sábado, 24 de março de 2012

‘Movimentos sociais, partidos de esquerda, todos, estamos a reboque do grande capital e do Estado brasileiro’

 Valéria Nader e Gabriel Brito, da redação  do CORREIO DA CIDADANIA
Como em poucos momentos da história, o Brasil vive um agitado período de lutas políticas em torno do acesso e domínio de suas terras, com intensas pressões sobre as legislações ambientais e fundiárias. Enquanto o Senado aprova a proposta ruralista de um novo código florestal, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprova a PEC 15, que transfere do Poder Executivo ao Congresso o poder de decisão sobre a homologação de terras indígenas e quilombolas.



Em uma análise do atual contexto político, Gilmar Mauro, dirigente do MST, afirma ao Correio que o momento é parte das tradicionais ofensivas capitalistas, que visam avançar sobre novas fronteiras econômicas e suas férteis terras - ao mesmo tempo em que a esquerda se encontra em grande refluxo, de modo “que apenas age reativamente, corre atrás do prejuízo após a direita tomar iniciativas políticas, em geral, perdendo”.

A condução da política econômica focada nos interesses do ‘agrobusiness’ exportador, altamente desestimulante para os investimentos produtivos e industriais (estão aí os dados de nossa ‘desindustrialização para comprovar), corre ao lado de uma reforma agrária a cada dia mais excluída da pauta política. Gilmar Mauro refuta, no entanto, as críticas que sugerem passividade do movimento em relação ao governo petista, lembrando que o MST está “no mesmo patamar de mobilização da época de FHC, com 80, 90 mil famílias acampadas pelo país”.

Realista, ele ressalta a importância da atual jornada de luta camponesa, incluindo as de outros movimentos, mas prefere não alimentar ilusões de grandes mudanças e conquistas populares para o ano. De todo modo, afirma que há muito tempo o movimento camponês não convergia em torno de pautas e cobranças políticas similares.

Como exemplo do atual momento crítico que vivemos, cita a determinação de Dilma Rousseff de não permitir desapropriações que custem mais de 100 mil reais por família. “Ou derrotamos e destruímos essa proposta da Dilma, ou não tem mais assentamento no centro-sul do país”. Com esse novo e desconhecido golpe que se pretende aplicar à reforma agrária – em um país que gasta 48% de seu orçamento com juros da dívida e 0,22% com reforma agrária -, fica notório que a troca de ministro do Desenvolvimento Agrário tende a ter valor prático nulo, como lembra Gilmar Mauro.

Correio da Cidadania: As grandes questões ambientais, agrárias e sociais parecem tratadas de modo cada dia mais raso pelos governantes e pela mídia. Ao mesmo tempo, é notória a efervescência com que o país aparece aos olhos do público, com os números de um agronegócio galopante e com o interesse das multinacionais e grandes corporações em entrar no país, comprando terras e investindo pesado, basicamente, na especulação financeira. Como este cenário vai se associar, daqui em diante, com uma das demandas sociais mais básicas em nosso país, a reforma agrária?

Gilmar Mauro: Toda a lógica apresentada não é nova, mas antiga, e evidentemente aprofunda uma característica histórica de nosso país, a de ser exportador de produtos primários. Faz parte de uma lógica econômica de tentar saldos positivos na balança comercial para se equilibrar no balanço de pagamentos, coisa que por sinal tampouco tem se conseguido. Embora eventualmente o Brasil tenha saldos positivos no balanço comercial, o déficit em conta corrente é altíssimo, fruto de um processo de endividamento externo especulativo, sugando anualmente bilhões e bilhões dos cofres públicos e, conseqüentemente, da população.

Com isso, a reforma agrária está fora de pauta, fora da agenda. A lógica do modelo econômico é o desenvolvimento do agronegócio. Mesmo em relação à pequena produção, vimos a proposta do governo, no sentido de propor o empreendedorismo rural, uma espécie de “agronegocinho”, integrado aos grandes grupos econômicos, às grandes agroindústrias, ou produzindo para o mercado interno.

Dessa forma, dentro de tal política do governo, podem ser integrados mais uns 2 milhões de pequenos agricultores, da chamada agricultura familiar, para dentro deste modelo. E o restante, a grande maioria, mais uns 2, 3 milhões de famílias, mais os assentamentos, fica com o Bolsa família, compensações sociais etc., mas nenhuma perspectiva dentro de tal modelo.

