sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A midia de esgoto e o poder.....

Roberto Marinho e a ditadura:

uma contribuição a 'O Globo'


No momento em que O Globo dá início à série de reportagens sobre a contribuição civil à ditadura, aguardo ansiosamente que apareçam os nomes dos donos da Organização e dos editores no período.

Por Gilson Caroni Filho*, na Carta Maior



Como diz a jornalista Marinilda Carvalho, ex-editora do Observatório da Imprensa, "vou esperar para ver a fotografia do Dotô Roberto bem grande na primeira página! Afinal, Roberto Marinho foi um dos maiores colaboradores! Sua TV e seu jornal prestaram inestimáveis serviços aos nossos gorilas, tanto financeiros quanto midiáticos!”.

Assim, como forma de contribuir com a pesquisa do jornal, ofereço minha modesta ajuda republicando, na Carta Maior, artigo que escrevi para o Observatório, em agosto de 2003, em meio às homenagens póstumas prestadas ao empresário . Creio que será de alguma valia para os que se interessam por um empreendimento que objetiva recontar a história, ocultando o papel desempenhado nela. Eis o texto, revisado em alguns pontos, em nome da atualização.

Epifania editorial

Terra revolvida, consciências entorpecidas e biografia reinventada. É próprio do rito agir sobre a realidade intervindo na representação que as pessoas fazem dela. A isso se chama eficácia simbólica. Capacidade de reescrever a história, muitas vezes ao preço de falsificá-la com a anuência de seus, outrora, críticos severos. Esmaecidos os princípios e calados os dissensos, os poderosos nunca morrem sós. Levam com eles o silêncio dos que se diziam inocentes.

Homenagens póstumas tanto mais revelam quanto maior a absolvição pretendida. Os panegíricos pedem mais que um minuto de silêncio. Solicitam, com maior ou menor intensidade, a troca de sinais e a inversão de discursos. A fabricação do consenso precisa que a razão adormeça e as contradições se esfumem. A memória deve se reinventar para dar seu "fiel" testemunho ao novo sentido que as estruturas de poder solicitam.

A morte do presidente das Organizações Globo, o jornalista e empresário Roberto Marinho, produziu manifestações de pesar por demais emblemáticas para serem ignoradas. De antigos aliados a opositores ferrenhos ouvimos e/ou lemos declarações entusiásticas sobre o cidadão, o companheiro e o empreendedor. Não pretendo, ao longo desse pequeno artigo, analisar as intenções que moveram os gestos. Seria tão inútil quanto presunçoso.

Mas se alguma lição há que se extrair desse episódio, ela não poderá ignorar um ponto fulcral: ao morrer, Roberto Marinho mostrou os acertos das apostas que fez em vida. E isso, per si, explicaria sua longevidade como figura central do cenário político brasileiro.

Apostou no poder das estruturas oligárquicas e acertou na mosca. Jogou todas as fichas em forças sociais que perpetuariam o atraso e raspou a mesa. Foi, em nome da expansão de seu império, parceiro de regimes que suprimiram liberdades civis e acentuaram a exclusão social.

Desde jovem soube, como bom jogador de pôquer, que parcela expressiva da intelectualidade que lhe criticava era facilmente cooptável. A retórica cidadã não resistiria a pequenos favores. Não precisou ler Gramsci para ter perfeita noção do que significa transformismo. E, como senhor do cassino, foi avalista de diversas transições pelo alto, de modernizações conservadoras e desconstruções de projetos nacionais. Por tudo isso, foi um vencedor.

Em texto laudatório, o jornal O Globo, na edição de 8 de agosto, registra sua trajetória política:

"Foi o seu modo de exercer o poder. Ficou com Getúlio Vargas em 1930, contra os comunistas em 1935, contra os integralistas logo depois, contra Getúlio quando da redemocratização ao fim da guerra. Em 1964, apoiou o movimento militar, em sua opinião o caminho para preservar as "instituições democráticas ameaçadas pela radicalização ideológica" dos últimos meses do governo Jango. Foi um gesto de fidelidade aos ‘tenentes e bacharéis’, ao lado de quem estava desde 1930".

Ora, esse curto relato anula as intenções dos que pretendem descrevê-lo como "liberal por temperamento", "democrata por natureza" e "empreendedor por vocação".

Deu sustentação simbólica a distintos blocos de poder em troca do atendimento de suas demandas empresariais. A inegável capacidade de se antecipar ao momento histórico é o que explica o parágrafo acima. Reconheceu com sagacidade o caráter conservador do tenentismo e a ele aderiu quando percebeu a revolução passiva que se delineava.

Independentemente de algum desentendimento com censores, não negou ao Estado Novo o apoio de seu veículo. Rompeu com Getúlio e apoiou o golpe de 45, quando pressentiu que, ao caudilho, não restava outra opção a não ser ampliar a institucionalidade a setores até então excluídos. Décadas depois, conspirou contra a legalidade e se tornou o esteio simbólico da ditadura militar, implantada em 64.

Exaltando as virtudes de um modelo econômico calcado no excessivo endividamento externo, fez ouvidos moucos aos gritos dos torturados nos porões. Como principal capitão da indústria editorial, legitimou a censura e pouco, ou quase nada, falou sobre o extermínio de opositores de um regime do qual era parte constitutiva.

Se houve uma ou outra escaramuça pouco importa, o certo é que o "democrata por natureza" assistiu impávido à supressão de liberdades civis e ao desfiguramento das instituições republicanas. Deixou claro, ao contrário do que supõem as consciências ingênuas, que não existe simbiose entre democracia e grande imprensa.

O "liberal por temperamento" sempre contou com as benesses estatais para isenções de impostos, favorecimentos fiscais, cambiais e fornecimento de papel. E o "empreendedor por vocação" soube jogar com a conivência dos poderes instituídos, para dar vazão à sua chama de "empresário "schumpeteriano".

A associação, ao arrepio de dispositivos constitucionais, com o Grupo Time-Life já faz parte da história da televisão brasileira. E é apenas uma pequena amostra de como se constrói um monopólio. De como se moderniza a mídia ao custo da concentração da informação. Nesse ponto, qualquer analogia com a estrutura fundiária não só é permitida, como desejável.

Retorno que assusta

Esgotado o ciclo militar, o "democrata por natureza" manteve-se na linha de frente dos interesses das classes dominantes. Censurando as manifestações por eleições diretas, celebrando o Colégio Eleitoral que acabaria por levar Sarney ao poder e, no curso de adesão ao projeto neoliberal, apoiando Collor (defenestrado por um acordo intra-elites) e Fernando Henrique.

Roberto Marinho sabia que os movimentos sociais dependem das representações construídas a seu respeito na mídia. Não poupou esforços para sua demonização. O movimento sindical do fim dos anos 70 e o MST, mais recentemente, eram manifestações indesejáveis. Deveriam ser apresentados como disfunções que precisam ser exterminadas para o desejável funcionamento da ordem. Nesse ponto, o restante da mídia lhe seguiu como modelo.

Como sabemos a cultura política de uma formação social — conjunto de significados e valores que constrói o sentido de comunidade política — também resulta da interpretação midiática sobre fatos e comportamentos. Se é assim, não há como olvidar que a contribuição do agora festejado "companheiro-jornalista-empresário" para a prática política brasileira foi deplorável. Sua conivência, em tempos distintos, com a tortura, a exclusão e o patrimonialismo é, em grande parte, responsável por nosso atraso político-institucional.

Por tudo isso soam estranhas declarações como as que abaixo reproduzo:

Antonio Palocci, na época, ministro da Fazenda: "Foi o doutor Roberto Marinho fundamental na construção da democracia brasileira e no fortalecimento e estabilidade do sistema democrático nacional. O Brasil perde, mas devemos aplaudir o exemplo dado por ele."

