sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Acampamento indígena é atacado com tiros no Rio Grande do Sul


Disparos vieram de matagal vizinho à área onde vivem 13 famílias Kaingang, num total de 70 índios, no município de Santa Maria

Renato Santana
de Brasília para o BRASILdeFATO


Três projéteis percorreram, no início dessa semana, o acampamento indígena Ketyjug Tentu (Três Soitas), disparados de matagal vizinho à área onde vivem 13 famílias Kaingang, num total de 70 índios, no município de Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul. Ninguém se feriu.
O autor dos disparos não foi identificado, mas a motivação está bem clara aos indígenas: os quase 13 hectares ocupados desde dezembro pelos Kaingang – com apoio dos Guarani - e agora reivindicados junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) como tradicional.
Boletim de ocorrência foi lavrado e a área periciada. Um dos disparos feito na direção de um grupo de crianças, reunidas em brincadeira, atingiu prédio vizinho ao acampamento e por pouco não vitimou uma moradora e sua filha. A polícia iniciará investigação para apurar o ataque, na medida em que outras ocorrências de violência contra a comunidade e apoiadores já tinham sido registradas.
Desde 2000 os Kaingang e Guarani lutam para o Poder Público oficializar a posse permanente do terreno. Os indígenas lutavam para que a Funai comprasse a terra, mas os 12 indivíduos que se dizem proprietários não tiveram interesse em negociar.
Com o intuito de resolver o impasse, em maio do ano passado aconteceu na Câmara dos Vereadores da cidade a 1ª Assembleia Popular Indígena.
“A Funai e a prefeitura firmaram com o MPF (Ministério Público Federal) o compromisso de em 60 dias apresentar uma solução para o caso. Isso não aconteceu e então decidimos pela ocupação da área central do terreno para pressionar. Agora queremos a identificação e demarcação”, explica a liderança Augusto Kaingang.
Em 19 de dezembro último, duas semanas depois da ocupação, a Justiça Federal determinou a situação dos Kaingang como de direito indígena, ou seja, o caso é de competência Federal, de interesse nacional e se enquadra nos termos constitucionais. Uma importante vitória dentro da luta pela terra.
“Através desse documento (da Justiça Federal) estamos tentando o diálogo com todos os setores”, afirmou em entrevista Matias Rempel, integrante do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (Gapin), a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Rempel afirma que um dos principais problemas é a segurança no acampamento. Com a decisão da Justiça Federal, ele espera que a situação seja resolvida.
Os proprietários pediram a reintegração de posse do terreno. A Justiça negou por entender que a Funai precisa montar Grupo de Trabalho (GT) de identificação da área. Só com o resultado qualquer decisão judicial poderá ser tomada.

Rota de passagem

Santa Maria é secularmente rota de passagem dos povos indígenas do Rio Grande do Sul. Por estar localizada no centro do estado, dezenas de caminhos se cruzavam sobre ela - assim como os povos indígenas que eles percorriam. A cidade também foi palco de diversas batalhas dos indígenas do líder Sepé Tiaraju contra os exércitos de Portugal e Espanha, durante o século 18.
“Pela oralidade, constatamos que há mais de 100 anos as famílias indígenas passam por ali para coletar e vender produtos confeccionados pelos próprios indígenas. Vindos de todos os cantos do estado, encontram nesse local reivindicado uma instalação; algumas são fixas para receber as outras famílias”, explica o historiador e missionário da equipe de Porto Alegre do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liebgott.
O missionário explica que na área reivindicada os indígenas conseguem manter um espaço de sobrevivência, manutenção da cultura e convívio entre as aldeias. “Famílias que vivem no Norte do estado foram para o local ajudar na ocupação, porque todas usam o local para a comercialização de artesanatos”, relata Liebgott.
Para ele, o Poder Público municipal nunca aceitou a presença dos indígenas na cidade. Ao contrário da população, composta por 200 mil pessoas, que vê com bons olhos os povos originários ali presentes – inclusive com ajuda de cestas básicas e roupas. O missionário aponta que falta infraestrutura no terreno para o melhor assentamento dos indígenas.
“É um direito desses povos e o Poder Público precisa se organizar para atender. Em Santa Maria ainda temos um grupo Guarani Mbyá acampado na beira da BR-392 e que reivindica a demarcação da terra indígena Arenal. São demandas que precisam ser atendidas”, diz Liebgott.

Ameaças e projetos

Os indígenas têm bem claro o que pretendem para a área. Conforme Augusto Kaingang, duas ideias permeiam a luta: a construção de um centro cultural e um espaço para alojar os estudantes indígenas da Universidade Federal localizada em Santa Maria. “Éramos 22 povos aqui no Rio Grande do Sul. Depois do massacre, restaram três povos (Kaingang, Guarani e Xahua). Para os sobreviventes é muito importante divulgar a cultura”, afirma.
Augusto esclarece que o importante para os indígenas é aprender a conviver com as diferenças, mas para a sociedade envolvente não é assim e, portanto, os direitos indígenas são sempre violados e desrespeitados: “Então temos que ir para a luta. Não resta alternativa a não ser reunir os povos e exigir o que é nosso”.
A reação de quem não quer os indígenas no local ao processo de luta veio com os mecanismos de sempre: ameaças e xingamentos, além dos recentes disparos contra a comunidade. De acordo com boletins de ocorrências registrados, um arrendatário é o principal autor das pressões.
“Ele disse que ia correr comigo de lá e botar fogo nos barracos. Vive dizendo que os brancos fizeram nossa cabeça pelas terras. O que não é verdade”, relata Augusto. Além do indígena, outros Kaingang foram ameaçados, bem como apoiadores, entre eles integrantes do Gapin. A Polícia Federal e o MPF também receberam registros das ameaças.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Bem Viver e as formas de felicidade


Rita Segato critica o projeto hegemônico do estado brasileiro, apresentando o Suma Kawsay como alternativa


Renato Santana
de Luziânia (GO) para o BRASILdeFATO


A antropóloga Rita Segato - Foto: Paul Walters
O registro de nascimento aponta como país a Argentina, mas como seu conterrâneo, Ernesto Che Guevara, a antropóloga Rita Segato decidiu assumir como nacionalidade a América Latina desde a juventude, quando desembarcou no Nordeste brasileiro. Pelos sertões da Ameríndia transformou-se numa estudiosa e intelectual respeitada em todo mundo.
Rita é professora da Universidade de Brasília (UNB) e conhece de perto a realidade dos povos indígenas das Américas. Sua prática antropológica sempre se desloca ao encontro do outro e rechaça contatos antissépticos. Talvez por isso, somada à capacidade de relacionar temas e perspectivas teóricas, Rita hoje tenha grandes contribuições aos discursos construídos sobre o Bem Viver – que ela chama de Bom Viver – no Brasil.
A antropóloga faz profundas críticas ao modelo de desenvolvimento adotado pelos governos populares eleitos na América Latina e aponta as relações coloniais do Estado brasileiro.

Como a senhora vê o modelo de desenvolvimento adotado pelos governos da América Latina de origem popular?
Rita Segato – A gente pensa que o mundo está dividido em dois grandes campos: o socialista e o capitalista. Não estamos falando em termos de Guerra Fria, mas nós pensamos que continuam existindo esses dois ideários políticos. A liberdade do mercado e aquele que pensa que o mercado deve ser controlado e que o social deve ter o primeiro lugar. Contudo, essa visão ofusca a percepção de que o próprio campo socialista está dividido em pelo menos mais dois. Tem um campo socialista desenvolvimentista, eurocêntrico, e outro que vai apontando para a crise civilizatória geral de todo o projeto eurocêntrico que estruturou um mundo de acordo com a hierarquia colonial.
Temos que aprender a enxergar que dentro das chamadas esquerdas existe uma mais voltada ao bem estar social, mas que não difere muito da direita. É difícil enxergar isso.
Na América Latina nós temos um conjunto de governos que consideramos bons. São os melhores porque tentam pensar conjuntamente em bloco, numa aliança continental: Venezuela, Equador, Peru, Paraguai, Bolívia, Argentina e o Brasil. Um bloco que nunca existiu antes, desse jeito.
Este é um bloco mais sensível ao bem estar, mas que não consegue pensar a possibilidade de uma transformação, de uma melhoria na situação do nosso país fora do projeto eurocêntrico. Não há uma ruptura. Ficamos ofuscados porque são governos de esquerda, mas essa novidade não é muito profunda. Entraram para competir, participar da concorrência para emergir como bloco dentro dos mesmos princípios e balizas do capitalismo global. Não há uma reflexão profunda sobre a questão.

