudanças na Constituição.

Mesmo assim, o texto orçamentário proposto pelo governo do PP deve ser aprovado no Legislativo com poucas mudanças, tendo em vista que o partido de Mariano Rajoy tem maioria na casa.

Método de luta provoca racha entre constitucionalistas
Os dois principais coletivos que defendem a discussão pública e democrática de uma nova Carta Magna na Espanha participaram das manifestações contra a proposta de gastos do governo central para 2013. Entretanto, o conteúdo dos protestos gerou uma ruptura entre os principais grupos: a Coordenadora 25-S e a Plataforma Em Pé.

A primeira, que responde oficialmente pela organização das ações de questionamento do poder estabelecido (o nome é referência ao 25 de setembro, data do primeiro protesto em frente ao Parlamento), pediu aos participantes que levassem suas “emendas” ao projeto do orçamento.

“Vamos 'empapelar' o Congresso”, era a chamada da Coordenadora 25-S, que se concretizou em centenas de cartazes afixados na grades de isolamento instaladas pela polícia em torno do quarteirão onde fica a casa legislativa, em pleno centro turístico de Madri.

A Plataforma Em Pé, que foi a pioneira em pedir uma “democracia real” e cujo manifesto de “fundação” pode ser considerado o marco teórico para as ações que hoje são levadas a cabo pela Coordenadora 25-S, discorda que a melhor maneira de mostrar a insatisfação pública seja tentar “reformar o orçamento”, o que significaria, de alguma maneira, aceitar o sistema atual.

Segundo um manifesto do coletivo publicado na internet junto com uma imagem de uma criança mostrando o dedo médio para a câmera, a única saída possível é a revolução, que deveria iniciar com a destituição do Parlamento. “A ideia original do 'Ocupa o Congresso' não era obter apenas manifestações estéreis de espírito reformista”, ataca o texto.

Embora discordasse do conteúdo, a Plataforma Em Pé referendou e participou dos protestos – e seguirá secundando todas as “ações contra o poder que nos submete cada dia mais a perdas de direitos e liberdades”.

Talvez por isso os protestos na rua desta semana tiveram menos gente do que os de setembro – a repressão policial e as distintas convocações para atos ao longo de uma semana são outros fatores que podem ter concorrido para a adesão menor de participantes.

Suicídio de homem que perdeu a casa eleva cobrança a banqueiros
O suicídio de um morador da cidade de Granada diante do iminente despejo por falta de pagamento da hipoteca de sua residência elevou o tom da cobrança a políticos e banqueiros no protesto popular deste sábado no Centro de Madri. Em diversos momentos, a massa cantava em uníssono que “não é suicídio, isso é homicídio”, em referência ao caso trágico que ocorreu na sexta-feira.

“Culpados”, “Assassinos!” e “Guilhotina!” foram alguns dos dizeres dos manifestantes ao passar pela sede ou até mesmo por caixas eletrônicos de Deutsch Bank, Caja Madrid e Banco de Espanha, durante a marcha que percorreu a Gran Vía, antes de chegar ao Congresso. “Mãos ao alto! Isso é um assalto”, foi outro lema entoado pelos ativistas ao visualizar instituições bancárias.

Sobrou também para o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, a quem o público pedia a demissão imediata. O ato por uma nova Constituição e contra o chamado “Orçamento da Dívida” terminou com um minuto de silêncio em frente ao Congresso e a apresentação da Orquestra Solfônica, uma brincadeira com o nome da praça - a Puerta del Sol - onde surgiu o movimento dos Indignados, em 2011.

domingo, 28 de outubro de 2012

Whisky (Whisky) – Uruguai (2004)

 




Direção: Juan Pablo Rebella; Pablo Stoll
Roteiro: Juan Pablo Rebella; Pablo Stoll; Gonzalo Delgado
Jacobo é um homem solitário que dedica sua vida ao pequeno negócio na fabricação de meias. Marta é a gerente da fábrica. Quando Herman, irmão de Jacob que não o visita há 20 anos, diz que irá aparecer, o homem propõe a Marta que finja ser sua esposa durante a visita do irmão.
Eu não sei se foi a monotonia do filme ou o tédio do meu sábado à noite que me fez dormir.
De qualquer forma, o ritmo arrastado é até certo ponto necessário para compor a psicologia dos personagens, que igualmente vão se arrastando pela vida.
De quebra, o filme ainda dá uma breve passeada pelas calles uruguayas, despertando saudades em quem já caminhou pelas ruas de Montevideo.
Whisky vale à pena para quem curte cinema latino-americano ou para quem, ultimamente, só tem sorrido na hora de tirar foto.
...


