quarta-feira, 15 de junho de 2011

Aloha Núñez:“Os indígenas não eram nem reconhecidos como parte da sociedade”


Vice-ministra do Poder Popular para os Povos Indígenas da Venezuela fala sobre avanços na questão dos povos originários


Vinicius Mansur
de Brasília (DF) via BrasilDeFato

De passagem pelo Brasil para a reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a vice-ministra do Poder Popular para os Povos Indígenas da Venezuela, Aloha Núñez, falou ao Brasil de Fato sobre as conquistas e os desafios dos povos indígenas de seu país durante o governo de Hugo Chávez, presidente desde 1999.
Indígena da etnia wayúu, 27 anos, nascida em La Guarija – no estado de Zulia, cerca de 900 quilômetros a oeste de Caracas –, Núñez foi coordenadora de uma associação de estudantes indígenas da Universidade de Zulia, em Maracaibo, e trabalhou para uma das “missões” empreendidas pelo governo Chávez, antes de chegar ao ministério.

Brasil de Fato – Qual a população indígena da Venezuela?

Aloha Núñez – Segundo o censo de 2001, somos entre 2 e 3% da população, pouco mais de 500 mil indígenas. O que não representa a realidade, porque o censo em 2001 não conseguiu chegar a todas as comunidades. E nem todo mundo que era indígena se identificava assim. Era o início da revolução e, antes dela, não havia direito e reconhecimento alguns. Dizer que era indígena gerava um rechaço. Não é como neste momento, quando há uma lei orgânica de povos indígenas, há direitos. O censo aponta 36 povos indígenas; agora, já temos 44 reconhecidos e mais de 2.800 comunidades indígenas. Naquele momento, eram só 2.400.

Há um movimento indígena organizado na Venezuela?

Há diferentes organizações indígenas tanto em nível nacional como regional. Cada povo indígena, ou, pelo menos, cada região, tem organizações que representam um estado. Há, também, organizações nacionais como o Conselho Nacional Indígena da Venezuela, a Frente Indígena Waike'puru e a Conbive, Confederação Bolivariana Indígena da Venezuela.

Qual a relação desses movimentos com a Revolução Bolivariana?

A luta dos povos indígenas na Venezuela começou há muito tempo. Quando houve essa manifestação indígena em toda a América, quando começou a luta pelos direitos indígenas na ONU, quando o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho [que garante os direitos indígenas] foi conquistado, as organizações indígenas conseguiram se visibilizar. Logo depois, veio a revolução. O comandante Chávez, antes de ganhar a presidência, assumiu o compromisso com os povos indígenas de fazer todo o possível para pagar a dívida histórica acumulada. A relação de abertura do presidente com as comunidades indígenas aconteceu desde o início da revolução. E isso se viu manifestado não só nesse compromisso, mas com sua chegada ao poder: quando, imediatamente, ele convoca a Constituinte, ele incorpora a população indígena.

Como foi isso?

A Constituinte teve deputados indígenas e a nova Constituição tem um capítulo especial para povos e comunidades indígenas, direito que nunca tiveram. A única coisa que existia na Constituição era um artigo que prometia a “incorporação indígena progressiva à vida da Nação”. Os indígenas não eram nem reconhecidos como parte da sociedade! Então, a Constituição de 1999 representou uma grande porta. Ela estabelece que, para a Assembleia Nacional, três indígenas devem ser eleitos. Eleitos por região: sul, oriente e ocidente. Além disso, em todos os municípios indígenas, temos vereadores indígenas. Em todos estados com população indígena, temos legisladores indígenas. Os indígenas têm, pelo menos, uma vaga garantida nesses espaços. Depois, criou-se a lei de demarcação de povos e comunidades indígenas. Em seguida, criou-se a missão Guaicaipuro, para atender, na parte social, esses povos. Depois, criou-se a Lei Orgânica de Povos e Comunidades Indígenas. Não conheço outro país que tenha uma lei que abarque tantos direitos, que vá além do Convênio 169. E, posteriormente, criou-se o Ministério de Poder Popular para os Povos Indígenas, dirigido por Nicia Maldonado, uma indígena yekuana, amazônica, o que representa uma vontade política total. Em outros países, não vemos ministérios indígenas; em geral, são fundações do Estado que, muitas vezes, não são dirigidas por indígenas. Então, nota-se profundamente o compromisso político do comandante Chávez com o empoderamento do povo indígena.

Como se encontra o processo de demarcação de terras?

Ainda estamos nele. Na Venezuela, a demarcação se inicia de duas formas: uma por solicitação da comunidade e outra por ofício da Comissão Presidencial Nacional de Demarcação, que se encarrega, juntamente com uma comissão regional, de estudar todos essas questões. Já entregamos 40 títulos de terra, mas nos faltam muitos. São títulos coletivos que vão acompanhados de um plano integral de apoio a esses povos, para que eles tenham todas as ferramentas para levar adiante seu território, para que seja autossustentável e, em algum momento, ajudar o país também.

Há alguma política para a promoção da cultura indígena?

A lei estabelece de forma oficial os idiomas indígenas. Nas escolas desses povos, as aulas devem partir em idioma indígena. Antes, só se falava castelhano. Nas cidades, onde há população indígena, também deve haver pelo menos um professor para dar o conteúdo indígena, o que se chama de educação intercultural bilíngue. Ainda temos uma lei de artesãos e artesãs indígenas.

Hoje, quais são as principais reivindicações indígenas ao Estado?

Terminar o processo de demarcação, essa é a demanda em toda a América. Para nós, é uma prioridade, e nosso comandante Chávez foi muito insistente nisso. Por outra parte, não podemos negar que temos comunidades em alta vulnerabilidade que reivindicam uma assistência permanente do governo. Então, criamos uma corresponsabilidade entre as comunidades indígenas e o Estado, para que o povo se empodere, seja protagonista na superação de seus problemas e, assim, se livre da miséria e do analfabetismo e consiga a suprema felicidade social, como já disse nosso libertador Simón Bolívar. Uma grande quantidade de comunidades ainda não conseguiu essa libertação. Algumas poucas, sim. Vivemos um processo de revolução, mas não podemos consertar um problema de mais de 500 anos de invasão, abandono, extermínio, de uma educação penetrante, invasiva, que te diz que o indígena é o bruto, o bêbado, o preguiçoso. Estamos nesse processo de tirar esse “chip” e meter outro.

Há conflitos com comunidades indígenas por conta de megaprojetos implementados pelo governo?

Sim. Mas nós respeitamos o Convênio 169 da OIT, que estabelece o consentimento prévio, livre e informado. Então, cada vez que um projeto vai ser executado em alguma comunidade indígena, deve-se consultá-la, apresentar o projeto, informar com antecipação. Se há dúvidas, é preciso eclarecer e, inclusive, se as comunidades não estão de acordo com o projeto, ele não é levado adiante.

Alguma vez o governo deixou de fazer algum projeto?

Uma vez, faz tempo, já. Eram umas concessões para explorar carvão em território yukpa. Os indígenas eram contra e a denúncia chegou ao presidente, que convocou um ato público com 2 mil trabalhadores petroleiros e disse que não haveria concessões. E até hoje não há. Isso foi muito manipulado, porque algumas ONGs diziam que nós não queríamos demarcar o território. Pensam que, com a demarcação, podem ganhar alguma autonomia. Nesse caso, fizeram a comunidade discutir e, inclusive, expulsar o companheiro Sabino Romero, um líder. As ONGs o utilizaram como único porta-voz indígena, transformaram a luta de uma comunidade numa luta pessoal. Diziam que ele era o cacique dos caciques, o mais lutador de todos, mas, quando você vai à comunidade, te dizem que não é bem assim, que faziam assembleias com um só cacique, não com todos. Em assembleia, chegaram até a dizer que essa ONG era persona non grata.

Qual é a situação desse cacique agora?

Com todo esse conflito que se criou, houve um enfrentamento entre duas comunidades indígenas. O companheiro Sabino Romero e outro companheiro se enfrentaram. Houve um tiroteio entre duas comunidades que resultou em três pessoas mortas. Depois desses assassinatos, tanto Sabino Romero como Alexander Romero estão presos. Então, logo as ONGs começaram a dizer que eram presos políticos, que a ministra os prendeu, um montão de coisas... Há um processo judicial em averiguação. Mas é preciso ficar claro que quem decidiu que Sabino deve ser julgado pela Justiça ordinária foi o mesmo povo yukpa. E, se fosse pela lei yukpa, talvez o tivessem matado. Porque isso acontece quando você chega a matar dentro de uma comunidade indígena. Nós estamos num processo de formação para não chegar a esses níveis. Para não chegar a esse extremo, a comunidade decidiu entregá-lo à Justiça ordinária, em uma assembleia que, inclusive, foi televisionada. Isso ajudou a tratar o tema, porque todo mundo vitimizava Sabino Romero. Agora, ele está em liberdade condicional, mas a comunidade foi muito determinante, disse que não quer Sabino. Mas ele nos disse que não pode ser proibido de voltar, senão, podem haver mortos. Então, há uma preocupação do Estado, porque não queremos um enfrentamento entre o povo yukpa.