Concluindo, a reforma agrária agora depende de um debate político da sociedade. Se a sociedade quiser dar esse uso que o Brasil vem dando à terra, à água, aos recursos naturais, não cabe mais a reforma agrária. Se a sociedade brasileira quiser consumir esse tipo de alimento, não precisa mais de reforma agrária.

Se quisermos dar outro uso à água, ao solo, aos recursos naturais e comer outro tipo de comida, a reforma agrária é um dos projetos modernos a serem implantados no país, o que evidentemente exige um novo modelo agrícola. É o debate que a sociedade precisa abrir.

Correio da Cidadania: Os números apresentados em relação à reforma agrária em 2011 denotam, portanto, realmente, que o governo Dilma pouco se empenhará no sentido de promovê-la?

Gilmar Mauro: São números pífios! Como sempre foram os resultados da reforma agrária no Brasil, que praticamente inexiste. Aliás, nunca existiu reforma agrária. Nós temos é política de assentamento. E cada vez menor. Os números de 2011 refletem esse cenário, de uma política de assentamento de menor intensidade, com menos recursos, nenhuma prioridade do governo aos resultados. É o reflexo da política que vem sendo aplicada no último período político.

Não acredito que a presidente Dilma se empenhe na questão. Ao menos é o que tem mostrado, ficando muito mais preocupada com a macroeconomia e sua atual lógica de condução, calcada na exportação de commodities agrícolas.

Aliás, todo o desenvolvimento econômico brasileiro está alavancado em três eixos: a demanda externa dos últimos 10 anos por commodities agrícolas e minerais, que as valorizou e valorizou também as próprias terras; em segundo lugar, grandes injeções de recursos públicos, principalmente via BNDES, patrocinando fusões de grandes empresas que se transformam em transnacionais - injeções realmente grandes financiadas pelo povo brasileiro; e em terceiro lugar, os investimentos que o Estado tem feito em grandes obras de infra-estrutura, dos megaeventos, do PAC.

Outro ingrediente que sustentou o crescimento dos últimos anos foi o endividamento das famílias brasileiras, com a abertura do crédito para consumo, a antecipação do consumo, tanto de automóveis como da linha branca. Mas esse modelo econômico tem limites, todo mundo sabe disso. Não dá pra prever a data e a hora da crise, mas ela virá, certamente.

Portanto, dentro do atual cenário macroeconômico (a real preocupação do governo Dilma), a reforma agrária, claro, está fora das prioridades.

Correio da Cidadania: A propósito, em face do atual troca-troca de ministros em um governo de ‘composição’, cada dia mais refém do fisiologismo parlamentar e das imposições midiáticas, qual o significado da troca do ministro do Desenvolvimento Agrário realizada nesses dias, em que Pepe Vargas ocupou o lugar de Afonso Florence?

Gilmar Mauro: Do ponto de vista pessoal, não conheço muito o Pepe Vargas, porém, ele deve entender mais de reforma agrária que o anterior, que não entendia nada.

Mas, de toda forma, sendo objetivo na avaliação, não vai se alterar muito o cenário da reforma agrária. Não é a pessoa, um só ministro, que vai mudar isso. É a política de governo, e quem a determina é a Dilma.

Prova disso é a determinação da Dilma de não fazer assentamento onde a terra custe mais de 100 mil reais por família. Ora, com o preço das terras em São Paulo, no Sul, no Centro-Oeste, não haverá mais desapropriação. Com isso, a presidente altera a Constituição, a qual estabelece que a terra que não cumpre sua função social deve ser desapropriada para fins de reforma agrária, dando lugar a uma medida administrativa, econômica, estabelecendo que o custo por família assentada não pode passar de 100 mil reais. Portanto, não tem mais desapropriação no centro-sul do nosso país.

Correio da Cidadania: Houve informações de que o principal fator a convencer Dilma de trocar o ministro foram informes da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) acerca da grande insatisfação do movimento, e o medo de sua radicalização. Elas são verídicas?

Gilmar Mauro: Que há uma grande insatisfação do MST, e também de outros movimentos, é evidente. Claro, com um ministro da reforma agrária que não entendia do assunto, nada se encaminhava.

Mas a insatisfação não era só com essa pessoa, e sim com o fato de que o Brasil usa 48% de seu orçamento para juros e amortizações da dívida e somente 0,22% para reforma agrária. Esse é o motivo de insatisfação.

Em termos de radicalização, o movimento apenas continua fazendo lutas, estamos no mesmo nível em que estávamos no governo FHC, com 80, 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Houve um período, logo que o Lula entrou, quando o povo achava que ele avançaria na reforma agrária, que as famílias acamparam em maior número. Mas hoje temos em torno de 80 ou 90 mil famílias.