Referências ao Brasil:
Pelo fato de um dos protagonistas vir de Porto Alegre, há muitas referências ao Brasil.
Ao dar dois beijos, em vez de um, Herman se justifica: “Cumprimento à brasileira”.
Em outro momento há um diálogo:
- E você, Marta, conhece o Brasil?
- As cataratas (do Iguaçu). Fomos lá na lua-de-mel.
- Que beleza! Depois quero ver as fotos.
- A beleza das cataratas só se conhece estando lá.
Outro diálogo:
- E sabe onde foi isso? No restaurante do Tony Ramos.
- Tony Ramos?
- Ele tem um restaurante lá perto de casa. De vez em quando, aparece lá. Minhas filhas fazem um escândalo – “Ai, Tony Ramos”!
- Você conhece o Tony Ramos?
- Não somos íntimos, mas já conversamos. É um cara legal, o Tony.
- São tão boas as novelas brasileiras, os cenários, os atores, não é?
- Não sei, não vemos novelas lá em casa. Mas, é muito investimento, disso não há dúvida.
E, por fim:
- Se eu pudesse viajar, iria para o Brasil. O Brasil é um país encantador. Eu viajo muito, quase nunca paro lá.

Créditos: AZ

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A ideologia e as seitas

 

Filipe Diniz
 


A presença crescente nas eleições de diversos países de candidaturas apoiadas por formações “religiosas” é apenas uma face mais visível do papel instrumental que estas desempenham, em particular no quadro da actual crise geral do capitalismo. A componente “religiosa” da ideologia dominante continua a constituir um dos mais eficazes instrumentos da opressão de classe.


Segundo os jornais, um dos candidatos que as sondagens davam como favorito na primeira volta das eleições municipais em São Paulo, no Brasil, acabou por ser prejudicado por ser o representante da coligação Partido Republicano Brasileiro (PRB) / Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Teve 21% dos votos, o que foi insuficiente para passar à 2.ª volta. Mas o candidato Serra passou, com 30,7%, apoiado pela coligação PSDB/IMPD. IMPD é a sigla da Igreja Mundial do Poder de Deus.
Estas «coligações» têm muito que se lhes diga, porque dos nove deputados federais eleitos pelo PRB, sete são pastores da IURD. Ou seja, não será fácil distinguir se é o partido o braço «político» da Igreja, ou se é a Igreja o braço «religioso» do partido.
Nas eleições presidenciais dos EUA o candidato republicano, Mitt Romney, já foi bispo e é um alto dignitário da Later Day Saints Church (LDS), mais conhecida como Igreja mórmon. E não é obviamente a primeira vez que um candidato nos EUA tem um forte vínculo público a uma instituição de carácter religioso, tendo em conta o papel de grande relevo que muitas dessas instituições desempenham na sociedade americana. Já para não falar das consultas directas que George W. Bush fazia com Deus, segundo o seu próprio testemunho.
Serão surpreendentes estes fenómenos? Nem por isso. Essas «igrejas» são sobretudo potentados económicos e mediáticos, e não o são apenas extorquindo o «dízimo» aos seus fiéis. A LDS controla empresas que geram rendimentos anuais de milhares de milhões de dólares, um jornal, uma estação de TV, 11 rádios, uma editora, negócios de seguros, é proprietária de milhões de hectares de terras nos EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, México, Argentina, Brasil.
E quanto à dimensão «religiosa», podemos recordar a propósito a reflexão de Gramsci acerca do papel da categoria intelectual dos eclesiásticos medievais – a «aristocracia da toga» – enquanto intelectuais orgânicos de um sistema feudal que entrara em crise. Para a ideologia dominante, num quadro em que o capitalismo já exclui qualquer dimensão de racionalidade, a componente religiosa da ideologia ganha uma prioridade acrescida.
E não é só no Brasil e nos EUA.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2030, 25.10.2012

sábado, 27 de outubro de 2012

Por que a América Latina é um território vigiado




Por Romina Lascano


O conflito geoestratégico com a China, o futuro da América Latina e o interesse de Washington na região são o miolo do novo livro da analista Telma Luzzani, Territorios Vigilados, recentemente apresentado em Buenos Aires, que deixa claro como opera a rede de bases militares estadunidenses na América do Sul.

