domingo, 21 de novembro de 2010

Coletivo Estadual de Saúde promove seminário de formação




O Coletivo Estadual de Saúde do CPERS/Sindicato realizou nesta sexta-feira 19, em Porto Alegre, um seminário de formação com representantes dos 42 núcleos da entidade distribuídos pelo Estado. O encontro reuniu advogados e especialistas na área de saúde do grupo que está assessorando o sindicato na discussão.
Pela manhã foram discutidos o conceito de trabalho e os principais transtornos de saúde existentes na categoria. De acordo com os especialistas, o trabalho costuma ultrapassar os limites de tempo, além de mobilizar a inteligência e a capacidade de reflexão. O local de trabalho, afirmam, pode ser um local de emancipação ou de sofrimento.
No encontro foi destacado que os transtornos mentais ocupam o terceiro posto na concessão de benefícios da previdência. São superados apenas pelas LER/DORT e pelos envenenamentos. Foram apontadas algumas doenças relacionadas ao trabalho do educador, que podem ser classificadas em “sofrimento físico” e “sofrimento mental”.
No período da tarde o tema discutido foi condições de trabalho. Conforme os técnicos, os locais de trabalho podem apresentar condições insalubres, periculosas e de penosidade. Insalubres são todos aqueles locais que podem causar doenças profissionais ou do trabalho. Periculosos são aqueles locais de trabalho com riscos de acidentes graves (explosão, incêndios, eletricidade e radiações ionizantes). Já os casos de penosidade estão relacionados com as situações com as quais lidamos e que comportam uma carga psicológica perturbadora.
O primeiro passo da iniciativa do sindicato é identificar as causas dos principais problemas de saúde enfrentados e aglutinar colegas nos debates a partir dos locais de trabalho. É, portanto, mais um desafio proposto pelo CPERS/Sindicato à categoria. Foi lembrado que no dia a dia nos deparamos com várias situações de risco à integridade física e mental nas escolas, mas que por força das múltiplas tarefas acabamos nos acostumando e ignorando-as.
Entre os desafios e propostas para o enfrentamento dos problemas relativos à saúde do educador estão a promoção de debates permanentes nas várias instâncias de organização do sindicato; organização de oficinas com temas relacionados à saúde, com a participação das assessorias técnicas; ter como objetivo a organização de comissões de saúde do trabalhador em cada escola; identificação dos problemas físicos e psíquicos a partir da construção de instrumentos de avaliação da realidade da categoria; construção de um banco de dados relacionado à saúde do trabalhador que possibilite ações preventivas; e a exigência e responsabilização do Estado frente à saúde do trabalhador em educação para cumprir as regras que garantam o acesso à saúde entanto princípio constitucional.

João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato
 
Fotos: João dos Santos e Silva

Mídia, golpes e tortura


No Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas esse não é o jornalismo brasileiro. O artigo é de Emiliano José.

Talvez pudéssemos inverter um pouco a ordem das coisas: que tal, ao invés de divulgar o relato de processos do STM sobre pessoas covardemente torturadas, como o faz agora o secretariado da mídia golpista brasileira, perguntássemos sobre qual o papel dessa mesma mídia na implantação da ditadura militar?

Não seria algo elucidativo, educativo para as novas gerações? Que tal compreender a verdadeira natureza de nossa mídia hegemônica para, então, entender por que, nesse momento, usando processos inteiramente submetidos à ordem castrense, ao terror ditatorial, tenta atingir a presidente da República, recentemente eleita, numa espécie de vingança pela derrota que sofreu? Perguntar por que ela não se conforma com essa nova derrota, a terceira derrota da mídia nas últimas eleições, derrotada pela opinião pública brasileira. Com que direito quer um terceiro turno, ilegítimo, revelador apenas de seus ressentimentos?

Eu insisto: no Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. Não vou retroceder muito no tempo. Não vou esmiuçar o papel destacado de nossa mídia na tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas. O quartel-general do golpe era permanentemente orientado pela mídia. A mídia hegemônica de então e o golpe já quase consumado foram derrotados pelo suicídio do presidente.
O que pretendo mesmo é refrescar a memória ou informar um pouco que seja sobre o papel de nossa mídia no golpe de 1964. Não se trata apenas de ela ter elaborado todo o discurso que deu sustentação ao golpe contra o presidente Jango Goulart. Não se trata disso somente.

Trata-se do fato, por demais evidente, e há vasto repertório bibliográfico a respeito, de que a mídia participou diretamente das articulações golpistas. Ela derrubou Goulart lado a lado com os militares golpistas. Reuniu-se com eles para preparar o golpe. Não tem como se defender disso. É algo que hoje já pertence à história.

Com isso se quer dizer, e creio que é preciso insistir nisso, que a mídia hegemônica brasileira foi um ator fundamental na construção de uma ditadura sanguinária, terrorista no Brasil, a mesma que vai torturar covardemente homens, mulheres, crianças, que vai desaparecer com pessoas depois de desfigurá-las, provocar suicídios, que será capaz de todas as crueldades, perversidades para garantir a sua continuidade no poder por 21 anos.

A Rede Globo, criada lá pelos finais de 1969, não foi uma simples iniciativa empresarial. Foi um empreendimento político. Com a Rede Globo pretendeu-se unificar o discurso da ditadura, justificar tudo ela pretendesse, inclusive os assassinatos, o terrorismo que ela praticava cotidianamente. Inúmeras vezes assistíamos, no Jornal Nacional, notícias dando conta do atropelamento de companheiros, da morte de um militante por outro, versões montadas pela repressão para justificar a morte nas masmorras da ditadura. A Rede Globo encarnava e ecoava a voz do terror, foi criada para tanto.

E o grupo Globo é apenas parte de toda uma estrutura midiática que deu sustentação à ditadura, embora talvez, então, a parte mais importante. Não é difícil lembrar do terrível, do terrorista general Garrastazu Médici, ditador, que dizia que bastava assistir ao Jornal Nacional para perceber como tudo caminhava às mil maravilhas no Brasil. O Jornal Nacional era o diário oficial da ditadura.

Por isso, não há como nos surpreendermos com a tentativa, canhestra, de tentar desqualificar a presidente Dilma, pinçando aspectos do vasto processo buscado nos arquivos do STM, como a matéria de 19 de novembro, de O Globo. Não nos surpreendemos, mas não há como não nos indignarmos. É a voz da ditadura que volta, são os mesmos métodos que voltam, embora, agora, por impossibilidade, a tortura física não possa voltar.

A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade, mostrar a necessidade de evitar que ela exista, inclusive nas cadeias brasileiras de hoje. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas, não.

O jornalismo realmente existente vai pinçar aspectos no processo que eventualmente desgastem a presidente da República. Nos próximos dias, a mídia golpista vai se debruçar sobre isso, podem anotar. É a tentativa do terceiro turno, evidência do ressentimento pela terceira derrota – a mídia perdeu em 2002 e 2006, quando Lula venceu, e perdeu agora, com a vitória de Dilma. Não se conforma, A Casa Grande não descansa.

Nem sei, nem vou procurar saber sobre todo o processo que envolveu a presidente. Escrevi vários livros sobre a ditadura, inclusive sobre Carlos Lamarca e Carlos Marighella, que tangenciam organizações revolucionárias pelas quais a presidente Dilma passou – e que orgulho ter militado em organizações revolucionárias. Não me detive, no entanto, na trajetória específica da presidente Dilma Roussef, nem caberia.

Mas será que os jornalistas que têm feito o papel de pescadores de leads e subleads negativos, de títulos desqualificadores da presidente têm alguma noção do que seja a tortura? Imagino que não, até porque só obedecem ordens, a pauta é previamente pensada, ordenada, e depois se faz a matéria.