Qual o caminho possível para o Bem Viver construir sua retórica e fazer o enfrentamento do modelo adotado pelo bloco?
É preciso se perguntar até que ponto o bloco está disposto a pensar em gerar poderes e economias locais. Quando cheguei ao Brasil não conheci São Paulo e Rio de Janeiro; fui direto para o Nordeste. Lá existiam mercados e feiras regionais. As pessoas de uma determinada região se organizavam e se autossustentavam. Caruaru (PE) é um exemplo. Essa visão de crescimento dentro das normas do capital acabou com isso.
O Bom Viver joga um papel importante porque estimula as pessoas a obedecerem aos seus próprios projetos regionais, locais, comunitários. Porque se a gente se abre para o projeto geral global, nos abrimos para os desejos e formas de gozo globais e esses desejos e formas de gozo são baseados no consumo e na sua forma de programação da vida. O crescimento do Brasil se dá pela via do consumo, pela capacidade de se consumir independente de como se constrói dos índices de qualidade de vida e desenvolvimento humano.
No fundo, se pensarmos nas pessoas, no senso comum, na mentalidade coletiva, o que se mede do bem estar é o consumo. Aí se apresenta um grande problema. Vão desaparecendo outras formas de felicidade. O Bom Viver significa preservar outras formas de felicidade. Uma felicidade que esteja relacionada nas relações entre as pessoas e não uma felicidade que seja derivada da relação com as coisas. É isso que está acontecendo: a coisificação das relações.

Vemos então uma crise de perspectiva crítica nesse cenário...
Exato! Os discursos são bonitinhos, seja de (Hugo) Chávez , do Evo (Morales) que passou por essa crise envolvendo TIPNIS. Nunca tivemos discursos assim antes e então parece que entregamos tudo a eles, pois saberão o que fazer. Mas esses governos estão se confundindo. Nessa confusão, coloco uma grande responsabilidade na tentativa de hegemonização por parte do Brasil. O Lula foi um presidente nacionalista. Ele nunca foi um internacionalista. A proposta dele é que o Brasil hegemonize o bloco de qualquer forma.
Com isso, o individualismo cresceu no país. Em lugares muito remotos você via essas estruturas coletivas intactas, funcionando e garantindo às pessoas uma forma de viver, uma forma de felicidade. Coletividade significa que o umbigo está dentro da comunidade e não se coloca para fora. O que se percebe é que o umbigo se mudou do centro das comunidades para São Paulo e de lá para Nova York.
Para mim, essa hegemonia brasileira regional tem aprofundado estruturas coloniais e capitalistas. O avanço estatal foi insensível. Não é uma real comunidade de nações, mas uma tentativa de hegemonia do Brasil para puxar o capital aos países vizinhos para esse bloco se instalar melhor no capital global. Perdemos com isso uma grande oportunidade que a gente ainda poderia ter e parte disso são as formas de Bom Viver que não passam pelo consumo global.
Levi-Strauss dizia que a razão pela qual devemos ser pluralistas é que quanto mais comunidades existirem no planeta é melhor não por uma razão humanitária e de valores, mas porque se observarmos a história natural vamos saber que nunca foi possível dizer que espécie ia vingar no planeta. O darwinismo social não falava da espécie mais apta, mas a espécie mais adaptada a questões climáticas e ambientais é que iria sobrevir. Não era a espécie mais capaz. Portanto, sempre foi imprevisível. Então, não sabemos quais das sociedades humanas serão adaptativas ao futuro imediato. Pode ser os Yanomami, pode ser um grupo que tenha poucas pessoas. Desse modo, temos que preservar todas elas porque numa delas está o futuro da humanidade.
O que se pode esperar de um sistema onde metade da população mundial é descartada? Na Índia 25% da população não sabe o que é capitalismo. Só vai sobreviver quem não centrou sua forma de felicidade e satisfação nesse consumo globalmente organizado. Existem outras formas.


No Suma Kawsay, o valor da vida humana está no centro e não nos objetos
Foto: Reprodução
Analisando de forma crítica as elaborações indígenas e indigenistas sobre o Bem Viver, como esse projeto pode se constituir como alternativa ao sistema de forma prática?
A partir de uma perspectiva bem política. Com atenção a dois pontos. Primeiro perigo: se confundir com as promessas desses governos, melhores que os anteriores e de cunho esquerdista. Podem até ser apoiados, como acontece com o Evo, mas pressionados sempre. Um dos piores momentos do Brasil, em minha opinião, é que o PT sempre foi um partido de rua, de mobilização e ativismo. Percebi que quando Lula assumiu o poder em 2003 a primeira coisa que fez foi desmobilizar o partido, foi desmontar a estrutura de ativismo e profissionalizar o partido. Isso ocorreu não só com o PT, claro. O único que pode fazer a vigilância do caminho do governo é o povo na rua. Vemos na Bolívia isso com o gasolinazo, a marcha indígena por Tipnis.
Segundo perigo: o culturalismo. Política é história, política é defender o movimento da história, a vida em movimento se defendendo e as pessoas se movimentando para defender a vida. Não se pode despolitizar os costumes, a cultura. E é partindo de um conjunto de objetos históricos, que como falei é oposto e disfuncional com o caminho histórico eurocêntrico e desenvolvimentista capitalista, temos enquanto países que trabalhar para caminhar em duas frentes simultaneamente: se instalar globalmente na ideia da solidariedade e internamente proteger os espaços locais das nossas nações, preservar as comunidades. Fazer um caminho histórico de mão dupla: global e local. É preciso também remontar as comunidades que nesse processo se rasgaram, se desfizeram.
No Suma Kawsay (tradução do Quechua para o Bem viver) , o conhecimento, a profundidade, a melhor compreensão das cosmologias, dos pensamentos, o valor da vida humana, estão no centro e não nos objetos. Ver que toda essa ‘cultura’ se encontra num projeto macro, que é político, e nunca pode ser perdido de vista. Do contrário, transformamos essa defesa do Bom Viver numa questão cultural.
Então você tem uma sociedade com premissas lindas e discursos belos sobre a vida, mas na verdade não é nada daquilo. As mulheres sabem bem disso porque percebem que tem um monte de transformações ainda a serem feitas. Os poderes são interessados no culturalismo. Quem faz a defesa do culturalismo diz que sempre foi assim, que a cultura é imutável, que não teve história e uma vez que se formou sempre foi igual. Então, temos a defesa de caciques que se alimentam desses privilégios. Isso é um grande perigo.

O que são as dobras estruturais do capitalismo em interface com a elaboração da retórica do Bem Viver, formulação desenvolvida em seus posicionamentos?
Podemos falar sobre isso partindo de diversos pontos. Bom, você percebe que a história das sociedades possui uma vida íntima como coletividade e possui uma fachada externa, a forma em que ela dialoga com o mundo exterior. Vemos isso tanto nas tradições preservadas afroamericanas como no mundo indígena. O Estado oferece medicina, educação, enfim, as ofertas dele, mas nunca podemos esquecer que o Estado é filho primogênito e dileto do ultramar colonial porque a gente pensa que o Estado é republicano e que vai garantir absolutamente tudo para a população.
A América hispânica tem comemorado o bicentenário de suas repúblicas, mas pensamos que houve uma grande fratura entre o momento colonial e o pós-colonial. No entanto, nas aldeias percebemos que esse Estado é completamente colonial. O Brasil é o país onde menos os povos indígenas percebem isso, ou seja, ainda que o Estado seja republicano ele se mantém colonial.