Miro Teixeira, ex-ministro das Comunicações: "Do amigo ficará a saudade. Do brasileiro o exemplo e a história".

José Genoino, então presidente nacional do PT: "Doutor Roberto é um homem que faz parte da História do Brasil. Viveu os momentos mais importantes do país. Teve uma vida longa e frutífera. E agora descansa em paz."

Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça: "Roberto Marinho marca uma época de renovação e consolidação do jornalismo e da grande imprensa brasileira."

Pela estatura moral dos atores, não acho cabível falar em transformismo. Mas, por força da eficácia simbólica citada no início do artigo, julgo não ser improcedente afirmar que, vivo, Roberto Marinho foi corretamente associado ao reacionarismo de nossas elites. Morto, retorna como epifania democrática. E, convenhamos, isso assusta.”

Alguma dúvida que, passados cinco anos, continua assustando?

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro e colunista da Carta Maior


quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Yusef Lateef - Jazz Mood (1957)

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Yusef Lateef foi um dos pioneiros, senão o precursor, da inclusão de instrumentos e sons orientais dentro do Jazz. Saxtenorista e flautista Yusef Lateef foi o primeiro a abrir o Jazz para as novas sonoridades da World Music ainda no início da década de 60.

A inquietude de Lateef é conhecida: tocou em big bands (se revelando, inclusive, na big band de Dizzy Gillespie), foi um dos saxtenoristas de grande brilho no bebop e hard bop na década de 50 e 60. Se converteu ao islãmismo na década de 50 e, já apartir da década de 60, começou a mostrar interesse por novas sonoridades, novas filosofias, bem como pelo uso de instrumentos orientais de sopro e de diversas flautas asiáticas: rahab, shanai, arghul, koto, dentre outros.

Lateef foi ainda o músico que incluiu o fagote e oboé dentro do Jazz e foi um do mais exímios flautistas. Este disco mostra o leque de sonoridades explorado por ele e comprova a inquietude de Yusef Lateef de trabalhar essas sonoridades exóticas dentro da sua música que, apesar de ter sido direcionada para vários estilos do além-jazz, não aderiu ao abstracionismo da vanguarda e prezou sempre por se manter com um alto nível de elaboração.


Yusef Lateef - Jazz Mood (1957)
MP3 / 320kbps / RS.com: 79mb / Cover


Genero: Jazz / hard bop
Data: 09 de abril de 1957
Tempo: 38:00
Local: Savoy


Músicos:
Yusef Lateef - flauta, tenor sax, scraper, argol
Curtis Fuller - trombone
Hugh Lawson - piano
Ernie Farrow - baixo
Louis Hayes - drums
Doug Watkins - percussão

Faixas:
1. Metaphor (Lateef) 8:08
2. Yusef's Mood (Lateef) 8:35
3. The Beginning (Lateef) 4:12
4. Morning (Lateef) 10:38
5. Blues In Space (Lateef) 7:07


quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Do Patria Latina...

Governo do Equador pede ajuda ao Irã para ativar sua indústria petroquímica


Teerã (Prensa Latina) O presidente equatoriano, Rafael Correa, pediu ao Irã assistência para ativar a indústria petroquímica de seu país e fechou hoje sua visita oficial com um oferecimento para acolher em Quito uma possível reunião da OPEP.
Correa, cuja estância na nação persa concluiu nesta terça-feira, se declarou surpreendido e maravilhado pelo rápido desenvolvimento tecnológico iraniano na construção do complexo Pars do Sul, situado na zona econômica especial de Asaluyeh.
"Pedimos ao Irã pôr em marcha nossa unidade de produção de adubo a base de uréia e ative a indústria petroquímica equatoriana", expressou o estadista depois de percorrer na segunda-feira essas instalações situadas na beira do Golfo Pérsico.
Ao destacar a assinatura de acordos para a prospecção de reservas de gás, o governante do Equador disse que "nos alegraríamos se as autoridades iranianas nos ajudassem no setor da energia".
A delegação equatoriana conheceu pormenores da zona econômica do sul do Irã, em particular fases de desenvolvimento de Asaluyeh e Pars do Sul, bem como a petroquímica Nuri.
O presidente, quem já foi despedido oficialmente por seu par iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, comentou os avatares da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) pelo preço atual do pretróleo que –disse- "é artificial, como o foi o de 140 dólares o barril".
"Se o problema não se resolve na próxima reunião da OPEP (prevista para 17 de dezembro na Argélia), Equador decidiu convocar a uma Cúpula de chefes de Estado para deter a queda dos preços", sublinhou Correa citado pela agência oficial IRNA.
Enquanto, a ministra equatoriana de Relações Exteriores, María Isabel Salvador, expressou solidariedade com a República Islâmica ao afirmar que seu programa nuclear é pacífico e recusar as pressões exercidas por potências ocidentais, em particular os Estados Unidos.
Valorizou que Teerã não desviou a essência de suas atividades nesse terreno, as quais o Organismo Internacional da Energia Atômica inspecionou e verificou "uma e outra vez".
"Achamos que o Irã ganhará finalmente a confiança do OIEA, bem como a comunidade internacional se convencerá da natureza pacífica de seu programa nuclear", ressaltou a chanceler.
Durante a visita de Correa e sua comitiva os governos iraniano e equatoriano subscreveram 12 acordos ou memorandos de entendimento nos setores político, diplomata, industrial, bancário, petroleiro, cimenteiro, energético, minerador, farmacéutico e educacional.

Texto: Prensa Latina

Do Correio da Cidadania...

Submersa na globalização, América Latina mostra-se cada dia menos blindada à crise




Eduardo Gudynas

Muitos governos da América Latina insistiram que seus países estavam blindados perante a crise global. Expressando grande otimismo, em lugares como México, Argentina, Chile, Peru e Colômbia, repetia-se que as economias nacionais continuariam crescendo, enquanto a crise se restringiria aos países ricos. Porém, com o passar das semanas, é evidente que o descalabro financeiro afeta a América Latina e as idéias da blindagem estão sendo derrubadas.

Aquele otimismo se baseava em conceber que as economias latino-americanas poderiam descolar-se da crise global graças a fatores como as importantes reservas monetárias em vários países, acreditando que se manteriam as exportações a países como a China, a quem se considerava a salvo da crise financeira.

Assim como o presidente Lula minimizava a gravidade da crise durante setembro e outubro, outros presidentes, como Felipe Calderón do México ou Alan Garcia do Peru, também sustentavam que tais problemas não chegariam a seus países, e que, se isso acontecesse, de toda maneira contavam com ferramentas para enfrentá-los (ver entrevista com Reinaldo Gonçalves no Correio da Cidadania em 02/10). Alguns davam um passo a mais, como Cristina Fernandez de Kirchner, da Argentina, quando, em sua visita às Nações Unidas, assegurou que em seu país não se necessitavam correções; eram os outros que deveriam mudar.

Essa tese do descolamento ou a ilusão da blindagem se desfez em quase todos os casos. Rebaixaram-se as projeções de crescimento econômico da região a menos de 3% em 2009. As bolsas caíram não só em São Paulo, mas também no México, Buenos Aires e Santiago. As moedas nacionais se desvalorizaram frente ao dólar, enquanto em vários países se registra um aumento na fuga de capitais (na Argentina foram mais de 16,3 bilhões de dólares entre janeiro e setembro de 2008). Da mesma maneira que no Brasil algumas fábricas reduziram ou suspenderam sua produção, Argentina e México também o fizeram. A crise também chegou à China, onde a redução de suas expectativas de crescimento, as limitações do crédito e as reformas na produção agropecuária indicam que sua demanda por commodities sul-americanas se reduzirá.

