quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Entrevista interessante...

A bela é fera

Sérvia radicada no Brasil, Duda Yankovich superou guerras, adversários de mãos pesadas e empresários de mãos leves. Enfrentou preconceitos e nocauteou todos

Por: Andrea Dip

A bela é fera
Duda: Tive fratura no nariz e não disseram. Achei que eu tinha sinusite e era uma fratura aberta. Estava sem dinheiro, sem patrocínio, sem poder lutar... Entrei em depressão (Fotos: Jailton Garcia)
Faixa preta de caratê aos 14 anos, quatro vezes campeã absoluta de kick boxing em seu país, com um título mundial de boxe no currículo, a sérvia Duda Yankovich tem muita história para contar: sobre comunismo, as quatro guerras que conheceu de perto, a necessidade de competir – e ganhar – em todos os esportes que já praticou ao longo dos 33 anos de idade e, principalmente, sobre começar do zero.
Quando chegou ao Brasil, dez anos atrás, a bela já tinha se formado na escola de segurança internacional 007, trabalhado como segurança de boate e como dublê em filmes e comerciais de televisão. Apesar de ainda não ter conseguido a cidadania brasileira, foi a bandeira verde e amarela que ela levantou ao conquistar o título mundial de boxe em 2006.
Nesta entrevista, Duda falou sobre todas as formas de preconceito que já sofreu na vida: por ser muito nova, por ser do interior, por ser mulher, por ser bonita – e como nocauteou um por um, de saia, maquiagem e cabelo impecável nos ringues da vida. No auge da forma e da fama, a sérvia levou uma rasteira de um empresário sacana que a fez perder patrocínios, dinheiro, visibilidade e a pior parte: se machucar gravemente em uma luta mal arranjada.
Após um ano, Duda volta com tudo para o próximo desafio: o MMA, apresentação que une lutas como boxe, kick boxing e jiu jitsu. Para variar, vai ser uma das poucas mulheres a lutar nessa categoria. Mas para ela vai ser fácil. Afinal, para quem aprendeu a falar português sozinha, em apenas quatro meses, aprender a lutar jiu jitsu é sopa.

Onde você nasceu?

Em uma cidadezinha da Sérvia de 40 mil habitantes, Jagodina, a pouco mais de 100 quilômetros de Belgrado.

Você fazia esportes desde pequena?

Quando era bem pequena fiz natação, depois basquete, mas nunca gostei de fazer esportes por fazer: sempre competi. No começo da adolescência entrei para um grupo de dança folclórica, danças tradicionais da Sérvia.

Você nunca fez um esporte apenas por diversão?

Não consigo fazer por fazer. Mesmo com outras coisas na vida, do que eu gosto, levo a sério. Sempre fui boa aluna. Quando eu tinha de 11 para 12 anos, uma vizinha me pediu para ir com ela assistir a uma aula de caratê. Ela ficou algumas semanas, e eu fiquei seis anos. Com 14 anos, já era a mais nova faixa preta de caratê da história do país. Com 15 anos, deixei a minha cidade e me mudei para Belgrado, para fazer parte da seleção. A minha família não queria, mas persisti. Economizei dinheiro e paguei um internato. Nesse tempo, conquistei patrocínios e apoio do governo. Na época, meu país era comunista e eles incentivavam muito o esporte. Eu recebia um salário do governo porque era medalhista internacional. Todo mundo reclama do comunismo, mas eu acho que a pior época foi quando acabou o comunismo, em 1980, e começou uma briga pelo poder. Eu era muito pequena, mas me lembro que nunca faltava nada. Como esportista, fui muito apoiada.

Como foi a passagem para o kick boxing?

Eu estava desanimada. Não me deixavam competir fora porque eu era muito jovem. Então fui procurar alguma outra coisa para fazer. Eu treinava em um clube chamado Estrela Vermelha, que tinha vários outros esportes. Assisti a uma aula de kick boxing e gostei. No começo, sofria preconceito por parte dos treinadores, “você é menina, bonitinha, tem tanta coisa para você fazer...” Antes disso, já tinha sofrido preconceito por ser muito nova e por ser do interior, porque tinha sotaque. E adolescentes são muito cruéis. Nos primeiros meses eu chorava todos os dias, mas depois virei uma personalidade, e as pessoas não me olharam mais como a menina do interior, e sim como a atleta de seleção. O esporte sempre abre portas, né? No meu país é muito complicado você conseguir ver o mundo. Primeiro porque é cultural: as mulheres nascem para casar, ter filhos, às vezes ter um emprego, ou serem sustentadas pelo marido. Quando eu já morava no Brasil, ligava para a minha avó e ela dizia: “Tudo bem filha, você é campeã mundial, mas quando vai casar?”. Eu só me encaixava no esporte.

E no kick boxing você logo começou a competir...

Sim. No começo eu apanhei bastante. Vinha de um esporte sem contato para um de total contato. Como os treinadores não me ajudavam muito, foi difícil. Mas depois de um ano eles perceberam que não tinham como me tirar de lá, começaram a investir mais tempo em me treinar e rapidamente comecei a dar resultados. Fui campeã absoluta do meu país por quatro anos, participei de dois campeonatos mundiais entre 17 anos e 23 anos.

Nessa época você estudava?

Comecei a faculdade de educação física lá e terminei aqui no Brasil.
Meu pai e meu tio foram convocados várias vezes. Nunca sabíamos se voltariam. E a cultura do país é a de um lugar sempre em guerra. Olho por olho, dente por dente. Se você me faz algo, vai ter troco, mesmo que demore

Vivendo sozinha?

Sozinha desde os 16 anos. Eu não sou típica... Lá as mulheres casam cedo, para fugir de casa ou para constituir família. Eu tinha 13 ou 14 anos e já sabia que essa não seria a minha vida. Oportunamente, quando acabar a minha carreira, posso casar, ter filhos. Mas sempre achei que a gente tem mais a dar do que o que a natureza ou a cultura propõem. Porque isso todo mundo pode. Mas fazer escolhas é mais difícil. É mais fácil você seguir fazendo o que esperam de você.

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Você já viveu quatro guerras. Tem alguma imagem que ficou registrada na sua mente?

Nas três primeiras eu era bem nova. Então lembro apenas das filas enormes para comprar coisas, porque a gente tinha que estocar comida e água. Ficava a família inteira na fila, porque cada um tinha direito a uma quantidade limitada de comida. Meu pai e meu tio foram convocados várias vezes e nós não sabíamos se eles voltariam para casa. A cultura do meu país é a de um lugar que sempre viveu em guerra. O olho por olho, dente por dente. Se você me faz uma coisa agora, ela vai ter troco, mesmo que demore alguns anos.

Anotam no caderninho?

As pessoas são mais duras, mais defensivas. Me lembro que treinava kick boxing no porão de uma academia e um dia um cara chegou e gritou “Estamos em guerra!” e nós nem demos bola, até parece que um lugar entra em guerra assim. Quando saímos na rua, à noite, não tinha uma luz acesa, um carro, uma pessoa, nada. Às vezes, passava um carro com umas pessoas gritando “guerra!”, e só. E tinha aquela coisa de se enfiar em abrigos quando uma bomba era anunciada. No final, as pessoas nem iam mais para os abrigos, se acostumaram com aquilo. Em guerra nada funciona. Você não vive. Academia não funciona, empresas, escolas, nada. Imagina? Por isso eu decidi vir para o Brasil. Eu já tinha vindo em 1998 competir e fiz amigos. A guerra aconteceu em 1999. Não tinha perspectiva no meu país. Queria começar algo novo. Fui primeiro para Londrina (no Paraná) dar aulas de kick boxing. Percebi que ainda levava jeito para a coisa e voltei a competir. E estou aqui ainda.

É verdade que as meninas desistiam de lutar quando viam quem era a adversária?

Primeiro não me conheciam, porque eu era apenas treinadora. Mas quando eu voltei a competir, ganhava todas as lutas. E por nocaute. Aí ninguém mais se inscrevia. Não é que eu ganhava todas, não tinha contra quem lutar. Passei a me inscrever com outro nome, o sobrenome do meu marido brasileiro. Aí elas se inscreviam, mas quando subiam no ringue falavam “A Duda, não!” e desciam.

Você casou assim que chegou ao Brasil?
Eu cheguei e fui trabalhar na academia dessa pessoa, que eu já conhecia desde 1998 quando vim pela primeira vez. A gente começou a namorar. Casamos porque meu visto era de turista. Depois de três anos nos separamos. Só agora eu posso entrar com um pedido de naturalização.
Boxe era um esporte muito masculino. Eu lembro que ia visitar a academia de um treinador chamado Miguel de Oliveira, em Londrina, e ele falava: 'Não! Mulher não entra na minha academia!' Vai lá hoje ver quantas mulheres treinam

Mas você sempre lutou pelo Brasil.

Sempre. Mas só posso entrar com o pedido de naturalização agora, após dez anos de permanência sem interrupção. Eu gostaria muito, porque, sem ofensas, sou muito mais brasileira do que alguns brasileiros, porque eu optei por isso. Foi uma escolha minha.

Voltando para o ringue, como você foi do kick boxing­ para o boxe?

O boxe era um esporte extremamente masculino. Eu me lembro que ia visitar a academia de um treinador chamado Miguel de Oliveira, lá em Londrina, e ele falava: “Não! Mulher não entra na minha academia!” Vai lá hoje ver quantas mulheres treinam. Eu era treinadora da equipe de kick boxing, a gente foi para o campeonato brasileiro e levou 12 medalhas. Ninguém acreditava! Mas eu era muito rígida. Me chamavam de Frida, nazista, porque qualquer coisa eu apontava para o chão e  dizia: “Dez! (flexões)” e “Quem não quiser obedecer, a porta da academia está aberta”. Eu não podia dar muita folga para eles, ainda mais por ser mulher. Entre os alunos, tinha alguns que me agradeciam, dizendo que a vida mudou, que o casamento melhorou, que tinha parado de usar drogas... Isso me arrepia só de lembrar! E isso fazia com que eu me dedicasse mais, me esforçasse mais. Até hoje existe a academia, os atletas que eu formei dão aula, o sistema de treino ainda é o mesmo que eu deixei. Fico muito emocionada com isso.
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E o boxe?