Segundo a autora, a ideia do livro foi amadurecendo pouco a pouco até que, em 2008, escreveu uma nota sobre a reativação por parte dos Estados Unidos da IV Frota do Comando Sul para patrulhar os Oceanos Pacífico e Atlântico.


"O que me perguntava nessa nota –assinala Telma- é por que razão os EUA teriam interesse em reativar uma frota semelhante poder de fogo no território onde, visivelmente, não havia nada que chamasse a uma guerra”.

"Falei com vários analistas e o resultado dessa nota era que, justamente, nossas riquezas, com os recursos naturais e mais as mudanças que estavam acontecendo no mundo em âmbito econômico e político, tornavam necessário para os Estados Unidos, militarizar a zona, para continuar mantendo seu poder e seu domínio”.

Depois ficou-se sabendo que o ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, naquele momento à frente do governo, havia acordado a presença de sete bases militares em seu país. Esse foi o início de uma investigação de vários anos e de um livro que tardou quase dois anos para ser publicado.

Com a colaboração dos jornalistas Emiliano Guido e Federico Luzzani, a autora começou a desenrolar o motivo que levou à instalação e manutenção das bases militares –que passaram de 14 (em 1938) para 30.000 (em 1945), das quais, ao finalizar a II Guerra Mundial, somente permaneceram abertas 2.000- sem conflito bélico à vista. Explica: "Todos os impérios tiveram bases militares. Os países que tem uma frota marítima significativa necessitam de lugares onde abastecer-se, treinar-se, acumular recursos. Então, as bases militares, na realidade, são parte da estrutura militar de uma potência”. "Quando os Estados Unidos converteram-se na maior potência juntamente com a União Soviética, após a II Guerra Mundial, decidem expandir suas bases em função de um projeto de dominação global”.

Segundo a jornalista, em cada período político e, de acordo com as circunstâncias, as bases vão mudando de características: "Uma base tradicional, grande, com muito pessoal é muito cara e é odiosa para o país que tem que alojá-la. Em geral, cria conflitos, traz problemas ambientais”. "Após a queda da União Soviética, os Estados Unidos redesenharam seu poder militar e decidiram em algum lugar deixar as bases tradicionais e, em outros, abrir novas bases ou substituir as que tinham por outras menores, dissimuladas, com pouco pessoal, que é rotativo. Para o governo que as aloja, é fácil convencer aos seus cidadãos de que não se trata de uma base militar...”.

Com relação ao critério empregado para situar as bases, a autora ressaltou que o mesmo é geoestratégico. "Está vinculado à guerra e ao comércio”. E aprofundou em uma das hipóteses de seu livro, o potencial conflito entre os Estados Unidos e a China rumo a 2016: "É somente uma projeção. 2016 será o ano assinalado pelo Banco Mundial como o momento em que, provavelmente, a China superaria aos Estados Unidos como primeira potência econômica do mundo. Os Estados Unidos não vão esperar por 2016 e que isso seja um fato consumado; essas coisas são resolvidas antes que aconteçam. Não sabemos se a China continuará o mesmo esquema expansionista dos Estados Unidos. Vamos rumo a um sistema que ainda não conhecemos”.


Nesse contexto, Luzzani analisou a papel da América Latina e ressaltou duas questões importantes. "Uma é que, pela primeira vez, os Estados Unidos têm que deslocar uma presença militar evidente, que, até que aparece a Base de Manta, isso não fazia falta porque havia uma quantidade significativa de governos militares, cuja linha de mando terminava diretamente no Pentágono. E, em segundo lugar, uma escassez de recursos naturais que, em nosso território, é abundante”.

Luzzani também busca desmascarar com seu texto a denominada irrelevância latino-americana. "Outra hipótese que trabalho no livro é o fundamento que diz que a América Latina não tem nenhuma importância para os Estados Unidos. Tento demonstrar que é exatamente ao contrário”. "É tão importante que, em geral, sempre está presente em seus primeiros objetivos sobre o que vai acontecer na região. Sem a América do Sul e a América central, os Estados Unidos não poderiam ser a potência que são”.