A Justiça comunitária indígena é reconhecida pelo Estado na Venezuela?

Sim. A Constituição e a Lei Orgânica de Povos e Comunidades Indígenas reconhecem a justiça própria. Mas há uma dívida aí, em relação à regulamentação da lei, que deve ser feita pela Assembleia. Porque há coisas que devem ser normatizadas. Nós não temos pena de morte e jamais apoiaríamos isso. Cada comunidade tem suas particularidades e está se estudando tudo isso, para que ninguém aplique penas que violem os direitos humanos.

Forças progressistas e patrióticas formam novo governo no Líbano


Por Lejeune Mirhan no GRABOIS
 
Esperado desde janeiro, finalmente, desde o dia 13 de junho, foi anunciado o novo governo do Líbano, praticamente o único país do Oriente Médio árabe que mantém uma vida democrática regular e com certa estabilidade, pelo menos desde 1990 quando terminou a sua sangrenta guerra civil. Este é assunto de destaque no noticiário internacional da qual queremos apresentar alguns comentários.
As alianças políticas libanesas

Há duas alianças básicas no Líbano. Vem sendo assim pelo menos desde 2005 quando, em fevereiro, ocorreu o assassinato do ex-primeiro ministro libanês Rafic Hariri. Uma delas, chamada de “8 de Março”, envolve basicamente quatro grandes organizações: os xiitas do Partido de Deus, conhecido como Hezbolláh e do grupo secular Amal, cujos líderes são respectivamente Hassan Nasralláh e Nabih Bérri e mais os cristãos maronitas do Movimento Patriótico Livre do general Michel Aoun e os comunistas do PC Libanês, sob a liderança de Khaled Hadade.


Rafic e Saad Hariri

No outro campo, temos a coligação “14 de Março”, sob a liderança do filho do ex-primeiro ministro, Saad Hariri, que vinha ocupando a chefia do governo desde as eleições de 2009, quando ele conseguiu formar um governo, de orientação pró norte-americano e simpático à Israel. A coligação em que os comunistas fazem parte, fazia sistemática oposição a esse governo, ainda que tivesse presença ministerial pela forma como é formado o governo libanês.

Desde o final de 2010, ministros mais ligados ao Hezbolláh retiraram apoio ao governo da composição proporcional, que seguia critérios definidos há muitos anos que reparte o parlamento e o governo com as 18 confissões religiosas cristãs e muçulmanas existentes no país. A divergência central estava sendo – e continua até hoje – com relação ao reconhecimento dos trabalhos de uma comissão da ONU, que viola claramente a soberania libanesa, que investiga o assassinato de Hariri em 2005. Os EUA e Israel, desde aqueles primeiros momentos do atentado, apontaram seu dedo acusador para a Síria. Houve levantes no país, de forma que acabou ficando insustentável a continuidade de tropas sírias permanecerem no país, como vinha acontecendo desde o término da sua guerra civil 15 anos antes. Alguns ditos analistas internacionais já logo se apressaram em chamar esses levantes anti-síria de “Revolução dos Cedros” (sic).

Existe quase uma centena de partidos políticos no Líbano, ainda que joguem papel cerca de 10 ou 12. Uma situação parecida com a do Brasil, onde a colônia e os descendentes libaneses que aqui vivem ultrapassam a marca de quatro milhões, fazendo o Brasil o mais importante país nas relações com a República Libanesa.

São dois campos completamente distintos. Um, da aliança dos comunistas, com muçulmanos, cristãos e nacionalistas seculares, que defendem a soberania do Líbano, sua independência, contra a ingerência das potências estrangeiras no país e o outro, mais submissa aos interesses imperialistas na região.

Eu diria, grosso modo, que vivemos no Brasil uma situação parecida. Ou o Líbano vive algo parecido com o que vivemos na política brasileira. Aliás, até as datas coincidem. Em 1989 lançamos a candidatura de Lula pela primeira vez, em uma aliança popular e democrática ampla, contra forças mais conservadoras e reacionárias, pró-imperialistas. Lembremo-nos que venceu nessas eleições Collor de Mello e depois FHC, social-democrata em aliança com a direita neoliberal, que governou o país até 2002. Vejamos agora a história recente libanesa.

Um pouco de história

O Líbano, que já foi considerado uma das nações árabes mais prósperas de todo o Oriente Médio e que desde a sua independência em 1943 era considerada uma espécie de “Suíça do Oriente Médio”, acabou por entrar em uma guerra civil em 1975, que durou até praticamente 1990.

Essa guerra civil só conseguiu acabar com a realização na cidade saudita de Taif, no dia 22 de outubro de 1989, de uma reunião especial do parlamento libanês. Desse importante encontro, participaram 62 deputados, sendo 31 cristãos de várias confissões e outros 31 muçulmanos, divididos entre xiitas e sunitas. Interessante registrar que o transporte e alojamento de toda essa imensa delegação, foi inteiramente financiada pelo milionário sunita que seria eleito posteriormente Primeiro Ministro, Rafic Hariri, morto em 2005.

Desse histórico encontro saiu a Carta Nacional de Reconciliação, cujo conteúdo do acordo final assegura uma espécie de divisão sectária e religiosa do parlamento libanês, dividindo cotas das 128 cadeiras (houve ampliação das vagas nesse encontro) entre as 18 correntes religiosas espalhadas pelas diversas regiões libanesas. E ficou acertado que desse momento em diante – e já temos 22 anos de vigência do acordo – todos os presidentes do Líbano teriam que ser cristãos maronitas, o primeiro Ministro seria sempre um muçulmano sunita e o porta-voz do parlamento ou seu presidente, teria que ser necessariamente um muçulmano xiita. Quando uma nova constituição foi escrita em 1990, para sacramentar o final da guerra civil, esses acordos foram incorporados e vem sendo cumpridos até os dias atuais.

O novo governo

O governo demissionário e pró-ocidental de Saad Hariri vinha enfrentando forte oposição em função da sua dubiedade em rejeitar a comissão da ONU que viola a soberania libanesa. A tal Comissão “Independente” formada pela ONU, também chamada de “Tribunal Especial para o Líbano – TEL”, é presidida pelo juiz Daniel Franzen e tem como procurador, encarregado de apresentar a denúncia, Daniel Bellemare. De independente essa comissão não tem nada. Apenas reflete as forças que dominam e controlam a ONU, que a subjugam, encabeçadas pelas potências imperiais como os EUA e Inglaterra, França e Alemanha.

Os objetivos claros, nunca escondidos, dessa comissão da ONU é referendar as opiniões dos Estados Unidos e de Israel, no sentido de que foi a Síria a responsável pelo assassinato, através de seus agentes, do ex-primeiro Ministro Rafic Hariri. Seu filho Saad, chegou a ter uma posição dúbia em relação a reconhecer os trabalhos da referida comissão que fere a soberania nacional do Líbano. No entanto, acabou por optar em aceitar as suas decisões. Isso fez com que os ministros apoiados principalmente pelo Hezbolláh deixassem o governo de composição. Até porque já se ouve que a comissão vai envolver o Hezbolláh no processo. Restou à Hariri a sua renúncia.

O presidente libanês, Michel Suleiman, cristão maronita, em função de novos acordos e da passagem do Partido Socialista Progressista do Líbano de Walid Jumblat, com seus oito deputados para o campo da aliança “8 de março”, liderada pelo Hezbolláh e apoiada pela Síria, a correlação de forças contra Hariri ficou insustentável. Em um regime parlamentarista, forma governo quem tem maioria. Nas eleições libanesas de 7 de junho de 2009, a aliança conservadora e pró-imperialista ficou com 71 deputados, contra 57 da oposição (de um total de 128 parlamentares). Agora, nesta obra de engenharia política, Jumblat, velha raposa política libanesa, retirou seus oito e fieis deputados do campo de Hariri, de forma que o Hezbolláh e seus aliados puderam fazer uma nova maioria, de 65 deputados contra 63 do campo conservador. Assim, desde janeiro, Hariri se encontra demissionário e o presidente Suleiman indicou Mikati para formar o novo governo que deve tomar posse nos próximos dias (veja aqui os resultados das eleições de 2009 http://en.wikipedia.org/wiki/Elections_in_Lebanon).


Michel Aoun


Aqui, não poderia deixar de registrar o exemplo de política que nos foi dado pelo general cristão Michel Aoun. Esse general reformado, passou 15 anos exilado em Paris. Esse tempo todo foi crítico da presença síria em terras libanesas. No entanto, ao voltar com a saída das tropas sírias em 2005 e a formação de novas alianças e coligações nunca teve dúvidas. Olhou de um lado e viu as forças do império e sionistas, sob comando da família Hariri e seus aliados. Olhou de ouro, viu as forças vivas da resistência, uma parte delas armadas, viu os comunistas, os patriotas e amigos da Síria. Não teve dúvidas. Nessa correlação de forças, aliou-se à coligação mais avançada para aquela realidade, hoje vitoriosa e que constitui novo governo. Um belo exemplo de política a ser seguida. Análise concreta da realidade política concreta dentro da correlação de forças do momento.