Continuamos fazendo ocupação, luta, sem ilusão de que vão resolver o problema da reforma agrária. Porém, não deixaremos de fazê-lo, pois é preciso colocar o debate para a sociedade, para outros setores, categorias.

Fora isso, também vivemos um momento de poucas lutas sociais. Aquelas que ocorrem são bastante corporativas, calcadas em reivindicações econômicas, seja do movimento sindical, seja do movimento social. Um cenário difícil para todo o movimento social, a esquerda, os setores progressistas. Mas o nosso movimento vai continuar fazendo o que sempre fez. O ingrediente principal é ampliar o debate no conjunto da sociedade.
Correio da Cidadania: Mas o que pensa desse expediente de infiltração de agentes do Estado nos movimentos sociais?

Gilmar Mauro: Quanto à participação da ABIN, deve ser falta do que fazer, deve faltar serviço lá. Mas, historicamente, sempre fizeram isso conosco. Não só os serviços internos, como também a CIA. Portanto, estamos vacinados com relação a eles, além de ser de fato uma falta do que fazer.

Porém, não acredito que a mudança do ministro seja resultado de tal diagnóstico da ABIN. Essa insatisfação já foi mostrada por vários setores em diversas reuniões. Inclusive, estamos conseguindo reunir uma pauta comum entre vários movimentos sociais, algo inédita no último período, com a participação de Contag, Fetraf e outros movimentos, na perspectiva de realizarmos um encontro nacional de movimentos camponeses, uma espécie de congresso camponês no Brasil. E é a primeira vez, pelo menos nos últimos dez anos, que conseguimos juntar todo esse povo numa pauta em comum.

Sendo assim, acredito muito mais nesses fatores do que nas informações vindas de agências como a ABIN.

Correio da Cidadania: De toda forma, a Abin e outros órgãos do Estado também dedicam seus serviços a investigar as milícias do campo contratadas pelo latifúndio, promotoras de permanente violência, chegando muitas vezes a assassinatos, ou sua atuação reitera o caráter de classe e de discriminação social do Estado?

Gilmar Mauro: Aí tem uma questão importante a ressaltar. Historicamente, sempre houve violência, ora com o viés mais coercitivo, ora desenvolvendo processos de geração de consensos na sociedade. E acredito que o atual momento seja de intensificação de ambos. Um momento de ampliação dos instrumentos de produção de consenso social, e aumento também do uso de instrumentos coercitivos, basta observar os últimos despejos ocorridos em São Paulo.

Mas a tentativa deles, do Estado e da sociedade de classes, é produzir consensos na sociedade que justifiquem processos de coerção; o episódio Cutrale foi isso, a entrada nos morros do Rio de Janeiro também, e assim por diante.

Este é o momento que vivemos, e não é uma particularidade brasileira, e sim uma realidade mundial. À medida que o capitalismo enfrenta dificuldades econômicas e entra em crise, é evidente que o aparelho repressivo dos Estados entra em ação, não sendo diferente o caso brasileiro.

Correio da Cidadania: Como você avalia a recente jornada de lutas das mulheres camponesas e a importância deste tipo de mobilização encabeçada por elas? A marcha das mulheres prenuncia algo para a jornada de lutas do Abril Vermelho?

Gilmar Mauro: Nós iniciamos no começo do ano um processo de luta com várias ocupações. Na jornada em solidariedade aos companheiros do Pinheirinho, levamos 11 ônibus com militantes, quatro caminhões de comida. Agora, colocamos em mobilização por todo o Brasil milhares de mulheres. Em São Paulo, houve paralisações em todas as regiões, envolvendo centenas e centenas de mulheres. E vamos continuar assim na jornada de abril, que estará calcada fundamentalmente na reforma agrária. Ou a gente destrói e derrota essa proposta da Dilma de que terra acima de 100 mil reais por família não deve ser desapropriada, ou a política de assentamentos continuará fora da pauta política.

Assim, estamos iniciando bem o ano, com as forças que temos, com as dificuldades que temos, as quais, como eu disse, são dificuldades do conjunto da esquerda e do movimento social. Mas acho que será um ano de muitas lutas, muitas mobilizações, e principalmente, na minha expectativa, de construções políticas com outros setores da classe trabalhadora, a exemplo do que está acontecendo com o movimento camponês.