O MESTRE TIM!!!

Pelo Facebook do grande apreciador de MPB dos bons....Daniel Cóssio, filho da minha querida amiga Fátima....

À Sombra de um Delírio Verde

À Sombra de um Delírio Verde from Mídia Livre on Vimeo.

Por MIDIA LIVRE



Na região Sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com Paraguai, o povo indígena com a maior população no Brasil trava, quase silenciosamente, uma luta desigual pela reconquista de seu território.
Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, juntamente com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível “limpo” e ecologicamente correto.
Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e trabalho escravo.
Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.

À Sombra de um Delírio Verde

Tempo: 29 min
Países: Argentina, Bélgica e Brasil
Narração: Fabiana Cozza
Direção: An Baccaert, Cristiano Navarro, Nicola Mu
thedarksideofgreen-themovie.com


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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Tudo o que você precisa saber sobre o Fórum Social Temático 2012


Para facilitar o acesso às informações pelos participantes, a Comunicação do FST 2012 preparou uma lista de perguntas e respostas sobre a organização, formas de participação, espaços e atividades do Fórum.
 
1. O que é o Fórum Social Temático 2012?
O Fórum Social Temático 2012 é um evento altermundista organizado por um grupo de ativistas e movimentos sociais ligados ao processo do Fórum Social Mundial. O tema de 2012 é Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental. O FST 2012 se propõe ser um espaço de debates preparatórios para a Cúpula dos Povos, reunião alternativa à cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontece em junho, no Rio de Janeiro. 
2. Onde e quando ele vai acontecer?
 O FST 2012 vai acontecer em Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, Brasil, de 24 a 29 de janeiro.
3. Quem está organizando o FST 2012?
O FST 2012 é organizado por um grupo de movimentos e organizações sociais brasileiras e internacionais com apoio do Conselho Internacional do FSM e  que contam com o apoio dos Governos Brasileiro, Gaúcho, da UFRGS,  Assembléia Legislativa do RS  e das prefeituras das quatro cidades anfitriãs.
4. O FST 2012 tem alguma ligação com o Fórum Social Mundial?
Sim. O Fórum Social Temático é um evento que se insere no processo altermundista iniciado pelo Fórum Social Mundial, em 2001.
5. O que significa o tema do FST 2012, "crise capitalista e justiça social e ambiental"?
Significa que as atividades do FST 2012 vão debater questões referentes a esses três temas: a crise capitalista que atinge a Europa principalmente e a busca por justiça social. A proximidade da cúpula da ONU para o desenvolvimento sustentável (Rio+20), que acontece em junho, no Rio de Janeiro, e a Cúpula dos Povos, reunião alternativa à Rio+20, colocam a pauta ambiental em evidência e motivam a formulação pelos movimentos sociais de propostas alternativas às que serão apresentadas pelos governos.
6. Como eu posso participar?
Há quatro maneiras principais de participar do FST 2012:
Atividades Autogestionárias
Para participar do Fórum com sua Atividade Autogestionária, basta preencher o formulário em www.fstematico2012.org.br e aguardar o contato da equipe organizadora para confirmar sua oficina. Qualquer dúvida mande email para fstematico2012@gmail.com, ou ligue para +55 51 3212-1680.
Voluntários
Para participar do Fórum como voluntariado, basta preencher o formulário em www.fstematico2012.org.br e aguardar o contato da equipe organizadora. Qualquer dúvida mande email para fstematico2012@gmail.com, ou ligue para, +55 51 3212-1680.
Participantes
Preencha a ficha em www.fstematico2012.org.br, e pague a taxa de inscrição de R$ 20. Qualquer dúvida mande email para fstematico2012@gmail.com, ou ligue para, +55 51 3212-1680.
Grupos Temáticos
Para acompanhar virtualmente os Grupos Temáticos, visite www.dialogos2012.org. No mesmo endereço, é possível se inscrever para fazer parte de um dos grupos ou criar novos grupos de discussão.
Grupos de Trabalho
Para ajudar na operacionalização do FST 2012 fazendo parte de um dos GTs, entre em www.fstematico2012.org.br ou ligue para +55 51 3212 -1680.
7. Ainda posso participar dos Grupos Temáticos do FST 2012? 
Sim, pode. Faça a sua inscrição em dialogos2012.org. Os Grupos Temáticos são 9 e são responsáveis pela formulação de propostas referentes às questões do desenvolvimento sustentável e o meio ambiente. Eles vão finalizar seus trabalhos nos dois primeiros dias do Fórum (25 e 26 de janeiro) e vão se fundir em 4 Eixos Temáticos nos dois últimos dias do evento (27 e 28 de janeiro), quando as propostas serão integradas.
8. O Acampamento Intercontinental da Juventude é só para jovens ou pessoas de qualquer idade podem participar?
O AIJ é aberto para todas as idades. Menores devem estar acompanhados por um responsável.
9. O que são atividades autogestionárias?
São atividades propostas por indivíduos ou grupos participantes do FST que se encaixam nos quatro eixos temáticos do evento. 
Eixo1 - Fundamentos éticos e filosóficos: subjetividade, dominação e emancipação.
Eixo 2 - Direitos Humanos, povos, territórios e defesa da mãe terra. 
Eixo 3 - Produção, distribuição e consumo: Acesso às riquezas, bens comuns e economia de transição.
Eixo 4 - Sujeitos políticos, arquitetura de poder e democracia.          
10. Como será a programação do FST 2012?
O FST 2012 se dividirá nos cinco dias, entre as quatro cidades anfitriãs. Você encontra todas as informações aqui
11. Vai haver Marcha de Abertura?
Sim. Ela sairá do Largo Glênio Peres, em Porto Alegre, às 15hs de 24 de janeiro.
12. Sou jornalista e não sei como me credenciar para cobrir o FST 2012?
Você pode se credenciar aqui.
13. Ainda posso inscrever uma atividade autogestionária?
As incrições para atividades autogestionárias encerram em 06 de janeiro.
14. Os participantes do FST 2012 vão receber certificados de participação?
Não. Devido ao grande número de participantes, torna-se inviável a confecção de certificados.
15. Já preenchi e enviei a ficha de participante no FST 2012, como faço para pagar a taxa de R$ 20?
Você pode fazer um depósito bancário ou uma transferência para a seguinte conta.
BANCO DO BRASIL
Ag.: 3530-0
Conta: 12761-2
Cedente: Central Única dos Trabalhadores - CUT/RS
CNPJ: 60563731/0014-91
16. Quem se inscreve no AIJ pode participar das atividades do FST 2012 ou precisa se inscrever de novo?
O pagamento da taxa de inscrição de R$ 20 dá direito a participar em todas as atividades do FST 2012. Apenas para participar do AIJ, é necessário preencher a ficha específica aqui.
17. Quem vai tocar nos shows do FST 2012?
Os shows principais vão acontecer no dia 24, em Porto Alegre; dia 25 e 26, em Canoas; dia 27, em São Leopoldo; e dia 28, em Porto Alegre. A programação completa dos shows ainda está sendo definida e será divulgada nesse sítio. Além dos shows principais, há diversas outras apresentações artísticas programadas nas quatro cidades. 
18. Não moro em Porto Alegre, onde eu posso me hospedar durante o FST 2012?
Durante o FST 2012, você pode ficar no Acampamento Intercontinental da Juventude, pode ficar em um hotel ou pode participar da hospedagem solidária, sendo recebido por um morador de uma das quatro cidades. 
19. Eu ainda posso me inscrever para a Feira de Economia Solidária e das praças de alimentação?
Não. As vagas para ambas já se esgotaram.