A jornalista argumentou que daí provém a necessidade de dominar a região e de separar o Brasil e a Argentina, união que considerou como "um dos piores pesadelos dos Estados Unidos”.

Telma Luzzani explicou que alguns fatos políticos não puderam ser incluídos no livro: "O que aconteceu com [Fernando] Lugo é importante porque eles têm uma base militar, que é a de Mariscal Estigarribia; que no Paraguai exista um governo como o de Lugo ou o de Federico Franco faz uma grande diferença. Nesse sentido, me interessava muito ampliar esse enfoque”.

Antecipou que poderia mudar algum capítulo para aprofundar sobre o processo de paz iniciado entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc): "O presidente Juan Manuel Santos surpreendeu muito. A Colômbia sempre foi o país aliado estratégico dos Estados Unidos. A presença do Plano Colômbia justificada pelo narcotráfico, pelo terrorismo, parece que vai por águas abaixo caso avance o processo de paz. Suponhamos que o processo seja um êxito e que o argumento do terrorismo e do narcotráfico se debilitam. Então, não se justificaria semelhante deslocamento militar”.

Em relação à reeleição do presidente venezuelano Hugo Chávez, a autora ressaltou que para os Estados Unidos é uma má notícia e ressaltou que esse país também está rodeado por bases militares norte-americanas. "Há bases que estão a 50 quilômetros da costa venezuelana. Estão também as bases da Colômbia. O modelo venezuelano, o tipo de política que é levado adiante na Venezuela é exatamente o que os Estados Unidos não gostariam que tivesse êxito, porque é totalmente contrário ao que eles disseram por toda a vida que era melhor”.

Na hora de desvelar se a América Latina pode libertar-se do controle norte-americano, Luzzani não deu lugar a dúvidas: "Se pensarmos nas riquezas que temos, creio que, no momento, é muito difícil que deixemos de ser um território vigiado”.



[Territorios vigilados. Como opera la red de bases militares norteamericanas en Sudamérica; Editorial Debate, Buenos Aires, 560 páginas].



Fonte: IrãNews
Tradução: Adital

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Brasil e a crise síria: o que quer a senhora Clinton?

 

Editorial do PORTAL VERMELHO

A declaração da secretaria de Estado dos EUA, Hillary Clinton, de que “o Brasil é uma voz muito importante para tentar resolver a crise" na Síria, na quarta-feira (24) a jornalistas em Nova York, depois de uma reunião com o chanceler brasileiro Antonio Patriota, foi quase um pedido para a diplomacia ajudar a deslindar a sangrenta crise provocada naquele país depois das ações armadas de “rebeldes” apoiados precisamente pelo governo dos EUA. E um claro desmentido da torcida negativa que, na mídia conservadora brasileira, tem tentado desqualificar qualquer tentativa brasileira de apoiar, pelo mundo, os esforços pela paz.

O comentário de Hillary Clinton vem num momento favorável à paz, apesar da política intervencionista das grandes potências imperialistas. Tanto o governo do presidente Bashar Al-Assad quanto líderes da oposição armada concordaram em um cessar fogo entre a manhã da sexta-feira (26) e a segunda-feira (29), em virtude de um feriado religioso. Será a primeira suspensão dos combates desde março de 2011, quando a “primavera árabe”, na Síria, degenerou em conflitos armados que, com o apoio ativo dos EUA, da União Europeia e seus aliados no mundo árabe, têm o potencial de mergulhar o país no caos e transformar a Síria num caso semelhante àquele que sobreveio, na Líbia, quando este país sofreu a intervenção militar das potências imperialistas, através da Otan.

A questão subjacente à declaração da senhora Clinton é simples: afinal, o que querem os EUA? O desdobramento trágico da intervenção na Líbia indica que caminho semelhante pode ser trilhado na Síria no rastro de uma intervenção armada patrocinada pelo imperialismo. A alardeada “democracia” levada pela força das armas tem se traduzido, como ocorreu na Líbia e em outros países vítimas de agressão semelhante, no fortalecimento de grupos fundamentalistas religiosos extremamente conservadores e antidemocráticos, tendência semelhante à que se assiste entre os chamados grupos “rebeldes” que agem na Síria com o patrocínio do governo de Washington, como a dirigente da diplomacia dos EUA confessou, novamente, na entrevista desta quarta-feira.