Portanto, acho este um ano promissor em termos de lutas sociais, principalmente dos movimentos do campo. E outros setores estão dando os mesmos indicativos, como os professores. Na semana passada, acabou a jornada nacional do MAB, com participação do MST, e agora vem o Abril Vermelho, uma jornada que espero que seja bem grande em nível nacional.

Correio da Cidadania: Qual o significado deste tipo de manifestações na atual conjuntura política e econômica, dominada pelo entrelaçamento do capital fundiário ao financeiro, com a agricultura praticamente refém de grandes grupos econômicos? Que conseqüências efetivas se podem esperar destas manifestações neste contexto?

Gilmar Mauro: Eu não crio ilusões. O capital é o capital, na indústria, no comércio, no sistema financeiro ou na agricultura. A agricultura é só mais um espaço para a sua valorização. E o capital investe muito no Brasil porque está ganhando muito, e vai continuar a fazer isso.

Já a minha falta de ilusão é em relação às manifestações da classe trabalhadora. Creio que a grande maioria das mobilizações da classe trabalhadora se resume a reivindicações de ordem econômica. O movimento sindical em geral e a classe trabalhadora em geral lutam por aumento de salário, Participação nos Lucros e Resultados (PLR) etc. Claro que há outras reivindicações também, significativas, porém, ainda bastante calcadas na luta econômica.

Assim, acredito que o próximo período ainda será marcado por esse tipo de mobilizações, aliás, no mundo inteiro. As mobilizações na Europa são importantes, mas também não tenho dúvida de que estão calcadas nas importantes perdas sofridas pela classe trabalhadora no último período. Não está posta a luta pelo socialismo na Europa, por exemplo. Ao menos com força popular.  O caso do Oriente Médio, nos países árabes, é semelhante, pois são muito mais lutas democráticas do que anti-sistêmicas. O Brasil não foge à regra, as lutas são muito mais econômicas do que por mudanças políticas e anti-sistêmicas. Nesse sentido, ocorrerão mais lutas, até mais greves do que ultimamente, porque o Brasil ainda vive esse período, não tem pleno emprego, mas ainda tem muitas possibilidades.

De toda forma, creio que devemos nos preparar para um longo período. O próprio Plínio Arruda Sampaio (ex-presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária) já disse que temos de nos preparar para uma maratona. Não dá pra pensar em corrida de 100 metros. Eu vejo, tranquilamente, de maneira igual. Os momentos de luta da classe trabalhadora são esparsos, sazonais, às vezes sai só uma greve no ano, e com a luta bastante calcada no aspecto econômico.

Porém, enquanto existir capitalismo, a classe trabalhadora vai bater cartão de dia e de noite. Temos de ir nos fortalecendo em relação às organizações, movimentos. Não se trata de fortalecer indivíduos, fomentar mais divisões, e sim de fazer esforços em favor das organizações e lutas conjuntas, ainda marcadas pelo viés econômico, mas visando politizá-las, discutir os processos vividos. Em alguns cantos, o processo de politização é mais rápido, em outros, mais lento, mas existe o aprendizado coletivo, tanto em relação ao que é esse governo, ao que é o Estado, como à lógica do capital. Nesse sentido, muitas organizações sociais têm evoluído.

Correio da Cidadania: O que implicaria, na atualidade, e a seu ver, uma autêntica e renovada discussão sobre reforma agrária? Quais seriam, ao mesmo tempo, eventuais novas estratégias para levá-la a cabo?

Gilmar Mauro: Eu dividiria a tarefa em duas partes. A primeira é a da resistência. É importante segurar a bandeira em pé, isso é o fundamental. Em tempos de crise é mais fácil sair xingando todo mundo e começar a promover novas rachaduras, sendo que muitos setores da esquerda não conseguem falar com o conjunto da classe trabalhadora, voltando-se a elas mesmas e gerando uma digladiação interna que só gera fragmentação. E assim nem precisa de direita. Manter as bandeiras em pé e resistir a esse tempo histórico é fundamental.

Em segundo lugar, do ponto de vista estratégico, como já comentamos em parte, é preciso fazer um amplo debate na classe trabalhadora sobre o que é o modelo econômico. No nosso caso, o modelo agrícola, colocando em pauta o questionamento a respeito de quem nossas terras estão a serviço, a que custo isso tudo está sendo produzido, com a destruição ambiental, degradação da água, das reservas florestais etc., além do tipo de comida que nossa sociedade quer consumir. Tudo para promover um debate politizado de que é preciso pensar num novo modelo agrícola, que respeite o meio ambiente, produza alimentos, matérias-primas, empregos e condições de vida com novos paradigmas tecnológicos e produtivos.