Naquela época, mais ou menos em 2003, tinha um programa na televisão sobre boxe, do Luciano do Valle­, que tinha patrocínio de uma companhia aérea, o que é muito importante – aliás, eu faço um apelo para que haja mais patrocínio para o boxe. No programa sempre passavam lutas femininas e masculinas. Aí surgiu o convite e eu pensei: “Ah, não deve ser muito diferente”. Mas é completamente diferente. Não sabia como chegar na menina sem chutar. Mas quando eu cheguei, nocauteei. E toda semana eu ia lutar. Ninguém tinha dinheiro, a confederação não tinha dinheiro. No boxe tinha mulher pra caramba. Voltei nessa academia e o treinador falava “Se você quiser, fica aí no cantinho”. Aí fui crescendo, melhorando, fazendo luva com os caras. Até que em 2003 fizeram o primeiro campeonato feminino nacional de boxe e eu participei. Em 2004 e 2005 ganhei. Vim para São Paulo treinar com a seleção masculina porque não existia a feminina. Tinha dias em que eu chegava em casa tão cansada que desmaiava no sofá e acordava só no dia seguinte. Apanhava, chorava... Fui lutar o campeonato panamericano e peguei medalha de bronze. Fui pesquisar sobre a mulher que ganhou de mim, porque ela era um caminhão. Vi que ela viajava para lutar, tinha mais de 50 lutas fora. Então resolvi me profissionalizar. Quando você é profissional, o treino é diferente, você se prepara para lutar contra aquela pessoa. Você estuda, cria técnicas para aquela luta.

Aí que começa a história na verdade, né? Mas você começou várias coisas do zero...

Pois é, olha quantas vezes eu comecei do zero. Sempre quero desafios. Tive muita sorte também. Mas hoje acho que em qualquer lugar que eu me jogar, eu me adapto.

Você aprendeu a falar português sozinha?

Sozinha. Eu falava inglês muito bem, então colocava filmes em inglês com a legenda em português, em português com legenda em inglês, depois colocava português com a legenda em português. Demorei quatro meses para falar fluentemente. E terminei a faculdade de educação física aqui.

Como veio o título mundial de boxe?

Para você disputar o título mundial, precisa ter um certo cartel de lutas. Eu vim para São Paulo atrás do Miguel. A equipe não veio logo de cara. Você precisa mostrar resultados para que as pessoas te ajudem e precisa de ajuda das pessoas para mostrar resultados. Isso sempre foi muito ruim. Por exemplo, eu vou estrear no MMA, começar outra coisa, e os patrocinadores dizem: “estreia primeiro, e se você se sair bem nós te apoiamos”. Isso já me desanimou muito, já pensei em desistir.

Você passou aperto com um empresário sacana...
As pessoas, em qualquer área, querem ganhar dinheiro rapidamente, em vez de ganhar aos poucos de forma pensada. Faltou paciência e bom senso. No último ano do nosso contrato, ele marcava lutas para mim, eu me preparava pra caramba – isso exige investimento de tempo e dinheiro – e pouco antes ele dizia que a luta havia sido cancelada. Mas eu não sabia o que estava acontecendo realmente. Foi muito triste, cansativo. E perdi a atenção da mídia. Sem mídia e sem lutar, perdi patrocínios. Mas tive culpa também, porque a pessoa tinha um histórico e eu não fui pesquisar antes.
No meu país as mulheres nascem para casar, ter filhos, serem sustentadas pelo marido. Quando eu já morava no Brasil, ligava para a minha avó e ela dizia: 'Tudo bem, você é campeã mundial, mas quando vai casar?'
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Como você se machucou?

Eu estava há um ano sem lutar. O contrato tinha acabado, eu não tinha mais compromissos e precisava de dinheiro. Aí fechei uma luta que não era para fechar. Era uma menina muito boa, de duas categorias acima do peso, fora de casa. Mas eu não tinha escolha. Não valeu o cinturão mundial que eu tinha de defender, porque era outra categoria. Mas eu não pensei que poderia me machucar. E eu tinha de pensar nisso. Foi algo muito mais sério do que uma simples lesão. Tive uma fratura no nariz­, mas não me disseram que estava fraturado. Eu voltei para o Brasil com muita dor e achava que era sinusite. Tomava remédio e a dor não passava. Aí tive uma crise muito forte, queria cortar minha cabeça fora de dor. Tinha uma fratura aberta. Eu estava sem dinheiro, sem patrocínio, sem poder lutar... Entrei em depressão profunda.

Foi uma parada forçada.

Não sabia mais onde eu estava, quem eu era. Operei em outubro, pelo SUS, graças a pessoas a quem eu posso, devo e vou agradecer. Mas tive de pagar um monte de coisas, gastei o pouco dinheiro que tinha guardado, tive de entregar meu apartamento, meu carro. Não tinha ninguém ao meu lado. Tentava correr e não conseguia, qualquer toque no nariz sangrava e eu não queria mais sair de casa. Aí resolvi dar um tempo. Fui para a minha casa na Sérvia. Tinha até pensado em ficar por lá. Fui passar um tempo na Tailândia e pensei: ainda não é hora de parar.
Peguei minhas malas e voltei para cá. Mas quis mudar de paisagem e fui para o Rio. Tinha uma academia boa de treinamento, eu conhecia a equipe. Tive de começar praticamente­ do zero porque estava totalmente fora de forma. Aí fui convivendo com os atletas, fui melhorando e hoje acho que estou na minha melhor forma. Lutei há poucos meses com uma africana valendo o cinturão e perdi por pontos. Mas fiquei muito satisfeita com a minha performance. Treinei poucos meses para esta luta. Foram dez rounds.

E agora chega de boxe?
Não abandonei o boxe, mas recebi uma proposta para ir para o MMA e topei. Agradeço essa minha fase aos patrocinadores – Cerpa, Amazon Power –, à academia X-GYM, que me acolhe, e à dedicação do Josuel Distak, meu treinador, e do preparador físico Rogério Camões.

Eu nem sabia que tinha mulheres no MMA...

Tem poucas. E é um jogo de xadrez, como toda luta. Você tem de prever os movimentos, tem muitas regras, tem de pensar. Não são só dois caras se batendo. Hoje eu tenho preparador físico, técnico, parceiros de treino e psicólogo. As pessoas acham que atleta é saudável. É saudável nada! Vive no limite, machucado, cheio de dores... Mas o MMA talvez venha agora para coroar todos estes anos em diversas lutas. E lá vou eu começar tudo de novo.

Ruralistas investem pesado nas eleições

Por Altamiro Borges

O Portal Terra noticia hoje que a senadora Kátia Abreu, a demo que lidera os latifundiários, enviou ofício aos ruralistas pedindo doações para “senadores e deputados comprometidos com o setor”. Em anexo, também foi enviado boleto bancário para depósito na conta do Diretório Regional do DEM do Tocantins. A campanha financeira faz parte do movimento batizado de “Agricultura Forte”, que visa ampliar a bancada dos ruralistas no Congresso Nacional. O ofício garante que a verba arrecadada será totalmente destinada aos candidatos do setor, mas não cita quais.

Maracutaias e crimes eleitorais

Como observa o portal, a legislação eleitoral obriga a abertura de uma conta bancária específica para doações a candidatos e “proíbe que sejam feitas em contas preexistentes, como é o caso”. Na última sexta-feira (24), uma liminar expedida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Tocantins tirou do ar o site www.agriculturaforte.com.br, que também era usado para coletar doações. O TRE ainda pede o bloqueio de todos os recursos arrecadados pelo diretório do DEM e exige informações do partido sobre qual o volume de dinheiro arrecadado até o agora.

A liminar do TRE foi uma resposta a ação da coligação Força do Povo, que acusa a senadora de realizar “caixa dois”. Em nota pública, a coligação acusa a campanha “Agricultura Forte” de ser uma forma de arrecadar dinheiro para a candidatura para deputado federal de Irajá Abreu (filho da senadora). Na sua prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral, entregue em setembro, Irajá declara que recebeu R$ 100 mil do DEM, de um total de R$ 710 mil já arrecadados.

Obstáculo à reforma agrária

Deixando de lado as possíveis maracutaias e ilegalidades desta campanha financeira, o que se nota no país todo é que as entidades ruralistas estão investindo pesado nestas eleições. Presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e integrante da coordenação de finanças de José Serra, a senadora teme que uma mudança na correlação de forças no Congresso acelere os debates sobre reforma agrária, proibição do trabalho escravo e infantil, defesa ambiental, entre outros itens satanizados pelos demos. Daí o forte empenho para ampliar a bancada do latifúndio.

O jornalista Mauro Zanatta, em reportagem do jornal Valor de 14 de setembro, observa que a “bancada ruralista deve crescer de tamanho e ter ainda mais peso nas decisões da Câmara e do Senado... O núcleo mais ativo do ruralismo na Câmara, composto por 30 deputados, deve ser quase todo reeleito em outubro e terá reforços influentes para compor uma frente suprapartidária estimada em 100 parlamentares. No Senado Federal, alguns ex-governadores ajudarão a dobrar o tamanho de um dos maiores grupos de pressão em ação no Congresso”.

A pauta prioritária dos latifundiários

Apesar do barulho e do atraso que representa, a bancada ruralista conta hoje com cerca de 80 deputados e 15 senadores. Para ampliá-la, as campanhas estão sendo “vitaminadas por doações de empresas e associações corporativas do setor rural”, relata a matéria. Na pauta dos ruralistas estão, ainda de acordo com a reportagem, “a alteração do Código Florestal Brasileiro, a revisão dos índices de produtividade usados na reforma agrária e a renegociação das dívidas rurais”.

O cientista político Edélcio Vigna, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), avalia que a bancada deve crescer na próxima legislatura, o que dificultará avanços no campo. “Os ruralistas avançaram muito durante o governo Lula. Barraram a revisão dos índices da reforma agrária e a votação da PEC do trabalho escravo, e liberaram os transgênicos”, observa. No mesmo rumo, o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, também projeta que “os ruralistas virão mais fortes, com reeleições e caras novas”.

Elites não subestimam as eleições

Esta perspectiva sombria confirma que as classes dominantes, incluindo seu setor mais atrasado e reacionário, não subestimam as eleições. Os ruralistas estão investindo pesado nesta disputa. E os movimentos sociais do campo? Será que os que lutam pela reforma agrária não têm o que fazer no parlamento? Não seria mais correto combinar as lutas sociais e institucionais, visando avançar nas suas conquistas? A carência de parlamentares comprometidos, de fato, com os explorados do campo e com a luta pela reforma agrária indica a urgência de se repensar tais questões.