Uma análise preliminar

O novo governo terá a mesma quantidade de ministros que o anterior, trinta ao todo. Sua composição ficou assim estabelecida: Hezbolláh – dois ministros; Amal (xiita, mas secular) – ficou com outros dois e Partido Nacional Social Sírio – um ministro. Isso totaliza cinco ministérios para xiitas. Os sunitas do primeiro-ministro Mikat terão cinco ministérios por ele indicados, além do seu vice-primeiro Ministro. Os cristãos do general Aoun, do MPL indicarão 11 ministros e mais dois maronitas indicados pelo presidente Suleiman. Por fim, os membros do PSP do druso Jumblat indicarão três ministros. Os dois restantes são considerados independentes, mas amigos do Hezbolláh. Não é de todo errado dizer que o artífice dessa política vem sendo o sheik Hasan Nasralláh, uma das lideranças da resistência libanesas mais lúcidas que se tem visto.


Hasan Nasralláh

Muitas pessoas estranharam o voto do Líbano em março passado no CS da ONU a favor da Resolução 1971 que autorizava o bombardeio à Líbia, votação essa que o Brasil, a Índia, a Alemanha, a China e a Rússia decidiram – corretamente, diga-se de passagem – se abster. A explicação tem a ver com a representação libanesa no CS ainda ser a do governo demissionário de Hariri que não havia ainda entregue os cargos. Isso deve mudar em curto prazo.

Há alguns destaques a serem feitos no novo ministério. O primeiro deles é que neste novo não há uma mulher sequer entre seus membros (o anterior tinha uma pelo menos). Isso reflete o ainda forte machismo da sociedade árabe em geral no OM. O segundo aspecto é que a poderosa pasta da Justiça ficou nas mãos do Hezbolláh. Acho quase impossível que o novo governo vá acatar os resultados da ata de acusação final da investigação que o TEL vai concluir, esperado para os próximos meses (ou semanas, ninguém sabe ao certo). Por fim, o novo ministro das relações exteriores será Adnan Mansour, que foi embaixador no Irã e tem fortes ligações com esse país. Desde que anunciado a formação do ministério, o presidente sírio Dr. Bashar Al Assad de imediato deu felicitações ao novo governo.


Najib Mikati

Só o fato do governo pró-ocidental e sem capacidade de enfrentar Israel ter caído já é, por si só, um fato relevante. No entanto, a composição de forças que Mikati e o Hezbolláh conseguiram esboçar em torno de um programa patriótico, de soberania nacional, antiimperialista significa um avanço imenso se comparado com outros países árabes da região. Mesmo no Egito e Tunísia cujas revoluções encontram-se em estágio mais avançados, não sabemos ainda o desfecho que podem ter.

Tenho dito, inclusive para entidades e partidos árabes que possuem ramificações no Brasil, que devemos procurar estabelecer no Oriente Médio e no Brasil, uma coalizão de forças que se assemelhe a que formamos no Líbano. Não nos cabe dizer o que os árabes devem ou não fazer. No entanto, a união das forças patrióticas, laicas e seculares, nacionalistas, socialistas e comunistas e mesmo as religiosas e confessionais que não sejam fundamentalistas, devem somar esforços e constituir frente e coalizões de caráter antiimperialistas. O acerto da aliança libanesa deve servir de exemplo para outros países, em especial a palestina que se aproxima de formar um governo de unidade nacional e para o Egito e Tunísia que terão eleições no segundo semestre.

Se isso seguir dessa forma, se as lideranças árabes, sejam elas da juventude, sindicais e dos partidos realmente comprometidos com a soberania árabe compreenderem dessa forma, temos a convicção de que os Estados Unidos e os sionistas e reacionários que governam Israel sofrerão forte e poderoso revés na sua política imperialista e de subjugação dos povos árabes. Um caminho luminoso se abrirá para os árabes.

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Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e Diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois – FMG. Colaborador da Revista Sociologia da Editora Escala. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br

terça-feira, 14 de junho de 2011

Programa Nacional de Banda Larga vive momento crítico

Do sitio VERMELHO

Nas últimas semanas, sucederam-se vários fatos com impacto direto no Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). Quem não acompanha de perto o setor teve dificuldades de entender os sinais dados pelo Ministério das Comunicações. Mesmo para quem acompanha não ficou tudo esclarecido, mas alguns sinais são bem evidentes. E bem preocupantes.

Antes de tentar entender o momento atual, um prólogo importante: países hoje na ponta na universalização plena do acesso e uso das TICs partem de um plano estratégico de nação conectada – porque reconhecem que essa infraestrutura e tecnologia de forma generalizada e com qualidade de serviço são essenciais para a continuidade e aprofundamento do desenvolvimento econômico e social.

O Brasil é a sétima economia do mundo e deveria ter uma estratégia de nação conectada compatível – o que já vem sendo feito pelas nações do mesmo porte. Pensar em conectividade na ponta generalizada a 1 Mbps em 2014 ou sugerir que essa será a conexão canônica “popular” em 2020 é ficar no século 20, enquanto as outras nações do porte econômico da nossa apontam para velocidades pelo menos uma centena de vezes mais alta, com padrões avançados de qualidade de serviço, já para 2014. Para 2020, então, nem se fale.

O momento atual

Em resumo, o que está acontecendo neste momento é um retorno ao modelo de PNBL proposto pelo ex-ministro Hélio Costa, que privilegia as empresas de telecomunicações como executoras das ações de ampliação do acesso. Na prática, o governo apresenta um plano modesto, com valores orçamentários ainda mais modestos, que tenta avançar principalmente a partir de negociações ‘no varejo’ com as empresas.

Há uma série de outras ações e políticas públicas importantes, inclusive no tocante à fomento à compra de equipamento com tecnologia nacional. Contudo, no seu aspecto central, o programa já não é mais um programa. É um conjunto de táticas sem estratégia de longo prazo. A tática principal é responder às demandas das atuais concessionárias para tentar garantir a banda larga no preço e na velocidade desejadas. A Telebrás, que poderia apoiar na gestão pública do PNBL, passa a ser simplesmente uma competidora no mercado de venda de capacidade de tráfego no atacado. E talvez termine por atuar onde as demais empresas tenham menos interesse.

Aqui surgem dois problemas: o primeiro é que a maneira como a negociação tem sido retratada indica a ausência de um plano consolidado pelo Governo Federal. O que existem são metas do governo em relação a preço e velocidade e propostas das empresas em diálogo com essas metas – sem sequer alcançá-las, até agora.

O segundo problema é que o PNBL quer aumentar o mercado consumidor de um serviço com muitos problemas (qualquer consumidor tem experiências para relatar) sem ter avançado para resolver estes problemas. O PNBL em si prevê discussões relativas a parâmetros de qualidade, mas simplesmente não se tem notícias delas. Verificou-se este debate no âmbito da Telebrás, mas não com as teles privadas.

Além de abrir mão da gestão pública do PNBL, o governo abriu mão também do planejamento de longo prazo. Sem instrumentos regulatórios adequados, ele não garante o controle de tarifas e a universalização do serviço de banda larga, o que significa que o cidadão brasileiro ficará à mercê das vontades das empresas e reféns de sua força de negociação. A reação das teles, que impõem condições relacionadas ao Índice de Desenvolvimento Humano do município e fazem proposta de venda casada com serviços de voz, mostra o quão dispostas elas estão a colaborar.

As evidências

Os fatos mais ilustrativos de uma mudança de rumos no PNBL são as demissões do presidente da Telebrás, Rogério Santanna e do Secretário de Telecomunicações, Nelson Fujimoto. Nos planos iniciais do ministro Paulo Bernardo, conforme foi muito noticiado e não desmentido, estava também a saída do secretário-executivo Cezar Alvarez do Ministério das Comunicações para assumir a presidência da Telebrás. Ao que parece, esse movimento só não se confirmou por conta da disposição do Palácio do Planalto em manter Alvarez no ministério.

A saída de Santanna não foi bem explicada e justificada, mas sabe-se que já vinha se dando um enfrentamento entre Ministério e a Telebrás em relação ao papel que a empresa pública deveria cumprir. Os cortes de orçamento e a dificuldade de avançar na contratação de pessoal indicavam que o Ministério das Comunicações não queria dar à Telebrás a centralidade que Santanna acreditava que a empresa deveria ter.

Como apontado, essa mudança tira da empresa o papel de gestora do programa. As últimas notícias, inclusive, dão conta de que ela atuará a partir de parcerias público-privadas, um modelo que evidencia que o governo não está disposto a investir recursos significativos nas redes públicas.

A demissão de Nelson Fujimoto, pelo que se sabe, tem a ver com outra questão relevante, que é o fechamento do debate sobre o PGMU-III, que trata das metas de universalização da telefonia fixa. Como a banda larga não é serviço prestado em regime público, o governo tentaria se valer do poder de barganha sobre as concessionárias de telefonia fixa (este sim, serviço em regime público) para avançar na negociação.

Contudo, na versão publicada, o governo cedeu a demandas impostas pelas teles com as quais Fujimoto não concordava. Entre os pontos problemáticos está a possibilidade de as teles deixarem de pagar parte da suas obrigações financeiras para compensar perdas com as metas de universalização.