Repito aqui o que escrevi em um dos meus livros, valendo-me das contribuições do psicanalista Hélio Pellegrino. A tortura nunca é mero procedimento técnico destinado à coleta rápida de informações. É também isso, mas nunca apenas isso. Ela é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político, expressão da ditadura militar de então. Ela visa à destruição do ser humano.

À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar a guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos. O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, atormenta o torturado, persegue o torturado. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas. E apesar disso, tantas vezes, tantos de nós, quando não fomos trucidados e mortos na tortura, resistimos a esse terror, e saímos inteiros, ou quase inteiros, dessa situação-limite.

O que vale um processo feito sob a ditadura? O que valem declarações tiradas sob tortura? Responderia que valem apenas para revelar o que foi o terror, para revelar o que fizeram com as vítimas desse terror. Por que nos impressionamos e nos indignamos tanto com as vítimas do nazi-fascismo, inclusive nossa mídia, impressão e indignação justas, e somos, lá eles como costumam dizer os baianos, tão condescendentes com o terror da ditadura, com as torturas dos assassinos do período 1964-1985?

Eu compreendendo por que a mídia age assim com a nossa memória histórica, e já o disse antes: age assim pela simples razão de que ela tem tudo a ver com a gênese da ditadura, porque dela não pode se apartar, lamentavelmente. Por isso, nos preparemos para a luta dos próximos dias: ela vai buscar nos porões da ditadura o que possa servir aos seus propósitos de lutar contra o governo democrático, republicano e popular da presidente Dilma. E nos encontrará onde sempre estivemos: na luta intransigente, isso mesmo, intransigente, a favor da democracia, dos direitos humanos, e contra toda sorte de crimes contra a humanidade.

(*) Jornalista, escritor.

Via Campesina ajuda haitianos a superar tragédias

Thalles Gomes
Foto: Thalles Gomes

Felipe Prestes no SUL21

Como se não bastassem as mazelas de uma política instável e as dificuldades socioeconômicas e ambientais, o Haiti tem sido assolado por tragédias em 2010. Os problemas não cessaram, depois que a capital Porto Príncipe foi destruída por um terremoto, que provocou a morte de 300 mil pessoas e deixou 1,5 milhão desabrigadas. Agora, uma epidemia de cólera se alastra pelo país, que também sofre com a costumeira passagem de furacões.
Um pequeno grupo de brasileiros, coordenado pela Via Campesina, trabalha para amenizar as dificuldades por que passa o povo haitiano e para que a imagem do país mundo afora não fique marcada apenas por tragédias e miséria. O gaúcho José Luis Patrola coordena o grupo da Via Campesina, batizado de Brigada Dessalines (Dessalines foi um dos heróis da independência haitiana), que desde 2009 coopera com camponeses haitianos. Patrola está no centro de apoio do grupo, que fica na província de Latibonit, região mais atingida pela epidemia de cólera.
Ele conta, por e-mail, que o número de mortos pela doença já ultrapassou os 1.110, e que há 18.382 haitianos hospitalizados. O problema se deve especialmente à qualidade da água no país – é pela água contaminada que a cólera se espalha – e também pela precariedade dos serviços de prevenção e tratamento. Em países com melhores condições, a cólera já não é, há bastante tempo, uma doença tão letal. “A grande maioria dos mortos são camponeses da região de Latbonit que consumiram água contaminada. Os hospitais da região estão lotados há um mês”, conta Patrola.
Para Patrola, a comunidade internacional precisa repensar o tipo de auxílio que dá ao Haiti. Ele explica que problemas estruturais do país precisam ser resolvidos. Não bastam paliativos emergenciais. A passagem do furacão Tomas, por exemplo, há duas semanas, devastou plantações nas regiões Sul e Noroeste do país e pode gerar desabastecimento de alimentos no Haiti nos próximos meses. “O Haiti vive um grave problema de desmatamento, acompanhado por técnicas agrícolas predatórias ao meio ambiente, que levarão a um caos generalizado caso o problema não se resolva de maneira sólida”, explica.
É o que explica também o colega de Patrola, o alagoano Thalles Gomes. “Uma das grandes crises do Haiti é ambiental: 95% do país estão desmatados. Isso agrava o efeito de terremotos e ciclones”, diz. Gomes faz parte da Brigada Dessalines e esteve no Haiti entre abril e outubro de 2010. De passagem por Porto Alegre, nesta semana, teve um longa conversa com o Sul21.
Thalles Gomes
Foto: Thalles Gomes

Thalles conta que o grupo trabalha no Haiti desde 2009. Os objetivos principais são a cooperação agrícola e o auxílio aos camponeses haitianos, para que estes problemas ambientais possam ser sanados. Em 2010, a Brigada Dessalines já instalou 1.300 cisternas no interior do Haiti. As cisternas, feitas de polietileno (um tipo de plástico), são são fáceis de instalar e utilizadas em emergências. Foram obtidas em parceria com o governo da Bahia.
O grupo também ajudou a formar seis bancos de sementes no país, porque grande parte dos camponeses não consegue armazenar sementes e precisa comprá-las. E criou ainda viveiros de mudas, para auxiliar o processo de reflorestamento tão necessário no país. Ao todo, 40 brasileiros da Via Campesina já passaram pelo Haiti neste período, trabalhando para a Brigada, que também recebe auxílio e auxilia pessoas de outras partes da América Latina. “A gente recebeu paraguaios, argentinos, venezuelanos e colombianos. Servimos como centro de apoio para quem passa por lá”.
Para além da tragédia
Após o terremoto de janeiro de 2010, a Brigada intensificou suas atividades, enviando, além de pessoas especializadas na questão agrícola, médicos, enfermeiros e pessoas ligadas à construção civil. “A ideia não era ajudar diretamente as vítimas do terremoto, porque não é nossa especialidade, mas ajudar os camponeses neste momento difícil, porque o terremoto atingiu a capital Porto Príncipe – 300 mil mortos e 1,5 milhão de desabrigados -, mas as pessoas desabrigadas foram para o campo. O Haiti já tem problema forte de estrutura no campo, com o terremoto isso piorou”, conta Thalles.
Neste novo grupo, Thalles – graduado em Cinema, e membro da Comissão Pastoral da Terra, que integra a Via Campesina – foi enviado como responsável pela área de comunicação. Ele conta que sua tarefa foi atuar em dois níveis. Um deles era a cooperação com rádios locais, ligadas a organizações de camponeses. Thalles explica que, devido ao analfabetismo de 40% e à falta de infraestrutura no Haiti, o rádio é o meio de comunicação mais difundido. “Os haitianos têm o hábito de conviver com o país através do rádio”.
Bruno Alencastro/Sul21
Thalles Gomes: "É preciso pensar o Haiti para além da tragédia" (Foto: Bruno Alencastro/Sul21)