The Guitar Trío - Friday Night In San Francisco - 1981


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1. a. Mediterranean Sundance
(Al di Meola)
b. Rio Ancho
(Paco de Lucia)
Paco de Lucia y Al di Meola

2. Short Tales of the Black Forest
(Chick Corea)
John McLaughlin y Al di Meola

3. Frevo Rasgado
(Egberto Gismonti)
John McLaughlin y Paco de Lucia

4. Fantasia Suite
(Al di Meola)
Paco de Lucia, John McLaughlin y Al Di Meola

5. Guardian Angel [Studio Recording]
(John McLaughlin)
Paco de Lucia, John McLaughlin y Al di Meola

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O discurso ocultado do presidente iraniano


por Mahmoud Ahmadinejad [*]

Os media corporativos dominantes fartaram-se de criticar o último discurso do Presidente do Irão. No entanto, que se saiba, nenhum deles publicou o texto integral do referido discurso. Este episódio mostra como funciona a barreira de ocultação dos factos e a desinformação. O palavrório do sr. Obama a criticar o discurso de Ahmadinejad foi amplamente exibido nos noticiários da TV portuguesa — mas não o próprio discurso criticado. Isso mostra bem a manipulação dos media dominantes. Não publicam textos, como este, que contenham demasiadas verdades. Falar do 11/Set, da espoliação do povo palestino ou das armas nucleares da entidade sionista é assunto tabu.
Ao publicar o discurso resistir.info está a cumprir o papel que deveria caber aos media que gostam de apregoar-se como "referência".
'Cartoon de Langer. Senhor Presidente,
Excelências,
Senhoras e Senhores,


Sou grato a Deus Todo Poderoso que me concedeu a oportunidade de estar mais uma vez perante esta assembléia mundial. Quero começar homenageando aqueles que perderam suas vidas nas terríveis cheias do Paquistão e expressar minha profunda simpatia às famílias que perderam seus entes queridos, assim como às pessoas e ao governo do Paquistão. Solicito a todos que ajudem seus irmãos, homens e mulheres, como um dever humanitário.

Permitam-me que agradeça a S.E. o Sr. Ali Abdussalam Treki, o Presidente da 64ª. Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, por seus esforços durante seu mandato. Também quero cumprimentar S.E. o Sr. Joseph Deiss, Presidente da 65ª. Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas e desejar-lhe êxito.

No passado, eu lhes falei acerca de algumas esperanças e preocupações, incluindo crises familiares, segurança, dignidade humana, economia mundial, mudanças climáticas assim como a aspiração por justiça e pela paz duradoura.

Depois de cerca de 100 anos de dominação, o sistema do capitalismo e da ordem mundial existente demonstrou-se incapaz de fornecer soluções apropriadas aos problemas das sociedades, chegando assim ao seu fim. Tentarei examinar as duas causas principais deste fracasso e delinear algumas características da ordem futura ideal.

A) Atitudes e Crenças

Como estão cientes, os profetas divinos tiveram por missão conclamar todos ao monoteísmo, amor e justiça e mostrar à humanidade o caminho da prosperidade. Eles convidaram os homens à contemplação e ao conhecimento a fim de melhor apreciarem a verdade e evitarem o ateísmo e o egoísmo. A verdadeira natureza da mensagem de todos os profetas é única. Cada mensageiro endossou o mensageiro que o antecedeu e transmitiu as boas novas sobre o profeta que viria e apresentaria uma versão mais completa da religião de acordo com a capacidade do homem a esta época. Isso continuou até o ultimo mensageiro de Deus, que apresentou a religião perfeita e abrangente.

Em oposição a isso, os egoístas e os avaros são contrários a este chamado claro, revoltando-se contra a mensagem.

Nimrod se opôs a Hazrat Abraham, o faraó se opôs a Hazrat Moses e os avarentos se opuseram a Hazrat Jesus Christ e Hazrat Maomé (a paz esteja com ele). Em séculos recentes, a ética e os valores humanos foram rejeitados como sendo a causa do atraso. Eles foram inclusive retratados como opositores do conhecimento e da ciência devido às antigas aflições impostas ao homem pelos proclamadores da religião nas épocas obscuras do Ocidente.

A desconexão do homem com o Paraíso afastou-o de si próprio.

O homem, com seu potencial de entendimento dos segredos do universo, seu instinto pela busca da verdade, suas aspirações por justiça e perfeição, sua busca pela beleza e pela pureza e sua capacidade de representar Deus na terra, foi reduzido a uma criatura limitada ao mundo material com a missão de maximizar os prazeres individualistas. O instinto humano, então, substituiu a verdadeira natureza humana.

Os seres humanos e as nações consideraram-se rivais e a felicidade de um indivíduo ou de uma nação foi definida como confronto, eliminação ou supressão das outras. A cooperação evolucionária construtiva foi substituída por uma luta destrutiva pela sobrevivência.

O desejo pelo capital e pela dominação substituiu o monoteísmo, que é a porta para o amor e para a unidade.

A luta generalizada do egoísta com os valores divinos abriu caminho para a escravidão e o colonialismo. Grande parte do mundo está sob o domínio de alguns Estados ocidentais. Dezenas de milhões de pessoas foram escravizadas e dezenas de milhões de famílias foram despedaçadas por causa disso. Todos os recursos, direitos e culturas das nações colonizadas foram saqueados. Terras foram ocupadas e o povo nativo foi humilhado e dizimado.

Mesmo assim, nações se levantaram, o colonialismo foi rejeitado e a independência das nações reconhecida. Assim, a esperança por respeito, prosperidade e segurança renasceu nessas nações. No começo do século passado, discursos bonitos sobre liberdade, direitos humanos e democracia criaram a esperança de cura das profundas feridas do passado. Hoje, entretanto, não apenas aqueles sonhos não foram realizados como lembranças muitas vezes piores que as anteriores foram registradas.

Como resultado das duas guerras mundiais, da ocupação da Palestina, das guerras da Coréia e do Vietnam, da Guerra do Iraque contra o Irã, da ocupação do Afeganistão e do Iraque, assim como de muitas guerras na África, centenas de milhões de pessoas foram mortas, feridas ou deslocadas.

O terrorismo, as drogas ilícitas, a pobreza e a desigualdade social aumentaram. Os governos ditatoriais e golpistas na América Latina cometeram crimes sem precedentes com apoio do Ocidente.

Ao invés do desarmamento, expandiu-se a proliferação e o estoque de armas nucleares, biológicas e químicas, colocando o mundo sobre uma ameaça maior. Como resultado, os mesmos velhos objetivos dos colonialistas e dos escravagistas foram, mais uma vez, perseguidos,sob novo disfarce.

B) A gerência global e as estruturas de domínio

A Liga das Nações e, depois, as Nações Unidas, foram estabelecidas com a promessa de promover a paz, a segurança e a realização dos direitos humanos, o que de fato significa uma gestão global.

A governação do mundo pode ser analisada examinando-se três eventos:

Primeiro, o evento de 11 de setembro de 2001, que afetou o mundo todo por quase uma década.

Rapidamente, as notícias do ataque às torres gêmeas foram televisionadas usando numerosas imagens do incidente.

Quase todos os governos e personalidades conhecidas condenaram fortemente este incidente.

Mas então a máquina de propaganda começou a funcionar a pleno vapor; ficou implícito que o mundo todo estava exposto a um grande perigo, chamado terrorismo, e que a única maneira de salvar o mundo seria enviar forças ao Afeganistão.

Finalmente o Afeganistão, e logo após o Iraque, foram ocupados.

Por favor, notem que:

Foi dito que cerca de 3000 pessoas foram mortas em 11 de setembro, pelas quais estamos todos muito entristecidos. Mas, até afora, no Afeganistão e no Iraque centenas de milhares de pessoas foram mortas, milhões feridos e desalojados e o conflito ainda continua a se expandir.

Na identificação dos responsáveis pelo ataque, há três pontos de vista:

1 – Que um grupo terrorista complexo e muito poderoso, capaz de passar com sucesso por todas as camadas de inteligência e segurança americanas, efetuou os ataques. Este é o principal ponto de vista defendido pelos funcionários do governo americano.

2 – Que alguns segmentos dentro do governo dos EUA orquestraram o ataque para reverter o declínio da economia Americana e seus agregados no Oriente Médio a fim de salvar o regime sionista. A maioria do povo americano, assim como outros países e políticos, concordam com esta opinião.

3 – Foi levado a cabo por um grupo terrorista mas o governo americano apoiou e se aproveitou da situação. Aparentemente, este ponto de vista tem poucos defensores.

A principal evidência ligada ao incidente foram alguns passaportes encontrados no imenso volume de detritos, e um vídeo mostrando uma pessoa cujo domicílio é desconhecido, mas anunciou-se que a mesma havia estado envolvida em negócios petrolíferos com alguns funcionários americanos. Isso também foi encoberto, e se disse que devido à explosão e ao fogo nenhum traço dos atacantes suicidas foi encontrado.

Restam, todavia, algumas perguntas a serem respondidas:

1 – Não teria sido sensato que logo no início uma investigação completa tivesse sido conduzida por grupos independentes para identificar sem margem de dúvidas os elementos envolvidos no ataque, delineando-se em seguida um plano racional para tomar medidas contra eles?

2 – Assumindo o ponto de vista do governo americano, é racional deflagrar uma guerra clássica com movimentação generalizada de tropas que levaram à morte de centenas de milhares de pessoas para combater um grupo terrorista?

3 – Não seria possível ter agido da forma que o Irã agiu no combate ao grupo terrorista Riggi, que matou e feriu 400 pessoas inocentes no Irã? Na operação iraniana, nenhum inocente foi ferido.

Propõe-se que as Nações Unidas estabeleçam um grupo independente de pesquisa dos fatos envolvidos no evento de 11 d e setembro, de modo que no futuro não seja proibido que se expressem opiniões sobre isso.

Eu gostaria de anunciar que no próximo ano a República Islâmica do Irã sediará uma conferência para estudar o terrorismo e os meios de combatê-lo. Eu convido funcionários, acadêmicos, pensadores, pesquisadores e institutos de pesquisa de todos os países a participar desta conferência.

Em segundo lugar, está a ocupação dos territórios palestinos

O povo oprimido da Palestina tem vivido sob o domínio de um regime de ocupação por 60 anos, tendo sido privados de liberdade, segurança e direito à auto-determinação, enquanto aos ocupantes é concedido o reconhecimento. Diariamente, as casas estão sendo destruídas sobre as cabeças de mulheres e crianças inocentes. Pessoas estão privadas de água, comida e remédios em sua terra natal. Os sionistas impuseram cinco guerras devastadoras sobre os países vizinhos e sobre o povo da Palestina.

Os sionistas cometeram os mais terríveis crimes de Guerra contra o povo indefeso nas guerras contra o Líbano e contra Gaza.

O regime sionista atacou uma flotilha humanitária em flagrante desacato a todas as normas internacionais, e assassinou civis.

Este regime, que goza do apoio absoluto de algumas nações ocidentais, ameaça regularmente os países da região e continua a anunciar publicamente o assassinato de personalidades palestinas e outros, enquanto os defensores palestinos e aqueles que se opõe a este regime são pressionados, rotulados como terroristas e anti-semitas. Todos os valores, mesmo o da liberdade de expressão, na Europa e nos estados Unidos, estão sendo sacrificados no altar do Sionismo.

As soluções estão fadadas as fracasso porque o direito do povo palestino não está sendo levado em conta.

Teríamos testemunhado esses crimes horrendos se ao invés de reconhecer a ocupação, o direito soberano do povo palestino houvesse sido reconhecido?

Nossa proposição inequívoca é o retorno dos refugiados palestinos à sua terra e a indicação para votação do povo palestino no exercício de sua soberania, decidindo qual o tipo de governo que desejam.