A parte da Anatel

Para piorar, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou na semana passada uma nova proposta de regulamento para a TV por assinatura, que agora entra em consulta pública. A proposta abre o mercado da TV a cabo para as empresas de telecom, não prevendo contrapartidas à altura dos benefícios recebidos pelas empresas.

Essa proposta passa por cima da atual lei da TV a cabo e de todo o debate do PLC 116/10, projeto que busca regular toda a TV por assinatura e estabelece garantias de conteúdo nacional e independente, fortalece o papel da Agência Nacional de Cinema (Ancine) como reguladora e define regras para evitar a concentração vertical. Com a premissa positiva de criar competição no setor, a Anatel estabelece um regulamento que não protege o interesse público.

A Anatel, aliás, tem sido arena de declarações em consonância com os interesses das teles. As últimas falas do conselheiro João Rezende, que é da confiança do ministério, são especialmente preocupantes. Recentemente, ele sugeriu que fosse descartado o princípio da reversibilidade de bens no regime público, que garante que os concessionários tenham de devolver à União os bens essenciais à prestação de serviço no final do período da concessão.

A declaração aparece no mesmo momento em que vem à tona o fato de que a Anatel não tem fiscalizado a venda desses bens, o que já gerou perdas de bilhões para os cofres públicos. Em sua declaração mais recente, ele afirma que os novos construtores de infraestrutura podem ser isentos de obrigações de compartilhamento das redes. Essa prática, já tão difícil de se tornar realidade (embora esteja prevista na Lei Geral de Telecomunicações), começa a sair até dos planos abstratos.

Em suma, estamos diante de uma situação duplamente ruim: um pacote de bondades para as empresas de telecomunicações combinada com a falta de um projeto estratégico de longo prazo por parte do governo. Neste contexto, a ideia de nação conectada parece cada vez mais distante. Ela poderia se concretizar com recursos do orçamento público e do excedente dessas empresas, que operam mais de 5% do PIB brasileiro e têm lucros bilionários. Mas para isso não adiantam gambiarras e negociações no varejo.

Sem a banda larga em regime público, o Estado brasileiro não tem instrumento adequado para impor as obrigações às operadoras. Neste momento em que circulam informações desencontradas e apressa-se a negociação com as teles, fica mais evidente a necessidade de se retomar os fóruns sobre o PNBL e de se garantir a discussão pública sobre essas propostas. Pacote de bondades como esses, as teles não merecem. E este PNBL o povo brasileiro também não merece. Simples assim.

Fonte: Campanha da Banda Larga

O ataque contra a força de trabalho


Noam Chomsky
 
 
Há uma década, foi cunhada pelos activistas laborais italianos em honra do 1º de Maio uma palavra útil: “precariedade”. Referia-se, de início, à população trabalhadora “à margem”.

Na maior parte do mundo, o dia 1 de Maio é um dia feriado dos trabalhadores internacionais, ligado à amarga luta dos trabalhadores americanos do séc. XIX pela jornada de trabalho de oito horas. O 1º de Maio passado leva-nos a uma sombria reflexão.
Há uma década, foi cunhada pelos activistas laborais italianos em honra do 1º de Maio uma palavra útil: “precariedade”. Referia-se inicialmente à cada vez mais precária existência da gente trabalhadora “à margem” – mulheres, jovens e imigrantes.
Logo de seguida, ela foi alargada e aplicada ao crescente “precariado” no núcleo da força laboral, o “proletariado precário” que sofria os programas de des-sindicalização, flexibilização e desregulação que formam parte do ataque contra a força de trabalho em todo o mundo.
Nessa altura, inclusive na Europa, havia uma preocupação crescente sobre aquilo a que o historiador do trabalho Ronaldo Munck, citando Ulrich Beck, chama a “brasileirização do Ocidente” “… a proliferação do emprego temporário e sem segurança, a descontinuidade e relaxamento das normas nas sociedades ocidentalizadas, que até então tinham sido bastiões do pleno emprego”.
A guerra do Estado e das corporações contra os sindicatos estendeu-se recentemente ao sector público, com legislação proibindo acordos colectivos e outros direitos elementares.
Mesmo no Massachusetts, a Câmara de Representantes favorável aos trabalhadores votou, pouco antes do 1 de Maio, uma acentuada restrição aos direitos dos polícias, dos professores e de outros empregados municipais quanto a negociação sobre a assistência à saúde - assunto crucial nos Estados Unidos, com o seu disfuncional e altamente ineficiente sistema privatizado de cuidados de saúde.
O resto do mundo pode associar o 1 de Maio com a luta dos trabalhadores americanos pelos seus direitos básicos, mas nos Estados Unidos essa solidariedade encontra-se suprimida a favor de um dia feriado reaccionário.
O dia 1 de Maio é o “Dia da Lealdade”, assim designado pelo Congresso em 1958 para a “reafirmação da lealdade aos Estados Unidos e pelo reconhecimento do legado americano de liberdade”.
O presidente Eisenhower proclamou, além disso, que o Dia da Lealdade seja também o Dia da Lei, anualmente reafirmado com o içar da bandeira e a dedicação à “Justiça para Todos”, às “Fundações da Liberdade” e à “Luta pela Justiça”.
O calendário dos Estados Unidos tem o Dia do Trabalho em Setembro, em celebração do regresso ao trabalho depois de férias que são mais curtas que noutros países industrializados.
A ferocidade do ataque contra as forças laborais pela classe dos negócios dos EUA está ilustrada pelo facto de Washington se ter abstido durante 60 anos de ratificar o princípio central da lei internacional do trabalho que garante a liberdade de associação.
O analista de leis Steve Charnovitz chama-lhe o “tratado intocável da política dos Estados Unidos” e observa que nunca houve um debate sobre este assunto.
A indiferença de Washington em relação a algumas convenções apoiadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) contrasta marcadamente com a sua preocupação em fazer respeitar os direitos das corporações aos preços de monopólio, ocultos sob o manto do “livre comércio”, um dos orwellismos contemporâneos.
Em 2004, a OIT informou que “as inseguranças económica e social multiplicam-se com a globalização e as políticas com ela associadas, à medida que o sistema económico global se tornou mais instável e os trabalhadores suportam uma carga cada vez maior por exemplo através das reformas das pensões e da assistência na saúde”.
É este o que os economistas chamam o período da Grande Moderação, proclamado como “uma das grandes transformações da história moderna”, encabeçada pelos EUA e baseada na “libertação dos mercados” e em particular na “desregulação dos mercados financeiros”.
Este elogio ao estilo americano dos mercados livres foi pronunciado pelo editor do Wall Street Journal, Gerard Baker, em Janeiro de 2007, dois meses apenas antes do sistema se desmoronar e com ele o edifício inteiro da teologia económica sobre o qual estava assente, levando a economia mundial à beira do desastre.
O descalabro deixou os Estados Unidos com níveis de desemprego real comparáveis aos da Grande Depressão e sob muitos aspectos piores ainda, porque debaixo das actuais políticas de quem manda esses empregos não regressarão, como aconteceu com os estímulos governamentais massivos durante a Segunda Guerra Mundial e nas décadas seguintes da “era dourada” do capitalismo estatal
Durante a Grande Moderação, os trabalhadores americanos habituaram-se a uma existência precária. O aumento do precariado americano foi orgulhosamente proclamado como um factor primário da Grande Moderação que produziu um crescimento mais lento, virtual estancamento do rendimento real para a maioria da população e riqueza para além das ambições da avareza para um sector diminuto, uma fracção de um por cento, na maior parte directores executivos, gestores de fundos de cobertura e outros nessa categoria.
O sumo-sacerdote desta economia magnífica foi Alan Greenspan, descrito na imprensa empresarial como “santo” pela sua brilhante condução. Orgulhando-se dos seus êxitos, testemunhou perante o Congresso que eles dependiam de “uma moderação atípica dos aumentos das compensações (que) parece principalmente consequência de uma maior insegurança dos trabalhadores”.
O desastre da Grande Moderação foi resgatado por esforços heróicos do governo para recompensar os seus autores. Neil Barosky, ao renunciar a 30 de Março como inspector-geral do programa de resgate, escreveu um artigo revelador na secção de Op-Ed (colunas de opinião – N.T.) do New York Times acerca de como funcionava o resgate.
Em teoria, o acto legislativo que autorizou o resgate foi um compromisso: as instituições financeiras seriam salvas pelos contribuintes e as vítimas dos seus maus actos seriam compensadas de certa forma através de medidas que protegeriam o valor das casas e preservariam a propriedade das mesmas.
Parte do compromisso foi cumprido: as instituições financeiras foram recompensadas com enorme generosidade por terem causado a crise e perdoadas dos crimes descarados. Mas, o resto do programa desapareceu.
Conforme Barosky escreve: “as execuções hipotecárias continuam a aumentar, com entre 8 e 13 milhões de julgamentos previstos durante a existência do programa”, enquanto “os maiores bancos são 20% maiores do que antes da crise e controlam uma parte maior da nossa economia, como nunca antes. Assumem, logicamente, que o governo os resgatará de novo, se necessário.
De facto, as agências de classificação do crédito incorporam futuros resgates do governo nas suas avaliações dos maiores bancos, exagerando as distorções do mercado que lhes proporcionam uma vantagem injusta sobre as instituições mais pequenas que continuam lutando por sobreviver”.
Em poucas palavras, o programa do presidente Obama foi “uma prenda para os executivos da Wall Street” e um golpe no plexo solar para as suas indefesas vítimas.
O resultado apenas surpreende os que insistem com inalterável ingenuidade no projecto e aplicação da mesma política, particularmente quando o poder económico está altamente concentrado e o capitalismo de Estado entrou numa nova etapa de “destruição criativa”, para usar a famosa frase de Joseph Schumpeter, mas agora com uma diferença: criativa quanto às maneiras de enriquecer e dar mais poder aos ricos e poderosos, deixando o resto livre de sobreviver como puder, enquanto vai celebrando o Dia da Lealdade e da Lei.