Para fazer isso, evidentemente, não tenho ilusões, é preciso outro Estado. É preciso outro governo, e isso não depende só de nós. Aliás, para fazer reforma urbana também precisa de outro Estado, outro governo. Porém, tudo acaba recaindo na correlação de forças e avanço do conjunto de setores da classe trabalhadora, o que é o nosso desafio e também de toda a esquerda que acredita e quer mudanças profundas em nosso país.

Enfim, nesse tempo de resistência, é preciso continuar investindo na formação político-ideológica e rever a organização. Enfatizo a organização, pois, como a classe não vive lutando - quem trabalha vive trabalhando, e só luta todo dia quem não trabalha -, caímos no problema da importância da organização, com memória histórica, preparadora de novas lutas, formadora de novos militantes, inclusive com a tarefa da conspiração, no bom sentido, política da classe trabalhadora. É mais que necessário fortalecer as organizações sociais.

Correio da Cidadania: Na época da eleição de 2010, pouco antes da vitória de Dilma, você nos concedeu entrevista na qual reiterava que o Movimento dos Sem Terra não seria refém deste governo, a despeito de não haver tomado partido de nenhum candidato naquele momento. Você acredita que o movimento venha tendo posturas condizentes com essa afirmação?

Gilmar Mauro: Acredito que sim. O MST não é refém de nenhum governo e nem será, muito pelo contrário. Mas é preciso dizer umas coisas. Conversando com sindicalistas, ouço que “o MST não está fazendo muita luta, e não sei que...”, mas devolvo lembrando que estamos no mesmo patamar da época do FHC, replicando com a pergunta: “nas greves do movimento sindical qual é a pauta? Vocês têm pautado a desapropriação das fábricas? As greves não são pra melhorar o salário e PLR? As negociações são com quem? Com o próprio patrão?”.

Com o MST é o contrário. Nós ocupamos o latifúndio e não negociamos com o latifundiário. Negociamos com o governo, com o Estado brasileiro, e reivindicamos que o desaproprie. Assim, é evidente que, embora façamos uma luta radical, a ocupação da terra etc., no fundo fazemos uma luta radical para que a terra seja desapropriada e aí sim legalizada, institucionalizando a ação do nosso movimento. Que seja legalizada para novas famílias assentadas, pois é a única forma de terem acesso aos créditos e outras coisas. Isso porque não temos força para tomar e distribuir o latifúndio por conta própria e fazer a reforma agrária por conta própria. Por isso, na nossa luta, ocupa-se e negocia-se. Nela, vemos o governo brasileiro como o canal da nossa negociação, assim como o sindicato negocia com o patrão que é o dono da fábrica. Portanto, neste contexto, a única diferença é que lutamos pela desapropriação e o sindicato por melhores salários.

Fiz essa reflexão para chegar a outra: quando se parou uma fábrica e o conjunto de seus trabalhadores veio para uma ocupação nossa? Quem vem para as ocupações é a representação política da categoria, do sindicato, o que é importante, mas já paramos nossa produção inteira para prestar solidariedade a outros setores da classe trabalhadora.

Não estou dizendo isso para defender que o MST seja melhor que outros setores, e sim que o estágio da luta ainda se encontra fundamentalmente em torno de lutas econômicas. E aí tenho clareza de uma coisa: uma organização que não responde às necessidades de sua categoria perde o sentido e razão de ser para a sua categoria. Portanto, o MST vai ter que conjugar a necessidade da sua base, a luta pela terra, a lona, a cesta básica, o crédito, mas, concomitantemente, terá de investir na formação político-ideológica, fazendo todas as lutas. Esse é o grande desafio de ser um dirigente do MST no atual momento histórico, a meu ver.

Correio da Cidadania: Ao lado da reforma agrária, mais fora da pauta da grande mídia bem como da agenda governamental, estamos diante das intensas discussões e polêmicas em torno do Código Florestal. O que tem a dizer do imbróglio em que se tornou esta reforma e como ela está associada ao destacado boom de ‘expansão capitalista’ no Brasil e ao tema da reforma agrária?

Gilmar Mauro: Essa é a tentativa deles: avançar nas terras brasileiras e na destruição do que ainda resta de preservação ambiental. É o papel deles no jogo. O que impressiona é ver setores da esquerda – se é que se pode chamar de esquerda -, progressistas, entrarem nessa, inclusive setores da igreja, com um discurso econômico em defesa do modelo atual.