Em terceiro lugar, está a energia nuclear

A energia nuclear é limpa e barata e uma dádiva dos céus que está entre as alternativas mais adequadas para reduzir a poluição gerada pelos combustíveis fósseis.

O Tratado de Não–proliferação (TNP) permite que todos os Estados-membros utilizem energia nuclear sem limites, e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi constituída para fornecer apoio técnico e legal a todos os Estados-membros.

A bomba nuclear é a pior das armas desumanas e deve ser totalmente eliminada. O TNP proíbe seu desenvolvimento e armazenagem e defende o desarmamento nuclear. Não obstante, notem o que alguns membros permanentes do Conselho de Segurança, e detentores de bombas nucleares, têm feito:

Eles tem equiparado a energia nuclear à bomba nuclear, e distanciaram esta energia do alcance da maioria dos países ao estabelecer monopólios e pressionar a AIEA. Mas ao mesmo tempo eles continuaram a manter, expandir e aperfeiçoar os seus próprios arsenais nucleares.

Isso implicou no que se segue:

Não apenas o desarmamento nuclear não foi realizado mas também bombas nucleares têm proliferado em algumas regiões, inclusive no regime sionista ocupante e intimidador.

Eu gostaria de propor aqui que o ano de 2011 seja proclamado o ano do desarmamento nuclear e da "Energia Nuclear para Todos, Armas Nucleares para Ninguém". Em todos esses casos as Nações Unidas têm sido incapazes de tomar um curso efetivo de ação. Infelizmente, na década proclamada como "Década Internacional pela Cultura da Paz" centenas de milhares foram assassinados e feridos como resultado de Guerra, agressão e ocupação, e as hostilidades e o antagonismo crescem.

Senhoras e Senhores,

Bem recentemente o mundo testemunhou o ato feio e desumano da queima do Sacrado Corão. O Sagrado Corão é o Livro Divino e o eterno milagre do Profeta do Islã. Ele chama à adoração do único Deus, justiça, compaixão entre as pessoas, desenvolvimento e progresso, reflexão e meditação, defesa dos oprimidos e resistência contra os opressores: e nomeia respeitosamente os Mensageiros de Deus precedentes, como Noé, Abraão, Isaac, José, Moisés e Jesus Cristo (A Paz esteja com Eles) e os endossa. Eles queimaram o Corão para queimar todas essas verdades e boas opiniões. Todavia, a verdade não pode ser queimada. O Corão é Eterno porque Deus e a Verdade são eternos. Este ato e qualquer outro ato que aumente a divisão e as distâncias entre as nações são maus. Deveríamos sabiamente evitar brincar nas mãos de Satã. Em nome da nação iraniana eu presto respeito a todos os Livros Divinos e seus seguidores. Este é o Corão e esta é a Bíblia. Eu presto meu respeito a ambos.

Estimados Amigos,

Por anos a ineficiência do capitalismo e as estruturas e gestão atuais do mundo foram expostas, e a maioria dos Estados e nações tem estado em busca de mudanças fundamentais e da prevalência da justiça nas relações globais.

A causa na inaptidão das Nações Unidas é sua estrutura injusta. O principal poder está monopolizado no Conselho de Segurança devido ao privilégio de veto,e o principal pilar da Organização, ou seja, a Assembléia Geral, está marginalizada.

Nas décadas passadas, pelo menos um dos membros permanentes do Conselho de Segurança tem sido sempre parte nas disputas.

O privilégio do voto assegura impunidade à agressão e à ocupação. Como se poderia, assim, esperar competência quando tanto o juiz quanto o promoter são parte na disputa?

Se o Irã gozasse do privilégio do veto, o Conselho de Segurança e o Diretor-Geral da AIEA teriam tomada a mesma posição na questão nuclear?

Caros Amigos,

As Nações Unidas são cruciais para a coordenação da gestão global comum. Sua estrutura necessita reformas de modo que todos os Estados e nações independentes possam participar ativa e construtivamente na governança global.

O privilégio do veto deveria ser refogado, e a Assembléia Geral deveria ser o órgão supremo e o Secretário-Geral deveria ser o funcionário mais independente e todas as suas posições e atividades deveriam ser tomadas com aprovação da Assembléia Geral e deveriam ser direcionadas à promoção da justice e à eliminação das discriminações.

O Secretário-Geral não deveria poder ser pressionado por potências e/ou pelo país que sedia a Organização por sua defesa da verdade e administração da justiça.

Sugere-se que a Assembléia Geral deveria, dentro de um ano e no contexto de uma sessão extraordinária, finalizar a reforma da estrutura da Organização.

A República Islâmica do Irã tem sugestões claras a este respeito e está pronta a participar ativa e construtivamente deste processo.

Senhoras e Senhores,

Anuncio com clareza que a ocupação de outros países sob o pretexto de liberdade e democracia é um crime imperdoável.

O mundo precisa da lógica da compaixão e justiça e participação inclusiva, ao invés da lógica da força, dominação, unilateralismo, guerra e intimidação.

O mundo precisa ser governado por pessoas virtuosas como os Profetas Divinos.

Duas grandes esferas geográficas, ou seja, a África e a América Latina, têm passado por desenvolvimentos históricos nas últimas décadas. As novas abordagens nesses dois continentes, baseadas na elevação do nível de integração e unidade assim como na regionalização dos modelos de crescimento e desenvolvimento, têm trazido frutos consideráveis aos povos destas regiões. A consciência e a sabedoria dos líderes desses dois continentes tem vencido as crises e problemas regionais sem a interferência dominadora de potência não-regionais.

A República Islâmica do Irã tem expandido suas relações com a América Latina e a África em todos os aspectos, nos anos recentes.

E acerca do glorioso Irã,

A Declaração de Teerã foi um passo extremamente positivo nos esforços de construção da confiança que foi tornado possível através da admirável boa vontade dos governos do Brasil e da Turquia, juntamente com a sincera cooperação do governo iraniano. Apesar de ter a Declaração recebido de alguns reações impróprias, e ter sido seguida por uma resolução ilegal, ela é ainda válida.

Temos respeitado as regulamentações da AIEA até além de nosso comprometimento, mas nunca nos submetemos, nem jamais o faremos, a pressões ilegalmente impostas.

Tem sido dito que querem pressionar um diálogo com o Irã. Bem, em primeiro lugar, o Irã sempre esteve pronto para um diálogo baseado no respeito e na justiça. Em segundo lugar, métodos baseados no desrespeito a nações há muito tornaram-se ineficazes. Aqueles que usaram intimidação e sanções em resposta à lógica cristalina da nação iraniana estão na verdade destruindo o que resta de credibilidade do Conselho de Segurança e de confiança das nações neste organismo, provando uma vez mais o quanto é injusta a função do Conselho.

Quando ameaçam uma grande nação como o Irã, que é conhecida através da história por seus cientistas, poetas, artistas e filósofos, e cuja cultura e civilização são sinônimos de pureza, submissão a Deus e busca da justice, como poderão esperar que outras nações tenham neles confiança?

Nem é preciso dizer que métodos de dominação para gerir o mundo falharam. Não somente a era da escravidão e colonialismo e dominação do mundo passou, como o caminho para reviver antigos Impérios está fechado, também.

Anunciamos que estamos prontos para um debate sério e livre com os governantes americanos para expressão nossos pontos de vista transparentes em questões importantes para o mundo neste mesmo local.

Propomos aqui que, a fim de haver um diálogo construtivo, um debate livre anual seja organizado dentro da Assembléia Geral.

Em conclusão,

Amigos e Colegas,

A nação iraniana e a maioria dos governos e nações do mundo são contra a atual gestão discriminatória do mundo.

A natureza inumana desta gestão chegou a um beco sem saída e requer uma ampla revisão.

A reforma dos negócios humanos e a promoção da tranqüilidade e prosperidade requer a participação de todos, pensamentos puros e a a direção humana e divina.

Somos todos de opinião que:

A justiça é o elemento básico para a paz, segurança durável e difusão do amor entre pessoas e nações. É na justiça que a humanidade busca a realização de suas aspirações, direitos e dignidade, porque estaria se defendendo da opressão, humilhação e maus-tratos.

A verdadeira natureza da humanidade é manifestada no amor por outros seres humanos e amor por tudo o que é bom no mundo. O Amor é a melhor base para o estabelecimento de relações entre pessoas e entre nações.

Como disse Vahshi Bafqi, o grande poeta iraniano:
"Da fonte da juventude, beba mil goles,
Você morrerá da mesma forma se não se agarrar ao amor"
Na construção de um mundo pleno de pureza, segurança e prosperidade, os povos não são rivais mas companheiros.

Os que vêem sua felicidade apenas na infelicidade de outros e seu bem-estar e segurança apenas na insegurança alheia, aqueles que se consideram superiores a outros, estão fora do caminho da humanidade e no curso do mal.

Os recursos econômicos e materiais são apenas ferramentas para servir aos outros, para criar amizade e fortalecer as conexões humanas para a perfeição spiritual. Não são ferramentas de exibição ou meios para dominar outros.

Homens e mulheres complementam-se uns aos outros e a unidade familiar, com relações puras, amorosas e permanentes dos esposos no seu centro, é a garantia de continuidade e da formação das gerações, para prazeres verdadeiros, para espalhar o amor e para a reforma das sociedades.

A mulher é um reflexo da beleza de Deus e a fonte do amor e da afeição. Ela é a guardiã da pureza e do requinte da sociedade.

A tendência de endurecer as almas e o comportamento das mulheres as priva de seu direito verdadeiramente básico de ser uma mãe amorosa e uma esposa afetuosa. Isso resulta numa sociedade mais violenta com defeitos irreversíveis.

A liberdade é um direito divino que deveria servir à paz e à perfeição humana.

Pensamentos puros e a aspiração à retidão são as chaves para os portões de uma vida pura plena de esperança, alegria e beleza.

Esta é a promessa de Deus de que a Terra será herdada pelos puros e pelos justos, E as pessoas livres do egoísmo tomarão as rédeas do mundo. Então, não haverá nenhum traço de tristeza, discriminação, pobreza, insegurança e agressão. O tempo da verdadeira felicidade e do florescimento da verdadeira natureza da humanidade, do modo como Deus desejou, chegará.

Todos os que procuram justiça e todos os espíritos livres têm esperado por este momento e a eles foi prometido esta época gloriosa.

O homem completo, o verdadeiro servo de Deus e o verdadeiro amigo da humanidade cujo pai foi da geração do amado Profeta do Islã e cuja mãe vinha dos verdadeiros crentes em Jesus Cristo, esperará com Jesus, filho de Maria,e os outros justos para aparecer nessa época brilhante e auxiliar a humanidade.

Para recepcioná-los devemos unir fileiras e buscar a justiça.