Texto: Ivan Trindade - Comunicação FST 2012

O Sonho Americano / The American Dream

Secretário diz que RS não tem como pagar o piso nacional dos professores até 2014


odir tonollier
Secretário disse que reajuste de 22% torna inviável pagamento do piso | Foto: Aline Souza/Palácio Piratini

Felipe Prestes no SUL21

Uma das maiores promessas do então candidato Tarso Genro pode não ser cumprida. O secretário estadual da Fazenda, Odir Tonollier, afirmou nesta quarta (11), durante entrevista coletiva em que fez balanço do exercício orçamentário de 2011, que o Estado não terá como pagar o piso nacional dos professores até 2014. Segundo o secretário, o motivo é o reajuste do piso para 2012, que deve ser de 22%. O Governo conta com uma mudança no modo de calcular este reajuste para poder cumprir com a lei. O CPERS encarou a notícia com naturalidade, dizendo que já denunciava que o Governo não tinha disposição em cumprir o que prometia.
Atualmente, o valor mínimo que o Estado paga por 40 horas semanais trabalhadas é de R$ 868,90. O valor que a lei determinava a lei do piso nacional era R$ 1.187, mas agora passa a ser R$ 1.450. O reajuste tem repercussão em toda a folha de pagamento, pois não é possível reajustar os vencimentos apenas dos professores que estão abaixo do piso. Por isto, o secretário calcula que a repercussão financeira do pagamento do piso nacional passará de R$ 2 bilhões anuais para R$ 2,95 bi, quase 50% a mais do que era necessário até então. “Não podemos mais ter como referência o piso nacional”, afirmou Tonollier.
O cálculo do reajuste tem base na Lei 11.738, que estabeleceu o piso nacional, sancionada em 2008. A legislação diz que deve haver reajuste do piso todo mês de janeiro. O reajuste segue o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno estabelecido no Fundeb. Nesta terça-feira (10), o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que, apesar das queixas de governadores de vários estados, o reajuste terá que ser feito porque é que o determina a lei. Um projeto que tramita na Câmara dos Deputados tenta mudar o indexador de reajuste do piso nacional para o INPC (inflação) – neste ano ficaria em cerca de 6%. É com isto que o Governo do Estado conta para poder cumprir o que prometeu.
"Já vínhamos denunciando que se o governo quisesse pagar teria elaborado calendário" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Não é surpresa para nós”, afirma presidenta do CPERS

Para a presidenta do CPERS, Rejane de Oliveira, a declaração do secretário só revelou o que o sindicato já denunciava. “Não é surpresa para nós. Já vínhamos denunciando que se o governo quisesse pagar o piso até 2014 já teria elaborado um calendário”, disse.
Sendo assim, a dirigente afirmou que a notícia não altera em nada a mobilização do CPERS. “Já sabíamos que o pagamento do piso só pode ser fruto da nossa luta. Já estávamos fazendo campanha com outdoors nas ruas durante o mês de janeiro, mostrando que o governo é inimigo da educação”, disse. Rejane ressaltou que no próximo dia 20 haverá reunião do Conselho Ampliado do sindicato, no qual serão definidas ações para o início do ano letivo. “Não começaremos o ano letivo desmobilizados”, disse.
Para Rejane, a revelação do secretário da Fazenda “mostra para a sociedade o caráter deste governo”. “Tarso quando era ministro assinou a lei e agora não paga”, afirmoua dirigente. O governador era ministro da Justiça quando a lei do piso nacional foi sancionada, mas sua assinatura, de fato, como a de vários outros ministros, está na lei.
A presidenta do CPERS disse ainda que, apesar da fama de radicalismo do sindicato, quem escolheu o caminho do conflito foi o Governo do Estado. “Aprovou programa de sustentabilidade no dia da eleição do Cpers, fez um decreto contra o nosso plano de carreira no apagar das luzes de 2011, descontou o salário dos grevistas e agora diz que não vai pagar o piso”, justificou.

“É estelionato eleitoral”, aponta líder do PMDB

O líder do PMDB na Assembleia Legislativa, Giovani Feltes, afirmou que “lamentavelmente” já esperava por esta notícia: “O governo é que não admitia”. Feltes apontou que atribuir o não cumprimento da lei à correção de 22% para 2011 é “desculpa esfarrapada”, uma vez que o governador Tarso Genro tinha conhecimento sobre a legislação. “A segunda assinatura que aparece na lei, depois da do presidente Lula, é a dele. O governo já poderia ter feito um calendário”.
Para Feltes, a atual conjuntura permite o uso de um termo forte para defini-la. “É realmente estelionato eleitoral”, afirmou. O deputado disse que o Governo do Estado promete as coisas como se fossem cair do céu. “É um governo placebo. Ele dá um efeito psicológico sobre as pessoas, mas pouco a pouco elas percebem que não tem princípio ativo, que está até pior do que antes”, comparou.
Pont: "Pelo atual critério, piso será inviável para todos os estados" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Este reajuste é insustentável”, defende Pont

“O que o secretário constatou, e que não é novidade, é se o piso nacional for reajustado pelo atual critério ele se tornará inviável para todos os estados. Não tem como, num país com uma inflação de 6%, dar um reajuste anual de 22%”, defendeu o deputado estadual Raul Pont (PT). “O que disse o secretário é que isto é insustentável”, completou.
O parlamentar contou que o projeto que fixa o reajuste do piso pelo INPC já foi aprovado em duas comissões, em caráter terminativo, o que significa que não precisaria passar por plenário. Entretanto, um grupo de parlamentares conseguiu fazer com que o projeto tenha que ir a plenário. “Em plenário nunca se sabe quando vai votar. Esperamos que o Governo Federal o faça por MP, ou que isto se resolva de outra maneira”, afirmou Pont.
O petista disse que a disposição do Piratini em pagar o piso nacional está demonstrada pelo orçamento estadual de 2012 que prevê R$ 500 milhões a mais para os vencimentos dos professores. “Se não mudar a lei, ainda assim o governo vai reajustar o máximo possível o salário dos professores”, disse.

Eliana Calmon: “eu não vou esmorecer”


Depois de um mês de bombardeio, o Estadão abre espaço para a Ministra Eliane Calmon, ministra do STF e Corregedora do Conselho Nacional de Justiça.
Para quem é republicano e não considera que ninguém está acima da lei, muito menos o Poder Judiciário, é um dever saber o que ela diz, desde lá das entranhas da própria Justiça.
“Estou vendo a serpente nascer, não posso calar”, diz Eliana Calmon
Após ataques de ministro do Supremo, corregedora nacional da Justiça afirma que não irá esmorecer na investigação do Judiciário

Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo no TIJOLACO

SÃO PAULO – Alvo de 9 entre 10 juízes, e também do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que não aceitam seu estilo e determinação, a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional da Justiça, manda um recado àqueles que querem barrar seu caminho. “Eles não vão conseguir me desmoralizar, isso não vão conseguir.”
Calmon avisa que não vai recuar. “Eu estou vendo a serpente nascer, não posso me calar.”
Na noite desta segunda feira, 9, o ministro do STF disparou a mais pesada artilharia contra a corregedora desde que ela deu início à sua escalada por uma toga transparente, sem regalias.
No programa Roda Viva, da TV Cultura, Marco Aurélio partiu para o tudo ou nada ao falar sobre os poderes dela no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Ela tem autonomia? Quem sabe ela venha a substituir até o Supremo.”
Ao Estado, a ministra disse que seus críticos querem ocultar mazelas do Judiciário.

ESTADO: A sra. vai esmorecer?

MINISTRA ELIANA CALMON: Absolutamente, pelo contrário. Eu me sinto renovada para dar continuidade a essa caminhada, não só como magistrada, inclusive como cidadã. Eu já fui tudo o que eu tinha de ser no Poder Judiciário, cheguei ao topo da minha carreira. Eu tenho 67 anos e restam 3 anos para me aposentar.

ESTADO: Os ataques a incomodam?

ELIANA CALMON: Perceba que eles atacam e depois fazem ressalvas. Eu preciso fazer alguma coisa porque estou vendo a serpente nascer e eu não posso me calar. É a última coisa que estou fazendo pela carreira, pelo Judiciário. Vou continuar.

ESTADO: O que seus críticos pretendem?