 
Tradução: Jorge Vasconcelos

Caso Palocci ilustra a “oligarquização do PT” e o “disfuncionamento da República”

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania  

Mais uma vez, o país se deparou com uma grande crise nos altos escalões do governo logo no início de um novo mandato presidencial, no caso, o enriquecimento do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, por meio de consultorias corporativas que lhe teriam auferido uma riqueza de 20 milhões de reais entre 2006 e 2010. Para analisar todo o contexto político que culminou na queda de outro cacique petista desse posto-chave, o Correio da Cidadania conversou com o filósofo Roberto Romano.

Para o professor, o caso apenas reflete a instabilidade inerente ao modo de funcionamento do Estado brasileiro, calcado numa grande concentração de força pelo Poder Executivo, hegemônico nas políticas públicas e na arrecadação de recursos. Assim, nada mais previsível que Palocci tenha se tornado alvo fácil do jogo político violento que permeia nosso Congresso, “que pratica lobby selvagem para si mesmo” – explicativo também da falta de vontade parlamentar de regulamentar tal prática.

Mantendo as mesmas características de “funcionamento”, o Estado brasileiro se encontra em momento mais instável, colocando à prova a habilidade política de Dilma, ainda pouco comprovada. Na opinião do filósofo, casos com a aprovação do Código Florestal apenas ilustram o “grande xadrez que se joga, no qual a presidente está levando xeque-mate”, agravado pela interferência de Lula em meio à tormenta.

Romano volta a bater na tecla da democratização dos partidos, hoje cada vez mais reduzidos às vontades de seus líderes. Sem esta democratização, a discussão sobre uma reforma política é nada mais que um “engodo”, pois não será enfrentada a “oligarquização dos partidos”, fenômeno que o filósofo já identifica no PT.

Tal confusão no seio do governo só abre mais caminho para o retorno triunfal de Lula em 2014, acredita Romano.

Correio da Cidadania: Primeiramente, como o senhor analisa o início do governo Dilma Rousseff?

Roberto Romano: Tem sido bastante tumultuado, como estamos vendo. A presidente não tem a maestria política do seu protetor, o Luiz Inácio Lula da Silva, pois nunca tinha feito uma carreira política, sendo mais do plano da execução, dos escritórios. E já tinha mostrado anteriormente bastante falta de sentido diplomático no trato com subordinados e aliados.

Dessa forma, era de se esperar que muitos choques surgissem no seu governo. Além disso, o governo continua exatamente na mesma estrutura do Estado brasileiro tradicional, continua reiterando sua hegemonia absoluta dentro do Estado, por meio da arrecadação de impostos e do monopólio das políticas públicas, concentrando tudo nas mãos dos ministérios. Isso faz com que a função da Casa Civil seja essencial para o relacionamento entre a presidência da República, os demais poderes e a sociedade.

Como sabemos, do lado do Congresso Nacional temos oligarquias regionais que tentam arrancar da presidência o máximo possível de impostos e verbas públicas para sua região. E essas oligarquias fazem pressão junto à Casa Civil para que despache à presidência e depois ao Congresso iniciativas e projetos que alarguem seu poder.

Se nós temos na chefia da Casa Civil uma pessoa com problemas de comportamento político ou ético, essa pessoa tende a ser o alvo de denúncias, chantagens, proposições, que levam quase sempre ao afastamento. No período FHC, o ministro Hargreaves foi afastado por problemas semelhantes. José Dirceu caiu, Erenice Guerra caiu e, agora, o Palocci.

Assim, eu diria que o governo está enfrentando os problemas tradicionais do Estado brasileiro, sob a super-hegemonia do Executivo. Com isso, temos um panorama que não é tranqüilo, e não podemos dizer que a presidente vai vencer esse período, pois ela precisa dominar sua inapetência ao diálogo, refrear o apetite de cargos e verbas do PMDB, grande fiador e chantageador do governo, e ao mesmo tempo atender a tudo que foi prometido à sociedade civil, especialmente no combate à miséria.

Portanto, é um início muito tenso de governo, e devemos esperar que ela se saia bem, tendo em vista os interesses nacionais. Mas uma análise realista e apurada não mostra saída em curto prazo.

Correio da Cidadania: Mesmo que o caso Palocci revele problemas tradicionais de nosso Estado, sem dúvida alguma, o escândalo sobre o aumento patrimonial por ele auferido entre os anos 2006 e 2010, através de sua firma de consultoria, foi notório em um mandato ainda muito principiante. O que essa precocidade diz do atual quadro político?

Roberto Romano: Não quero discutir se o Palocci é culpado ou não, isso cabe a uma investigação e julgamento mais aprofundados. Mas ele foi incriminado por algo compartilhado pela maioria absoluta dos nossos políticos: a indistinção entre o público e o privado. Fora o desrespeito pelo povo e a falta de idéia de que quem está no poder deve prestar contas sempre, do dinheiro e das pessoas sob sua responsabilidade.

Além disso, é muito estranho que um legislador, isto é, alguém pago pelo Estado brasileiro e consequentemente por todos os contribuintes, tenha cláusulas confidenciais com empresas privadas.

A incoerência começa quando comparamos a origem do Palocci e outros membros do governo em termos ideológicos. Ele veio da esquerda trotskista, da Libelu, que pregava revolução internacional, modificação na estrutura da sociedade, democracia imposta da sociedade ao Estado, e de repente o vemos como o queridinho da Avenida Paulista.

Esse é o ponto que chama a atenção. O Jacques Wagner fala que é o dinheiro que chama a atenção. Eu não diria isso. Não é o fato de ele acumular 20 milhões que me preocupa. Se ele tivesse acumulado um real(!), mas com o esquema de favorecer antigos inimigos, já teria me chamado a atenção. Não sou daqueles que exige fidelidade ideológica eterna, pelo contrário, todos temos direito de mudar opiniões. O problema é que ele continua como representante de um partido que se disse orientado à modificação e democratização da sociedade.

Não acho que se você foi trotskista tem que morrer trotskista. Mas existem muitos matizes de mudanças de atitude. Se há quinze anos você tinha um discurso e prática que hoje são radicalmente diversos, é de se perguntar se existe, na verdade, algum ideal, algum valor, na cabeça dessas pessoas. Porque, na falta disso, você entra no realismo mais bruto, na falta de escrúpulos e de respeito ético pelo próximo. Aí que a coisa fica feia.

Correio da Cidadania: Acredita que essa tendência, a promiscuidade público-privado, vai se reafirmar no governo Dilma?

Roberto Romano: Vai, porque não depende só da presidente e nem do próprio executivo. É um sistema que domina o Estado e a sociedade do país. Somos uma sociedade onde os ricos prestam favores com o dinheiro dos pobres. O pobre espera o favor. O rico faz, só não conta com que dinheiro.

E o PMDB, o partido hegemônico no país, é a grande máquina de produção de favores. Vendem, trocam favores, chantageiam com favores. Basta ver o caso do Anthony Garotinho, a meu ver, esse sim, muito escandaloso. Em nome da fé cristã, chantageia o Poder Executivo dizendo que o caso Palocci é um diamante de 20 quilates. É de uma falta de responsabilidade ética e um cinismo que eu ainda não tinha visto.

Quando o Roberto Cardoso Alves falava que “é dando que se recebe”, ao menos enunciava uma prática geral. Não dizia quem dava nem quem recebia. Mas, nesse caso, o Garotinho foi explícito, pornográfico até: “O caso Palocci é um diamante de 20 quilates para nós e vamos explorá-lo”.

Correio da Cidadania: Ainda no campo das polêmicas que envolvem o público e o privado, o PT, em todas as eleições em que se contrapôs ao PSDB, se utilizou de um discurso anti-privatizações. No entanto, em menos de 6 meses de mandato, Dilma anunciou medidas de orientação privatista na administração aeroportuária, na área de telefonia, mais precisamente no que se refere à expansão da banda larga, sempre beneficiando poderosos grupos privados à frente das grandes obras de infra-estrutura. O que pensar a este respeito?

Roberto Romano: Estou terminando de ler um livro de 1942 de um economista e filósofo americano chamado Brady, no qual ele analisa justamente a produção do poder econômico nos EUA, que define o caminho do poder político. Tudo isso com que entramos em contato com a crise das financeiras americanas, seus calotes e golpes, ele mostra que é um procedimento que já vem do século 19, com as indústrias norte-americanas, de modo que o Estado passou a ser dominado por tais interesses econômicos. E segundo ele, essa é a maneira mais rápida de acabar com a resistência democrática que ainda existe nos EUA. Isso em 1942.