Alguns governos seguem negando tais evidências. Um caso extremo, possivelmente, é representado pelo presidente peruano Alan Garcia, que considera seu país um paraíso econômico e diz que aqueles que criticam seus planos econômicos ou advertem sobre a transnacionalização de sua economia "deveriam ser colocados em uma balsa e lançados ao mar, para que assim desapareçam" (O Comércio, 20 de novembro de 2008).

O presidente do México, Calderón, afirma que seu país conta com os recursos para superar qualquer crise. Porém, o Banco do México acaba de reconhecer uma redução na atividade econômica, num contexto marcado pela queda do peso ao seu mínimo histórico, um desabamento do crédito interno (com altas porcentagens de inadimplência), perdas nas exportações e aumento do desemprego. A situação deste país se faz mais complicada por conta da íntima dependência que mantém com a economia dos EUA. A evidência histórica indica que qualquer queda no produto industrial estadunidense imediatamente arrasta todo o PIB mexicano. Espera-se um crescimento de menos de 1% para o país asteca em 2009.

A queda das remessas que os migrantes enviam dos EUA e da Europa será outro golpe adicional para o México, mas também para os países centro-americanos e algumas nações andinas (especialmente o Equador).

A crise internacional, ademais, pode se somar aos problemas domésticos de cada país. Por exemplo, na Colômbia, com a queda das chamadas pirâmides, empresas de especulação financeira que desembocaram em golpes em escalas massivas. Na Argentina, as contradições internas geram medidas com muitos pontos de interrogação. Enquanto o valor de seus principais produtos, como a soja, caiu dramaticamente e as exportações de produtos manufaturados se ressentem do momento, as contas públicas estão seriamente ameaçadas. A Argentina tampouco dispõe de acesso a créditos internacionais, como conseqüências do default (suspensão de pagamentos da dívida).

Dentro desse contexto, o governo de Cristina Fernandez nacionalizou os fundos privados de pensão. A medida tem um componente positivo ao recuperar o controle do Estado sobre a previdência social. Ao mesmo tempo, o governo ganha o acesso a uma carteira de cerca de 30 bilhões de dólares e ingressos mensais de 300 milhões de dólares, sob muitas dúvidas a respeito da efetividade dos mecanismos de controle e transparência. Muitos temem que o dinheiro não seja usado nas aposentadorias, mas sim para equilibrar as contas estatais e para a campanha legislativa de 2009.

Na semana passada, o governo argentino voltou a surpreender com mais medidas: benefícios para repatriar os capitais do exterior sem investigar a origem dos fundos, extinção de dívidas e até uma reorganização do gabinete, com a criação do Ministério da Produção. Mais uma vez há interrogações: por exemplo, ao não se requerer uma análise da origem dos capitais repatriados, desaparecerão muitas causas judiciais por questões como fraudes fiscais, além de não faltarem advertências de que isso abre as portas para a lavagem de dinheiro. Apesar de todas essas medidas, as estimativas indicam que a economia argentina crescerá menos de 1% em 2009 ou se estancará.

A queda nos preços dos produtos de exportação e o fechamento de muitos mercados golpeiam em todos os países. Isso se observa em rubros como a mineração, na qual no Peru se suspendem empreendimentos e fecham-se pequenas cooperativas e empresas mineradoras, enquanto que na agricultura e pecuária se espera uma contração na Argentina e no Uruguai. A restrição ao crédito internacional é palpável e os papéis de países latino-americanos perdem valor nos mercados internacionais. Os bancos centrais de México, Chile e Argentina devem utilizar suas reservas para segurar a queda da cotação de suas moedas.

Mesmo no Chile, onde o governo central conta com um fundo anti-cíclico nutrido pelas exportações de cobre, são evidentes os problemas. O nível de endividamento interno é alto, os preços de sua principal exportação (cobre) despencaram e o déficit de conta corrente aumentará de 1% em 2008 para estimados 2,7% em 2009. O sistema de previdência social está quebrando devido ao fato de os investimentos dos fundos de pensão privados terem sofrido perdas de ao menos 27% no ano, especialmente pelas aplicações realizadas no exterior.

Os governos de esquerda também brincaram com a otimista idéia da blindagem e hoje sofrem com esses problemas. A queda do preço do petróleo para 50 dólares é um duro golpe nas reformas de Hugo Chávez na Venezuela, assim como no seu esquema de cooperação internacional. As exportações de Equador e Bolívia sofrem um problema similar, o que gera muitas restrições econômicas para o próximo ano.

Essa breve revisão da situação latino-americana mostra que o ano de 2009 será muito complicado e não existe uma blindagem perfeita. A América Latina encontra-se muito mais submersa na globalização econômica do que alguns estavam dispostos a admitir e os passados êxitos econômicos eram mais dependentes do boom das matérias primas que de novas medidas de ministros da economia.

Apesar disso, parecem abundar mais as receitas que negam a necessidade de mudanças substanciais do que novas e audazes medidas a fim de se avançar rumo a outras estratégias de desenvolvimento. Lançar ao mar dentro de balsas quem advertir sobre tais problemas, como apregoa o presidente peruano Alan Garcia, apenas alimenta o desencanto cidadão com a política. Porém, essa falta de novas idéias é uma enorme oportunidade para que a sociedade civil possa renovar o debate sobre o desenvolvimento.

Eduardo Gudynas é analista de informação no D3E (Desenvolvimento, Economia, Ecologia e Eqüidade), centro de investigações dos assuntos latino-americanos sediado em Montevidéu.

Traduzido por Gabriel Brito.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Do blog Notas Agudas...

Aziza Mustafa Zadeh - Dance of Fire


Aziza Mustafa é cantora/pianista de jazz, nasceu em Baku capital do Azerbaijão – isto foi o que me chamou a atenção nunca tinha escutado nada de lá. O pai dela – Vagif Mustafa Zadeh - era pianista e compositor, famoso por misturar mugam – a música tradicional do país – com o jazz. Sua mãe era uma cantora lírica que abandonou os palcos para se dedicar à carreira da filha, que ganhou o primeiro prêmio do prestigioso concurso de piano "Thelonius Monk" nos EUA com o seu próprio estilo, herdado das influências diretas do pai.
Dance of fire (1995) é o terceiro disco de sua carreira, com 11 faixas de dua autoria Aziza reúne um time de músicos de primeira e o resultado é simplesmente surpreendente uma mistura fantástica entre o jazz e o mugam.
As músicas são leves e cheias de improvisos, com batidas as vezes inusitadas é um belo disco, imperdível... aprecie sem moderação!

Créditos: Jazz-notasagudas

Aziza Mustafa Zadeh - piano e vocal
Kai Eckhardt de Camargo - cello
Bill Evans - Sax tenor e sax soprano
Stanley Clarke - baixo acústico e baixo elétrico
Al di Meola - Guitarra
Omar Hakim - Bateria

01. Boomerang
02. Dance of Fire
03. Sherezadeh
04. Aspiration
05. Bana Bana Gel (Bad Girl)
06. Shadow
07. Carnival
08. Passion
09. Spanish Picture
10. To Be Continued
11. Father

Fiódor Dostoiévski


Créditos:www.compartilhandoecriandoinformação.blogspot.com

Fonte dos dados acerca do autor: EducaçãoUol

Diretorio onde se encontram os livros

Todas as obras diponiveis

* Obras disponiveis no arquivo rar:

Fiodor Mikhailovich Dostoievski foi uma das maiores personalidades da literatura russa, tido como fundador do Realismo.

Sua mãe morreu quando ele era ainda muito jovem e seu pai, o médico Mikhail Dostoievski, foi assassinato pelos próprios colonos de sua propriedade rural em Daravoi, que o julgavam autoritário. Esse fato exerceu enorme influência sobre o futuro do jovem Dostoiévski e motivou o polêmico artigo de Freud: "Dostoiévski e o Parricídio".