De nossa parte, estamos em campanha contra os agrotóxicos, um debate que a meu ver envolveu e entrou na sociedade. Se for aprovado esse Código Florestal, será goela abaixo, porque há sinais claros na sociedade de que a maioria dos brasileiros é contra a sua aprovação.

Enfim, é o rolo compressor do modelo econômico aplicado no país, mas os impactos da aprovação do código, evidentemente, serão muitos.

Correio da Cidadania: E já há informações de que a presidente poderá vetar o novo texto do Código tal como votado no Senado. Porém, novos decretos viriam a modificar este modelo anterior, de modo a atender às expectativas da bancada ruralista. O que deve ser o desenrolar final desse processo em sua opinião?

Gilmar Mauro: Eu não gosto de fazer projeções, pois seriam mais especulações subjetivas. Em minha opinião, se a Dilma vetar, ótimo. Só não sei se tem tempo pra isso, se o fará de fato, é disso que não tenho nenhuma segurança. Acho difícil ficar apelando agora, “veta, Dilma, veta, Dilma!”. Sei lá, é muito difícil. Tomara que isso ocorra, seria uma medida importante, mas não tenho certeza e nem apostaria minhas fichas nisso. Mas, se vetar, dará mais força para a sociedade continuar se mobilizando. Não acho que facilitaria subterfúgios posteriores.

Na verdade, para ser honesto, tenho que dizer que os movimentos sociais, os partidos de esquerda, todos, estamos a reboque – a reboque – do grande capital e do Estado brasileiro. E estamos agindo reativamente, esse é o nosso problema, e não é só do MST. Estamos sempre correndo atrás das iniciativas que eles tomam. E normalmente perdendo.

Esse é o balanço que precisa ser feito, inclusive para fugir à arrogância de que cada um tem uma verdade, absoluta. É preciso dizer que estamos todos ferrados, pra não usar outra expressão. E se não tomarmos consciência da necessidade de se fazerem lutas com perspectiva de unificação, vamos perder em todas as frentes, nas quais só estamos correndo atrás do prejuízo. Estamos com dificuldade de ter uma estratégia própria e tomar iniciativas. O caso do Código Florestal é evidente, mas é só um. Há a Transposição do São Francisco, os transgênicos... Estamos sempre correndo atrás, e pior, perdendo, como disse.

Correio da Cidadania: Acredita que o descaso com as questões agrárias, sociais e ambientais, ao lado da hegemonia do agronegócio, com seu modelo de exploração dos recursos naturais e o pesado lobby que vem fazendo para desmantelar o Código Florestal, poderão levar a uma radicalização dos movimentos sociais, inclusive do MST, nos próximos tempos?

Gilmar Mauro: Não é uma questão de vontade. Meu desejo é fazer a revolução... Mas não posso cair no subjetivismo. Volto a ressaltar que a classe trabalhadora está numa fase de lutas com reivindicações econômicas. Eu não acredito em processos mais intensos do que esse. Tomara que esteja equivocado, mas não vou semear ilusões num meio de comunicação. Acho que estamos num tempo difícil e, mesmo com tais medidas, na sociedade brasileira as lutas ainda estão sendo marcadas pelo economicismo.

E se eu tenho convicção de uma coisa hoje, é a seguinte: não existe a menor possibilidade de fazer a revolução pela classe. Ou a própria classe faz a revolução ou não haverá um grupo que a fará por ela. Portanto, é momento de ter essa consciência histórica, trabalhar, trabalhar e trabalhar, e talvez a gente consiga superar para o próximo período o atual momento de fragmentação e dificuldades.

Acho que a crise econômica internacional, que certamente virá para cá, pode nos ajudar. Se agora não tivermos sabedoria sobre como nos posicionar e onde queremos estar quando a crise vier – e sem dúvida, virá – para darmos um salto de qualidade, talvez possamos ir mais para trás ainda. Não acredito que neste ano acontecerão grandes coisas. Tomara, tomara que sim, mas não quero plantar grandes ilusões.