Falar em “democracia”, neste contexto, não é irônico: é hipócrita. Na entrevista, Hillary Clinton deu um sinal das pretensões norte-americanas em relação à diplomacia brasileira. Ela foi clara, dando boas vindas a "qualquer participação brasileira no esforço para alcançar um cessar-fogo, para implementá-lo, para ajudar na transição política" na Síria.

A palavra chave aqui é “transição política”, um eufemismo para esconder o objetivo imperialista de intervir nos assuntos internos e soberanos da Síria e impor a troca do governo atual, de Assad, por outro formado por outras forças e “negociado”.

Esta não é a política brasileira para a crise síria. O Brasil tem autoridade para participar na busca de uma solução para esta crise, primeiro por acolher, em seu território, uma das maiores populações sírias no exterior, criando laços de amizade e parentesco entre os dois povos. Esta é uma autoridade sentimental que reforça outra, decisiva, a autoridade política. Sobretudo desde o inicio do governo Lula, em 2003, o país tem feito sucessivas gestões para fortalecer a amizade com os povos no Oriente Médio e ser um interlocutor influente nas negociações de paz na região.

É a tradição histórica de nossa diplomacia, reafirmada pela presidenta Dilma Rousseff em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, há exatamente um mês, quando a mandatária brasileira proclamou ao mundo a sua convicção de não existir "solução militar para a crise na Síria. A diplomacia não só é a melhor como, creio, a única solução", disse. O Brasil vem reafirmando esta tese em declarações da Chancelaria e dos votos proferidos na ONU, onde se opõe ativamente a soluções militares e contrárias à soberania do Estado sírio e do seu povo.

O caminho que o Brasil propõe é o da paz e da soberania nacional, como Patriota deixou claro na entrevista concedida juntamente com Hillary Clinton. Sem referir-se à “transição política” citada pela norte-americana, disse esperar que as “posições do Conselho de Segurança representem um ressurgimento de um consenso internacional que contribua para uma solução dentro do mais breve prazo com respeito à Carta da ONU e dentro da prioridade ao diálogo e à diplomacia", rejeitando a possibilidade de uma intervenção na Síria. O importante, acentuou o chanceler brasileiro, é retomar o processo de paz “para encontrar uma solução negociada para a Síria", mobilizando também os países do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) nesse esforço.

Há diferenças entre a posição do Brasil e dos EUA, em relação à crise síria. E Isto sugere a pergunta: o que querem os EUA? O que pretende a senhora Clinton?

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Competitividade, símbolo dos paradoxos da globalização

A palavra “competitividade” figura em todas as bocas e já não se restringe as empresas. Agora cidades, regiões e até mesmo as nações devem concentrar suas energias nesse objetivo. Com esse fim, nossos governantes são convidados a se inspirar nas teorias de administração desenvolvidas pelas escolas de comércio dos EUA
por Gilles Ardinat no LE MONDE -BRASIL