Em São Petersburgo, Dostoiévski estudou engenharia numa escola militar e se entregou à leitura dos grandes escritores de sua época. Epilético, teve sua primeira crise depois de saber que seu pai fora assassinado. Sua primeira produção literária, aos 23 anos, foi uma tradução de Balzac ("Eugénie Grandet"). No ano seguinte escreveu seu primeiro romance, "Pobre Gente", que foi bem recebido pelo público e pela crítica.

Em 1849 foi preso por participar de reuniões subversivas na casa de um revolucionário, e condenado à morte. No último momento, teve a pena comutada por Nicolau 1o e passou nove anos na Sibéria, quatro no presídio de Omsk e mais cinco como soldado raso. Descreveu a terrível experiência no livro "Recordações da Casa dos Mortos" e em "Memórias do Subsolo".

Suas crises sistemáticas de epilepsia, que ele atribuía a "uma experiência com Deus", tiveram papel importante em suas crenças. Inspirado pelo cristianismo evangélico, passou a pregar a solidariedade como principal valor da cultura eslava. Em 1857 casou-se com Maria Dmitrievna Issaiev, uma viúva difícil e caprichosa. Dois anos depois retornou a Petersburgo. Em 1862 conheceu Polina Suslova, que viria a ser o seu romance mais profundo. Em 1864, viúvo de Maria, terminou seu caso com Polina e em 1867 casou-se com Anna Snitkina.

Entre suas obras destacam-se: "Crime e Castigo", "O Idiota", "O Jogador", "Os Demônios", "O Eterno Marido" e "Os Irmãos Karamazov".

Publicou também contos e novelas. Criou duas revistas literárias e ainda colaborou nos principais órgãos da imprensa Russa.

Seu reconhecimento definitivo como escritor universal surgiu somente depois dos anos 1860, com a publicação dos grandes romances: "O Idiota" e "Crime e Castigo". Seu último romance, "Os Irmãos Karamazov", é considerado por Freud como o maior romance já escrito.

A grande dádiva de terras

Neocolonialismo por convite






"O contrato que a Daewoo Logistics da Coréia do Sul está a negociar com o governo de Madagascar parece predatório... Os malgaxes encaram-no como neocolonial... O povo malgaxe prepara-se para perder a metade da sua terra arável". (Editorial do Financial Times, 20 Novembro 2008)

"O Camboja está em conversações com vários governos asiáticos e do Médio Oriente para receber até US$3 mil milhões em investimentos agrícolas em troca de milhões de hectares de concessões de terra..." (Financial Times, 21 Novembro 2008)

"Estamos a morrer de fome no meio de colheitas abundantes e exportações florescentes!" (Trabalhadores sem terra desempregados, Pará, Brasil, 2003)

A construção de impérios em estilo colonial está a ter uma enorme recuperação, e a maior parte dos colonialistas são recém-chegados, a abrirem o seu caminho depois dos predadores europeus e estadunidenses bem estabelecidos.

Apoiados pelos seus governos e financiados com enormes lucros do comércio e do investimento, e ainda excedentes orçamentais, as potências econômicas neocoloniais agora emergentes (emerging neo-colonial economic powers, ENEP) estão a adquirir o controle de vastas extensões de terras férteis de países pobres na África, Ásia e América Latina, através da intermediação de corruptos locais, em regimes de mercado livre. Milhões de hectares de terra foram concedidos - na maior parte dos casos sem encargos - as ENEP os quais, na maior parte, prometem investir milhões na infraestrutura para facilitar a transferência dos produtos da sua pilhagem agrícola para os seus próprios mercados internos e pagar o salário existente de menos de $1 dólar por dia aos empobrecidos camponeses locais. Projetos e acordos entre as ENEP regimes neocoloniais aquiescentes estão em curso a fim de expandir tomadas imperiais de terra com dezenas de milhões de hectares adicionais no futuro próximo. A grande transferência/liquidação de terra verifica-se num tempo e em lugares em que o número de camponeses sem terra está a aumentar, pequenos agricultores estão a ser deslocados à força pelo estado neocolonial e falidos através da dívida e da falta de crédito acessível. Milhões de camponeses sem terra e trabalhadores rurais organizados a lutarem por terra cultivável são criminalizados, reprimidos, assassinados ou encarcerados e suas famílias são enviadas para favelas urbanas infestadas de doenças. O contexto histórico, os atores econômicos e os métodos da construção do império do agrobusiness apresentam semelhanças e diferenças com a construção do império no velho estilo de séculos passados.

Agro-exploração imperial no velho e no novo estilo

Durante os cinco séculos anteriores de dominação imperial a exploração e a exportação de produtos agrícolas e minerais desempenhou um papel central no enriquecimento dos impérios euro-norte-americanos. Até o século XIX, plantações em grande escala e latifúndios, organizados em torno de alimentos básicos, repousavam sobre o trabalho forçado - escravos, servos contratados, semi-servos, arrendatários, trabalhadores migrantes sazonais e um conjunto de outras formas de trabalho (incluindo prisioneiros) ara acumular riqueza e lucros para os colonizadores, investidores do país de origem e tesourarias do estado imperial.

Os impérios agrícolas foram adquiridos através da conquista de povos indígenas, importação de escravos e servos contratados, a tomada à força e expropriação de terras comunais e a dominação através de oficiais coloniais. Em muitos casos, os dominadores coloniais incorporavam elites locais ('nobres', monarcas, chefes tribais e minorias favorecidas) como administradores e recrutavam os nativos empobrecidos e despojados para servirem como soldados coloniais dirigidos por oficiais brancos euro-americanos.

O agro-imperialismo estilo colonial passou a ser atacado pelos movimentos de libertação nacional com base de massa ao longo do século XIX e primeira metade do século XX, culminando no estabelecimento de regimes nacionais independentes por toda a África, Ásia (exceto a Palestina) e a América Latina. Desde o início do seu governo, os estados recém-independentes procuraram afastar-se das políticas de propriedade da terra e de exploração da era colonial. Uns poucos regimes radicais, socialistas e nacionalistas finalmente expropriaram, parcialmente ou inteiramente, os proprietários da terra estrangeiros, como foi o caso na China, Cuba, Indochina, Zimbábue, Guiana, Angola, Índia e outros. Muitas destas 'expropriações' levaram a transferências de terra para a nova burguesia emergente pós-colonial, deixando a massa da força de trabalho rural sem terra ou confinada à terra comunal. Na maior parte dos casos a transição dos regimes colonial para o pós-colonial foi subscrita por um pacto político que assegurava a continuação dos padrões coloniais de propriedade da terra, cultivo, marketing e relações de trabalho (descritos como um sistema agro-export neocolonial). Com poucas exceções, a maior parte dos governos fracassou em mudar a sua dependência das culturas de exportação, diversificar mercados de exportação, desenvolver auto-suficiência alimentar ou financiar o assentamento do pobre rural em terras pública férteis não cultivadas.

Onde se verificou distribuição de terra, os regimes fracassaram em investir suficientemente nas novas formas de organização rural (agriculturas familiares, cooperativas ou 'ejidos' comunais) ou em impor empresas do estado de grande escala controladas centralmente, as quais eram dirigidas de forma ineficiente, deixavam de proporcionar incentivos adequados aos produtores diretos, e foram exploradas para financiar o desenvolvimento urbano-industrial. Em resultado disso, muitas fazendas estatais e cooperativas acabaram por ser desmanteladas. Na maior parte dos países grandes massas de pobres rurais continuaram sem terra e sujeitas às exigências de coletores locais de impostos, recrutadores militares e prestamistas de dinheiro usurários e foram expulsas por especuladores da terra, promotores imobiliários e responsáveis nacionais ou locais.