A atuação da Brigada neste sentido foi feita em parceria com o governo venezuelano. Está sendo desenvolvido um projeto para fortalecer 25 rádios que Thalles chama de comunitárias, por sua estrutura. “Apesar de terem licença comercial, grande parte das rádios do país funcionam com estrutura de rádio comunitária e não têm equipamentos básicos de transmissão. As músicas são tocadas em fita cassete”, exemplifica. Ele conta que as rádios do interior se beneficiam do fato de o Haiti ser montanhoso. Instalam seus transmissores precários no alto das montanhas, conseguindo assim atingir um grande número de lares. Como a energia elétrica no país é racionada, estas rádios também dependem de placas solares ou geradores. “A ideia é criar condições mínimas para o funcionamento destas rádios”.
O outro nível de atuação de Thalles Gomes foi produzir informação para ser disseminada no Brasil e em outros países da América Latina. Do Haiti, Thalles colaborou com diversos órgãos da imprensa latinoamericana e produziu dezenas de matéria – trabalho que continua desenvolvendo mesmo estando no Brasil. Ele explica que sua missão é mostrar para a América Latina um Haiti não só como um país onde a sorte passou longe. “O Haiti só tem sido manchete na tragédia. Nossa perspectiva era mostrar o Haiti para além dos mortos. A gente queria mostrar a economia, a cultura e a política haitiana. Para além da miséria tem cotidiano. Tem futebol, festa, religião, vodu, música. Tem o dia-a-dia. Acho que, quando se pensar no Haiti, tem que se pensar para além da tragédia”, afirma.
Thalles conta que a experiência no Haiti foi “divisora de águas” em sua vida e que uma das coisas que mais o surpreenderam foi a consciência histórica do povo haitiano, presente em todos os níveis da população, do camponês ao estudante universitário. Eles têm conhecimento da própria história: o que foi a revolução que levou o país à independência, quais são os interesses internacionais que estão em jogo, por que o país chegou neste ponto. Isto foi o que mais me impactou positivamente”, diz.
Ele também exalta dois aspectos culturais que considera mais relevantes no país caribenho: o idioma kréyol e a religião vodu. “São duas criações haitianas. O kreyol é uma língua que foi criada pelos escravos. Eles falavam de uma forma que os franceses não podiam entender. A partir daí conseguiram se organizar para se libertar. E o vodu tem elementos das culturas africana, indígena e europeia. Também foi a partir do vodu que a revolução começou. Hoje em dia é um dos poucos espaços de organização da população, porque no vodu não há interferência estrangeira branca”, diz.

Thalles Gomes
Biscoitos de barro servem como alimento a haitianos (Foto: Thalles Gomes)

Críticas à atuação do Brasil

Thalles Gomes considera a atuação do Brasil no Haiti à frente da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti) um “contrassenso” com a política externa proposta pelo Governo Lula, de integração e cooperação com os povos da América Latina e Caribe. “A proposta da Minustah era criar a ideia de uma cooperação Sul-Sul, então ela é formada apenas por exércitos de países subdesenvolvidos. Mas isso mascara uma ocupação militar. O que o Haiti precisa não é de armas, mas de solidariedade na área econômica e social”, afirma
Thalles relata que a missão da ONU não tem ajudado na reconstrução do país, mas apenas tratado de reprimir a população, quando há distúrbios causados pela desordem política e social e pelos desastres naturais. “Em seis meses no Haiti não vi nenhuma obra feita pelo Minustah. O que eles fazem é como o Bope faz nas favelas do RJ: trazer a estabilidade com repressão”.
Como se isso não bastasse, há fortes indícios de que a cólera chegou ao Haiti por meio de soldados nepaleses da Minustah contaminados. Devido a esta suspeita, haitianos têm ido às ruas para protestar contra a missão. Nos protestos três haitianos já morreram, e Thalles mostra isto como um exemplo da repressão feita pelas Nações Unidas. “A Minustah não consegue dar respostas concretas quando a população precisa. Não conseguiu dar respostas concretas ao terremoto, não conseguiu dar respostas concretas para evitar os danos causados por ciclones. E para uma epidemia que pode ter sido trazida pela própria ONU não consegue dar respostas rápidas e claras”.
Thalles Gomes
Reconstrução do país caminha a passos lentos demais (Foto: Thalles Gomes)

Thalles aponta as contradições do modelo de ajuda humanitária que é realizado pela ONU no Haiti. Ele aponta que a ONU agora acena com mais US$ 164 milhões para combater a cólera e que já foram despendidos, desde 2004, US$ 3,6 bilhões apenas para manter as operações da Minustah no Haiti. Enquanto isto, cerca de 50% da população haitiana ainda permanece abaixo da linha de pobreza.
Para explicar o que ocorre no Haiti, Thalles cita um termo sugestivo, cunhado pela jornalista canadense Naomi Klein: capitalismo do desastre. “O Haiti é o país mais pobre da América, mas é o que mais recebe ajuda internacional no mundo. É um dinheiro que chega a o país, mantém os altos salários de funcionários da ONU e das ONG’s e esse dinheiro não muda as condições socioeconômicas do país”, resume.

EUA aumentam operações clandestinas contra Venezuela


O mecanismo de ajuda financeira a grupos de oposição aos governos democráticos latino-americanos que não lêem pela cartilha de Washington, como a Venezuela de Hugo Chávez, pode nos dar uma idéia de como a recente vitória eleitoral da presidente Dilma Roussef no Brasil poderá sofrer contestações nos seus quatro anos de mandato, indicando também algumas pistas do que pode ter ocorrido na recente campanha eleitoral por parte da estratégia oposicionista apoiada pela velha mídia. 


por Eva Golinger*via vermelho

Segundo o informe anual de 2010 do Escritório de Iniciativas para uma
Transição (OTI) da Agência Internacional de Desenvolvimento dos
Estados Unidos (USAID) sobre suas operações na Venezuela, 9,29 milhões
de dólares foram investidos esse ano em esforços para apoiar os
objetivos da política exterior norte-americana e promover a democracia
neste país sul americano. Esta cifra representa um aumento de quase
dois milhões de dólares em relação ao ano passado, quando esse mesmo
escritório de transição financiou atividades políticas contra o
governo de Hugo Chávez com 7,45 milhões de dólares.

A OTI é uma divisão da USAID dedicada a apoiar objetivos da política
exterior dos EUA através da promoção da democracia (segundo sua
avaliação) em países que se encontram em crise. A OTI fornece
assistência rápida, flexível e de curto prazo para transições
políticas e de estabilização. Ainda que a OTI seja, tradicionalmente,
um mecanismo de curto prazo para injetar milhões de dólares em fundos
líquidos que influem sobre a situação política de países
estrategicamente importantes para Washington, o caso da Venezuela é
diferente. A OTI abriu sua sede nesse país em 2002 e a mantém até
hoje, apesar de não contar com a devida autorização do governo da
Venezuela. Na verdade, é o único escritório que a USAID mantém durante
tanto tempo em algum país.

As operações clandestinas da OTI

Em nota oficial com a data de 22 de janeiro de 2002, o presidente da
OTI, Russel Porter, revela como e por que a USAID chegou à Venezuela.
Dias antes, em 04 de janeiro, o escritório de Assuntos Andinos do
Departamento de Estado pediu a OTI para estabelecer um programa para a
Venezuela. Estava claro que havia uma preocupação crescente sobre a
saúde política do país. Solicitaram à OTI que oferecesse programas e
assistência para fortalecer os elementos democráticos (sic) que
estavam sob a mira do governo de Chávez.

Porter visitou a Venezuela em 18 de janeiro de 2002 e logo comentou:
"Para preservar a democracia, é necessário um apoio imediato para a
mídia independente e para a sociedade civil. Uma das grandes
debilidades da Venezuela é a falta de uma sociedade civil vibrante". A
National Endowment for Democracy (NED) tem um programa de 900 mil
dólares na Venezuela que apóia o Instituto Democrata (NDI), o
Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Centro de Solidariedade
Laboral (três institutos quase governamentais norte americanos) para
fortalecer os partidos políticos e os sindicatos (a CTV). Este
programa é útil, porém não é suficiente. Alem do que não é flexível e
nem trabalha com novos grupos ou grupos não tradicionais. E também lhe
falta um componente de meios de comunicação.

Desde então, a OTI marca a sua presença na Venezuela enviando milhões
de dólares por ano para manter vivo o conflito no país. Segundo o
último informe anual de 2010, a OTI atua a partir da Embaixada dos
Estados Unidos e é parte de um esforço maior para promover a
democracia naquele país.

O principal investimento dos 9 milhões de dólares em 2010 foi durante
a campanha eleitoral da oposição para as eleições legislativas de 26
de setembro passado. A USAID trabalha com vários associados da
sociedade civil oferecendo assistência técnica para os partidos
políticos, apoio técnico para os trabalhadores em direitos humanos e
apoiando esforços para fortalecer a sociedade civil. Na Venezuela,
sabe-se que `sociedade civil' é o outro nome com que se identifica a
oposição ao governo de Hugo Chávez.