Singular unanimidade. Diante do anúncio da demissão de 8 mil funcionários da Peugeot em 12 de julho de 2012, Jean-François Copé, secretário-geral da União por um Movimento Popular (UMP), identificou uma “prioridade absoluta”: “a competitividade de nossa indústria”. Momentos antes, o ex-ministro do Trabalho Xavier Bertrand observava: “Não é apenas uma questão de quantidade, mas também de custo de trabalho e competitividade”.1 Outro argumento retomado no mesmo dia pelo senador e ex-primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin apelava para um “choque de competitividade”, a única forma de aquecer a economia francesa, segundo ele.
Assim ecoava o perfeito coro de tenores formado pelos dirigentes da UMP e políticos dos salões dos palácios do Eliseu e de Matignon. O presidente François Hollande identificou a competitividade como o principal eixo de trabalho. E, 48 horas antes, o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault havia definido um objetivo fundamental para a nação: “Melhorar a competitividade de nossas empresas”.
Da estratégia de Lisboa, que em 2000 definiu um “novo objetivo” para a União Europeia (“transformar a economia do conhecimento na economia mais competitiva e dinâmica do mundo”), aos “acordos de competitividade e emprego” lançados pelo presidente Nicolas Sarkozy no fim de seu mandato; das injunções para a “competitividade fiscal” do patronato britânico aos planos de “competitividade industrial” de seu homólogo espanhol, a palavra “competitividade” figura em todas as bocas e já não se restringe ao meio empresarial. A partir de agora, cidades, regiões e até mesmo as nações devem concentrar suas energias nesse objetivo prioritário. Com esse fim, nossos magistrados e governantes são convidados a se inspirar nas teorias de administração desenvolvidas pelas escolas de comércio norte-americanas e colocar em prática seus conceitos:2 controle de custos de produção (“competitividade-custo”), benchmarking(os países são comparados e classificados como empresas em um meio concorrencial), marketing territorial (os territórios devem “vender-se”)3 e pesquisa de financiamento (atração de capitais). Ao passo que o uso dessa caixa de ferramentas aumenta, a competitividade se impõe como o novo padrão de performance dos territórios na globalização. Mas como ela é medida?
Em sentido amplo, a competitividade designa a capacidade de enfrentar com êxito a concorrência. Aplicada aos territórios, essa noção mede o nível de inserção na geografia econômica mundial. Contudo, basta consultar obras e artigos – abundantes – consagrados ao tema para identificar um primeiro paradoxo: apesar do entusiasmo que suscita, esse conceito se revela particularmente frágil no âmbito científico. Isso acontece porque transpõe uma noção microeconômica (a competitividade de produtos e empresas) à esfera política (a competitividade de territórios). Essa analogia é denunciada pelo economista Paul Krugman, agraciado em 2008 pelo Banco Central da Suécia com o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel: “A competitividade é uma palavra vazia de sentido até o momento em que é aplicada às economias nacionais. A obsessão pela competitividade é, ao mesmo tempo, falsa e perigosa”.4
Numerosos especialistas tentaram remediar essa carência construindo uma definição mais consensual para o termo, como a do economista austríaco Karl Aiginger, para quem esse conceito descreve cada vez mais uma “aptidão para gerar bem-estar” no meio concorrencial. Ele indica que “o salário e o emprego são gerados em processos nos quais a rivalidade e a performance relativa desempenham um papel”.5 Essa concepção, aplicada ao cenário atual, supõe que a concorrência generalizada entre territórios seja compatível com o melhoramento do nível de vida.
Ainda assim, permanece a questão: é possível considerar territórios e empresas como instituições de mesma natureza? Um território, espaço apropriado e delimitado por uma fronteira, oferece a um povo suporte físico, assim como boa parte de suas referências culturais e políticas. Ele não se reduz a dados macroeconômicos: as notas (papel das agências de risco), as taxas (inflação, juros, desemprego) ou os salários (comerciais, orçamentários) refletem apenas um aspecto – superficial e material – da nação. Contrariamente a uma empresa, o objetivo maior de um território não é lucrar. Sua ação se inscreve no tempo longo da história, não no imediatismo dos mercados. Enfim, uma nação não faz balanços nem pode ser liquidada.
É sobre essa assimilação, contudo, que se constrói a teoria da competitividade, um dos pilares da globalização. Aplicada aos territórios, essa noção marca uma nova etapa da “mercantilização do mundo”, porque subentende que existe um “mercado de territórios” em que as empresas podem escolher suas bases a partir do jogo da concorrência. Em um mundo onde tudo, ou quase tudo, pode ser cotizado na Bolsa (direitos de poluir, títulos de dívidas, matérias-primas), a competitividade faz as vezes de bússola para os investidores ao avaliar a suposta performance de um território.
Detenhamo-nos às declarações oficiais: alimentar a competitividade estimularia o emprego, a produtividade e o nível de vida. Segundo os especialistas delegados pela Comissão Europeia, “a concorrência é aliada, e não inimiga, do diálogo social”.6 A globalização ofereceria ao Ocidente a possibilidade de se livrar das atividades manufatureiras e da fabricação de produtos de pouco valor agregado em favor de empregos altamente qualificados e mais bem remunerados. Em resumo, uma operação vantajosa para todas as partes: de um lado, os países industrializados se beneficiariam com a especialização de serviços e da alta tecnologia (“competitividade estrutural”, que depende da capacidade de inovação e exploração da propriedade intelectual); do outro, o Terceiro Mundo sairia da pobreza graças aos deslocamentos de empresas para seus territórios (guiados pela “competitividade-preço”, ou seja, pela diminuição dos preços dos produtos em função dos baixos salários, da desvalorização da moeda e do crédito com juros baixos).