O neoliberalismo e a ascensão do novo agro-imperialismo

Emblemático do agro-imperialismo de novo estilo é a tomada pela Coréia do Sul da metade da terra arável de Madagascar (1,3 milhão de hectares) sob um arrendamento de 70-90 anos na qual a Daewoo Logistics Corporation of South Korea espera nada pagar por um contrato para cultivar milho e óleo de palma para exportação. [1] No Camboja, vários países agro-imperiais emergentes da Ásia e do Médio Oriente estão a 'negociar' (com subornos substanciais e ofertas lucrativas 'parcerias' a políticos locais) a tomada de milhões de hectares de terra fértil. [2] O âmbito e profundidade da nova expansão agro-imperial emergente dentro das zonas rurais empobrecidas de países asiáticos, africanos e latino-americanos ultrapassa de longe o do império colonial primitivo de antes do século XX. Um levantamento pormenorizado dos novos países agro-imperialistas e das colônias neo-coloniais foi compilado recentemente no sítio web do GRAIN [3] .

As forças condutoras da conquista agro-imperialista e da tomada de terras podem ser divididas em três blocos:

1- Os novos ricos dos regimes petrolíferos árabes, sobretudo entre os Estados do Golfo (em parte, através dos seus 'fundos de riqueza soberanos').
2- Os novos países imperiais emergentes da Ásia (China, Índia, Coréia do Sul e Japão) e Israel
3- Os antigos países imperiais (EUA e Europa), o Banco Mundial, bancos de investimento da Wall Street e outras variadas companhias de especuladores financeiros imperiais.

Cada um destes blocos agro-imperiais é organizado em torno de um dos três países 'líderes': Entre os estados imperiais do Golfo, a Arábia Saudita e o Kuwait; na Ásia, a China, Coréia e Japão são os principais apresadores de terra. Entre os predadores EUA-europeus-Banco Mundial há um vasto leque de firmas monopolistas agro-imperialistas a comprarem terras que vão desde a Goldman Sachs e Blackstone nos EUA até a Louis Dreyfuss na Holanda e o Deutschbank na Alemanha. Mais do que as várias centenas de milhares de hectares de terra arável que foram ou estão em processo de serem apropriadas pelos maiores proprietários capitalistas do mundo, trata-se sobretudo de uma das maiores concentrações de propriedade privada da terra na história da construção do império.

O processo de construção do agro-império opera em grande medida através de mecanismos políticos e financeiros, antecedidos em alguns casos por golpes militares, intervenções imperiais e campanhas de desestabilização para impor 'parceiros' neocoloniais flexíveis ou, mais precisamente, colaboracionistas, dispostos a cooperar neste enorme apresamento imperial da terra. Uma vez estabelecidos, os regimes neocoloniais africanos-asiásticos-latino-americanos impõem uma agenda neoliberal, a qual inclui a cessação das terras de propriedade comunal, a promoção de estratégias agro-exportadoras, a repressão de quaisquer movimentos locais pela Reforma Agrária entre agricultores de subsistência e trabalhadores rurais sem terra que pedem a redistribuição de terras públicas e privadas desocupadas. As políticas de mercado livre dos regimes neocoloniais eliminam ou reduzem barreiras tarifárias sobre importações subsidiadas de alimentos dos EUA e da Europa. Estas políticas levam à bancarrota agricultores e camponeses locais, o que aumenta a quantidade de terra disponível para 'arrendamento' ou a sua liquidação junto aos novos países agro-imperiais e multinacionais. Os militares e a polícia desempenham um papel chave na expulsão de agricultores empobrecidos, endividados e famélicos e para impedir invasores de ocuparem e produzirem alimentos em terra fértil para consumo local.

Uma vez instalados os regimes neocoloniais colaboradores e aplicadas as suas agendas de "mercado livre", o cenário está preparado para a entrada e a tomada de vastas extensões de terra pelos países agro-industriais e investidores.

Israel é a principal exceção a este padrão de conquista agro-imperial, pois confia na utilização maciça e contínua da força contra toda uma nação para despojar os agricultores palestinos e capturar território através de ocupantes coloniais armados - no estilo do primitivo imperialismo colonial euro-americano. [4]

Após a liquidação da terras segue-se um ou dois caminhos, ou uma combinação de ambos: Os países imperiais emergentes tomam a condução ou são solicitados pelo regime neocolonial a investirem no "desenvolvimento agrícola". Seguem-se "negociações" unilaterais nas quais quantias substanciais de dinheiro do tesouro imperial são despejadas em contas bancárias dos "parceiros" neocoloniais. Os acordos e os termos dos contratos são desiguais. As commodities alimentares e agrícolas são quase totalmente exportadas para os mercados internos do país agro-imperial, mesmo quando a população do "país hospedeiro" passa fome e está dependente de embarques alimentares de emergência das agências imperiais "humanitárias". O "desenvolvimento", incluindo promessas de investimento em grande escala, é, em grande medida, dirigido para a construção de estradas, transportes, portos e instalações de armazenagem a serem utilizadas exclusivamente para facilitar a transferência da produção agrícola para além mar por firmas agro-imperiais de grande escala. A maior parte da terra é tomada sem arrendamento ou sujeita a taxas "nominais", as quais vão para os bolsos da elite política ou são reciclados no mercado imobiliário urbano e importações de luxo para a rica elite local. Exceto para os parentes dos colaboracionistas ou os compadres dos dirigentes neocoloniais, quase todos os diretores bem pagos, executivos superiores e equipe técnica vem dos países imperiais na tradição do passado colonial. Um exército de "nacionais de terceiros países" com baixos salários e educados entra geralmente como técnicos de nível médio e empregados administrativos - subvertendo completamente qualquer possibilidade de transferência de tecnologia vital ou qualificações para a população local. O principal e muito louvado "benefício" para o país neocolonial é o emprego de trabalhadores agrícolas manuais locais, que raramente são pagos acima de $1 a $2 dólares por dia, são duramente reprimidos e negados ao direito de qualquer representação sindical independente.

Em contrapartida, as companhias e regimes agro-industriais recolhem lucros enormes, asseguram abastecimentos de alimentos a preços subsidiados, exercem influência política ou controle hegemônico sobre elites colaboradoras e estabelecem "cabeças de ponte" econômicas para expandir os seus investimentos e facilitar a tomada estrangeira dos sectores financeiros, comerciais e de processamento locais.

Países alvo

Apesar de haver uma grande competição e sobreposição entre os países agro-imperiais na pilhagem dos países alvo, a tendência é para os regime petrolíferos imperiais árabe concentrarem-se em penetrar neocolônias no Sul e no Sudeste Asiático. Os países asiáticos chamados "Tigres econômicos" concentram-se na África e América Latina. Ao passo que as multinacionais da Europa e dos EUA exploram os antigos países comunistas da Europa do Leste e da antiga União Soviética bem como a América Latina e a África.

O Bahrain capturou terra no Paquistão, na Filipinas e no Sudão para abastecer-se de arroz. A China, provavelmente o mais dinâmico país agro-imperial de hoje, investiu na África, América Latina e Sudeste da Ásia para assegurar abastecimentos de soja a baixo custo (especialmente do Brasil), produção de arroz em Cuba (5000 hectares), Birmânia, Camarões (10 mil hectares), Laos (100 mil hectares), Moçambique (com 10 mil chineses assentados como trabalhadores agrícolas), Filipinas (1,24 milhão de hectares) e Uganda.