Os partidos políticos e as organizações financiadas pela USAID têm
sido documentados através de uma grande investigação realizada por
esta escritora e incluem grupos como Súmate, Ciudadania Activa, Radar
de Los Barrios, Primero Justicia, Um Nuevo Tiempo, Acción Democrática,
Copei, Futuro Presente, Voluntad Popular, Universidad Católica Andros
Bello, Universidad Metropolitana, Sinergia, Cedice, CTV, Fedecamaras,
Espacio Publico, Instituto Prensa y Sociedad, Voto Joven entre tantos
que têm se dedicado à desestabilização do país.

Um fluxo secreto de dinheiro

Não obstante, o atual abastecimento de dinheiro da USAID/OTI a grupos
e partidos políticos venezuelanos é mantido em segredo. Quando abriu
suas operações em 2002, a OTI contratou a empresa estadunidense
Development Alternatives Inc. (DAÍ) um dos maiores prestadores de
serviços ao Departamento de Estado, da USAID e do Pentágono em nível
mundial. Essa empresa, a DAÍ, operava uma empresa no El Rosal – o Wall
Street de Caracas – de onde distribuía fundos milionários a
organizações venezuelanas através de pequenos convênios não superiores
a 100 mil dólares cada um.

De 2002 a 2010 mais de 600 desses pequenos convênios foram entregues
por esse escritório a grupos da oposição venezuelana para seguirem
alimentando o conflito no país e apoiando os esforços para provocar a
saída do poder do presidente Hugo Chávez.

Em finais de 2009, a empresa DAÍ começou a ter graves problemas com
suas operações no Afeganistão, quando foram assassinados cinco de seus
empregados por supostos militantes do Talibã durante um ataque com
explosivos na cidade de Gardez em 15 de novembro. Alguns dias antes,
um de seus empregados havia sido detido em Cuba e acusado de
espionagem e subversão pela distribuição ilegal de componentes de
satélite a grupos contra-revolucionários.

Quando escrevi um artigo publicado em 30 de dezembro de 2009, e
agentes da CIA mortos no Afeganistão trabalhavam para uma empresa de
fachada ativa na Venezuela e em Cuba, evidenciava-se o vínculo
operacional da DAÍ no Afeganistão, em Cuba e na Venezuela e sua
natureza suspeita, o próprio presidente e chefe executivo da empresa,
Jim Boomgard, me contatou e alertou-me (melhor dizer ameaçou-me) que
se continuasse a escrever o que escrevia, eu seria responsabilizada
por qualquer coisa que se passasse com seus empregados em nível
mundial.

Contudo, o senhor Boomgard, que disse não saber muito sobre as
operações de sua empresa na Venezuela, conseguiu entender que o que
faziam na Venezuela não valia tanto como o que faziam no Afeganistão.
Semanas depois de sua entrevista comigo, o DAÍ, misteriosamente,
fechou seu escritório em Caracas.

Entrementes, a OTI continua suas operações na Venezuela e mesmo tendo
outros sócios norte americanos que manejam uma parte de seus fundos
multimilionários, como IRI, NDI, Freedon House e a Fundación
Panamericana Del Desarrollo (Fupad), não existe transparência sobre o
fluxo de dinheiro de suas contrapartidas venezuelanas.

Um informe da Fundação para as Relações Internacionais e Diálogo
Exterior (FRIDE) sobre a promoção da democracia na Venezuela, com data
de maio de 2010, explica que grande parte do dinheiro vindo do
exterior, mais de 50 milhões de dólares esse ano, segundo eles e que
financia a grupos políticos de oposição na Venezuela, entra no país de
forma ilícita em dólares ou euros e se transforma em dinheiro
venezuelano no mercado negro (Assim que denunciei essas atividades
ilegais baseadas no informe mencionado, o FRIDE desapareceu com o
texto original e publicou um novo em que abandonava qualquer
referência ao mecanismo de entrega de dinheiro externo a grupos
venezuelanos).

Se o DAÍ já não atua na Venezuela realizando pequenos convênios com
organizações opositoras com dinheiro estadunidense, o que cabe indagar
é como chegam esses milhões de dólares a tais grupos e através de qual
mecanismo? Segundo a USAID, suas operações estariam agora se
realizando através da Embaixada dos Estados Unidos? Esta embaixada
está entregando dinheiro diretamente a grupos de oposição
venezuelanos?

O informe anual USAID/OTI de 2010 diz, especificamente, que seus
esforços já estão dirigidos a um evento próximo: as eleições
presidenciais de 2012 na Venezuela. Seguirão aumentando os milhões de
dólares para a subversão e a desestabilização do país, incrementando a
clandestinidade de suas operações na Venezuela, se o governo não tomar
medidas concretas para impedir tal fato.

Operações psicológicas

Washington usa vários mecanismos de ingerência para tingir seus
objetivos. As operações psicológicas são operações planificadas para
transmitir informação seletiva e indicadores para públicos
estrangeiros e com isso influir sobre suas emoções, motivos,
racionalidade objetiva e – ultimamente – sobre o comportamento de
governos, organizações, grupos e indivíduos, segundo o Pentágono.

No orçamento do Departamento de Defesa para 2011, há uma solicitação
nova para operações psicológicas para o Comando Sul, que é quem
coordena todas as missões militares dos Estados Unidos na América
Latina. Em particular, tal solicitação fala de um programa de voz de
operações psicológicas, o que se entende como rádio ou alguma outra
transmissão de áudio que apóie esse objetivo.

Segundo a explicação contida no orçamento, a execução de operações
psicológicas (PSYOP) inclui a investigação sobre audiências
estrangeiras, desenvolvendo, produzindo e disseminando produtos
(programas) para influir sobre essas audiências, bem como a condução
de avaliações para determinar a eficácia das atividades de operações
psicológicas. Essas atividades podem incluir a manutenção de várias
páginas da web e o monitoramento de meios técnicos e eletrônicos.

O orçamento completo para as operações psicológicas durante o ano de
2011 é de 384.8 (trezentos e oitenta e quatro milhões e oitocentos
mil) dólares, que inclui 201.8 (duzentos e um milhões e oitocentos
mil) dólares para a divisão de operações psicológicas e o
estabelecimento, pela primeira vez, de um programa de operações
psicológicas com o uso da voz para o Comando Sul.

Este programa de operações psicológicas é totalmente distinto de
iniciativas como A Voz da América, por exemplo, que é um programa do
Departamento de Estado e da agência estatal Board Broadcasting
Governors (BBG) que manejam a propaganda dos EUA em nível mundial. Na
verdade, o orçamento da BBG para o ano de 2011 é de 768.8 milhões de
dólares e inclui um programa de cinco dias a cada semana, em espanhol,
para a televisão venezuelana.

O aumento das operações psicológicas dirigidos à Venezuela e a América
Latina evidencia uma ampliação da agressão norte americana para com
essa região. É preciso lembrar que, desde o ano de 2006, a Direção
Nacional de Inteligência dos EUA desempenha uma missão especial de
inteligência para a Venezuela e Cuba. Somente quatro dessas missões
especiais existem no mundo: uma para o Irã, outra para a Coréia do
Norte, uma terceira para o Afeganistão e o Paquistão e a quarta para
Venezuela e Cuba. Essa missão recebe uma parte importante do orçamento
de mais de 80 bilhões de dólares que emprega a Direção Nacional de
Inteligência, entidade que coordena as 16 agências de inteligência em
Washington.

(*) EVA GOLINGER é advogada e especialista em analisar documentos
desclassificados pelo Departamento de Estado dos EUA, relativos a
atividades na América Latina, em especial na Venezuela.
__________________________________
Traduzido do espanhol por Izaías Almada.
Fonte: http://aporrea.org.tiburon/n169169.html

sábado, 20 de novembro de 2010

SALVE O 20 DE NOVEMBRO...VIVA ZUMBI DOS PALMARES....