Esse cenário – que certos “países cobaias”, considerados simplesmente territórios low cost, não considerariam muito vantajoso – corresponde à realidade? Nenhuma economia, por mais sofisticada que seja, pode se emancipar dos problemas de custos. A Alemanha, muito usada como exemplo, é um país de forte tradição industrial. No entanto, aumentou sua competitividade por meio da estagnação salarial e de um imposto sobre o consumo considerado “social” (uma redução das contribuições patronais compensadas pelo aumento das taxas sobre o consumo de bens duráveis). Essas medidas unilaterais coincidem com a decolagem de seus excedentes comerciais. Além disso, apesar dos mitos sobre o atraso insuperável, os países emergentes se mostram cada vez mais competitivos pelas inovações em filões importantes do mercado (informática na Índia, energias renováveis na China).
Não seria ilusório, então, dividir o mundo em países de competitividade “estrutural” e países de “competitividade-preço”, condenados a ser apenas o lado mais fraco da globalização? O relatório Blanc de 2004,7 que inspirou a política francesa dos polos de competitividade, afirmava que, “para retomar uma vantagem significativa, a economia deve escolher entre alinhar-se ao modelo social asiático ou tomar a dianteira na inovação”. Com base nessa visão binária, os dirigentes da zona atlântica do euro retificaram os deslocamentos das últimas décadas. E, em seus discursos, raramente figurava a ideia de repatriar os milhões de empregos perdidos no setor têxtil, siderúrgico ou na indústria de brinquedos. Os países cuja produção se respaldou no Estado seriam condenados por “falência econômica”, teriam de reimportar esses produtos e se especializar em serviços e pesquisa.
Mas a estratégia da competitividade estrutural não seria outra forma de designar a renúncia política? Para além da frivolidade do “todos ganham” e da promessa de melhorar quantitativa e qualitativamente o emprego, em geral se trata da imposição de medidas impopulares: aumento de imposto, arrocho salarial, austeridade fiscal. Assim, foi em nome da competitividade que a União Europeia e o FMI exigiram a redução dos salários na Grécia.8 Menos performático que seus vizinhos, o país deveria baixar significativamente a remuneração do trabalho, enquanto os planos de salvamento garantiriam provisoriamente a remuneração do capital, ou seja, o pagamento dos juros ao sistema financeiro. Nesse sentido, a competitividade mascara o que, em realidade, parece um dumping generalizado.
Na década de 1980, a expressão “dumping monetário” foi abandonada (em teoria, denunciada pelo FMI) para dar lugar ao termo “desvalorização competitiva” – operação que consiste em manter o câmbio de uma moeda artificialmente baixo para favorecer as exportações. O termo dumping conservava uma característica pejorativa, razão pela qual foi substituído por “competitividade”, suficientemente respeitável para autorizar um governo a tomar medidas antissociais sem ser estigmatizado. Em resumo, essa palavra permite formular de maneira politicamente aceitável a imposição de se adaptar à concorrência, estratégia que a população não necessariamente escolheu, mas que é um dos pilares da globalização neoliberal.
Promessa de prosperidade que desemboca em políticas de dumping: esse discurso paradoxal de duplo sentido repousa sobre o dogma da concorrência entre sistemas produtivos. Se a ideia de uma “concorrência livre e perfeita” guiou diversas leis antitruste e antidumping,9 sua transposição aos territórios apresenta alguns problemas. Em primeiro lugar, não existe nenhuma autoridade de regulação confiável para a concorrência entre nações. Nem a Organização Mundial do Comércio (OMC) nem a Organização Internacional do Trabalho (OIT) parecem estar em condições de regulamentar os diferentes dumpings. Assim, a China pode acumular livremente dumping social (baixos salários), ambiental (livre poluição pelas indústrias), monetário (desvalorização deliberada do yuan), regulamentário (flexibilidade das leis) e fiscal (restrições nos serviços sociais estatais e multiplicação de zonas isentas de impostos). A lei do mercado, ao ser aplicada aos territórios, se revela fundamentalmente distorcida.
O discurso sobre a competitividade tenta mascarar esse panorama com a correção das disparidades entre os diferentes locais de produção. Esses esforços parecem irrisórios quando as abismais diferenças de custos são levadas em conta: o bloqueio dos salários no Ocidente, por exemplo, permite realmente que o salário dos trabalhadores franceses seja comparado ao de seus homólogos vietnamitas? Para cumprirem esse objetivo oficial (“ganhar a batalha da competitividade”), essas políticas respondem às tentativas do setor empresarial de reduzir os custos do trabalho. Surpreendente coincidência, a busca pela competitividade, pouco contundente em sua luta contra os deslocamentos de indústrias, constituiria, assim, um álibi cômodo para garantir ou aumentar a remuneração do capital. Nesse sentido, evocar os termos “território” ou “nação” constitui um artifício retórico, porque os benefícios não são coletivos (noção de interesse geral ou nacional), e sim categorizados (aumento do lucro de alguns).
Por outro lado, a concorrência frontal dos sistemas produtivos gera um efeito depressivo inerente sobre os salários, a arrecadação de impostos e a proteção social – todos eles com tendência ao reajuste para baixo. Esse fenômeno não prejudica apenas os assalariados (perda do poder de compra) e os Estados (redução da receita fiscal): também reduz a demanda dos mercados. Sem mencionar que, se os países decidissem simultaneamente impor suas demandas, precipitariam uma grave depressão. Analogicamente, no “mercado dos territórios” os excedentes comerciais não poderiam ser retirados todos de uma vez: é preciso necessariamente países no vermelho para que outros estejam no verde.10 A obsessão de uma “convergência de competitividades” segundo o modelo alemão, portanto, não passa de uma fábula.
A partir do momento em que se constata a fragilidade teórica do discurso sobre a competitividade – porque conduz a diagnósticos enganosos e ao dumping dissimulado –, como explicar seu enaltecimento por parte de dirigentes políticos? Talvez porque essa noção responda às exigências das empresas e dos mercados internacionais. Sem meios de controlar uns aos outros, os eleitos se adaptam às suas exigências. O objetivo da competitividade mascara a perda de autoridade e de soberania dos Estados-nação, e permite eliminar da ação política qualquer possibilidade de proteção social. Enquanto isso, o território – tradicionalmente considerado uma barreira contra as ameaças exteriores (sejam elas militares ou comerciais) com suas fronteiras e instituições políticas – perde gradualmente essa função protetora com o enfraquecimento das barreiras aduaneiras e prerrogativas do Estado.