Louvores ao Amor e adoração, louvor à justiça e à liberdade, louvor à verdadeira humanidade, o homem completo, o verdadeiro companheiro da humanidade, e a paz esteja com vocês e com os justos e os puros.

Obrigado.
Ver também:
  • Media Disinformation: The Facts About Ahmadinejad's UN Speech
  • 'We Will Not Accept the New Tone' from the IAEA
  • Le 11 septembre et "l’Inquisition américaine"
  • Ahmadinejad n’a jamais dit "Israël doit être rayé de la carte"
  • Négationnisme iranien
  • La campagne contre l’Iran et le droit international
  • Washington finit par reconnaître la vérité à propos du non existant programme d'armes nucléaire iranien
  • Ali Larijan: “Obama est un hors-la-loi international”

    [*] Presidente da República Islâmica do Irã. Discurso pronunciado perante a 65ª sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 23 de Setembro de 2010.


    O original encontra-se em gadebate.un.org/... . Tradução de RMP.

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • terça-feira, 28 de setembro de 2010

    Gilmar Mauro: ‘MST não será refém do próximo governo’

      Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação do Correio da Cidadania  
     
    Às vésperas do pleito presidencial mais vazio de idéias desde tempos imemoriais, os movimentos sociais e a esquerda do país vão se deparar com um novo período de suas lutas. Necessitam fazer uma ampla reflexão sobre as derrotas acumuladas, que, ao contrário do que se esperava, foram aprofundadas no período Lula. Esse é o pensamento de Gilmar Mauro, dirigente do MST, em entrevista ao Correio da Cidadania, na qual também explicou a postura do movimento na eleição e a polêmica em torno de um possível apoio velado de suas lideranças à candidatura petista.

     
    Gilmar argumenta que o MST não declarou apoio a candidato algum no primeiro turno por conta do enfraquecimento político e social da esquerda. De modo que o movimento não é capaz de impedir que grande parte de suas bases opte por Dilma, ainda que o governo Lula, como também aponta, não tenha chegado sequer perto de promover a reforma agrária. Para ele, a única diferença de Lula com Serra é a menor intolerância ao diálogo com o movimento social (o que crer se aplicar também em São Paulo, na disputa entre Alckmin e Mercadante).
     
    Para Gilmar, é justamente essa retração da esquerda, imposta por falhas próprias e também pela vitória do lulismo, que deixou o movimento numa posição "complicada" para tomar partido de candidatos mais alinhados ao projeto de reforma agrária defendido pelo MST, como Plínio Arruda Sampaio (responsável pelo plano de reforma agrária de Lula em 2003, posteriormente engavetado) e outros da esquerda socialista. Além disso, lembra que os sem terra e a reforma agrária possuem apoios em diversos outros partidos.
     
    Até pela difícil posição em que se encontra o movimento nas eleições deste ano, Gilmar ressalta que o principal debate a ser feito na esquerda diz respeito à sua própria reconstrução, de forma mais unitária, antes de qualquer novo projeto ou programa a ser anunciado. Só após extensa autocrítica e a conjunção de todos esses fatores, conclui, as forças não privilegiadas pela ordem poderão voltar a encarar o capital em todas as suas variadas vertentes, inclusive para um dia alcançarem a reforma agrária.
     
    Correio da Cidadania: No atual momento histórico de completa supremacia do agronegócio no campo, com seus laços com grandes e poderosos setores das finanças, indústrias e política, que reforma agrária você considera possível e necessária?
     
    Gilmar Mauro: Eu acho que é preciso repensar a reforma agrária e hoje ela depende de um amplo debate na sociedade brasileira. E a sociedade terá de discutir que tipo de uso quer dar ao solo, aos recursos naturais, água, biodiversidade e todo o subsolo.
     
    Em segundo lugar, teremos de decidir que tipo de comida vamos querer daqui por diante. Se optarmos por manter o atual uso do solo brasileiro para produzir commodities e exportá-las, utilizando agroquímicos em grande escala, realmente não precisamos de reforma agrária.
     
    E o terceiro aspecto é o paradigma tecnológico que queremos para o futuro. Ninguém está falando em volta ao passado, movimento budista de acabar com as máquinas, mas a tecnologia precisa estar a serviço humanidade. É evidente que deve haver produção para atender às demandas, sejam de alimentação ou de matéria-prima, mas com tecnologias de impacto ambiental não tão grande quanto as que estão sendo usadas, ajudando a diminuir a penosidade do trabalho, do que ninguém discorda também.
     
    Evidentemente, vamos continuar ocupando terras, porque tem gente querendo ser assentada e trabalhar. No entanto, mais além do MST, tal debate precisa ser jogado à sociedade, pois, se ela não discutir e colocar sua opinião, não há reforma agrária viável dentro do modelo que está sendo aplicado no momento.
     
    Correio da Cidadania: Lula chegou perto de alcançar algum desses objetivos nos moldes defendidos pelos movimentos camponeses?
     
    Gilmar Mauro: Não, na verdade, o que temos hoje são políticas agrárias e de assentamentos. Não podemos falar de reforma agrária no país. Existem assentamentos, fruto de pressão, regularizações fundiárias, mas do ponto de vista da concentração fundiária está tudo intacto, ou seja, 1% dos proprietários detém 46% das terras. E do ponto de vista do modelo e da produção agrícola, exportação de commodities, ampliou-se o modelo historicamente construído no país.
     
    Temos pequenas melhorias na agricultura familiar, alguma coisinha em crédito, merenda escolar, que possibilitam à pequena agricultura algum tipo de renda, mas não podemos falar de reforma agrária. Embora tenham sido assentadas algumas centenas de milhares de famílias, não se alterou em nada a estrutura fundiária brasileira. Se quisermos falar de reforma agrária de fato, é preciso mudar o modelo e a estrutura fundiária brasileira, o que não ocorreu até hoje na história do país.
     
    Correio da Cidadania: Dirigentes do movimento passaram os últimos anos fazendo duras críticas ao abandono a que o governo Lula relegou as políticas agrárias defendidas pelo PT ao longo dos anos. No entanto, recentemente, alguns líderes mostraram alguma inclinação pela candidatura de Dilma em relação à de Serra. Como você avalia estes posicionamentos?
     
    Gilmar Mauro: O MST, e prefiro falar daquilo que foi decidido pela direção, adotou uma postura de não apoio a nenhum candidato, tanto a presidente como a governador e outros cargos. Isso entendendo uma série de questões que relacionamos do ponto de vista da reforma agrária e um leque bastante amplo de partidos, que vão desde a esquerda socialista, revolucionária, até setores, digamos, democratas, republicanos. Temos apoio na causa em setores do PMDB, do PDT e assim por diante.
     
    Assim, o MST optou por não tomar posição em favor de algum candidato neste primeiro turno das eleições. Até para preservar as alianças que construímos historicamente e a perspectiva, inclusive, de reconstrução de uma esquerda progressista no próximo período. Acho que, neste momento histórico, as condições não foram propícias em termos de unificação das candidaturas de esquerda. Mas é este o nosso tempo histórico e não podemos mais ficar chorando o leite derramado. Temos de aprender as lições desse processo todo na esquerda brasileira e pensar o próximo período. Os desafios estão postos para que se pense na reconstituição política de uma esquerda de fato em nosso país.
     
    Correio da Cidadania: Essa postura de não declarar apoio a nenhum candidato iria de encontro à idéia sempre frisada de manter a autonomia do movimento, mesmo com essas novas demonstrações de simpatia relativamente à vitória petista?
     
    Gilmar Mauro: Exatamente. Porque, independentemente de qualquer coisa, uma reforma agrária de fato, que altere toda a estrutura fundiária brasileira, pensando em novos paradigmas, de produção, tecnologia e modelo, só se realizará na medida em que as forças populares tiverem um protagonismo muito maior.
     
    E estamos vivendo um momento de crise, com enfraquecimento dos setores sociais, perda de força política. Posso falar até pelo MST: creio que houve uma perda de força política e social no último período. E o mesmo tem ocorrido nos movimentos urbanos, sindicais, estudantis, o que não é particularidade brasileira, mas uma realidade mundial.
     
    Esse é o contexto que coloca os setores reformistas, não apenas os revolucionários, numa situação defensiva em escala internacional hoje em dia.
     
    Correio da Cidadania: Em entrevista que você nos concedeu em maio, houve uma declaração de que a tendência do movimento seria ficar ao lado de quem apoiasse uma reforma agrária "profunda e radical". Como interpretar essa intenção à luz do que está agora ocorrendo de fato no que se refere ao posicionamento de dirigentes e militantes? Dilma caminharia para esta reforma profunda e radical, a seu ver?
     
    Gilmar Mauro: Acho que não. Acho que nenhum governo levaria a esse caminho. Poderíamos eleger o mais radical, o Rui Costa Pimenta (PCO), que não haveria condições de fazê-la. Isso porque, sem força social e política organizada, não se consegue, a correlação de forças não permite.
     
    O indicativo do MST, inclusive de acordo com o que discutiu a direção do movimento, é votar em candidatos que defendam a reforma agrária, tanto para o parlamento quanto para a principal eleição. E acho que a militância tem feito isso, apoiando candidaturas que defendam a reforma agrária e tenham um compromisso histórico com ela.
     
    Inclusive, muitos militantes vão votar no Plínio. Outra parte vota no Ivan Pinheiro, também no Zé Maria, e ainda há outra parte que vota na Dilma. Acho até que, do ponto de vista das bases do movimento, a maioria vota na Dilma, embora o governo Lula tenha estado longe de fazer a reforma agrária. Houve pequenos avanços, alguns assentamentos, e uma parte de nossas bases entende que votar na Dilma é uma opção.
     
    Por conta de tudo isso, o MST ficou nessa situação. Não tomamos partido, como instituição, de nenhuma candidatura, mas estimulamos o voto em quem apóia a reforma agrária.
     
    Correio da Cidadania: Haveria, de fato, diferenças substanciais entre os governos Serra e Dilma na consecução da reforma agrária e no relacionamento com os movimentos sociais?
     
    Gilmar Mauro: Acho que nesse caso sim. Com o Serra, nós nunca conseguimos fazer uma reunião. A única reunião que fizemos aqui foi com o chefe da Casa Civil, o Aloysio Nunes, e à boca pequena se dizia que ele não queria mesmo falar conosco. Por outro lado, tivemos vários despejos violentos (na Cutrale, por exemplo), com articulação entre o governo estadual, Rede Globo e os fazendeiros da região, buscando criminalizar o nosso movimento.
     
    As investidas do Serra contra os professores, a Polícia Civil, os moradores do Jardim Pantanal, nós, sem terra, são mostras de um processo de dificuldade de diálogo do governo Serra com o movimento social. Aliás, até alguns prefeitos do PSDB com quem temos contato estão apoiando a Dilma, pois dizem que têm muita dificuldade de se reunir com o Serra. Dessa forma, parece ser da índole dele tamanha dificuldade em se relacionar, não só com o movimento social, como também com outras pessoas.
     