ELIANA CALMON: Eu já percebi que eles não vão conseguir me desmoralizar. É uma discussão salutar, uma discussão boa. Nunca vi uma mobilização nacional desse porte, nem quando se discutiu a reforma do Judiciário. É um momento muito significativo. Não desanimarei, podem ficar seguros disso.

ESTADO: O ministro Marco Aurélio deu liminar em mandado de segurança e travou suas investigações. Na TV ele foi duro com a sra.

ELIANA CALMON: Ele continua muito sem focar nas coisas, tudo sem equidistância. Na realidade é uma visão política e ele não tem motivos para fazer o que está fazendo. Então, vem com uma série de sofismas. Espero esclarecer bem nas informações ao mandado de segurança. Basta ler essas informações. A imprensa terá acesso a essas informações, a alguns documentos que vou juntar, e dessa forma as coisas ficarão bem esclarecidas.

ESTADO: O ministro afirma que a sra. violou preceitos constitucionais ao afastar o sigilo de 206 mil investigados de uma só vez e comparou-a a um xerife.

ELIANA CALMON: Ficou muito feio, é até descer um pouco o nível. Não é possível que uma pessoa diga que eu violei a Constituição. Então eu não posso fazer nada. Não adianta papel, não adianta ler, não adianta documentos. Não adianta nada, essa é a visão dele. Até pensei em procura-lo, eu me dou bem com ele, mas acho que é um problema ideológico. Ou seja, ele não aceita abrir o Judiciário.

ESTADO: O que há por trás da polêmica sobre sua atuação?

ELIANA CALMON: Todo mundo vê a serpente nascendo pela transparência do ovo, mas ninguém acredita que uma serpente está nascendo. Os tempos mudaram e eles não se aperceberam, não querem aceitar. Mas é um momento que eu tenho que ter cuidado para não causar certo apressamento do Supremo, deixar que ele (STF) decida sem dizer, “ah, mas ela fez isso e aquilo outro, ela é falastrona, é midiática”. Então eu estou quieta. As coisas estão muito claras.

ESTADO: A sra. quebrou o sigilo de 206 mil magistrados e servidores?

ELIANA CALMON: Nunca houve isso, nunca houve essa história. Absolutamente impossível eu pedir uma quebra de sigilo de 206 mil pessoas. Ninguém pode achar na sua sã consciência que isso fosse possível. É até uma insanidade dizer isso. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) age com absoluta discrição, como se fosse uma bússola. Aponta transações atípicas. Nunca ninguém me informou nomes, nada. Jamais poderia fazer uma quebra atingindo universo tão grande. Mas eu tenho anotações de alguns nomes, algumas suspeitas. Então, quando você chega num tribunal, principalmente como o de São Paulo, naturalmente que a gente já tem algumas referências, mas é uma amostragem. Não houve nenhuma devassa, essa é a realidade.

ESTADO: A sra. não tinha que submeter ao colegiado o rastreamento de dados?

ELIANA CALMON: O regimento interno do CNJ é claro. Não precisa passar pelo colegiado, realmente. E ele (ministro Marco Aurélio) deu a liminar (ao mandado de segurança)e não passou pelo Pleno do STF. E depois que eu fornecer as informações ao mandado de segurança e depois que eu der resposta à representação criminal ficarei mais faladora. Estou muito calada porque acho que essas informações precisam ser feitas primeiro. Eu não vou deixar nada sem os esclarecimentos necessários.

ESTADO: Duas liminares, dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, ameaçam o CNJ. A sra. acredita que elas poderão ser derrubadas pelo Pleno do STF?

ELIANA CALMON: Esperança eu tenho. Agora, tradicionalmente o STF nunca deixou o seu presidente sem apoio, nunca. Todas as vezes eles correram e conseguiram dar sustentação ao presidente. Qual é a minha esperança: eu acho que o Supremo não é mais o mesmo e a sociedade e os meios de comunicação também não são mais os mesmos. Não posso pegar exemplos do passado para dizer que não acredito em uma decisão favorável. Estamos vivendo um outro momento. Não me enche de esperanças, mas dá esperanças para que veja um fato novo, não como algo que já está concretizado. Tudo pode acontecer.

ESTADO: O ministro Marco Aurélio diz que a competência das Corregedorias dos tribunais estaduais não pode ser sobrepujada pelo CNJ.

ELIANA CALMON: Tive vontade de ligar, mandar um torpedo (para o programa Roda Viva) para dizer que as corregedorias sequer investigam desembargador. Quem é que investiga desembargador? O próprio desembargador. Aí é que vem a grande dificuldade. O grande problema não são os juízes de primeiro grau, são os Tribunais de Justiça. Os membros dos TJs não são investigados pelas corregedorias. As corregedorias só tem competência para investigar juízes de primeiro grau. Nada nos proíbe de investigar. Como juíza de carreira eu sei das dificuldades, principalmente quando se trata de um desembargador que tem ascendência política, prestígio, um certo domínio sobre os outros.

ESTADO: A crise jogou luz sobre pagamentos milionários a magistrados.

ELIANA CALMON: Essas informações já vinham vazando aqui e acolá. Servidores que estavam muito descontentes falavam disso, que isso existia. Os próprios juízes falavam que existia. Todo mundo falava que era uma desordem, que São Paulo é isso e aquilo. Quando eu fui investigar eu não fui fazer devassa. São Paulo é muito grande, nunca foi investigado. Não se pode, num Estado com a magnitude de São Paulo, admitir um tribunal onde não existe sequer controle interno. O controle interno foi inaugurado no TJ de São Paulo em fevereiro de 2010. São Paulo não tem informática decente. O tribunal tem uma gerência péssima, sob o ponto de vista de gestão. Como um tribunal do de São Paulo, que administra mais de R$ 20 bilhões por ano, não tinha controle interno?

ESTADO: Qual a sua estratégia?

ELIANA CALMON: Primeiro identificar a fonte pagadora em razão dessas denúncias e chegar a um norte. São Paulo não tem informática decente. Vamos ver pagamentos absurdos e se isso está no Imposto de renda. A declaração IR até o presidente da República faz, vai para os arquivos da Receita. Não quebrei sigilo bancário de ninguém. Não pedi devassa fiscal de ninguém. Fui olhar pagamentos realizados pelo tribunal e cotejar com as declarações de imposto de renda. Coisa que fiz no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e no tribunal militar de São Paulo, sem problema nenhum. Senti demais quando se aposentou o desembargador Maurício Vidigal, que era o corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo. Um magistrado parceiro, homem sério, que resolvia as coisas de forma tranquila.

A atribulada e paradoxal trajetória da taxa Tobin


Concebida pelo economista liberal James Tobin nos anos 70, repudiada pela direita liberal, defendida pelos militantes anti-globalização de todo o planeta durante décadas, principalmente pela ong Attac, bandeira do socialismo europeu e tema recorrente nas negociações internacionais (G20, G7), desde que estourou a crise em 2008, a taxa Tobin está prestes a se materializar graças à iniciativa de um dos presidentes mais liberais da União Europeia, Nicolas Sarkozy. O artigo é de Eduadro Febbro.


A taxa Tobin sobre as transações financeiras conheceu um dos destinos mais paradoxais dos últimos 40 anos. Concebida pelo economista liberal James Tobin nos anos 70, repudiada pela direita liberal, defendida pelos militantes anti-globalização de todo o planeta durante décadas, principalmente pela ONG ATTAC, bandeira do socialismo europeu e tema recorrente nas negociações internacionais (G20, G7), desde que estourou a crise em 2008, a taxa Tobin está prestes a se materializar graças à iniciativa de um dos presidentes mais liberais da União Europeia, Nicolas Sarkozy. O presidente francês saiu do círculo do consenso e anunciou que a França colocará em prática a taxa Tobin sem esperar que seus sócios europeus cheguem a um acordo para implementá-la.

Berlim, Londres e Roma mostraram-se particularmente hostis ao fato de que Paris avance sozinha neste princípio que dorme no caixão dos desacordos há muitos meses. Apesar disso, a França manteve o rumo. O conselheiro especial do presidente francês, Henri Guaino, disse que a França tomaria uma “decisão a respeito” antes do final do mês de janeiro.