Gilles Ardinat
Geógrafo


Ilustração: Alves


 
1  Agência France Presse (AFP), 12 jul. 2012.
2  Michael Porter, L’avantage concurrentiel des nations[A vantagem concorrencial das nações], Inter-Editions, Paris, 1993.
3  Ler François Cusset, “La foire aux fiefs” [A feira nos feudos], Le Monde Diplomatique, maio 2007.
4  Paul Krugman, “Competitiveness: a dangerous obsession” [Competitividade: uma perigosa obsessão], Foreign Affairs, Tampa, v.73, n.2, mar.-abr. 1994; “The competition myth” [O mito da competitividade], The New York Times, 23 jan. 2011.
5  Aiginger Karl, “From a dangerous obsession to a welfare creative ability with positive externalities” [De uma perigosa obsessão à habilidade criativa para gerar bem-estar com externalidades positivas], Journal of Industry, Competition and Trade, v.6, n.2, jun. 2006.
6  Alexis Jacquemin e Lucio Pench, Pour une compétitivité européenne. Rapport du groupe consultatif sur la compétitivité [Por uma competitividade europeia. Relatório do grupo de consultoria sobre a competitividade], De Boeck, Bruxelas, 1997.
7  Christian Blanc, “Pour un écosystème de la croissance. Rapport au premier ministre” [Por um ecossistema do crescimento. Relatório ao primeiro-ministro], La Documentation Française, Paris, 2004.
8  Ler Anne Dufresne, “Le consensus de Berlin” [O consenso de Berlim], Le Monde Diplomatique, fev. 2012.
9  Os Estados Unidos votaram, por exemplo, no Ato Antitruste de Sherman (1890) e o no Ato Antitruste de Clayton (1914), para melhorar o funcionamento do mercado.
10            Ler Till van Treeck, “Victoire à la Pyrrhus pour l’économie allemande” [Vitória de Pirro para a economia alemã], Le Monde Diplomatique, set. 2010.