    Não acho que, do ponto de vista do projeto político, exista tanta diferença entre os dois. Mas, pelo lado dos movimentos sociais, há sim diferença entre Serra e Dilma, principalmente no sentido de criminalizar os movimentos e pela dificuldade de ver o movimento social como parte do processo de construção e de lutas.
     
    Correio da Cidadania: Ainda que existam estas diferenças entre eventuais governos Dilma ou Serra, o posicionamento mais favorável do movimento com relação à vitória petista não seria, de todo modo, um salvo-conduto à permanência de um certo imobilismo e perda de autonomia dos movimentos sociais, tão destacados pelo próprio MST ao longo dos últimos anos, nos quais Lula presidiu o Brasil?
     
    Gilmar Mauro: Não, muito pelo contrário. E outra, o Movimento Sem Terra tem por princípio manter sua autonomia política. Não acredito nisso e não tenho nenhuma dúvida de que o movimento não será refém do próximo governo. Aposto todas as minhas fichas nisso, porque o movimento terá de continuar lutando pela reforma agrária. Embora a conjuntura seja adversa, a esquerda tenha pouca força, o movimento social idem, é tempo de remar contra a maré. E o MST vai continuar organizando sua base.
     
    Acho que duas coisas são fundamentais: primeiramente, uma organização que não coloca como defesa principal as necessidades de sua base social é uma organização que não tem sentido, por isso muitas deixaram de existir. As pessoas se organizam a partir de suas necessidades. Portanto, o MST tem de continuar dando respostas às suas bases, com lutas, marchas, que são as necessidades corporativas da base real do MST.
     
    O segundo aspecto, e quem não o entende terá dificuldade de compreender a própria luta de classes: as pessoas se organizam a partir de suas necessidades, sejam econômicas ou físicas, sejam ideológicas ou espirituais. O sujeito vai à igreja porque sente alguma necessidade. Se a organização perde isso de vista, perde o sentido, vira uma casta. E creio que o MST nunca será assim.
     
    Outra coisa, a marca do MST: o movimento nunca foi conhecido internacionalmente por um bom programa, por um bom discurso, belas elaborações. Ficou conhecido internacionalmente por uma coisa: planejava e fazia. Às vezes com erros, e como movimento social cometemos muitos, mas foi isso que deu moral ao movimento diante das pessoas. O que projetou nosso movimento foi planejar e executar.
     
    Evidentemente, queremos avançar também do ponto de vista teórico, de elaboração de programas, porque não basta só uma prática política relevante. É preciso ter uma teoria condizente com o processo e anseio das lutas que planejamos continuar levando adiante.
     
    Correio da Cidadania: Mesmo sendo bastante compreensível todo este espectro de dificuldades na esquerda e no movimento, não poderia ter havido uma colocação mais explícita, ainda que somente no primeiro turno, em favor, por exemplo, da candidatura do PSOL, Plínio Arruda Sampaio, que sabidamente sempre se posicionou francamente a favor da reforma agrária nos moldes defendidos pelo MST, além de, ao longo das décadas, ter feito parte das entidades que lutam por esse objetivo?
     
    Gilmar Mauro: Acho que o Plínio é uma grande figura nesses aspectos, a melhor entre todos os candidatos. Sempre esteve ao lado dos trabalhadores, da reforma agrária, é um grande lutador e um exemplo para a nossa militância. E apesar da idade, continua em pé, lutando, fazendo aquilo que acredita. Nem sempre o que acreditamos é o mais correto ou dá liga no momento, como é o caso da candidatura.
     
    Acho que é um tempo histórico de muitas dificuldades. Tivemos dificuldades nas esferas partidárias para se chegar à unificação de uma candidatura. O PSTU, PSOL, PCO, PCB não conseguiram se unificar. É um tempo de fragmentação, isso é real, objetivo. E tempo de dificuldade inclusive de articulação dos setores de esquerda, do movimento social, para se juntar numa candidatura que catalisasse todo o descontentamento social. Eu diria que esse tempo histórico explica muito mais do que qualquer coisa.
     
    Se fôssemos olhar pela base do MST, teríamos caído de cabeça na candidatura Dilma, porque a base do MST hoje é lulista. Aliás, este é um fenômeno que precisamos entender. Exagerando, Lula parece gerar mais consenso que Jesus, 94% das pessoas aprovam ou dizem que é regular o governo dele. É algo que não se imaginava.
     
    Portanto, se efetivamente fizéssemos uma discussão com nossas bases, teríamos apoiado a Dilma. Porém, a militância refletiu e se questionou como iria apoiar a Dilma nas eleições abertamente, tendo o governo Lula apoiado o agronegócio, com o grande capital ganhando muito dinheiro e a reforma agrária avançando tão pouco. Não dava para sair em defesa do governo Dilma.
     
    Dessa forma, optamos por não declarar apoio a ninguém no primeiro turno. Apoiar o Plínio seria uma postura mais militante. A direção tomar uma posição de apoio o Plínio ao mesmo tempo em que a base ficasse do lado da Dilma criaria uma situação difícil. É complicado. Estou sendo muito honesto aqui.
     
    Sendo assim, o melhor, e acho isso mesmo, foi ter a postura de não declarar apoio oficial a nenhum candidato.
     
    Correio da Cidadania: Em entrevista ao Correio este ano, o sociólogo Ricardo Antunes criticou a falta de "organicidade" em nossa esquerda, que, além de não conseguir se unificar num período eleitoral, tampouco tem conseguido incorporar os movimentos sociais em suas mais diversas lutas. Você vislumbra alguma forma de reorganização na esquerda em período próximo?
     
    Gilmar Mauro: É difícil falarmos em tempos, mas alguns ingredientes são premissas fundamentais se quisermos construir um processo sustentado, já que o verbo anda na moda.
     
    Primeiramente, precisamos fazer um balanço político profundo, honesto e sério das experiências de esquerda partidária, do movimento social e sindical. É preciso dizer "nossos instrumentos são importantes, foram construídos por nós, é o que temos, mas hoje não dão conta de organizar a classe trabalhadora". Há muitos setores da classe trabalhadora que não estão nem aí pra nenhum tipo de organização.
     
    Em segundo lugar, foi completamente perdida a referência, até o sentido de classe, os laços de solidariedade. As pessoas não se enxergam como classe trabalhadora. A Nike, por exemplo, não tem nenhuma fábrica, é um processo todo terceirizado, fragmentado, atomizando a classe. No Brasil, mais concretamente, são mais de 600 mil vendedoras de Avon! Se somarmos com Natura, Herbalife, são mais de 1 milhão de pessoas. E se as chamamos de ‘classe trabalhadora da Avon’, elas vão se dizer ‘consultoras de venda’. Porque os instrumentos até aqui construídos não dão conta dessa nova dinâmica e da nova realidade da classe trabalhadora. Se não fizermos tal autocrítica, dificilmente vamos conseguir pensar em formas organizativas e projetos para um novo período.
     
    Outro aspecto é que devemos parar com esse negócio de ver quem é dono da verdade. Cada um tem uma parte da verdade, e possíveis razões em sua análise, mas é apenas mais uma verdade entre todas as demais, de outros agrupamentos e setores. Necessitamos baixar a crista, a petulância, até o pedantismo intelectual, e olharmos nossa fragmentação, nossa baixa força social e política... E organização sem isso vale zero, mesmo com o melhor debate e o melhor programa do mundo.
     
    Se nos olharmos entre todos, veremos que cada um tem sua parcela de contribuição; e juntando tudo ainda somos um agrupamento muito pequeno para enfrentar toda a lógica do capital, imposta a todo o país. Portanto, para mim, essas são as condições analíticas fundamentais.
     
    É preciso reorganizar a esquerda? É preciso pensar um novo programa, uma nova estratégia? Não tenho a menor dúvida. Mas não adianta juntar mais meia dúzia, dizer "a nova estratégia é essa" e sair angariando gente para a minha corrente. Não vai ter. Dessa forma, é preciso fazer o debate, autocrítica, análise, de modo que se envolva a militância e se pense a respeito, o que necessita tempo.
     
    Portanto, mais do que sair com uma nova proposta, de um novo partido, para o ano que vem, é preciso criar uma metodologia para o debate político, que nos permita, no momento de criar novos instrumentos, ter suficiente acúmulo de forças, evitando que seja só mais um agrupamento para disputar com os outros.
     
    Infelizmente, a esquerda vê essa disputa pela hegemonia como uma concorrência entre instrumentos, e não uma possibilidade de fortalecimento, uma vez que, para fazer uma revolução social, serão necessárias milhões de pessoas conscientes. Está na ordem do dia, mas, se não fizermos o balanço, os grupos vão se achar certos por terem tentado impor sua hegemonia sobre os demais.
     
    Olha, se não fizermos um balanço crítico desses tempos, somos uns babacas. Aí poderemos falar de qualquer coisa, menos de revolução.
     
    É um momento de extrair todas as lições, com muita humildade, e a partir daí pensar no novo período. Casada a isso, uma análise muito profunda da nova realidade sócio-econômica mundial. O que é a classe trabalhadora do mundo de hoje? Porque, se não tivermos tal clareza, como vamos saber que instrumentos e programas são necessários a essa nova classe?
     
    As eleições vão passar, de modo que para mim esse é o debate central. É no que acredito e, no que depender de mim, entraremos com todas as forças nesse debate político do próximo período.
     
    Correio da Cidadania: Retornando finalmente à realidade mais imediata, no estado de São Paulo, como enxerga uma eventual vitória de Alckmin? Seria mais fácil negociar com Mercadante?
     
    Gilmar Mauro: Não sei, é uma pergunta difícil. Mas o tucanato em São Paulo... Com Alckmin também tivemos experiência anterior; com ele ao menos conseguimos nos reunir. Mas, depois da morte do Covas, tudo que diz respeito à agricultura, reforma agrária, foi completamente abandonado. O próprio Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) foi sucateado, a Polícia Civil, os professores; o trato deles com o movimento social sempre foi de criminalização.
     
    Acredito que, pelo seu histórico dentro do PT, o Mercadante não seja como o Alckmin, creio que seja um pouco melhor. E, sendo honesto, precisamos definir quem preferimos enfrentar, pois acho que teremos de enfrentar quem ganhar, seja quem for, no âmbito federal ou estadual. Assim, a pergunta é: para nós, é melhor enfrentar quem? No meu modo de ver, é melhor enfrentar o Mercadante. Não sei se vai dar segundo turno, até torço para que dê, pois, para o movimento social, é melhor encarar o Mercadante. Essa é minha impressão.
     