Dessa forma, quando assistimos a um filme como Inside the Job, sobre os agentes que protagonizaram a bancarrota norte-americana e universal, vemos que hoje os mesmos estão aconselhando Barack Obama, vemos que existe uma fina camada de restos democráticos nos EUA, mas que, na verdade, estão sob a mão de ferro dos interesses particulares, dominando e dando as ordens políticas a serem seguidas.

Aqui no Brasil não é diferente. Não à toa falei que o Palocci é o queridinho da Avenida Paulista, porque nós, na história do século 20, devemos à Avenida Paulista algumas tremendas preciosidades, como a ditadura de 64. Pois, como diz o Antonio Delfim Netto, os nossos industriais gostam é de mamar na teta do Estado. Não arriscam seu capital próprio. Assim, se esse é o procedimento, e o consideram uma pessoa confiável para exercer o poder, podemos dizer tranquilamente que o Palocci era um delegado da Avenida Paulista na Casa Civil.

Se lembrarmos bem, o Palocci foi um dos pioneiros da privatização dentro do PT, quando prefeito de Ribeirão Preto. Ele que começou com essa prática, sendo saudado por tucanos, liberais, chamado de “progressista no sentido econômico”, que não era “jurássico”, como cunhou Roberto Campos para estigmatizar aqueles que eram favoráveis à defesa do patrimônio público. Portanto, o Palocci tem uma longa caminhada nessa linha, e claro, sendo ele o ministro chefe, deu essa orientação geral ao governo. Aliás, uma garantia que a Dilma deu ao empresariado nacional é a de que o Palocci seria uma das peças-chave de seu governo. Assim, todo o ocorrido era previsível.

Ao contrário da campanha de reeleição do Lula, quando o PT assentou fortemente a questão anti-privatista e o Alckmin foi se fazer de bobo e colocar o chapéu da Petrobras, nessa última eleição, a insistência do discurso anti-privatista foi bem menor ao longo de toda a campanha.

Correio da Cidadania: Mas também se fez presente...

Roberto Romano: Comparativamente com a campanha de 2006 foi bem mais discreto.

Correio da Cidadania: Há outros temas neste momento candentes e que são também emblemáticos da atual condução política da nação, especialmente no que diz respeito à relação destacada entre o Executivo e o Parlamento.  O geógrafo Ariovaldo Umbelino não acredita, por exemplo, na força do Executivo para barrar o novo Código Florestal, que acabou de ser aprovado na Câmara, e poderá ser referendado pelo Senado. O senhor concorda com esta perspectiva?

Roberto Romano: Eu concordo. O problema é que o PMDB é a única força nacional da atualidade, em termos de partido. Isso porque é uma federação de oligarquias, com hegemonia do Sarney, no poder há 50 anos e uma das peças-chave da ditadura. Portanto, conhece todos os segredos do Estado brasileiro.

Os outros partidos não são nacionais. O PSDB tem presença forte em Minas, São Paulo, parte do Paraná e do Rio Grande do Sul e vamos parando aí. O PT também não tem essa presença forte em todos os estados. Caminhava pra isso, mas ainda não alcançou.

Portanto, quem tem condições de reunir as reivindicações das regiões e tem à sua frente a porta do Ministério da Fazenda e da presidência? O PMDB. E esse partido controla o Senado e a Câmara. Não importa que o presidente da Câmara seja do PT, porque todas as grandes comissões estão na mão do PMDB e seus aliados.

O que resta a nossa presidente a fazer? Ela não pode romper de cima pra baixo. Tentou isso e voltou atrás, quando mandou o Palocci falar grosso com o Temer e tomou o troco. É constrangedor a presidente precisar fazer um almoço pra mostrar ao país que está tudo bem com seu maior aliado. É humilhante. E creio que terá conseqüências muito graves nos próximos tempos.

O caso do Código Florestal é apenas uma ocasião. Ele está sendo usado como uma peça nesse grande xadrez, no qual a presidente está levando xeque-mate. Outro momento desastroso foi a intervenção do Luiz Inácio, pra tentar apagar o fogo do Palocci. Sem querer, ou talvez querendo, retirou o tapete da autoridade debaixo dos pés da presidente. Num sistema autoritário como o brasileiro, em que a hierarquia é fundamental, o Lula nunca abriu mão de tal autoridade nos oito anos de mandato. Fazer isso com a atual presidente é desastroso.

Correio da Cidadania: Neste período de intensas negociações em torno ao Código Florestal, saltaram aos olhos os episódios de violência no campo, pouco antes e depois da votação do Código? O que diria a este respeito?

Roberto Romano: É a mesma coisa. O drama do campo brasileiro vem desde 1500, mas no século 20, desde quando o governo de João Goulart propôs pela primeira vez de forma mais orgânica a questão da reforma agrária, integrada naquele pacote de reformas (bancária, urbana, universitária etc.), temos a luta dos setores do campo para chegar a um estágio de produção e ação que corresponda à sociedade moderna.

Dessa forma, temos como primeiro grande movimento a Pastoral da Terra e suas lutas durante a ditadura. Depois vem o MST, outros movimentos similares e suas diversas possibilidades, mas sempre com o uso, por parte do grande latifúndio, de repressão usurpada da força oficial. Sempre ocorreu o uso de capangas e matadores para amedrontar aqueles que lutam pela terra. Essa é praticamente uma invariante da política brasileira. E não é apenas o grileiro que usa o jagunço, mas também grandes empresas, que, por sua vez, usam tanto os jagunços como o trabalho escravo.

Temos uma situação muito estranha: a modernidade da produção técnica associada à forma totalmente arcaica de domínio social e intimidação pública. Esses episódios estão plenamente conectados. É uma tarefa quase de sofística dizer que a questão do Código Florestal não tem nada a ver com este quadro. Tem tudo a ver, porque no núcleo da questão está a discussão da reforma agrária. E, ora, assim como todas as demais políticas públicas, a reforma agrária está sob o monopólio do Poder Executivo.

E enquanto estiver sob tal monopólio, sem participação da sociedade, é evidente que não há condições de resolver a questão de forma democrática. Haverá somente soluções tecnocráticas, de “engenharia”, mas a vida não é só engenharia.

Correio da Cidadania: O senhor vislumbra alguma possibilidade de que a atual onda de crimes no campo, que chamou a atenção até da negligente grande mídia, possa revigorar antigas bandeiras petistas, como nos tempos do massacre de Eldorado dos Carajás e do discurso implacavelmente favorável à reforma agrária, postura recorrente do partido enquanto oposição?

Roberto Romano: O problema que vejo é que todas as forças que lutavam pela reforma agrária e a democratização da sociedade foram encampadas pelo PT. O que vejo do ponto de vista político e simbólico é que o grande desastre do PT, consubstanciado na “Carta aos Brasileiros”, foi chegar ao poder e abrir mão de todo o seu programa. Com isso, desarticulou por um bom tempo todas as forças que já estavam plenamente confiantes em sua ação.

O que ocorreu de significativo no cenário político posteriormente? A cisão do partido, que desaguou no PSOL, algo não muito estrondoso numericamente, pois continua uma força relevante, mas não importante a ponto de substituir o que foi o PT. E temos os movimentos sociais, alguns cooptados pelo Poder Executivo, e alguns combatidos pelo governo, como o MST.

Correio da Cidadania: Uma vez refém do caso Palocci, o governo vetou o kit anti-homofobia, após pesadas pressões da bancada religiosa, que também compõe a base do governo. O senhor enxerga um possível recrudescimento do conservadorismo, após suas correntes terem pautado boa parte do debate eleitoral e seguirem realizando um contínuo combate a políticas públicas progressistas e inclusivas, como nas questões da homofobia, do aborto e também da Comissão de Verdade?

Roberto Romano: O que penso é que o conservadorismo brasileiro está arraigado no formato antidemocrático de nossa estrutura social. Temos alguns centros urbanos de modificação de mentalidade - mas não muita! Assim, somos uma sociedade essencialmente anti-igualitária, antidemocrática, nada republicana e pra nós o que funciona é a ordem dos privilégios.

Nessas horas eu sempre uso de exemplo o trânsito brasileiro. Aqui no Brasil não vale o sinal vermelho e nem a faixa de pedestre; vale o preço do carro que você importou dos EUA, do Japão ou da Suécia. Isto é, se você está dentro de um Audi, um Volvo, um BMW, tem todo o direito de matar alguém, porque você é superior. Essa estrutura do nosso trânsito reflete o que ocorre nas relações mais íntimas da sociedade brasileira.

Nossa justiça é elitista dessa mesma maneira. Uma senhora rouba um frasco de xampu, fica um ano na cadeia, perde a visão lá dentro e não tem nenhuma reparação. O outro mata a namorada em plena luz do dia, passa 11 anos recorrendo livre e solto e já dizem que dentro de pouco mais de um ano estará novamente livre e solto, passeando pelos bares e restaurantes chiques de São Paulo... Sendo réu confesso...