Os Estados do Golfo estão a prever um fundo de mil milhões de dólares para financiar terras capturadas na África do Norte e ao sul do Saara. O Japão comprou 100 mil hectares de fazendas brasileiras para a soja e o milho. Suas corporações possuem 12 milhões de hectares no Sudeste da Ásia e na América do Sul. O Kuwait capturou terra na Birmânia, Camboja, Marrocos, Yemen, Egito, Laos, Sudão e Uganda. O Qatar tomou campos de arroz no Camboja e no Paquistão e de trigo, milho e sementes oleaginosas no Sudão, bem como terra no Vietnam para cereais, fruta, vegetais e criação de gado. À Arábia Saudita foram "oferecidos" 500 mil hectares de campos de arroz na Indonésia e centenas de milhares de hectares de terra fértil na Etiópia e no Sudão.

O Banco Mundial (BM) tem desempenhado um papel importante na promoção da captura agro-imperial de terras, destinando US$1,4 mil milhões para financiar tomadas de "terras sub-utilizadas" por parte dos agronegócios. O BM condiciona seus empréstimos a neocolônias, como a Ucrânia, à abertura de terras à exploração pelos investidores estrangeiros. [5] Aproveitando os regimes neoliberais de "centro-esquerda" na Argentina e no Brasil, investidores agro-imperiais dos EUA e da Europa compraram milhões de hectares de terras férteis e pastos para abastecer seus centros imperiais, enquanto milhões de camponeses sem terra e trabalhadores desempregados são deixados a ver os comboios carregados de carne, trigo e soja dirigirem-se para instalações portuárias controladas por multinacionais estrangeiras e para os mercados internos imperiais na Europa, Ásia e EUA.

Pelo menos dois países imperiais emergentes, Brasil e China, estão sujeitos a tomadas de terra imperiais pelos países imperiais mais "avançados" e tornaram-se "agentes" da colonização da agricultura. Multinacionais japonesas, européias e norte-americanas exploram o Brasil mesmo quando colonizadores e agro-industriais brasileiros tomaram vastas faixas de terra junto às fronteiras do Paraguai, Uruguai e Bolívia. Um padrão semelhante ocorre na China onde terras agrícolas boas são exploradas por japoneses e capitalistas chineses de além mar ao mesmo tempo em que a China está tomar terra fértil nos países mais pobres da África e do Sudeste da Ásia.

Consequências presentes e futuras do agro-imperialismo

A recolonização pelos estados imperialistas emergentes de enormes áreas de terras férteis dos países e regiões mais pobres da África, Ásia e América Latina está a resultar num aprofundamento da bipolarização de classe entre, por um lado, rentistas ricos de estados petrolíferos árabes, bilionários asiáticos, ricos colonizadores judeus financiados pelo estado e especuladores ocidentais e, por outro lado, centenas de milhões de camponeses famélicos, sem terra e despojados no Sudão, Madagascar, Etiópia, Camboja, Palestina, Birmânia, China, Indonésia, Brasil, Filipinas, Paraguai e alhures.

O agro-imperialismo ainda está nas suas etapas iniciais - tomar posse de enormes extensões de terra, expropriar camponeses e explorar trabalhadores rurais sem terra como trabalhadores ao dia. A fase seguinte, que atualmente está a verificar-se, é ganhar o controle dos sistemas de transportes, da infraestrutura e dos sistemas de crédito, os quais acompanham o crescimento das culturas agrícolas de exportação. Ao monopolizar a infraestrutura, o crédito e os lucros das sementes, fertilizantes, indústrias de processamento, portagens e pagamentos de juros sobre empréstimos mais uma vez concentra-se de fato o controle imperial sobre a economia colonial e estende a influência local sobre políticos, governantes e colaboradores dentro das burocracias.

A estrutura de classe neocolonizada, especialmente em economias predominantemente agrícolas, está a evoluir para um sistema de quatro camadas nas quais os capitalistas estrangeiros e o seu séquito estão no pináculo da elite representando menos de 1% da população. Na segunda camada, representando 10% da população, está a elite política local e os seus compadres e parentes assim como burocratas e oficiais militares bem colocados, os quais enriquecem-se através de parcerias ("joint ventures) com o neocolonizadores e através de subornos e capturas de terra. A classe média local representa quase 20% e está em perigo constante de cair na pobreza face às crises econômicas mundiais. Os camponeses despojados, trabalhadores rurais, refugiados rurais, os sem teto urbanos e camponeses endividados constituem a quarta camada da estrutura de classe com perto de 70% da população.

Dentro do modelo neocolonial emergente de agro-exportação, a "classe média" está a contrair-se e a mudar a sua composição. O número de agricultores familiares a produzirem para o mercado interno está a declinar frente às fazendas possuídas pelo estrangeiro com o apoio do estado a produzirem para os seus próprios "mercados internos". Em consequência, os vendedores do mercado e os pequenos retalhistas estão a ficar para trás, esmagados pelos grandes supermercados de propriedade estrangeira. A perda de emprego para produtores internos de bens e serviços agrícolas e a eliminação de um conjunto de intermediários "comerciais" entre a cidade e o campo está a aguçar a polarização de classe entre as camadas do topo e da base da estrutura de classe. A nova classe média colonial é reconfigurada para incluir um pequeno estrato de advogados, profissionais, publicitários e funcionários de baixo nível das firmas estrangeiras e forças de segurança públicas e privadas. O papel auxiliar da "nova classe média" na prestação de serviços ao poder econômico e político colonial torna-a menos orientada para o país e mais colonial nas suas lealdades e perspectivas políticas, mais consumista "free market" no seu estilo de vida e mais propensa à aprovação de soluções internas repressivas (incluindo fascizantes) para inquietações rurais e urbanas e lutas populares pela justiça.

Neste momento, o maior constrangimento ao avanço do agro-imperialismo é o colapso econômico do capitalismo mundial, o qual está a minar a "exportação de capitais". O súbito colapso dos preços das commodities está a tornar menos lucrativo investir em terras agrícolas além mar. A secagem do crédito está a minar o financiamento de grandiosas capturas de terra além mar. O declínio de 70% nos rendimentos do petróleo está a limitar os Fundos Soberanos do Médio Oriente e outros veículos de investimento das reservas de divisas dos países do Golfo. Por outro lado, o colapso dos preços agrícolas está a levar à bancarrota a elite dos agroprodutores africanos, asiáticos e latino-americanos, forçando a baixa dos preços da terra e proporcionando oportunidades para agro-investidores imperiais comprarem ainda mais terra fértil a preços de saldo.

A actual recessão capitalista mundial está a acrescentar milhões de trabalhadores rurais desempregados às centenas de milhões de camponeses despojados durante o período de expansão do boom de commodities agrícolas durante a primeira metade da presente década. Os custos do trabalho e da terra estão baratos, ao mesmo tempo que a procura efetiva do consumidor está em queda. Os agro-imperialistas podem empregar todos os trabalhadores rurais do Terceiro Mundo que quiserem a $1 dólar por dia ou menos, mas como podem eles comercializar os seus produtos e obter retornos que cubram os custos dos empréstimos, subornos, transporte, marketing, salários da elite, bonificações, bônus dos presidentes dos conselhos de administração e dividendos dos investidores quando a procura está em declínio?

Alguns agro-imperialistas podem aproveitar-se da recessão para comprar agora muito barato e procurar lucros a longo prazo quando a recuperação financiada pelo estado com muitos milhões de milhões (trilhões) tiver efeito. Outros podem reduzir as suas capturas de terra ou mais provavelmente manter vastas extensões de terra valiosa fora da produção até que o "mercado" melhore - enquanto camponeses despojados morrem de fome às margens de campos não aproveitados.