O planeta financeiro colocou-se contra o famoso, mas quase nunca tangível imposto às transações financeiras. Os primeiros a fazer cara feia foram os alemães, os ingleses e os italianos. Quase em uníssono, Berlim, Roma, Londres e a Comissão Europeia lembraram com visível mal-estar que um imposto como a taxa Tobin só teria sentido se aplicado com um “enfoque coerente”, dentro dos países da União Europeia e não de forma “solitária”.

Londres foi um pouco mais longe e pediu um imposto não dentro dos 17 países da zona euro, mas sim em escala mundial. O governo francês parece disposto a não dar bola para as críticas e avançar sozinho na rota do imposto, sem que se conheçam ainda os percentuais do imposto nem sua metodologia de funcionamento.

A aparição de tal ideia a apenas quatro meses das eleições presidenciais suscita evidentes desconfianças. Será verdade ou trata-se de um movimento eleitoral? É lícito reconhecer outro paradoxo desta história: o ultra-liberal Nicolas Sarkozy fez da “refundação do capitalismo” um de seus credos políticos. A taxa Tobin talvez seja um dos primeiros gestos para cumprir sua promessa. A julgar pelas reações do mundo financeiro e dos economistas, a decisão de Sarkozy parece ser séria. A associação Europlace que agrupa quase todos os atores do setor financeiro francês considerou que a instauração da taxa Tobin só vai “debilitar a economia francesa”. Europlace lançou uma contraofensiva articulada na catástrofe e no medo. Para essa associação, a taxa Tobin limitada à França acarretaria a fuga de bancos, companhias de seguro e gestores para outras praças financeiras.

História de uma ideia que se tornou bandeira de luta
Essa guerra entre liberais no próprio coração do liberalismo só acentua a acidentada trajetória da taxa Tobin. Desde seu nascimento até hoje, a ideia atravessou fronteiras muito díspares e gerou consensos incomuns.

Ela foi inventada por um liberal, defendida pela esquerda e agora é um tema prioritário da direita. O seu primeiro passo fundador já é um paradoxo. Em 1972, durante uma conferência na Universidade de Princeton, o economista James Tobin colocou sobre a mesa a ideia de um imposto sobre as transações financeiras. Tobin buscava “lançar grãos de areia na engrenagem das finanças internacionais” e frear assim o aumento da especulação no curto prazo. O percentual proposto por Tobin oscilava entre 0,05% e 0,2%. O economista norteamericano recebeu o prêmio Nobel de Economia em 1981, mas sua ideia nunca foi verdadeiramente colocada em prática.

O único país que a aplicou foi a Suécia. Entre 1984 e 1990, a Suécia implantou um imposto de 0,5% sobre as transações realizadas no mercado de ações, mas o princípio foi realizado em 1990 por causa da fuga de capitais que provocou. Esta experiência alimentou os argumentos dos inimigos do imposto, para quem toda intenção de aplicar um imposto às transações financeiras acabaria tendo um efeito contrário ao desejado.

A taxa Tobin voltou ao noticiário em meados dos anos 90. Em 1994, o falecido presidente socialista François Miterrand defendeu a necessidade de um imposto sobre as transações financeiras na cúpula social de Copenhague, mas a proposta não saiu do papel. Utópica, complicada, perigosa, delirante, irracional, os adversários da taxa Tobin a combateram com todo o peso de seus interesses. No entanto, a taxa Tobin reencarnou em uma luta que superou de longe as intenções de seu inventor liberal. Em dezembro de 1997, o jornalista Ignacio Ramonet publicou um editorial no Le Monde Diplomatique defendendo a criação de um imposto sobre os lucros como “uma exigência democrática mínima”.

Neste texto intitulado “Desarmemos os mercados”, Ignacio Ramonet deu à taxa Tobin um campo de aplicação mais amplo e terminou defendendo a criação, em escala planetária, da ONG Ação para uma Taxa Tobin de Ajuda aos Cidadãos (ATTAC). Deste editorial, nasceu a ATTAC um ano depois. Em 1998, a ATTAC passou a ser a Associação para a Taxação das Transações Financeiras e a Ação Cidadã. Com base nesta plataforma, a ATTAC se converteu também no eixo do movimento mundial dos altermundistas. Os militantes anti-globalização da ATTAC e seus seguidores ampliaram o conceito da taxa Tobin. O economista norteamericano só queria alguns “grãos de areia” como ferramenta contra a especulação. A ATTAC, em troca, militou a favor de uma ferramenta capaz de englobar a finança mundial e todos os seus produtos: mercado de câmbio, ações, operações nas bolsas de valores, mercados de derivativos, produtos financeiros.

O mais curioso deste combate pela recuperação de fundos sacados dos bolsos daqueles que usurpam tudo e não pagam nada reside no fato de que o próprio Tobin se distanciou da ATTAC e seus partidários. James Tobin qualificou de “arruaceiros” os grupos anti-globalização e impugnou a forma pela qual a ONG pensava a instauração da taxa que levava seu nome. Em uma entrevista publicada pelo semanário alemão Der Spiegel, James Tobin explicou que, enquanto a meta dos altermundistas consistia em lutar contra a livre expansão dos mercados, ele era “um partidário do livre comércio”.

Ao longo dos anos, a taxa Tobin passou por várias etapas, umas mais contraditórias que as outras. Os socialistas europeus a defenderam durante as campanhas eleitorais para logo em seguida esconder o imposto no desemprego e no esquecimento quando chegaram ao poder. A taxa Tobin funcionou como um apanhador de eleitores, sem jamais morder o bolso dos liberais. Em novembro de 2001, a Assembleia Nacional francesa (com maioria socialista) adotou o princípio de um imposto às transações realizadas no mercado de câmbio, mas a entrada em vigor da medida ficou subordinada à aprovação de um esquema idêntico por outro país da União Europeia. Prova de que as boas ideias da esquerda podem servir á direita, em 2006 o presidente conservador Jacques Chirac instaurou um imposto sobre os bilhetes de avião, que logo foi adotado por outros 27 países. Com esse dinheiro se aumentaram os fundos destinados à ajuda ao desenvolvimento. Passaram-se quatro anos e, outra vez, a direita abraçou um princípio de seus adversários ideológicos. Em 2008, a quebra do banco norteamericano Lehman Brothers desatou a crise das “subprimes” e com ela a necessidade de regular o turvo e impune mundo das finanças internacionais.

Nesse contexto, a taxa Tobin apareceu como um instrumento ideal. Em 2009, Adair Turner, o responsável da autoridade britânica dos serviços financeiros, se pronunciou a favor da taxa Tobin, sendo seguido imediatamente pelo ex-primeiro ministro Gordon Brown (trabalhista).

Em novembro do mesmo ano, o tema “Tobin” entrou nas discussões do G20. O grupo encarregou o Fundo Monetário Internacional de fazer um estudo sobre a possibilidade de criar um imposto semelhante, mas seu então diretor-gerente, o socialista (sim, sim, “socialista”) Dominique Strauss-Kahn se opôs à medida. Com o FMI contra, Washington e os mercados também, o imposto Tobin não tinha muitas possibilidades de passar de ideia à realidade. Mas a crise grega e seus estragos mexeu a balança em favor do imposto: a Comissão Europeia propôs a aplicação de um imposto sobre as transações financeiras que seria implementado a partir de 2014. Sempre tão generosa e humana, a Comissão destinou esses fundos não à ajuda ao desenvolvimento, mas sim ao seu próprio orçamento.

Em agosto de 2011, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy concordaram que taxar as transações financeiras era uma “necessidade evidente”. Ambos os dirigentes anunciaram uma iniciativa franco-alemã nesta direção, mas sua declaração se converteu em hecatombe: as bolsas de Londres, Bruxelas, Amsterdã, Lisboa, Madri, Paris e Nova York vieram abaixo. Sarkozy retomou a ideia da taxa Tobin na cúpula do G20 realizada em Cannes, no ano passado. “Um imposto sobre as transações financeiras é tecnicamente possível, financeiramente indispensável, moralmente inevitável”, disse Sarkozy então.