    No entanto, infelizmente, acredito que aqui em São Paulo nós temos uma situação pior ainda, pois enfrentamos o que há de pior na mídia, Veja, Folha, Estadão, Globo, enfim, o que há de pior das oligarquias e meios de comunicação está em São Paulo, em maior número. E do ponto de vista da esquerda idem, tem muita coisa boa, mas também existem vícios nas mesmas proporções. É uma realidade bastante complexa. Os desafios nos fazem crescer, é o espaço onde atuamos e temos o grande desafio de repensar esse período, inclusive aqui em São Paulo.
     
    Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
     

    A Origem e Consolidação do Racismo no Brasil

    Escrito por Mário Maestri  no Correio da Cidadania 
     
    1- Constituição e Racionalização da Exploração Escravista na Antiguidade
     
    A desqualificação dos oprimidos é recurso histórico, consciente e inconsciente, dos opressores para racionalizar e consolidar a exploração. Nas formas de produção pré-capitalistas, essa desqualificação centrou-se fortemente na natureza dos explorados. No clássico A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de 1884, Frederico Engels assinalou a dominação da mulher pelo homem, no contexto da primitiva divisão sexual do trabalho, como a primeira forma geral de exploração. "[...] o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino". A opressão da mulher apoiou-se tradicionalmente na defesa de sua inferioridade, fortemente ancorada na sua diversidade fisiológica em relação ao homem. O magnífico Aristóteles apontava como exemplo da inferioridade feminina o fato de que ela teria menos dentes que os homens!
     
    A escravidão patriarcal, base da produção na Grécia homérica, surgiu quando o produtor superou sistematicamente suas necessidades de subsistência, produzindo excedente capaz de ser apropriado pelo explorador. A orientação da produção para o consumo do núcleo familiar da pequena propriedade grega, de uns cinco ou pouco mais hectares [oikos], pôs relativamente travas à exploração do homem e da mulher escravizados. Não havia sentido em produzir acima do consumido pelos proprietários, familiares, dependentes e cativos. No escravismo patriarcal, o proprietário, sua família e dependentes trabalhavam comumente ao lado do cativo, em proximidade que apenas minimizava o caráter despótico daquela relação social de produção.
     
    Com a consolidação da propriedade privada sobre a terra e seus frutos e a expansão do mercado, a escravidão patriarcal desenvolveu-se e superou-se qualitativamente. Ainda que fossem numerosas as pequenas propriedades escravistas de subsistência, nos dois séculos finais da República e nos dois primeiros do Império, dominou social e economicamente a pequena propriedade escravista pequeno-mercantil especializada. Orientada para o mercado, a villa tinha em torno de uns dez a trezentos hectares e trabalhava com algumas poucas dezenas de cativos. A dimensão reativamente restrita e o caráter dos seus produtos, que exigiam comumente trabalho intensivo, especializado e sazonal, impediram tendencialmente a degradação das condições do trabalho servil conhecida séculos mais tarde na escravidão colonial. Era monótona e dura a existência do produtor escravizado nessas propriedades.
     
    Transição Histórica
     
    Por variadas razões, fracassou a evolução da produção pequeno-mercantil em escravismo mercantil, ou seja, em grandes propriedades trabalhadas por dezenas e centenas de cativos, tentada em diversas regiões, com destaque para as propriedades triticultoras da Sicília. Sob a forte pressão dos produtores escravizados, abriram-se então as portas à longa transição ao colonato e, a seguir, à produção feudal. Nesta última, o produtor deixava de ser, como anteriormente, propriedade plena do explorador. Sob a obrigação de pagamento de rendas delimitadas, ele passou a controlar sua família e seus instrumentos de trabalho e a gerir relativamente a gleba à qual era adstrito, em importante evolução histórica que não o emancipou da servidão. A escravidão plena, menos produtiva e mais custosa, manteve-se como relação de dominação subordinada na Europa, em alguns casos, até o século 18.
     
    A violência foi sempre a principal forma de submissão do trabalhador na escravidão patriarcal e pequeno mercantil. Os cativos e cativas tidos como relapsos e desobedientes eram forte e exemplarmente castigados. Os atos de rebelião contra os proprietários, familiares e feitores eram punidos com a tortura e a morte. Não raro, os cativos rebeldes eram queimados vivos. No Império, quando a escravaria urbana dos romanos mais ricos podia superar os cem membros, o receio dos proprietários à resistência do cativo chegou ao paroxismo. Lei romana dos primeiros anos de nossa determinou que, se um pater famílias, ou seja, um proprietário escravista ou seu familiar fosse assassinado, todo cativo que, encontrando-se a uma distância em que pudesse ouvir seu pedido de ajuda, não o socorresse, seria torturado e executado. Nos tempos de Nero, Padânio Secondo, prefeito de Roma, foi justiçado por cativo que lhe pagara e não recebera a manumissão. Todos seus quatrocentos cativos, de ambos os sexos e das mais variadas idades, foram executados, apesar da agitação que a terrível medida causou entre a plebe romana formada em boa parte por libertos.
     
    A escravidão apoiou-se também na submissão ideológica dos cativos. Entre os múltiplos mecanismos utilizados, destacava-se o convencimento do cativo de sua natureza diversa e inferior, proposta que racionalizava e consolidava a ditadura dos escravizadores sobre os escravizados.
     
    Azares da Sorte
     
    Na Grécia homérica, a escravidão era vista como decorrência dos azares da sorte – guerra, captura, dívida etc. A visão platônica expressava uma época em que a escravidão tornara-se instituição importante. Para Platão, a servidão de um indivíduo ou de um povo devia-se à incapacidade de se auto-governar, por falta de discernimento intelectual, cultural ou moral, qualidades exclusivas ao mundo, cultura e homem helênicos. Porém, para ele, era a lei que determinava quem era escravo e senhor. Entretanto, sua teoria da superioridade da alma sobre o corpo consubstanciava já a visão da submissão necessária do súdito ao soberano, da mulher ao homem, do escravizado ao escravizador.
     
    A visão aristotélica da escravidão nasceu em sociedade solidamente escravista. Para Aristóteles, era inaceitável que um homem fosse submetido e mantido na escravidão apenas pela força, sancionada pela lei. O que lhe apontava a força, como forma de emancipação. Ele superou a tese platônica, ao defender raiz natural e, portanto, genético-racial à servidão. Para Aristóteles, a reunião de diversas famílias formava o burgo e a associação de diversos burgos, a cidade, ou seja, a sociedade política. Um processo determinado pela natureza que compelia "os homens a se associarem" na procura do "fim das coisas", a felicidade.
     
    Para Aristóteles, a família "completa", unidade de base da sociedade, forma-se por homens livres e escravizados. Para ele, a natureza criara as coisas diferentes, na procura da especialização, pois o melhor "instrumento" era o que serve para "apenas" um "mister", e não para muitos. Assim, na consecução de fins comuns, seres de essência diversa complementavam-se, cada qual realizando a função para que fora criado pela natureza. Os mais elevados comandavam os menos perfeitos. "A autoridade e a obediência não só são cousas necessárias, mas ainda [...] úteis. Alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; outros, a mandar".
     
    A natureza determinava que o pai dominasse o filho, o homem a mulher, o senhor o escravo. "[...] a todos os animais é útil viver sob a dependência do homem. Os animais são machos e fêmeas. O macho é mais perfeito e governa; a fêmea o é menos, e obedece. A mesma lei se aplica naturalmente a todos os homens". "Há também, por obra da natureza e para a conservação das espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque aquele que possui inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e poder de chefe; o que nada mais possui além da força física para executar deve, forçosamente, obedecer e servir – e, pois, o interesse do senhor é o mesmo que o do escravo". Fundando o direito da servidão na inferioridade natural e não na força, consolidava ideologicamente a ordem escravista grega, impugnando a escravização do heleno, por um lado, e a validade do bárbaro de emancipar-se pela força, por outro. Propunha que oprimidos e opressores se associariam na consecução de objetivos comum, pois, sendo a opressão algo próprio da ordem da natureza, não haveria civilização à margem da mesma.
     
    Como os Animais Domésticos
     
    Aristóteles foi mais longe, ao propor que a especialização natural, ou seja, a inferioridade e superioridade, se expressasse na própria constituição dos seres. A inferioridade dos "animais domésticos", que serviam com a "força física" ao dono nas "necessidades quotidianas", como o boi, o asno etc., registrava-se nos seus corpos de brutos. O mesmo ocorria entre os homens, pois a "natureza" pareceria "querer dotar de característicos diferentes os corpos dos homens livres e dos escravos". "Há na espécie humana indivíduos tão inferiores a outros como o corpo o é em relação à alma, ou a fera ao homem". Os homens incapazes de outra função que as relacionadas à "força física" eram "destinados à escravidão".
     
    A proposta de registro material da superioridade e inferioridade naturais dos homens constituía elemento central na racionalização aristotélica da exploração escravista, retomada plenamente no mundo romano, e, mais tarde, na Idade Média e Moderna. A força desta proposta encontrava-se no registro, indiscutível, nos corpos, da inferioridade da alma. O que tornava materialmente visível a hierarquização social, com homens superiores, destinados a mandar e serem servidos, e homens inferiores, destinados a obedecer e servir. Porém, tal proposta materializou-se em forma muito limitada no mundo grego, por falta de condições objetivas nas quais pudessem se apoiar as fantasmagorias dos escravizadores.
     
    Mesmo no mundo grego tardio, os cativos provinham sobretudo das províncias e regiões periféricas do mundo helênico. Portanto, havia forte identidade étnica entre amos e cativos. O que dificultou a tentativa permanente de apontar traços somáticos que expressassem as naturezas diferenciais, superiores e inferiores, dos escravizadores e dos escravizados. Inicialmente, a escravidão romana apoiou-se na escravização de povos itálicos, de forte semelhança étnico-somática. Com a extensão da escravidão, foi feitorizada infinidade de povos da bacia do Mediterrâneo e da Europa Ocidental, Central e Oriental. A diversidade étnico-linguística dessa população escravizada impediu, também, o procurado registro fenótipo da pretensa natureza humana inferior do escravizado.
     
    A sociedade romana enfatizou a cultura e a língua como elementos diferenciadores, ainda que os múltiplos traços fenótipos dos cativos fossem apontados como registro de inferioridade. É conhecida a descrição de escravista romano, com propriedade na Magna Grécia – um italiano meridional, nos dias de hoje; dos traços semi-bestializados de seu cativo germânico. Ou seja, um alemão atual. Sequer o renascimento ibérico da escravidão, com a Reconquista, produziu identificação cabal e duradoura entre etnia e escravidão. Tal fenômeno materializar-se-ia quando do renascimento do escravismo, nas Américas, dando origem à desqualificação essencial do africano subsaariano, base das visões racistas anti-negro contemporâneas.
     