Os novos agro-imperiais estão dependentes dos novos estados imperialistas quanto a recursos (dinheiro e tropas) para reforçar os gendarmes neocoloniais na repressão dos inevitáveis levantamentos dos milhares de milhões de pessoas despojadas, famélicas e marginalizadas no Sudão, Etiópia, Birmânia, Camboja, Brasil, Paraguai, Filipinas, China e alhures. Está a acabar o tempo para negócios fáceis, transferências de propriedade e arrendamentos a longo prazo consumado por colaboradores neocoloniais e investidores e estados coloniais estrangeiros. Atualmente as guerras imperiais e as recessões econômicas internas tanto nos países imperiais antigos como nos emergentes estão a drenar sistematicamente as suas economias e a testar a aceitação das suas populações ao sacrifício da construção do império colonial de novo estilo. Sem apoio militar e econômico internacional, o estrato delgado de governantes neocoloniais dificilmente pode aguentar levantamentos em massa do campesinato destituído aliado à classe média a mover-se para baixo e às crescentes legiões de jovens desempregados educados na universidade.

A promessa de uma nova era de construção agro-imperial e de uma nova onda de estados imperiais emergentes pode ter vida curta. Ao invés disso pode haver uma nova de movimentos de libertação nacional com base rural e uma competição feroz entre os novos e os velhos estados imperiais a combaterem por recursos financeiros e econômicos cada vez mais escassos. Enquanto o movimento de descida dos trabalhadores e empregados nos centros imperiais do Ocidente gira entre um e outro partido imperial (democrata/republicano, conservador/trabalhista) eles não desempenharão qualquer papel no futuro previsível. Quando e se se libertarem... podem voltar-se para uma direita nacionalista demagógica ou rumo a uma atualmente invisível (pelo menos nos EUA e na Europa) esquerda socialista "nacionalista patriótica". Em qualquer caso, a atual pilhagem neocolonial e a subsequente rebelião em massa começará em outros lugares com ou sem uma mudança nos EUA ou na Europa.

Notas:

(1) Financial Times, November 20, 2008 page 3.
(2) Financial Times, November 21, 2008 page 7.
(3) Stephen Lendman, "Another Israeli West Bank Land Grab Scheme", Counterpunch. October 10, 2008; Guardian.co.uk, October 10, 2008.
(4) Ver GRAIN.org

Nota da edição: Texto adaptado para o português do Brasil.

[O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=11231
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/]


Da agência Adital....

Oficialmente velho

Neste mês de dezembro completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas é uma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nos debilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamente de todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente às lágrimas,

Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapa do crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos.

A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "na medida em que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior"(2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical. Esta identidade devemos encará-la face a face.

Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe. Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis. Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo, filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redator de algumas revistas, inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano, submetido ao "silêncio obsequioso" e outros papéis mais. Mas há um momento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Então deixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quem sou eu? Que sonhos me movem? Que anjos que habitam? Que demônios me atormentam? Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério? Na medida em que tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem à lume o homem interior. A resposta nunca é conclusiva; perde-se para dentro do Inefável.

Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta de que precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida. Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.

Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não é estruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através da morte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.

Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: "contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade".

Por fim, alimento dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o primeiro é escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua e poetisa:"eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver". Mas como isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de Deus. Parafraseando Camões, completo: mais vivera se não fora, para tão longo ideal, tão curta a vida.


* Teólogo

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Adib Jatene defende exame de ordem para formados em medicina


Nos EUA, essa avaliação é feita há quase cem anos

Do sitio Diario Gauche

O ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, que presidiu a comissão do Ministério da Educação responsável por supervisionar a qualidade dos cursos de medicina, defendeu em 05 de dezembro a criação de um provão para ser aplicado aos estudantes no final do curso. A informação é da Agência Brasil.

A avaliação seria semelhante ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil que é obrigatório para o exercício da advocacia.

“A escola que prepara mal dá o diploma e os Conselhos Regionais de Medicina funcionam como cartório. Registram o diploma e dão a carteira profissional autorizando o exercício. Isso precisa ser corrigido”, defendeu.

Ele argumentou que nos Estados Unidos, desde o início do século 20, os alunos são submetidos a um exame obrigatório para o exercício da profissão.

“Aqui no Brasil esse problema já vem sendo discutido há muito tempo. Em 1988 isso foi proposto, mas houve uma grande reação por parte dos alunos e dos sindicatos. Passaram-se quase 20 anos e aos poucos vai se consolidando a idéia de que é preciso esse exame. Tanto que em São Paulo, por exemplo, já há vários anos se faz uma avaliação não-oficial que tem resultados insatisfatórios. Na última edição, 61% dos alunos não se saíram bem”, explica o médico cardiologista Adib Jatene.
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Aqui no RS, muitos dirigentes de corporações médicas são contra exame de ordem para formados em medicina. Preferem continuar reivindicando ajuda federal para “Universidades” caça-níqueis. E ainda insistem que médico (ou médica) com apenas o curso de graduação, sem mestrado nem doutorado, deva ser reverenciado como “doutor/doutora”.

Coisas da vida.

Enquanto isso na África....

Na Mauritânia, uma “Guantánamo” européia

Com múltiplas ofertas, Espanha e França aliciam governos africanos para que reprimam, eles mesmos, a migração rumo à Europa. Símbolo da cooptação: na capital de um dos países mais pobres do mundo, uma antiga escola transforma-se em prisão para os que buscavam acesso à banda rica do planeta

Zoé Lamazou

Com um humor pouco convencional, os moradores de Nouadhibou, cidade portuária da Mauritânia, batizaram alguns de seus bairros com nomes de capitais estrangeiras como Acra, Bagdá e Dubai. Em 2006, quando as autoridades espanholas instalaram lá um centro de detenção para imigrantes clandestinos, a tradição se manteve e a prisão recebeu o apelido de “Guantánamo”.

O local escolhido é estratégico: Nouadhibou fica a apenas 800 quilômetros, em linha reta, da Espanha, via Ilhas Canárias. A forma mais comum de tentar a travessia é em barcos de pesca. Algumas vezes, os imigrantes ainda nem haviam deixado o litoral da Mauritânia quando foram pegos pela guarda costeira local, com o auxílio de oficiais espanhóis. Onde hoje funciona o presídio, existia uma escola. Atrás de muros de concreto muito altos e cercados de grades há um grande pátio de areia, vazio. Nouadhibou faz fronteira com o Saara ocidental. Ao fundo, uma longa construção rosa que antes abrigava estudantes e professores.

Os habitantes da periferia vizinha entram e saem livremente para encher garrafões de água na torneira central. Dois jovens policiais mauritanos fazem a vigia, sem grande preocupação. Nos últimos dias do mês de junho, uma cela foi ocupada. Era uma antiga sala de aula de 8 por 5 metros, agora com camas de campanha amontoadas. Uma dezena de homens amedrontados emerge da penumbra. Quase todos dizem ser malineses. Um deles pergunta ao policial quando será repatriado. “Não podemos esperar mais!”, diz. outro se queixa: “Faz dez dias que estamos aqui!”. “Uma semana”, corrige o guarda. Segundo o presidente do comitê local da Cruz Vermelha, Mohamed Ould Hamada, os detentos não podem ficar mais de 72 horas entre os muros da antiga escola.

Um preso aponta para o seu estômago, demonstrando que tem fome. O mais jovem diz ter 18 anos. Caminha com dificuldade, pois suas pernas estão machucadas. As feridas, ainda em carne viva, podem ser vistas através do curativo feito algumas horas antes por um médico da Cruz Vermelha espanhola.

O policial explica que uma embarcação transportando 76 pessoas afundou. Em um relatório de julho de 2008, a Anistia Internacional criticou o tratamento aos imigrantes clandestinos na Mauritânia, insistindo sobre a arbitrariedade das expulsões coletivas e sobre a situação em “Guantánamo” [1] Para Ahmed Ould Kleibp, presidente da Associação de Proteção do Meio Ambiente e da Ação Humanitária (Apeah), “as condições de detenção são terríveis”.