Música rende homenagem a João Cândido, o Almirante Negro

A música "O Mestre-Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir Blanc, composta nos anos 70, imortalizou João Cândido e a Revolta da Chibata. Como diz o samba, seu monumento estará para sempre "nas pedras pisadas do cais". O Vermelho reproduz, abaixo, a homenagem ao "Almirante Negro" e seus companheiros.

A letra da música teve que ser modificada várias vezes por conta da censura na época da ditadura militar. De acordo com Aldir Blanc, em depoimento reproduzido no site DHNet, "tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que o Cenimar não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais", diz o compositor.

Blanc conta que sua ida ao Departamento de Censura, por causa da música, o marcou profundamente. De acordo com ele, um sujeito lhe informou que ele estava substituindo, na letra de Mestre sala dos mares, palavras como revolta e sangue, mas o problema não era aquele: "O problema é essa história de negro, negro, negro...", disse o censor.

"Eu havia sido atropelado, não pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto etc, mas pelo panzer do racismo nazi-ideológico oficial", relembra Aldir Blanc, contando que foi preciso "dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir. Metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente “O Mestre-Sala dos Mares”. Originalmente, o samba se chamava Almirante Negro ou Navegante Negro. Veja abaixo a letra da música e o vídeo no qual Elis Regina canta o samba na inauguração do Teatro Bandeirantes, em 1974.

Mestre sala dos mares


Por João Bosco e Aldir Blanc


Há muito tempo nas águas

Da guanabara

O dragão no mar reapareceu

Na figura de um bravo

Feiticeiro

A quem a história

Não esqueceu

Conhecido como

Navegante negro

Tinha a dignidade de um

Mestre-sala

E ao acenar pelo mar

Na alegria das regatas

Foi saudado no porto

Pelas mocinhas francesas

Jovens polacas e por

Batalhões de mulatas

Rubras cascatas jorravam

Das costas

Dos santos entre cantos

E chibatas

Inundando o coração,

Do pessoal do porão

Que a exemplo do feiticeiro

Gritava então

Glória aos piratas, às

Mulatas, às sereias

Glória à farofa, à cachaça,

Às baleias

Glórias a todas as lutas

Inglórias

Que através da

Nossa história

Não esquecemos jamais

Salve o navegante negro

Que tem por monumento

As pedras pisadas do cais.



África: A nova aventura do Imperialismo


Luís Amaro*

 
“Quando no final de 2008 Mary Carlin Yates, vice-comandante da Africom para as questões civis-militares, esteve em Portugal para reuniões com responsáveis militares (?) e disse ser «muito importante que ouçamos e aprendamos com os nossos parceiros europeus, especialmente uma nação como Portugal com uma história naquele continente que penso terá muitas lições a ensinar-nos»”, não podiam ser mais clara: os americanos, com o total apoio do Governo português, vão arrastar o país para a nova aventura africana do imperialismo ianque, a qual já começou mas ninguém sabe como vai acabar; quantas vidas se vão perder, quantos cortes se tem que fazer no orçamento da saúde e da educação para pagar esta aventura?”

(…) Não esqueças, não tomes como uma fatalidade o que ainda não aconteceu, nem como impossível de concretizar aquilo que mais desejas.
Epicuro, Carta a Meneceu
Os Estados Unidos da América são os mais vorazes consumidores de petróleo do mundo, consumindo 21,7% de todo o petróleo extraído, muito embora só tenham 5% da população mundial, importando 57 % do que consomem, não parando de se retrair a produção1 própria.
«Mesmo aumentando a eficiência energética os Estados Unidos necessitam de mais fornecedores externos, prevendo-se que em 2020 a procura seja de 127 quadriliões de barris enquanto a produção interna atingirá só 86 quadriliões»1 diz o relatório apresentado por Dick Cheney ao presidente Bush, recomendando «a diversificação e aumento do fornecimento externo»2 alertando que «uma significativa interrupção do fornecimento externo lesará a nossa economia e a capacidade de promover os nossos objectivos económicos e políticos».
Por outras palavras, as grandes multinacionais do petróleo – aqui representadas por Dick Cheney – acham mais vantajoso a rapina do petróleo e a Casa Branca secunda essa prática. De facto, baseando-se no relatório, a administração Bush corta as verbas referentes ao aumento da produção nacional e de procura de soluções alternativas nacionais, querendo portanto dizer com isso que o fornecimento externo do petróleo continuaria, aumentaria e diversificar-se-ia.
Era este o objectivo das grandes multinacionais da indústria, e era esta a proposta do Council on Foreign Relations ao afirmar que «se deve encorajar o fornecimento de petróleo para além do Golfo Pérsico»3.
Outros dos aspectos ligados à procura de novas fontes do petróleo são de carácter técnico, melhor dizendo das reservas existentes particularmente na península arábica; os grandes campos de petróleo na Arábia Saudita estão em declínio como o de Ghawar que em lugar de extrair 22 milhões de barris por dia, como estava previsto, se ficará pelos 12,54, sendo este um sobejo motivo para se aumentar a procura noutros locais, sendo de todos o mais apetecível a África Ocidental.
De facto os países da África Ocidental fornecem actualmente 18% do petróleo que os EUA importam e este valor chegará aos 25% em 2015; esta região, que possui reservas de 40 biliões de barris, é de importância estratégica fundamental para os Estados Unidos e razão para que os seis países que fazem parte da ECOWAS5 fossem cortejados pela administração Bush que, subitamente, se enamorou do continente africano.
Há, portanto, razões para este súbito interesse.
Primeiro, porque as previsões das quantidades de petróleo existentes são as maiores que se conhecem até hoje, «esperando-se que a África Ocidental venha a ser o maior fornecedor do mercado americano»6; segundo, porque a concorrência é fraca, visto a China focalizar os seus interesses nos países da África Oriental; terceiro, porque a qualidade do crude é de «alta qualidade e baixo em enxofre, sendo ideal para ser refinado na costa Este»7 dos Estados Unidos; quarto, porque as perspectivas são colossais no que se refere à Nigéria, a Angola, ao Gabão e ao Congo-Brazzaville e os investimentos já realizados, no valor de 3,5 biliões de dólares, na construção de um oleoduto que liga o Chade aos Camarões na costa Ocidental de África, não são negligenciáveis.
Quinto e último: a docilidade dos governos em relação às multinacionais e ao imperialismo, e a corrupção fomentada pelas grandes companhias, tornam esta região do mundo o terreno ideal para a sua transformação num novo quintal americano.
Existem também razões de carácter geopolítico que estão na base desta mudança radical da política dos EUA em relação à África que passou de um laissez faire a um engajamento rápido e de grandes dimensões políticas, diplomáticas e militares e de interferência na vida de estados soberanos.
A crescente presença da China, do Brasil e da Índia em África – que não se pode comparar, nem na forma nem nos objectivos, com os objectivos do imperialismo americano – é razão acrescida para esta mudança de estratégia da política externa estadunidense em relação ao continente, quer o residente da Casa Branca seja republicano ou democrata.
Fala docemente mas tem à mão uma moca…
Este provérbio, de origem africana, sintetizava a política externa do presidente Theodore Roosevelt, que o usava frequentemente querendo dizer: ou os países obedecem ao dictat dos interesses americanos, ou falará a força, quer dizer, a agressão militar.
Mais de cem anos passados este continua a ser o cuore da política estrangeira dos Estados Unidos, como muito bem expressou recentemente o arqui-reacionário jornalista Thomas Friedman8 ao afirmar: «a mão oculta do mercado nunca funcionará sem o punho oculto».
Para defender os interesses das multinacionais do petróleo em África é mesmo necessário um punho, e um punho forte.
«Em 2008 a Chevron teve um lucro de 23 biliões de dólares sendo metade dele proveniente de África; a ExxonMobil teve 45,2 biliões de dólares tendo 43% dele a mesma proveniência, bem como um terço das importações da BP»9, para não citar outras. Com estes colossais lucros não é de admirar que os grandes monopólios estejam interessados em manter o status quo e para isso é necessário que alguém os defenda.
O punho de que o reaccionário Friedman fala tem um nome – Africom.
O governólio10 de George Bush, dando prossecução prática às recomendações do CSIC11 que dizia: «dados os crescentes interesses energéticos na região, recomenda-se que os Estados Unidos devem fazer da segurança e do governo no Golfo da Guiné uma absoluta prioridade da política externa dos Estados Unidos em relação à África, promulgando uma política robusta para a região», por outras palavras - militarizar as relações dos EUA com África. Assim, George, o incansável servidor dos interesses das multinacionais do petróleo, viaja para uma tournée africana em Fevereiro de 2008.
Palavras não foram ditas já George, o diligente, tinha criado uma estrutura de comando independente para a África – a Africom, o punho – deixando a continuação desta política ao carismático e cândido Obama que, sem pestanejar, levará à prática a agressão, desta vez à escala de um continente, confirmando que quanto mais as coisas mudam, mais ficam na mesma na política externa do imperialismo.