Em suma, dizer que existe justiça no Brasil, no sentido estrito da palavra, é um escárnio.

Correio da Cidadania: Frente a uma estrutura social antidemocrática tão arraigada e do descenso na movimentação social, nada indica que os setores e membros privilegiados de nossa sociedade possam reverter seus moldes selvagens de ação vistos até hoje, diante da ameaça de suas hegemonias.

Roberto Romano: Bom, nada mais apropriado para o surgimento do fascismo do que a estrutura conservadora e elitista estabelecida no Brasil desde a colônia e reiterada por duas ditaduras. O Brasil tem todas as condições de ser um país pré-fascista. Temos uma classe média com tendências fascistas, que não respeita nada que não seja o poder puro, o dinheiro puro, que não tem padrão ético nenhum, não respeita a vida alheia, a propriedade alheia, nada... Quer dizer, temos um país sempre predisposto ao fascismo. Não por acaso tivemos duas ditaduras no século 20 muito próximas dos regimes fascistas.

Correio da Cidadania: Em entrevista anterior, o senhor fez alusão a um certo “disfuncionamento” de nossa República, uma vez diante de um Executivo que legisla com seu excesso de Medidas Provisórias, refém, ademais, de um Legislativo a partir do império das práticas fisiológicas, e de um Judiciário conservador, que toma o lugar de um Legislativo apático. Como vê hoje esta relação entre os poderes de nossa República e o que espera deste governo neste sentido?

Roberto Romano: Tende a piorar. Porque, quando temos esse disfuncionamento com algum comando, como nos anos Lula, há certos limites. Em vários momentos, ele comandou e recuou, mas sua autoridade foi mantida. No período FHC, a mesma coisa. No caso da Dilma, ela vem sendo a última a falar e a primeira a apanhar. Isso tende a criar um vácuo nesse mecanismo disfuncional que pode trazer muitas crises.

Por exemplo, o modelo macroeconômico do país (aliás, a meu ver, desastroso): um dos elementos fundamentais é manter a inflação baixa. A produção de superávit primário é imensa e vai definir um padrão de produção e consumo de acordo com os índices de inflação toleráveis a partir deste modelo. Ora, como é possível um governo que tem de cuidar de escândalos como o do Palocci, de pressões primárias de gente que devia ser aliada a cada minuto, cuidar também da manutenção de um índice de inflação baixo? Não tem condição.

O que tenho como preocupação é a injustiça do modelo econômico, pois favorece grandes fortunas e desfavorece o contribuinte médio, além da impossibilidade de manter a única virtude que ainda sobrava: o fato de o salário não ser corroído pela inflação.

Eu acho que um presidente da República não pode tocar todos os instrumentos da banda ao mesmo tempo. Essa questão da concentração de poder, no caso da presidente, está se mostrando extremamente desastrosa para o país.

Correio da Cidadania: Diante de seguidas chantagens e desmoralizações, qual seria a chance de o partido no poder, o PT, investir numa efetiva reforma política, de modo que a condução da nação possa se liberar das atuais amarras de alianças tão espúrias, pelas quais paga tão caro?

Roberto Romano: A Reforma Política, tal como se discute, é um engodo porque não se fala na democratização dos partidos, com consultas obrigatórias às bases, a respeito do programa, diretrizes etc..

Para exemplificar, o PSDB é um conjunto de quatro lideranças que sozinhas decidem tudo num jantar no Leopoldo’s. Gira em torno dos interesses do Aécio, do Serra... O PT era o último partido que respeitava mais essa idéia. Mas hoje decide tudo nas cúpulas e a massa que siga o bonde.

Seria fundamental que cargo de direção de partido não pudesse ser ocupado por mais de quatro anos. Os oligarcas do partido são donos do cofre, dos programas, das alianças, propaganda e candidaturas. E agora querem lista fechada, pra mandarem em tudo definitivamente...

Portanto, acredito que, sem a luta pela democratização dos partidos, essenciais à vida democrática e política do país, os donos de cada legenda viram manipuladores da opinião e direção políticas.

Correio da Cidadania: O que foi, finalmente, a era Lula para o senhor e o que se pode esperar desse novo mandato do Partido dos Trabalhadores, agora com Dilma no Planalto?

Roberto Romano: Olha, o Partido dos Trabalhadores está se encaminhando para também se transformar numa federação de oligarcas. Basta ver quantos de seus líderes regionais tiraram sua casquinha do Palocci. Com um pouco mais de discrição. O Jacques Wagner falou que era estranho, a Gleisi Hoffmann criticou não sei que... O PT está se oligarquizando, a exemplo dos outros partidos brasileiros e a exemplo do que já é o PMDB.

Assim, vemos que o único elo nacional entre todas essas pequenas oligarquias (que tendem a se fortalecer regionalmente, não por acaso o Jacques Wagner, os Vianna, o Tarso Genro têm adesão muito grande) era o Lula. Não conseguindo a presidente Dilma atingir uma capacidade administrativa que atenda às expectativas do empresariado e da população em geral – o que é muito difícil! –, evidentemente o Lula será o grande candidato em 2014.

Correio da Cidadania: O senhor já enxerga esse retorno triunfal?

Roberto Romano: Triunfal, com apoio do empresariado e de todo mundo. Ele não está descuidando. Com essas palestras que ele dá por 200 mil, ele vai mantendo contatos nacionais e internacionais.

No meu entender, está ficando cada vez mais configurado – pode ser que eu esteja errado -, com os elementos todos que enxergo, que o mandato Dilma é um mandato tampão. Como não se conseguiu outra reeleição, a solução foi o mandato tampão da Dilma.

Correio da Cidadania: Aliás, essa carreira de palestrante do Lula também entraria na linha da crítica que se fez em relação ao Palocci e sua consultoria, a partir de uma relação promíscua entre o público e o privado?

Roberto Romano: A técnica do Lula é mais convincente que a do Palocci. No caso dele, foi presidente da República. E não está oferecendo consultoria, até onde sabemos. São preços salgados para palestras, mas nem tanto. O Clinton ganha isso, o FHC algo similar... Mas não é a mesma coisa que vender consultoria. Ele está dando conselho (risos). E, sobretudo, ele não diz que tem contrato de confidencialidade.

No entanto, dormita no Congresso, há mais de 15 anos, uma série de projetos pela regulamentação do lobby. O último é de um deputado do PT de São Paulo (Carlos Zarattini), que exatamente por isso ganhou meu voto. E é um projeto muito bom. Propõe um prazo de um ano para a desincompatibilização da pessoa antes de começar a exercer lobby oficial. Acho um ano muito pouco, pois quem foi diretor do Banco Central, ministro da Fazenda, presidente etc. ainda guarda muitas informações e lembranças num prazo de um ano. Mas ao menos seria um ano de trégua para os cofres públicos. E é sintomático que nenhum partido político leve adiante tal projeto...

Nas penúltimas eleições, quando o Arlindo Chinaglia era presidente da Câmara, estive com ele num debate na Rádio Bandeirantes de São Paulo. E a discussão foi exatamente essa. A minha pergunta foi: “deputado, como está o projeto que tramita na Câmara e regulamenta o lobby?”. Ele me respondeu: “Ah, professor, é muito difícil”. Agradeci a resposta, mas pensei lá com meus botões na hora: “se o Congresso Nacional tivesse como alvo resolver só o que é fácil seria inútil, certo?”.

Dessa forma, é quase impossível que se regulamente o lobby, porque o que fazem os deputados e senadores hoje nada mais é que lobby selvagem. Usam seus cargos para se dar importância, para que as empresas lhes dêem dinheiro para as eleições etc. Não precisa nem da corrupção no sentido estrito da palavra, com vantagens obscuras. Basta o fato de eles utilizarem o cargo público para conseguirem novas reeleições. Fora os negócios, licitações, concessões, que seguem a mesma linha.

Portanto, acho que a regulamentação do lobby não viria a resolver os problemas de corrupção da sociedade e do Estado, mas daria parâmetros. O caso da Erenice Guerra teria sido resolvido em dois dias se existisse este parâmetro. “Ela e sua família faziam lobby de forma ilegal”. Ponto. No caso Palocci, idem, pois estava fazendo lobby ilegal, e o projeto oficializa quem pode ser lobista. Para sê-lo, precisa estar desincompatibilizado do cargo público.

É um paradoxo tremendo, pois se trata de uma irregularidade da qual todos têm conhecimento, mas não há lei para punir. E tal lei não será aprovada, porque vai diretamente contra os interesses de seus proponentes.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Educadores paralisam atividades para exigir a retirada de projetos da Assembleia



Os trabalhadores estaduais da educação paralisaram as atividades nesta terça 14. A categoria exige que o governo Tarso retire da Assembleia Legislativa os projetos de reforma da previdência e de redução no pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs).

A adesão ao dia de paralisação em todo o estado atingiu 70% das escolas. Em Carazinho, a paralisação chegou a 100%. Nos demais municípios da região, a adesão foi de 90%. Já em São Borja, 95% das escolas aderiram ao movimento e em Frederico Westphalen, 85% das escolas paralisaram.