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Engodos e subterfúgios para descumprir o piso

Boletim da CNTE

Há tempos a CNTE tem afirmado que a Lei do Piso representa mais que uma legislação restrita aos interesses do magistério, na medida em que força a moralização e a transparência das contas públicas. Inadmissível, portanto, é a insistência de governadores e prefeitos em alegar falta de verbas para honrar a lei federal do piso, sem que apresentem uma única prova, à luz dos limites legais do marco regulatório do financiamento da educação (art. 212, CF e art. 60, ADCT-CF), sobre as pretensas contingências orçamentárias.
Após constatarem a crescente força da mobilização dos trabalhadores em educação de todo país, que promoveram greve nacional na última semana, alguns gestores passaram a municiar parte da mídia com informações sobre a incompatibilidade do piso com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Alegam estarem impedidos de promoverem a valorização da carreira do magistério em razão dos limites impostos pela LRF. Contudo, em momento algum, manifestam compromisso em abrir a “caixa-preta” dos gastos públicos para mostrar à sociedade onde estão sendo aplicados, de fato, os recursos da educação.
Outros gestores, contrariando o princípio jurídico de que ninguém pode alegar desconhecimento da lei para não cumpri-la, dizem esperar a publicação do índice de atualização do piso em ato administrativo do MEC, numa inadmissível ignorância sobre a autocorreção assegurada no art. 5º da Lei 11.738. Ao Ministério da Educação, registre-se, compete o papel de induzir o cumprimento da legislação, por parte de estados e municípios, e de efetuar a suplementação financeira onde houver (comprovadamente) limitação de recursos para honrar o piso.
Desde 2009, contrariando a tese da falta de recursos, nenhum estado ou município brasileiro conseguiu provar com base nos requisitos listados na Portaria MEC nº 213/2011, a incapacidade financeira para honrar o piso na carreira do magistério. A mencionada portaria exige nada mais que o cumprimento das legislações básicas do marco regulatório educacional, coisa que quase todos os entes da federação não conseguem comprovar. Há, no entanto, quem alegue – e com razão – que também falta ao MEC divulgar os critérios de repasse da suplementação financeira ao piso, mas essa omissão do Ministério, embora reprovável, não impede que qualquer ente federativo que prove os requisitos da Portaria/MEC tenha acesso ao direito líquido e certo previsto no art. 4º da Lei 11.738. O problema, todavia, reside na prova da aplicação correta dos recursos educacionais, coisa que estados e municípios não fazem desde o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.167), quando o Supremo Tribunal Federal rejeitou o discurso evasivo da falta de recursos.
Sobre a (pseudo) celeuma em torno da incompatibilidade do piso com a LRF, vale destacar o Parecer nº 1/2007 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que esclarece o caráter de preservação do limite (mínimo) constitucional destinado à manutenção e ao desenvolvimento do ensino – fonte de financiamento dos salários do magistério e dos demais profissionais da educação – devendo o mesmo ser absorvido (integralmente) no cômputo das despesas de pessoal da LRF. Em outras palavras: desde que a carreira do magistério (e dos demais profissionais da educação) se enquadre no percentual constitucional vinculado à educação (25% no mínimo da receita de impostos e de transferências da União a estados e municípios), não há que se falar em descumprimento da LRF. Se assim não fosse, o compromisso firmado na meta 17 do projeto de lei do Plano Nacional de Educação seria considerado natimorto, pois não haveria possibilidade de equiparar a remuneração média do magistério à de outros profissionais com mesmo nível de formação acadêmica. Portanto, os ajustes para a LRF têm que ser feitos em outras áreas, e nunca dentro das verbas vinculadas à educação.
Diante do cenário de amplo descumprimento da lei do piso do magistério, a CNTE reforça o compromisso de mobilização nos estados e municípios, através de seus sindicatos filiados, visando o pleno cumprimento da Lei 11.738, ao mesmo tempo em que convida os gestores públicos compromissados com a educação de qualidade a lutarem por 10% do PIB para a educação, em âmbito do PNE. A Confederação também requer das administrações públicas o compromisso com a transparência dos recursos e o controle social, devendo o pacto pela educação proposto pelo ministro Mercadante caminhar no sentido da regulamentação do regime de cooperação institucional, onde a partilha do bolo tributário seja calibrada tanto pela capacidade contributiva de cada esfera (União, Estados, DF e Municípios) como pelo esforço fiscal (art. 75, I da LDB) dos entes federados em cumprirem com suas prerrogativas constitucionais – inclusive a de universalização das matrículas escolares com padrão de qualidade.
Importante dizer que o expressivo percentual de atualização do Piso, em 2012, que cumpre o objetivo de reparar a histórica defasagem salarial do magistério, tem como fator de indução (negativo) a diminuição das matrículas de estudantes nas redes públicas. Ou seja: ao não investirem na erradicação do analfabetismo e na inclusão de todas as crianças e jovens na escola, os entes federados – além de negarem um direito social previsto na Constituição – deixam de acumular mais verbas para a educação com base nos valores per capita do Fundeb, diga-se de passagem, ainda insuficientes. Com isso, os percentuais de reajuste do Fundo da Educação Básica e do Piso do Magistério, obtidos da relação entre a receita tributária e as matrículas, ao invés de aumentarem por pressão social sobre o orçamento, tendem a crescer em função da grave omissão do Poder Público em colocar na escola todas as crianças e jovens que dela estão fora.
Em suma: as contas públicas e a gestão educacional, a exemplo da relação professor-aluno no sistema de ensino, são a fonte para entender o (des)cumprimento do piso. Abrir esse debate na sociedade, tornando pública as contas da administração, é o primeiro passo para sanar a confusão que se tenta criar em torno dessa importante política pública, vital para o desenvolvimento sustentável do país.