Os maus da fita e os outros
Já em 2005, como preparatório do que se seguiu, o Pentágono tinha lançado a Iniciativa Contra-terrorista Trans-sahariana (TSCTI) e, antes disso, quer os Estados Unidos quer a França, particularmente esta última, tinham uma presença militar em África.
Em abono da verdade, diga-se, os americanos não são os únicos maus da fita.
A França, como ex-potência colonial, continuou, até recentemente, a assumir-se como o braço armado do neocolonialismo. Na Costa do Marfim estão estacionados 3.000 soldados franceses e no vizinho Togo estão mais homens e equipamento aerotransportado.
A França, por limitações orçamentais, viu-se obrigada a começar a pôr um termo à aventura neocolonial, reduzindo o número de efectivos e encerrando bases entre 1997 e 2002. Sarkozy foi o coveiro - muito a contragosto, diga-se – da Françafrique, como era designada a política francesa para a África, pretendendo-se agora a europeização da intervenção militar, segundo o general Dominique Trinquand.
Esta pretendida europeização deixa-nos a nós, portugueses, apreensivos no mínimo, dado a subserviência faces aos interesses imperialistas manifestada inúmeras vezes pelos «nossos» governos.
De qualquer forma o pequeno complexado que mora no Eliseu não levará avante a ideia; o império manda e ele não terá outra saída senão baixar a crista.
De facto, antes de o imperialismo americano se lançar na militarização de África, os mandantes da política externa do Tio Sam já tinham avaliado as implicações/colisões possíveis da presença francesa em África, e foram claros: «enquanto os franceses reduzirem as suas forças em África os Estados Unidos aumentarão as suas…» e «… num sentido lato podemos dizer que uma força dos Estados Unidos em África será um sinal de que a exclusividade da influência militar francesa acabou, efectivamente»12 .
Sarkozi, compreendeu. Adeus, França imperial!
Preâmbulos de uma ocupação
Foram feitas várias tentativas no sentido de localizar em África o quartel-general do Africom, que se revelaram frustradas pela oposição de vários países face ao repúdio popular que tais bases poderiam suscitar, o que não coibiu as relações públicas da Africom de mentir ao afirmar que «vários países africanos já se oferecem para receber o quartel-general»13, lembrando ao mesmo tempo que «qualquer que seja a localização do futuro quartel-general será necessário ter bases no Golfo da Guiné…». Pudera! É lá que está a galinha dos ovos de ouro.
Esta ausência de um quartel-general não impede que militares americanos e mercenários por ele pagos lancem operações clandestinas a partir de bases de satélites estratégicos localizadas no Kénia e em Djibuti.
Entretanto, o orçamento da Africom passou de 60 milhões para 310 milhões, excluindo custos operacionais; foi nomeado, como comandante, um dos únicos cinco afro-americanos que chegaram à patente de general de quatro estrelas; lança-se manobras navais de grande envergadura no Golfo da Guiné; desenvolve-se intensas campanhas de persuasão, nomeadamente com fornecimento de equipamento militar, cursos e viagens de estudo, junto de altas patentes africanas designadas oficialmente como friendly african militaires14 de modo a conseguir que fechem os olhos para o que se vai seguir; no plano diplomático também é intenso o movimento, não só entre as capitais africanas mas também europeias, e Lisboa em particular.
Dinheiro não falta. Só neste ano vai gastar-se, num só programa de 431 actividades e envolvendo 40 países, 6,3 biliões de dólares.
O Pentágono designa o Africom como um comando de combate unificado, que combinará funções militares e civis, esta pela necessidade de promover a imagem de «bons rapazes» – goodfellas.
Toda a agressão imperialista sempre se apresentou, publicamente, da forma mais altruísta possível; em África ela é apresentada como uma acção humanitária para combater a doença e o analfabetismo, para a construção de habitações, atribuição de bolsas de estudo e por aí fora… só nobres objectivos.
O outro argumento é o do combate contra o terrorismo que tem as costas largas e serve mesmo para encobrir as acções terroristas do imperialismo estado-unidense.
Os verdadeiros objectivos desta nova agressão, que ainda vai nos seus primórdios – e que, por isso, é urgente denunciar e já – foram enunciadas nas linhas anteriores com clareza, espero eu.
A força ocupante e a NATO
A NATO há muito que deixou de ser uma organização «defensiva» do Atlântico Norte, assumindo-se como um bloco militarista global, e portanto também em África na qual, de resto, tem desenvolvido intensa actividade nomeadamente no Corno de África e, particularmente, no Sudão; se nesta parte de África os interesses não são exclusivos pode-se imaginar o que está planeado para a África Ocidental onde se encontra o petróleo vital para a América.
Nos vários países grandes produtores de petróleo nesta região a Nigéria e Angola são os de maior potencial; mas há também S. Tomé e Príncipe, cujo valor perspectivado das reservas de petróleo é mantido no segredo dos deuses, não obstante as maiores companhias americanas estarem a adjudicar blocos e a perfurar freneticamente, e a secretária de Estado, Hillary Clinton, ter visitado o arquipélago – percebendo-se assim que este pequeno país está na agenda de prioridades americanas – e «oferecido» a construção de um porto, o que o primeiro-ministro são-tomense agradeceu e disse, à comunicação social, ser um porto de grandes dimensões, logo rectificado pelos americanos no que diz respeito às dimensões… – era mais pequeno, disseram… Percebe-se.
Segundo um comandante americano na Europa, «este pequeno porto» como diz Hillary Clinton, será uma base militar e naval da dimensão da Diego Garcia no Oceano Indico.15
E nós, onde ficamos no retrato?
Em reuniões no Pentágono16 várias altas patentes americanas referiram-se à acção do Africom como sendo de vital importância para os Estados Unidos, o que já sabíamos, mas que só poderá ser realizada com êxito em colaboração com as ex-potências coloniais, o que não sabíamos mas suspeitávamos; mas disseram mais, referiram-se expressamente a Portugal e à Grã-Bretanha.
Assim se compreende a intensa actividade diplomática da Africom em Portugal; a embaixadora Mary Carlin Yates, vice-comandante da Africom para as questões civis-militares17, esteve em Portugal para reuniões com responsáveis militares (?) e disse ser «muito importante que ouçamos e aprendamos com os nossos parceiros europeus, especialmente uma nação como Portugal com uma história naquele continente que penso terá muitas lições a ensinar-nos» – e continuou referindo-se ao general Ward, comandante do Africom – «O general que esteve cá em Junho regressou muito entusiasmado com o diálogo que teve com os responsáveis militares e civis e pediu-me para vir e aprofundar o diálogo»18.
De facto o general Ward, que já tinha cá estado em 2008, voltou em 23 de Junho passado, para um Seminário de Dirigentes Seniores da Africom, realizado no nosso país por insistência das autoridades portuguesas19 – esta «insistência» diz bem do tipo de gente que está no Palácio das Necessidades – ministro, assessores, Governo, todos eles são a pandilha anti-patriótica e de traição nacional.
O general, que se fez acompanhar por William Bellamy, director dos Estudos Estratégicos Africanos dos Estados Unidos, e por Johnnie Carson, sub-secretário de Estado americano para os assuntos africanos, enfatizou «a parceria e comuns objectivos que temos com Portugal e os outros países lusófonos»20.
Mais claros não podiam ser e os perigos são evidentes: os americanos, com o total apoio do Governo português, vão arrastar o país para a nova aventura africana do imperialismo ianque, a qual já começou mas ninguém sabe como vai acabar; quantas vidas se vão perder, quantos cortes se tem que fazer no orçamento da saúde e da educação para pagar esta aventura?
A recente compra dos famigerados submarinos é o primeiro capítulo; se alguns dos nossos leitores ainda não sabem para o que servem, ou estão inclinados a aceitar os argumentos estafados do governo21 de «necessidades da defesa nacional», deixo-vos com esta notícia transmitida pela BBC em 22 de Junho passado e confirmada junto de fontes oficiais holandesas: «No mês passado a Holanda concordou com o pedido da NATO para enviar um submarino para as costas da Somália».
Agora já sabemos para que servem os submarinos. Esta não é a única razão, mas é uma das razões, pela qual desfilaremos em Lisboa no próximo dia 20, sob o lema Paz Sim – NATO Não.
__________________
Notas:
1 Relatório do National Energy Policy Development Group (págs. 25 e 71) – 16 de Maio de 2001.
O grupo de trabalho que redigiu o relatório, feito em secretismo, era dirigido pelo vice-presidente Dick Cheney e dele faziam parte os presidentes das maiores multinacionais no domínio energético.
2 Idem (pág. 127).
3 in CFR – National Security Consequences of U.S. Oil Dependency – (pág. 31) – Outubro de 2006.
Quem, de facto, dirige a política externa dos Estados Unidos é, desde 1921, o Council on Foreign Relations dele fazendo parte as personagens mais agressivas do imperialismo. O jovem senador Barak Obama era um dos seus membros.
4 Kjell Aleklett – Association for Study of Peak Oil and Gas.
5 ECOWAS – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Angola, Chade, Guiné Equatorial, Gabão e Nigéria).
6 Idem 2 – (pág. 133).
7Idem.
8 in A Manifesto for the Fast World – New York Times Magazine, Março, 1989.
9 Center for American Progress – Rebecca Lefton e Daniel J. Weiss – Janeiro de 2010
10 Governólio – Governo do Petróleo
11 CSIC – Center for Strategic and International Studies
12 Andrew Hansen – Council on Foreign Relations, 8 de Fevereiro de 2008.
13 Stephanie Hanson – U.S. Africa Command, 3 de Maio de 2007.
14 Militares africanos amigos
15 in John Bellamy Foster – Main basse sur l’Afrique: la stategie de l’empire pour contrôler le continent.
16 Designação que se dá ao edifício do Ministério da Defesa, em Washington.
17 Nenhum Comando dos Estados Unidos (são seis) tem um civil como segundo comandante. A indigitação de um diplomata para este posto é indicadora da importância que os EUA dão à Africom, e a necessidade que têm de obrigar a compromissos políticos e militares com outros países.
18 Lusa
19 Afirmação de William Bellamy na conferência de imprensa realizada em Lisboa em 23 de Junho de 2010.
20 General William Ward em 1 de Julho de 2010, dirigindo-se ao pessoal da Africom.
21 O PS, o PSD e o CDS estiveram comprometidos na aquisição dos submarinos. Para mais sobre o assunto ver Avante! de 21 de Janeiro de 2010.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