Servidores de outras categorias do funcionalismo se somaram às atividades organizadas pelos núcleos do CPERS/Sindicato.

Na Praça da Matriz, em Porto Alegre, a concentração começou por volta das 10 horas. Uma hora depois, os manifestantes se dirigiram até a Assembleia para entregar um documento aos líderes de bancadas solicitando a retirada dos projetos do Legislativo.

Impedidos de acessar a sala onde acontecia à reunião de líderes, professores e funcionários de escola permaneceram próximos ao local. Na saída, cada líder recebeu o documento.

Os educadores não concordam com alterações na previdência estadual. Também são contra a criação de fundos de capitalização para os novos servidores. Ao separar os servidores em duas categorias (atuais e novos), o governo acaba com o princípio da solidariedade.

No próximo dia 22, a categoria se reúne em assembleia geral, a partir das 13h30, no Gigantinho, em Porto Alegre, para deliberar sobre a paralisação nos dias em que os projetos forem à votação. Neste mesmo dia, às 10h, na Praça da Matriz, será realizado um ato público unitário dos servidores contra o pacote.


João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato
Fotos: Cristiano Estrela
http://www.cpers.com.br/index.php?&menu=1&cd_noticia=2892

Marina Silva deixará o PV, para espanto dos ingênuos


Fim da linha para quem caiu na pegadinha Marina-PV
Aliados de Marina Silva avaliam que a permanência da ex-senadora no PV é inviável e que a saída dela do partido deve ser selada em poucas semanas. Os motivos são a falta de êxito na cruzada por mais democracia no PV e o fim do diálogo com a direção nacional da legenda.
Marina e seu núcleo estão convencidos da impossibilidade de conseguir as mudanças consideradas necessárias para a transformação do partido, tais como alterações no estatuto que permitiriam eleições diretas e o fim de diretórios provisórios. Todos os aliados dão a saída dela e de seu grupo como certa.

"É rápido isso daí. Vai se resolver até o fim de junho. Mas a decisão já está tomada", diz um deles. Outro avalia que o processo de desligamento não dura mais do que 45 dias. O grupo só retarda o anúncio porque estuda os próximos passos a dar. Com Marina sairiam Fábio Feldmann, candidato a governador de São Paulo em 2010; Guilherme Leal, ex-candidato a vice de Marina; e João Paulo Capobianco, secretário executivo do ministério do Meio 
Ambiente na gestão Marina.

No momento, a tendência mais provável é a criação de um partido, mas outras hipóteses são consideradas. Isso porque não há tempo hábil para fundar uma nova sigla a tempo de participar das eleições municipais de 2012 — a lei exige filiação mínima de um ano aos futuros candidatos. Outro problema seria a falta de bons palanques nos estados para Marina em 2014, problema já sentido dentro do PV, na eleição de 2010.

Por outro lado, a migração para outra legenda é improvável, uma vez que o grupo teme que situação análoga à guerra hoje deflagrada no PV possa se repetir. Ainda assim, assessores de Marina fizeram circular no mês passado rumores de que a ex-senadora teria se aproximado do PPS.

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Há dúvidas sobre os membros que poderão precisar do PV para se candidatar em 2012. Fernando Gabeira, que não integra o grupo marineiro, é possível candidato a prefeito do Rio. O secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Eduardo Jorge, que vem sendo anunciado como candidato a prefeito por Gilberto Kassab, é outro em situação semelhante.

Também é incerta a permanência do deputado Alfredo Sirkis (RJ). O parlamentar nega que o grupo de Marina esteja prestes a deixar o PV. Pelo contrário, diz identificar uma tendência de negociação que pode, mais à frente, levar a um entendimento entre as facções verdes. Mesmo assim, reclama do comportamento dos dirigentes em relação a Marina. "Ela está descontente e chocada com o modo pelo tratamento dado por um segmento do partido não só a ela, mas às questões importantes que ela coloca."

Desde o fim das eleições, os grupos de Marina e do presidente nacional do PV, José Luiz Penna, disputam o poder no partido. Os marineiros avaliam que Penna não cumpriu compromissos firmados quando da chegada de Marina ao PV. A gota d’água para o grupo foram as recentes intervenções nos diretórios de Mato Grosso e do Ceará, além do isolamento de José Fernando em Minas, todos ligados à ex-senadora.
Estadão & Vermelho

Relatório acusa Monsanto de sonegar risco de câncer


Por Luciana Araújo
Do Opera Mundi


Relatório de pesquisa divulgado nesta semana acusa a multinacional de agroindústria e biotecnologia Monsanto de saber, desde 1980, que o herbicida Round-Up – cujo princípio ativo é o glifosato – provocaria anomalias congênitas. Ainda de acordo com o estudo, a Comissão Europeia – órgão responsável pela regulamentação e aplicação legislativa nos países da União Europeia – também estaria sistematicamente ignorando as evidências de risco do produto pelo menos desde 2002.

O estudo de 52 páginas foi desenvolvido pela Earth Open Search, grupo de pesquisa científica colaborativa pró-segurança alimentar. O texto do relatório, em inglês, intitulado Round-up e anomalias congênitas: será que o público deve continuar às escuras? (em tradução livre), pode ser lido aqui.

O glifosato é um herbicida sistêmico de amplo espectro e ação cumulativa. Vários estudos apontam sua relação com o aumento da incidência de abortos em animais, desenvolvimento de pragas resistentes devido ao uso contínuo e anomalias congênitas. As conclusões são reiteradas no relatório.

Entre as propostas apresentadas pelos pesquisadores está a criação de um fundo de pesquisas independente em substituição ao atual sistema atual de regulação, baseado em estudos pagos pelas empresas. Os autores defendem ainda a exclusão das indústrias do processo de regulação, a divulgação obrigatória de todas as minutas dos estudos da Comissão Europeia e a garantia de transparência no processo decisório sobre a liberação de pesticidas.
O trabalho é assinado por Claire Robinson, pesquisadora da Earth Open Source; John Fagan, PhD em bioquímica pela Universidade de Cornell (EUA); Michael Antoniou, chefe do grupo de biologia nuclear do King’s College School (Reino Unido); Vyvyan Howard, da Universidade do Ulster (Irlanda do Norte); Richard Jennings, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), Carlo Leifert, da Universidade de Newcastle (Reino Unido); e dois pesquisadores brasileiros: Mohamed Ezz El Din Mostafa Habib, biólogo e pró-reitor da Unicamp, e Rubens Onofre Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), do Ministério da Ciência e Tecnologia.

O produto

Desenvolvido pela empresa em 1970, o Round-Up é o veneno do gênero mais vendido no mundo. A previsão da própria empresa é de que, neste ano, sejam produzidos e comercializados um bilhão de quilos do produto em todo o planeta. Em 2010, a empresa faturou mais de dois bilhões de reais só no Brasil com a produção e comercialização da linha Round-up, sementes convencionais e geneticamente modificadas.

A patente para venda do agente está vencida nos Estados Unidos desde setembro de 2000 e a confirmação dos malefícios causados pelo mesmo poderia levá-lo ao banimento.

Outro lado

A Monsanto aponta parcialidade do relatório. A multinacional informou em nota que seus especialistas estão revendo o relatório. Mas adianta que, numa análise inicial, o texto não traria nenhuma prova nova sobre a toxidade do glifosato. E diz ainda que entidades reguladoras e especialistas independentes ao redor do mundo discordam da relação entre o composto e efeitos reprodutivos adversos em animais adultos ou anomalias congênitas em crias de animais expostos ao agente, mesmo em doses muito superiores à usada na agricultura.

Para a Monsanto, os autores do relatório privilegiaram estudos que condenam o Round-up e ignoraram dados científicos que garantem a segurança do produto e atestam seus benefícios ambientais e econômicos.

Sediada no Missouri (EUA) e com atuação em 52 países, a Monsanto é a maior produtora de herbicidas do mundo.

Round-up no Brasil

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta e ainda permite a utilização de produtos banidos em diversos países. Só o Estado de São Paulo consome cerca de 20% de todos os compostos do gênero utilizados na agricultura.

Em março deste ano, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou projeto regulamentando o uso e descarte de embalagens destes venenos, proposta do então deputado estadual Raul Marcelo, mas o governador Geraldo Alckmin vetou integralmente o texto.

O engenheiro agrônomo Marco Antônio de Moraes acrescenta ao levantamento divulgado que "pesquisadores da Fiocruz estimam a ocorrência de cerca de 540 mil casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil por ano, com cerca de quatro mil mortes".

Já o professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp Edivaldo Domingues Velini declarou recentemente em entrevista publicada no portal da empresa no Brasil que "ainda não há um herbicida que possa ser comparado ao glifosato em termos de segurança de uso e benefícios para o agricultor". Velini defende o uso sustentável do composto.

Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP José Juliano de Carvalho, "a única saída para essa situação é regular o agronegócio e não o pequeno produtor. E temos que questionar esse modelo de ‘desenvolvimento’, de inserção no comércio externo via commodities, que é muito precário e nos mantém numa condição subalterna, tirando inclusive a nossa soberania sobre a produção de alimentos e nosso solo". Além de professor, Carvalho integra a Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária).

*Com informações do Huffington Post