De outubro de 2006 a junho de 2008, 6.745 pessoas passaram pelo centro de detenção. Em média, 300 por mês, segundo. Em julho último, porém, o número passou de 500

O representante da Cruz Vermelha contesta essas declarações “alarmistas”, mas revela também que os comentários mordazes de seu predecessor lhe custaram o posto. Ould Hamada preocupa-se principalmente com as condições de recondução à fronteira: “Na estrada, de Nouadhibou à fronteira senegalesa, os migrantes não recebem nenhuma assistência”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol prometeu, em visita oficial a Nouadhibou em 8 de julho, que uma delegação de seu ministério, acompanhada por funcionários do ministério do Interior, iria ao centro “para verificar de perto a questão dos direitos humanos”.

De outubro de 2006 a junho de 2008, 6.745 pessoas passaram pelo centro de detenção. Em média são 300 por mês, segundo os números da Cruz Vermelha espanhola. Em julho último, porém, o número de detentos passou de 500.

Desde 2005, ano marcado pela intensificação da repressão, a travessia para a Europa é mais controlada no estreito de Gibraltar, onde apenas 15 quilômetros separam o Marrocos da Espanha. Os enclaves espanhóis no Marrocos, em Ceuta e Melilla tornaram-se quase inacessíveis e praticamente todos os campos informais de migrantes instalados nos arredores dessas cidades desapareceram.

Por isso, as embarcações estão partindo da costa sul do Marrocos, em Tarfaya, Laayoune e Dakhla. Ou até mesmo de Saint-Louis e de Dacar, no Senegal, que ficam a 1.500 quilômetros das Ilhas Canárias. A viagem torna-se ainda mais perigosa porque os barcos que fazem trajetos mais longos pelo mar aberto, para evitar as águas territoriais patrulhadas.

Na metade do caminho entre o oeste da África e o Magreb, Nouadhibou é considerada um ponto de partida privilegiado. As indústrias da pesca e da mineração atraem, desde o início dos anos 1950, a mão-de-obra subsaariana. O trecho mauritano da rodovia transaariana Senegal–Marrocos, concluído em 2004, estimulou ainda mais os movimentos migratórios para o porto.

Em 2006, como reação ao rápido recrudescimento dos desembarques clandestinos, a Espanha reativou um acordo de deportação assinado com a Mauritânia três anos antes: qualquer pessoa suspeita de ter passado pelo solo mauritano para alcançar ilegalmente as Ilhas Canárias seria obrigatoriamente reenviada a Nouadhibou ou a Nouakchott, a capital.

O plano parece não estar funcionando. Na Mauritânia, a idéia fixa sobre segurança é motivo de preocupação para as associações locais. Mas não desencoraja os “clandestinos”

Em abril do mesmo ano, a agência européia Frontex, encarregada do controle das fronteiras externas da União Européia, implantou um sistema de vigilância em Nouadhibou. Duas vedetes – um avião de patrulha e um helicóptero – foram colocadas à disposição das autoridades mauritanas. A cooperação com os países ditos “de origem” ou “de trânsito” dos imigrantes clandestinos é parte essencial das políticas européias adotadas, principalmente, pela França e Espanha. O Pacto Europeu para a Imigração, apresentado em 7 de julho pelo ministro francês da Imigração e da Identidade Nacional, Brice Hortefeux, a seus colegas encarregados da Justiça e dos Assuntos Internos da União Européia, reforça esse tipo de acordo e ressalta o papel central da agência Frontex. “Guantánamo”, na verdade, é apenas uma parte do dispositivo de dissuasão.

Em resposta às recentes críticas da Anistia Internacional, o secretário de estado espanhol encarregado da segurança, Antonio Camacho, observou que “a Espanha não fez, em momento algum, pressão sobre a Mauritânia ou sobre qualquer outro Estado soberano para que reforçassem sua política em matéria de imigração”. Segundo o jornal El País [2], isso não impediu Madrid de entregar, pela quantia simbólica de cem euros, três aviões de patrulha C-212 ao Senegal, à Mauritânia e a Cabo Verde.

O plano parece não estar funcionando. Na Mauritânia, a idéia fixa sobre segurança é motivo de preocupação para as associações locais. Mas não desencoraja os “clandestinos”. “Pelo menos uma embarcação parte toda semana para a Europa e esse é um segredo de polichinelo”, declara Ba Djibril, jornalista de Nouadhibou e secretário-geral da Apeah. “Os imigrantes se instalam aqui para trabalhar, às vezes por um longo período, mas, para eles, a partida para a Europa é uma certeza”, completa.

Armelle Choplin, geógrafa e mestra de conferências da Universidade de Paris-Est, observa que, “nem todos os 20 mil estrangeiros que vivem em Nouadhibou desejam partir. Mas é difícil estabelecer categorias de migrantes. Aquele que acredita apenas passar por Nouadhibou pode muito bem ver-se forçado a se estabelecer ali para sempre, enquanto o estrangeiro que não tem como projeto a travessia para a Europa pode, de repente, decidir tentar a sorte, porque apareceu uma oportunidade”. Claro, agora estamos longe das cinco partidas de imigrantes por noite, observadas pela geógrafa em 2006. Mas, para ela, “o dispositivo de controle implantado pela União Européia opera mais como um filtro do que como um obstáculo”.

Para a maioria, a repressão e os cadáveres não acabam com o sonho. Novos migrantes se dirigem a Nouadhibou: “Dizem que daqui é possível ver as luzes da Europa refletidas na água”

Em Nouadhibou, os relatos de travessias clandestinas são freqüentes. Certamente, existem aqueles que não querem mais ouvir falar da Europa. É o caso de Salimata, comerciante de peixe seco: como outros tantos senegaleses, malineses ou guineanos que vivem em Nouadhibou há anos, ela não tem nenhuma intenção de deixar a Mauritânia. “Meu marido e meu filho de 9 anos morreram no mar. Como eu poderia querer partir? Ele trabalhava no porto. Um dia, um homem veio lhe propor ser capitão e conduzir uma embarcação para a Espanha. Disseram que os espanhóis precisavam de braços para colher frutas. Eu tentei dissuadi-lo, mas ele partiu levando nosso filho único, acreditando que a Cruz Vermelha cuidaria dele, que poderia estudar.”

Para a maioria, a repressão e os cadáveres encontrados no litoral não acabam com o sonho. Há aqueles que fracassaram várias vezes, enganados por atravessadores ou presos pelos guardas. Todavia, basta juntarem novamente a soma necessária para a passagem – que pode chegar a mil euros – para voltarem ao mar. “Eu tentei a travessia duas vezes, com meu bebê de 2 anos. Na primeira vez, nos perdemos no mar. Navegamos por cinco dias e voltamos. Na segunda vez, a guarda costeira marroquina nos pegou”, conta Aissata, uma jovem guineana de 27 anos. Interrogada sobre sua determinação, ela responde, sorrindo: “Vocês sabem, a gente pode escolher entre o sofrimento e a morte”.

É impossível ter a conta exata de quantas pessoas desapareceram no mar. O governo espanhol arrisca a cifra de 67 afogamentos ao longo da costa da Península Ibérica e das Ilhas Canárias em 2007, mas o número de mortos estimado é muito mais elevado. Apesar das tragédias, algumas belas histórias bastam para sustentar o mito da partida fácil. “Aqueles que querem partir se baseiam na experiência dos que chegaram à Espanha, não nos naufrágios ou prisões”, diz Ba Djibril. Novos migrantes se dirigem a Nouadhibou, atraídos por um sonho de força irresistível, como testemunha Salimata: “Dizem que daqui é possível ver as luzes da Europa refletidas na água”.



[1] Mauritanie. ‘Personne ne veut de nous’. Arrestations et expulsions collectives de migrants interdits d’Europe, Londres, 1º de julho de 2008.

[2] “España despliega en África una armada contra los cayucos”, El País, Madri, 17 de julho de 2008.