‘Lula consolidou o capitalismo e instrumentalizou o Estado no Brasil’

 
  Com a confirmação no segundo turno da eleição de Dilma Rousseff, o país se prepara para viver a etapa pós-Lula, o pai dos pobres que deixou a presidência com consagradora aprovação, inclusive daqueles que um dia ameaçaram abandonar o país caso o operário chegasse ao Planalto.
 
Para analisar a vitória petista e o que se pode esperar do futuro brasileiro, o Correio da Cidadania entrevistou Ildo Sauer, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e ex-diretor de Petróleo e Gás da Petrobrás na gestão de Lula até 2007. Para explicar como Lula "consolidou a hegemonia do capitalismo sobre as relações sociais e de existência", vai às vísceras da política nacional, desnudando o seu funcionamento no "pós-mensalão" e a partilha das riquezas nacionais entre os mesmos setores privilegiados de sempre.
 
Para sustentar tamanha metamorfose em relação ao projeto original petista, Ildo aponta como Lula soube instrumentalizar o aparelho estatal, avalizando o apoderamento da máquina pública, a partir de inusitados formatos, por representantes de grandes grupos econômicos. "Entregar de 2,6 a 5,5 bilhões de barris de petróleo e uma hegemonia tecnológica do núcleo da Petrobrás ao Eike, sem nenhuma resistência, foi algo brutal contra o interesse público. Portanto, são vários formatos de privatização".
 
Ildo faz um importante alerta: a ‘nova cartada’ na ‘partilha’ do patrimônio público vincula-se ao Pré-Sal, a partir do ‘poder autocrático e unilateral do presidente’, ao lado da desmobilização e cooptação de grande parte do movimento social. Situação que remeteria a uma mistura entre os processos vistos no México - onde o PRI (Partido Revolucionário Institucional), que ficou no poder entre 1917 e 1994, instrumentalizou a riqueza do petróleo - e na Argentina - com um sindicalismo na gaveta do Estado, cujo papel se restringe a dar legitimidade social ao governo, que, em troca, atira os restos do banquete em forma de assistencialismo.
 
Apesar de lamentar seu pessimismo ao final da conversa, e como alguém que participou diretamente da gestão Lula, o engenheiro não fez concessões para descrever as engrenagens da política brasileira, inclusive desvelando a futura esterilidade da Lei da Ficha Limpa. Terminou com uma autocrítica de quem partilhou dos sonhos dos anos 80.O artigo é de Valeria Nader e Gabriel  Brito e encontra-se aqui, na íntegra...

Dia da Consciência Negra: lutas e vitórias

Boletim da CNTE
ImageNo dia 20 de novembro o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra, um momento para lembrar a resistência feita pelos escravos, lutar contra as barreiras que esta população ainda encontra no país e comemorar os avanços. A data é uma homenagem a Zumbi dos Palmares, símbolo da luta contra a escravidão que faleceu em 1655 na mesma data da comemoração.
Este ano, uma das vitórias foi o Estatuto da Igualdade Racial. O documento entrou em vigor em 20 de outubro e vai possibilitar a reparação de desigualdades que vem se arrastando há anos além de dar oportunidades e direitos aos negros brasileiros. Cerca de 90 milhões de pessoas serão beneficiadas pela lei que agora espera pela implementação.
O Estatuto estabelece a participação em conselhos na área da saúde. Já na educação, obriga a inclusão de história geral da África e da população negra no Brasil, além do incentivo a pesquisas e estudos voltados para temas de interesse da população afrobrasileira. As áreas de cultura, esporte e lazer também foram contempladas. Manifestações coletivas como Sociedades Negras, Clubes Negros e outras foram consideradas patrimônio histórico e cultural. Esportes tradicionais como a capoeira serão ensinados em escolas públicas e privadas. O acesso à terra, moradia, trabalho e a liberdade de consciência e crença também são tratados no documento.
Para lembrar a data, a CNTE promove todos os anos, atividades e discussões da luta negra no Brasil. Este ano, o Estatuto da Igualdade Racial ganhou destaque no jornal mural e no cartaz comemorativo ao dia da Consciência Negra.
Em 2011, por ocasião do 31º congresso da CNTE, será lançado o Caderno de Educação Antirracismo com artigos e texto de especialistas e estudiosos sobre diversas formas de racismo. Reflexões sobre a igualdade racial, sobre os direitos alcançados a partir do Estatuto e como os sindicatos estão lutando para consolidar os direitos dos negros.
O Caderno ainda trata da educação dos negros. A grande defasagem entre o número de negros formados no país em relação aos brancos levou a discussão de uma política de cotas nas universidades. O exemplo da Universidade de Brasília, que implantou Ações Afirmativas e um Sistema de Cotas para ampliar o acesso de negros e mestiços, é apresentado também no Caderno, assim como as conquistas do movimento negro na educação básica.
 