O presidente francês prepara agora um novo movimento: materializar suas palavras em um imposto real apesar da oposição de seus sócios europeus, da China e dos EUA. Ninguém sabe ainda como funcionará esse imposto sobre os fluxos financeiros, mas o certo é que a taxa Tobin ilustra ao absurdo as contradições do sistema internacional: seu inventor renegou seus adeptos, os altermundistas nunca renunciaram a ela, os socialistas a defenderam e logo depois a desativaram, a direita liberal sempre a combateu até que, em plena crise, tenha aberto a ela a porta dos sonhos. Só resta saber qual será a dose de sonho e qual a de realidade.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Domenico Losurdo: “Liquidar o monopólio ocidental da tecnologia”


Em entrevista a Tian Shigang, da revista "Chinese Social Sciences Today" (CSST), o intelectual marxista Domenico Losurdo explica suas teses mais recentes e defende o legado das revoluções na Rússia e na China. Segundo o autor italiano, “a luta de emancipação dos povos em condições coloniais e semicoloniais não acaba com a conquista da independência política.” Ele também aponta quatro grandes contribuições do pensador italiano Antônio Gramsci à teoria marxista e mostra por que “liquidar o monopólio ocidental da tecnologia é também luta revolucionária”.
 
Chinese Social Sciences Today: Em 2005, foi publicado o seu livro “Fuga da História? — A Revolução Russa a Revolução Chinesa Vistas Hoje”. O que o levou a escrevê-lo?
 
Domenico Losurdo: A primeira edição do livro foi publicada em 1999. Era o momento em que o fim da Guerra Fria era interpretado como o fracasso irremediável de toda tentativa de construir uma sociedade socialista, como o triunfo definitivo do capitalismo e inclusive com o “fim da história”.
No Ocidente, este modo de ver as coisas fazia mossa na própria esquerda: até os comunistas — ainda que declarassem querer permanecer fieis aos ideais do socialismo — na linha seguinte acrescentavam que não tinham nada a ver com a história da União Soviética nem com a história da China onde, diziam, se havia verificado a “restauração do capitalismo”. Para me opor a esta “fuga à história”, propus-me explicar a história do movimento comunista desde a Rússia da Revolução de Outubro até a China surgida das reformas de Deng Xiaoping.
 
CSST: No se entender, por quais motivos a União Soviética se desmembrou?
 
Losurdo: Em 1947, quando enuncia a política da contenção, seu teórico, George F. Kennan, explica que é preciso “aumentar enormemente as tensões (strains) que a política soviética tem de suportar”, a fim de “promover tendências que acabem por quebrar ou abrandar o poder soviético”. Nos nossos dias, não é muito diferente a política dos Estados Unidos para com a China, ainda que enquanto isso a China haja acumulado uma grande experiência política.
Para além da contenção, o que determinou a derrocada da União Soviética foram as suas graves debilidades internas. Convém refletir sobre a célebre tese de Lênin: “Não há revolução sem teoria revolucionária”. O partido bolchevique, sem dúvida, tinha uma teoria para a conquista do poder, mas, se por revolução se entender não só a destruição da velha ordem como também a construção da nova, os bolcheviques e o movimento comunista careciam substancialmente de uma teoria revolucionária.
Portanto, não se pode considerar que uma teoria da sociedade pós-capitalista por construir se reduza à espera messiânica de um mundo no qual hajam desaparecido por completo os Estados, as nações, o mercado, o dinheiro, etc. O PCUS cometeu o grave erro de não fazer nenhum esforço para preencher esta lacuna.
 
CSST: No seu entender, que caráter e que significado tem a Revolução Chinesa?
 
Losurdo: No princípio do século 20, a China fazia parte do mundo colonial e semicolonial — estava submetida ao colonialismo e ao imperialismo. Um marco histórico foi a Revolução de Outubro, que desencadeou e impulsionou uma onda anticolonialista de dimensões planetárias.
A seguir, o fascismo e o nazismo foram a tentativa de revitalizar a tradição colonial. Em particular, a guerra desencadeada pelo imperialismo hitleriano e o imperialismo japonês, respectivamente, contra a União Soviética e contra a China, foram as maiores guerras coloniais da história.
De modo que Stalingrado na União Soviética e a Longa Marcha e a guerra de resistência contra o Japão na China foram duas grandiosas lutas de classe, as que impediram que o imperialismo mais bárbaro efetuasse uma divisão de trabalho baseada na redução de grandes povos a uma massa de escravos ao serviço das supostas raças dos senhores.
Mas a luta de emancipação dos povos em condições coloniais e semicoloniais não acaba com a conquista da independência política.
Já em 1949, a ponto de conquistar o poder, Mao Zedong havia insistido na importância da edificação econômica. Washington quer que a China se “reduza a viver da farinha estadunidense”, com o que “acabaria por ser uma colônia estadunidense”. Ou seja, sem a vitória na luta pela produção agrícola e industrial, a vitória militar acabaria por ser frágil e vazia. De certo modo, Mao havia previsto a passagem da fase militar à fase econômica da revolução anticolonialista e anti-imperialista.
O que acontece nos nossos dias? Os Estados Unidos estão transferindo para a Ásia o grosso do seu dispositivo militar. Em despacho da agência Reuters de 28 de outubro de 2011, pode-se ler que uma das acusações de Washington aos dirigentes de Pequim é que fomentam ou impõem a transferência de tecnologia ocidental para a China.
Está claro: os Estados Unidos pretendem conservar o monopólio da tecnologia para continuar a exercer a hegemonia e inclusive um domínio neocolonial indireto. Por outras palavras, ainda nos nossos dias a luta contra o hegemonismo coloca-se também no plano do desenvolvimento econômico e tecnológico. É um aspecto que, lamentavelmente, a esquerda ocidental nem sempre consegue entender.
Há que sublinhá-lo com força: revolucionária não é só a longa luta com que o povo chinês pôs fim ao século das humilhações e fundou a República Popular; revolucionária não é só a edificação econômica e social com que o Partido Comunista Chinês livrou da fome centenas de milhões de homens; também a luta para romper o monopólio imperialista da tecnologia é uma luta revolucionária. Foi-nos ensinado por Marx.
Sim, ele nos ensinou que a luta para superar, no âmbito da família, a divisão patriarcal do trabalho já é uma luta revolucionária; seria muito estranho que não fosse uma luta de emancipação a luta para acabar à escala internacional com a divisão do trabalho imposta pelo capitalismo e o imperialismo, a luta par liquidar definitivamente esse monopólio ocidental da tecnologia, que não é um dado natural — e, sim, o resultado de séculos de domínio e opressão!
 
CSST: Em 2005 foi publicado o seu livro “Contra-história do Liberalismo”, que alcançou um grande êxito (num ano, foi reeditado três vezes e a seguir traduzido em vários idiomas). O que significa esse título?
 