    A seguir: 2 - Escravidão e Racionalização de Mouros e Africanos
     
    Mário Maestri, 62, é professor do curso e do programa em Pós-Graduação em História da UPF. É autor, entre outros trabalhos, de O escravismo antigo e O escravismo brasileiro, publicados pela Editora Atual. E-mail: maestrti@via-rs.net

    segunda-feira, 27 de setembro de 2010

    Contra a corrupção política, só uma outra política


    O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de preguiçosos e corruptos
    Lucio Flavio Rodrigues de Almeida
    Lucio Flavio Rodrigues de Almeida
    A democracia liberal de massas é bem mais jovem do que o capitalismo. Até a virada do século XVIII para o XIX, a maioria dos que se dedicavam à política, bem como dos que refletiam sobre ela, era liberal e visceralmente antidemocrática. Já os que defendiam a democracia consideravam-na incompatível com uma sociedade dividida em classes. E os terrenos adequados ao poder do povo eram a sociedade sem classes ou, então, para usar a expressão de Crawford B. Macpherson, uma "sociedade de classe única", ou seja, de pequenos proprietários. Pode-se sintetizar essa última posição com a célebre passagem de Rousseau, em O contrato social: uma sociedade onde ninguém seja tão rico para poder comprar alguém, nem tão pobre que seja obrigado a se vender. Trocando em miúdos, uma sociedade de pequenos proprietários (granjeiros, comerciantes, artesãos), sem a conhecida desigualdade entre os ricaços e os que pouco ou nada têm.
    No interior dessa polaridade, não é de se estranhar a aversão - ou mesmo o temor - dos liberais ao sufrágio universal. Já durante a Revolução Francesa, os moderados admitiam a generalização dos direitos civis, mas consideravam que ampliar os direitos políticos a todos os homens (as mulheres ficavam de fora) não era razoável. O maior medo era de que a maioria abolisse, por meio do voto, a propriedade privada.

    Monstrengo inesperado

    Duras lutas levaram ao parto do monstrengo inesperado: a mistura de democracia com sociedade de classes.
    Vários fatores contribuíram para esse processo de constituição da democracia liberal de massas. Do ponto de vista dos dominantes, foi decisiva a descoberta de que um aparelho estatal fortemente burocratizado, até porque protegido das intempéries eleitorais, estaria apto a recorrer à violência para "manter a ordem" (leia-se a propriedade privada dos meios de produção ou, como atualmente juram os principais candidatos, "o respeito aos contratos"). Outra descoberta fascinante: as próprias eleições poderiam se integrar ao, aparentemente inesgotável, repertório ideológico de que o capitalismo dispõe para se legitimar junto aos dominados.
    Agora, sim: com o núcleo do aparelho estatal garantindo a ordem, ou seja, "fora disso", porque voltado para o interesse público e dotado dos recursos de violência necessários para defendê-lo; e as eleições girando em torno da disputa sobre quem melhor gerencia os conflitos no interior da "ordem", mesmo que simulando contestá-la, os dominantes poderiam ir à luta pelo voto dos dominados, sem os quais, enquanto minoria, não poderiam se eleger para também cuidar da "coisa pública", inclusive, a boa elaboração das leis.
    Político sagaz e sem papas na língua, o truculento Bismarck sentenciou que, se o povo soubesse de que eram feitas as leis e as salsichas, não dormiria tranquilo. De outro ponto de vista, Eric Hobsbawm, o grande historiador da sociedade burguesa, observou que a era da democratização é gêmea da hipocrisia política em larga escala.
    Como se vê, não é fácil definir corrupção política.
    Se a considerarmos como apropriação indébita da coisa pública por interesses privados, os problemas, ao invés de resolvidos, mal começam. Até pela difícil distinção entre público e privado no capitalismo. Pois, apesar de todo o imenso e criativo esforço intelectual despendido, resta a dura realidade de que os interesses fundamentais dos dominantes são consagrados, inclusive no plano jurídico, como públicos no mesmo processo em que os interesses dos dominados são constituídos como particulares.
    No interior dessa moldura estrutural, existem, por exemplo, mil e um modos de arrancar recursos do BNDES para estimular o agronegócio. Nem vamos perder tempo com o que sobra para a caminhonete do ano, o consumismo afetado, tipo assim. Ainda restam a superexploração de homens e mulheres (crianças e adultos), a degradação ambiental, as boas relações com os centros decisórios. Foram até chamados de heróis pelo presidente da República (da coisa pública). Pois, graças ao seu empreendedorismo, a balança comercial segura as pontas de uma política econômica que remunera, com juros elevadíssimos, uma casta de sanguessugas planetários. E pobres de nós que precisamos desses heróis.  Quando a grana (deles) encurta, empreendem uma série de ações, inclusive entupindo rodovias (coisa pública) com "seus" tratores, fazem lobbies em dezenas de agências governamentais, mobilizam sua bancada parlamentar e terminam por conseguir alongamento das dívidas. E mais empréstimos. Sempre, é claro, em nome do interesse maior, em nome da coisa pública.
    Compare essa situação corriqueira com o tratamento que os grandes meios de comunicação dispensaram a um grupo de sem-terras que ocupou uma área explorada pela Cutrale, o maior conglomerado sucroalcooleiro do mundo: foram chamados de invasores, inimigos do país, destruidores do meio ambiente, em suma, criminalizados sob todas as formas. Tive a oportunidade de participar de um debate na Globo News e ouvir do presidente da Sociedade Ruralista Brasileira (uma pessoa muito agradável), que a ação dos sem-terra foi "guerrilheira"; de um procurador do ministério público, que o MST recebia, de modo indevido, verbas estatais e que a privatização da Vale foi um grande bem para o Brasil; e, como tentei abordar o tema da coisa pública, a coordenadora do programa foi taxativa ao determinar que a coisa pública era muito grande para caber naquele debate. Não deixa de ser um modo de simplificar as coisas.

    Corrupção na mídia

    Passemos aos alvos preferidos das conversas sobre corrupção, até porque são insistentemente pautadas pelos grandes meios de comunicação.
    Um simples exame superficial revela que a evolução do patrimônio privado de grande parte dos políticos brasileiros é incompatível com os rendimentos que legalmente auferem do exercício de suas funções públicas. Somente por esse critério, a ficha limpa seria supérflua.
    Diante da permanente avalanche de denúncias, o curioso é que os grandes denunciados não costumam se hospedar nas infectas prisões que eles mesmos mandaram construir. Ainda mais curioso: geralmente, os grandes denunciados de corrupção controlam, em seus redutos políticos, as sucursais dos mesmíssimos grandes meios de comunicação (repetidoras de TV inclusas) que os denunciam. E alguns - oh, mundo cruel! - são ou foram colunistas de jornalões que se apresentam como arautos da moralidade política. É bastante comum que esse mesmo político seja denunciado e tratado com reverência em diferentes espaços ou momentos do mesmo jornal.
    Esse é um dos motivos para a grande imprensa, sempre contra o "radicalismo", insistir no discurso de que a luta contra a corrupção leva tempo, que Deus não fez o mundo em um só dia e que, com o tempo, as instituições se aperfeiçoam, os partidos se tornarão programáticos e ideológicos e, enfim, melhoraremos a "qualidade da democracia".
    O problema é que esse evolucionismo meia-boca não resiste a qualquer exame do passado. Não vamos muito longe. Basta lembrar que, nos anos 20, os levantes tenentistas tinham como um de seus principais alvos "os políticos" profissionais, todos considerados corruptos. Na década seguinte, idos de 1937, o lema de José Américo de Almeida, um quase candidato à presidência da República (Getúlio deu o golpe antes das eleições), era "Eu sei onde está o dinheiro". Nos anos 40, com a "redemocratização", fundou-se a UDN (União Democrática Nacional), um partido que se celebrizou pelo moralismo, pelo golpismo, inclusive o apoio ativo ao golpe de 1964, que, sempre em nome da luta contra a corrupção e a subversão, abriu caminho para 21 anos de ditadura militar. Em tempo, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney eram da UDN.
    Essa contação de caso não leva mesmo muito longe, mas talvez ajude a desconfiar não apenas do evolucionismo tipo "me engana que eu gosto", mas também das propostas de reforma política de fachada. Como insiste o bom senso, uma corda tem duas pontas. Não adianta focar no corrupto e ocultar o corruptor.

    Financiamento de campanha

    Voltemos aos nossos heróis e similares, pois é aí que o bicho pega.
    Para recomeçar, observe este fantástico processo ideológico: a insistência na denúncia da corrupção "ilegal" é um extraordinário meio de legitimação da exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. É como se desejássemos uma sociedade onde o capitalismo funciona em estado quimicamente puro, com os capitalistas se apropriando "apenas" do sobretrabalho produzido pelos proletários e o Estado "bem longe" dessa encrenca, limitando-se a zelar pelo interesse público. Só que vendo bem de perto, essa é justamente a mais poderosa ideologia -  o liberalismo -, que cimenta, ocultando, as relações sociais capitalistas.
    O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de preguiçosos e corruptos. Mais tarde, será muito mais fácil tapar o buraco de operações financeiras desastradas recebendo o generoso socorro do Banco do Brasil e do BNDES. Sem perder a pose de defensor do bom uso da coisa pública.
    Nesse processo, a grande imprensa presta contribuição inestimável. Até porque ela condensa maravilhosamente as duas funções: de empresário e de agente político-ideológico, sempre alardeando que é independente, ou seja, não tem rabo preso com ninguém (antigo slogan do principal jornal de um grupo que emprestava seus veículos para torturadores e assassinos de presos políticos). Não por acaso, a grande imprensa, que passa quase todo o tempo denunciando a corrupção das instituições políticas, pressiona movimentos sociais para que se transformem em partidos políticos e restrinjam sua atuação ao mesmíssimo campo institucional que ela denuncia. Não se trata de uma contradição, mas de uma luta político-ideológica para domesticar esses movimentos. Quer dizer que não adianta reclamar da corrupção?
    De fato, como se vê, não adianta muito e é pouquíssimo provável que o ficha limpa altere as relações de opressão política e exploração econômica vigentes na sociedade brasileira. Isso é o fundamental. Em um plano mais secundário, só os incompetentes, os descartáveis ou as eventuais vítimas de acidentes de trabalho (no geral, em feroz confronto com seus colegas de profissão) serão pegos. Quer dizer que não adianta lutar contra a corrupção? Êpa! Não foi o que escrevi.
    Uma coisa é reclamar e reproduzir bovinamente aquilo de que se reclama. Outra coisa é lutar contra a corrupção de modo consequente, o que implica atacar suas causas. Aí, mais do que reclamar dos "políticos", cabe levar adiante uma luta política. Mas, para isso, é preciso fazer política de outro modo, com outro tipo de gente e, fundamentalmente, contra o sistema que, ao mercantilizar cada vez mais todas as relações humanas, não deixaria de fora exatamente a atividade política. Sobre isso aí temos assunto para diversos artigos.

    Lucio Flávio Rodrigues de Almeida é cientista político e professor da PUC-SP.
    Fonte: Caros Amigos