Seminário conceitua mídia como forma de pasteurizar a cultura mundial


  Por Redação do Correio do Brasil

O seminário Globalização e Diferenças Emergentes, promovido pela Academia da Latinidade, uma instância da Universidade Cândido Mendes, reúne até esta sexta-feira intelectuais e parlamentares para o debate sobre a ação da mídia no comportamento cultural da humanidade. Em sua palestra, durante o encontro, o ministro dos Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que a mídia é a responsável pela uniformização cultural mundial, com padronização de valores, de consumo e da língua das potências.
A mediação do debate foi feita pelo professor Candido Mendes de Almeida, Reitor da UCAM, que também é Secretário-Geral da Academia da Latinidade. E foi justamente ele quem deu o pontapé inicial na Conferência, para depois passar a palavra ao ministro Pinheiro Guimarães, que falou sobre a expansão dos idiomas.
– Os impérios são a grande característica da política internacional desde 1492. São impérios distintos, mas que mantêm a unidade de estilo: baseiam-se na ideia de superioridade cultural e supremacia militar – declarou o ministro.
Segundo o senador Cristovam Buarque (PDT), outro debatedor, “o mundo hoje é um imenso Terceiro Mundo”.
– Um bilhão de pessoas vivem no mundo internacional globalizado da riqueza e cinco bilhões vivem em arquipélagos de pobreza sem ligação, como Gulags da modernidade – afirmou.
Para o filósofo italiano Gianni Vattimo, que encerrou o primeiro seminário, cabe “ao lulismo resistir à homologação” dos poderes das grandes potências.
Ainda durante o seminário, após receber a medalha Pedro Ernesto, principal condecoração da cidade do Rio, o sociólogo Alain Tourraine, afirmou que a candidatura de Marina Silva (PV) à Presidência representou “êxito impressionante de profunda mudança cultural e política”. Tourraine agradeceu ao Brasil e à América Latina por ter aprendido a “universalidade da diferença”.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Política, preconceito e religião vitaminam intolerância


Eugenia e xenofobia: judeus, ciganos e homossexuais ontem; homossexuais, negros e nordestinos hoje.


Por Marcelo Semer
* no blog observadoressociais

Não se pode dizer, ainda, que as agressões da Paulista que vitimaram gays, tiveram motivação homofóbica. Infelizmente não seria nenhuma novidade.

Faz tempo temos convivido com extremismos discriminatórios, que vez por outra transbordam para o noticiário policial. Nordestinos, mendigos, índios e homossexuais estão entre as vítimas preferenciais de operações de limpeza étnica ou expressões de pura arrogância.

Mas mesmo entre aqueles que não agridem, é de se notar que a intolerância e a discriminação têm alcançado índices alarmantes. Que o digam as violentas manifestações no twitter, culpando nordestinos pelo resultado da eleição.

Por pouco, a coisa não piora.

Recentemente soubemos que no começo de agosto grupos neonazistas preparavam manifestação em homenagem a Rudolf Hess, condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade, dos quais, aliás, morreu dizendo jamais se arrepender.

Denúncia de anarquistas ao Ministério Público paulista desarticulou a passeata que até então vinha sendo preparada em grupos de discussão na Internet, defensores do "orgulho branco".

Os neonazistas chamam Hess de "mensageiro da paz", mas as mensagens que eles mesmos produziam, entre louvações a Hitler e ao poder branco, estavam repletas de afirmações discriminatórias a "anarcos, judeus, pretos e comunistas".

As comunidades afirmam: "somos brancos nacionalistas; há milhares de organizações promovendo os interesses, valores e heranças dos não-brancos. Nós promovemos os nossos".

Lembrar o nazismo parece um absurdo de alucinados saudosistas da barbárie.

Mas o tom do recente manifesto "São Paulo para os Paulistas" não destoa muito destas palavras de reverência ao "orgulho branco".

Trocados migrantes por judeus e paulistas por arianos, a idéia de "defender o que é verdadeiramente nosso", tipicamente paulista, sem mistura, não está longe daquela que alavancou o nazismo, tenham eles consciência ou não disso.

O documento que circulou pela web se afirmou anti-racista e contra o preconceito. Mas está fincado, basicamente, na idéia de "soberania do paulista em sua terra".

Os migrantes, sobretudo nordestinos, são acusados de promover bagunças, invasões de propriedade e ocupar empregos dos paulistas, com a mesma contundência que se vê nos grupos xenófobos europeus em relação a árabes e africanos.

"A grande maioria dos crimes, violências e fraudes, está relacionada a migrantes", sustenta o abaixo-assinado, sendo estes, ainda, os que "mais se apoderam dos serviços públicos".

A campanha, para além de glorificar o "orgulho paulista", propõe absurdas limitações no uso de serviços estatais e acesso a cargos públicos, a serem restritos aos da terra. A migração deveria ser revertida, apregoam, lembrando que "os migrantes possuem altíssima taxa de natalidade e ocupam espaços que pertencem ao povo paulista"; ademais, "promovem arruaças em transportes públicos, saciam a fome e impõem seus costumes aos bandeirantes".

A xenofobia não é nada nova, mas foi recentemente vitaminada por uma campanha eleitoral repleta de desinformação e despolitização.

Durante a eleição presidencial, muitos foram os analistas que atribuíam uma possível vitória de Dilma a seu desempenho no Nordeste. Ouvimos ad nauseam tais comentários, insinuando um país eleitoralmente dividido, além do preconceito enrustido sob a crítica da eleição ganha por intermédio de favores aos mais pobres.

Os números foram severos com esses argumentos, pois Dilma venceu expressivamente no Sudeste e teria sido eleita mesmo sem os votos do Norte e Nordeste. Mas a impressão de um país rachado entre cultos e incultos, Sul e Norte, já havia conquistado muitos corações e mentes na elite paulista.

Afinal, como dizia Sartre, o inferno são os outros. São eles que responsabilizamos por nossos fracassos, porque é custoso demais atribuir os erros a nós mesmos.

A tática do vale-tudo e a adesão desesperada à estratégia típica dos ultraconservadores norte-americanos, de trazer a religião para os palanques, ou levar a política para os cultos, estimulou ainda uma nova rodada de preconceitos.

Não bastasse a questão do aborto ter sido tratada como ponto central da disputa, religiosos exigiam dos candidatos rejeição ao casamento gay e a não-criminalização da homofobia, instrumentos que apenas aprofundam a discriminação pela orientação sexual.

Os níveis diferenciados de crescimento das regiões mais pobres, a ascensão social provocada pelos mecanismos de transferência de renda, a ampliação da classe média e a redução da sensação de exclusividade são, paradoxalmente, condimentos para a evolução da intolerância.

Tradicionalmente os momentos de mobilidade social são tão sensíveis quanto aqueles de depressão.

Que saibamos evitar no crescimento a intolerância de que sempre soubemos desviar nos momentos de crise.


* Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.