Losurdo: O meu livro não desconhece os méritos do liberalismo, que põe em evidência o papel do mercado no desenvolvimento das forças produtivas e sublinha a necessidade de limitar o poder (ainda que só a favor de uma reduzida comunidade de privilegiados).
“Contra-história do Liberalismo” polemiza com a autoglorificação e a visão apologética dos que se entregam ao liberalismo e ao Ocidente liberal. É uma tradição de pensamento em cujo âmbito a exaltação da liberdade vai junto com terríveis cláusula de exclusão em prejuízo das classes trabalhadoras e, sobretudo, dos povos colonizados.
John Locke, pai do liberalismo, legitima a escravidão nas colônias e é acionista da Royal African Company, a empresa inglesa que gere o tráfico e o comércio dos escravos negros. Mas, para além das personalidades individuais, o importante é o papel dos países que melhor encarnam a tradição liberal. Um dos primeiros atos de política internacional da Inglaterra liberal, nascida da Revolução Gloriosa de 1688-1689, é assumir o monopólio do tráfico de escravos negros.
Mais importante ainda é o papel da escravidão na história dos Estados Unidos. Durante 32 dos primeiros 36 anos de vida dos Estados Unidos, a presidência do país foi ocupada por proprietários de escravos. E isso não é tudo. Durante várias décadas, o país dedicou-se a exportar a escravidão com o mesmo zelo com que hoje pretende exportar a “democracia”: em meados do século 19 reintroduziram a escravidão no Texas, recém-arrebatado ao México através de uma guerra.
É verdade que primeiro a Inglaterra e a seguir os Estados Unidos viram-se obrigados a abolir a escravidão, mas o lugar dos escravos negros foi ocupado pelos cules chineses e índios, submetidos a uma forma apenas dissimulada de escravidão. Além disso, depois da abolição formal da escravidão, os afro-americanos continuaram a sofrer uma opressão tão feroz que um eminente historiador estadunidense, George M. Fredrickson, escreveu: “Os esforços para preservar a ‘pureza da raça’ no Sul dos Estados Unidos preludiavam alguns aspectos da perseguição desencadeada pelo regime nazi contra os judeus nos anos 30 do século 20”.
Quando começa a enfraquecer nos Estados Unidos o regime de supremacia branca, de opressão e discriminação racial, sobretudo contra os negros? Em dezembro de 1952, o ministro estadunidense da Justiça envia ao Tribunal Supremo, em plena discussão sobre a integração nas escolas públicas, uma carta eloquente: “A discriminação racial leva a água ao moinho da propaganda comunista e também semeia dúvidas nos países amigos acerca da nossa devoção à fé democrática”.
Washington — observa o historiador estadunidense que reconstrói este episódio (C. Vann Woodward) — corria o risco de alienar o favor das “raças de cor” não só no Oriente e no Terceiro Mundo como também no seu próprio país. Só então o Tribunal Supremo decidiu declarar inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas.
Há um paradoxo na história. Hoje Washington não se cansa de acusar a falta de democracia na China; mas convém assinalar um elemento essencial da democracia: a superação da discriminação racial só foi possível nos Estados Unidos graças ao repto representado pelo movimento anticolonialista mundial, de que a China fazia e faz parte.
 
CSST: No meu entender, entre as muitas edições italianas do “Manifesto do Partido Comunista” há três que se destacam: a de Antonio Labriola, a de Palmiro Togliatti e a sua de 1999. Na sua opinião, que significado tem esta obra fundamental de Marx e Engels para os marxistas de hoje?
 
Losurdo: Na introdução da edição italiana do “Manifesto do Partido Comunista”, tentei reconstruir o século e meio de história transcorrido desde a publicação em 1848 deste texto extraordinário. Uma confrontação pode nos ajudar a entender o seu significado.
Oito anos antes, outra grande personalidade da Europa do século 19, Alexis de Tocqueville, publica o segundo livro da “Democracia na América” e, num capítulo central, afirma já no título que “as grandes revoluções serão cada vez menos frequentes”. Mas, se nos fixarmos no século e meio posterior ao ano (1840) em que o liberal francês faz esta afirmação, vemos que se trata do período talvez mais abundante em revoluções da história universal.
Não há dúvida: ao prever a rebelião contra o capitalismo — contra um sistema que implica a “transformação em máquina” dos proletários e a sua degradação em “instrumentos de trabalho”, em “acessórios da máquina”, um apêndice “dependente e impessoal” do capital “independente e pessoal” —, ao prever tudo isto, o “Manifesto do Partido Comunista” soube olhar mais longe.
Quando descrevem com extraordinária lucidez e clarividência o que hoje chamamos globalização, Marx e Engels sabem bem que se trata de um processo contraditório, caracterizado (no âmbito do capitalismo) por crises colossais de superprodução que provocam a destruição de enormes quantidades de riqueza social e a miséria de massas ingentes de homens e mulheres. Além disso, é um processo eriçado de conflitos que podem desembocar, inclusive, numa “guerra industrial de aniquilação entre as nações”. O que nos leva a pensar na 1ª Guerra Mundial.
Contra todo este mundo, o “Manifesto do Partido Comunista” evoca tanto as revoluções proletárias como as “revoluções agrárias” e de “libertação nacional”. De modo que Marx e Engels se anteciparam a um cenário que se verificará no 3º Mundo, como por exemplo na China.
A propósito da China pode-se fazer uma última consideração. O “Manifesto do Partido Comunista” prevê a aparição de uma economia globalizada caracterizada por “indústrias novas, cuja introdução passa a ser uma questão de vida ou morte para todas as nações civilizadas, indústrias que já não elaboram matérias-primas locais e, sim, matérias-primas procedentes das regiões mais remotas e cujos produtos consomem-se não só no interior do país como também em todas as partes do mundo”.
Portanto, ainda que centre o olhar sobre a Europa, o texto de Marx e Engels acaba por dar indicações muito valiosas para os países do 3º Mundo que querem alcançar um desenvolvimento econômico independente.
 
CSST: Quais são, no seu entender, as contribuições de Antonio Gramsci à teoria marxista?
 
Losurdo: Creio que as contribuições da obra deste grande pensador foram pelo menos quatro:
1) Gramsci evidenciou a importância da “hegemonia” para a conquista e conservação do poder político. Num texto de 1926, ele explica: o proletariado só dá mostras de possuir uma consciência de classe madura quando se eleva a uma visão da sua classe de pertencimento como núcleo dirigente de um bloco social muito mais amplo, chamado a conduzir a revolução à vitória.
2) Em segundo lugar, Gramsci mostra-se plenamente consciente da complexidade que implica o processo de construção do socialismo. A princípio, será “o coletivismo da miséria, do sofrimento”. Mas não pode ficar nisso, tem de enfrentar o desenvolvimento das forças produtivas. É nesse âmbito que deve ser situada a importante tomada de posição de Gramsci a propósito da NEP (a Nova Política Econômica introduzida após o “comunismo de guerra”).
A realidade da União Soviética daquele momento coloca-nos na presença de um fenômeno “nunca visto na história”: uma classe politicamente “dominante” encontra-se “globalmente em condições de vida inferiores às de certos elementos da classe dominada e submetida”. As massas populares, que continuam a padecer uma vida de privações, estão desorientadas diante do espetáculo do “nepman” [o homem da NEP] afundado no seu casaco de peles, que tem à sua disposição todos os bens da terra”.
Mas isto não deve ser motivo de escândalo ou repulsa, pois o proletariado, o mesmo que não pode conquistar o poder, tampouco pode mantê-lo se for incapaz de sacrificar interesses particulares e imediatos aos “interesses gerais e permanentes da classe”. Trata-se, naturalmente, de uma situação transitória. O que Gramsci sugere aqui pode ser útil à esquerda ocidental para compreender a realidade de um país como a China atual.
3) Gramsci dá-nos algumas indicações valiosas sobre outro aspecto. Devemos imaginar o comunismo como a dissipação total não só dos antagonismos de classe — mas também como do Estado e do poder político, assim como das religiões, das nações, da divisão do trabalho, do mercado, de qualquer fonte possível de conflito? Questionando o mito da extinção do Estado e da sua dissolução na sociedade civil, Gramsci assinala que a própria sociedade civil é uma forma de Estado.
Também destaca que o internacionalismo não tem nada a ver com o desconhecimento das peculiaridades e identidades nacionais, que subsistirão muito depois da queda do capitalismo. Quando ao mercado, Gramsci considera que conviria falar de “mercado determinado”, em vez de mercado em abstrato. Gramsci ajuda-nos a superar o messianismo, que dificulta gravemente a construção da sociedade pós-capitalista.
4) Finalmente, ainda que condenem o capitalismo, as “Cartas do Cárcere” evitam interpretar a história moderna e as revoluções burguesa como um tratado de “teratologia” — ou seja, um tratado que se ocupa de monstros. Os comunistas devem criticar os erros, por vezes graves, de Stáline, Mao e outros dirigentes, sem reduzir nunca esses capítulos da história do movimento comunista a uma “teratologia”, uma história de monstros.