A EXTREMA DIREITA E OS ATENTADOS NA FRANÇA

Mauro Santayana



A polícia francesa se encontrava, na noite de ontem, mobilizada a fim de identificar o homem que matou quatro pessoas, entre elas três crianças, e feriu outras, em uma escola judaica de Toulouse. Houve, tanto em França, como em Israel, preocupação em culpar os demônios do momento, ou seja, os “terroristas muçulmanos”. Antes de qualquer manifestação das testemunhas, os meios de comunicação e os porta-vozes oficiais quiseram inculpar os islamitas. Coube aos próprios policiais relacionar o atentado contra a escola judaica de Toulouse à morte de dois paraquedistas franceses, e graves ferimentos em dois outros, na mesma região, nestes mesmos dias, e de forma semelhante.
O detalhe que Tel Avive esqueceu: os dois paraquedistas mortos em Montauban, a 40 quilômetros ao norte de Toulouse, quinta-feira passada, eram muçulmanos, do norte da África: Abel Chenouf e Mohamed Legouard. Um terceiro muçulmano, Imad Ibn Ziaten também militar e igualmente paraquedista, fora alvejado na mesma cidade de Toulouse, no domingo anterior. Em todos os atentados, o assassino usava uma motocicleta. A arma que matou os soldados franceses é do mesmo calibre da que foi usada na escola judaica, ontem pela manhã. Apesar disso, há ainda quem tente atribuir os dois atentados aos muçulmanos. Quando examinamos os fatos com ódio, ou com leniência, é difícil ver as coisas em sua clareza. E há quem atribua os crimes aos muçulmanos em razão de seu próprio e calculado interesse.
Tudo é possível, em atos semelhantes, mas os primeiros indícios relacionam a brutalidade do matador de crianças judaicas à rearticulação da extrema direita racista na Europa de hoje. O atentado de Toulouse lembra - ainda que o número de vítimas tenha sido menor - a chacina da Noruega, plenamente assumida por um neonazista. As elites européias repetem os mesmos movimentos econômicos, políticos e culturais que promoveram, nos anos 20 e 30, o nazifascismo no continente, com os resultados conhecidos. Quando perceberam que Hitler tinha seu próprio projeto de ditadura universal, era quase tarde. Só a resistência desesperada dos russos, na defesa de sua pátria, pôde conte-los e empurra-los de volta a Berlim, onde foram vencidos. É de se ressaltar, também, o heróico sacrifício dos ingleses, durante os ataques aéreos sistemáticos a Londres e a outras cidades.
Os novos nazistas são os velhos nazistas e já não se inibem em manifestar-se. Um membro do SPD, Thilo Sarrazin, nascido no mesmo ano da derrota alemã, 1945, publicou violenta proclamação racista contra os muçulmanos - por ironia, seu sobrenome, vindo do francês, significa Sarraceno. Não poupou, como bom nazista, os judeus, insistindo na tese de que eles têm um gene particular e único. Seu livro “Deutschland Schafft Sich Ab” (A Alemanha se destrói) está sendo dos mais vendidos nos país. Apesar do caráter nazista do livro, o SPD ainda não o expulsou de seus quadros. Depois da morte de Willy Brandt, muitos socialistas alemães em nada diferem de seus adversários da CDU.
O caso mais grave, neste momento, é o da Hungria, onde o primeiro ministro Viktor Orban retorna aos anos terríveis da ditadura de Horthy, com a censura à imprensa e o racismo ensandecido. As milícias de seu partido, o “Jokkib”, semelhantes às S.A. dos nazistas, estão caçando ciganos a porretadas e aterrorizando as aldeias do país. Na Itália, os neofascistas atuam com toda ousadia, desde que Berlusconi, à frente de seu partido de extrema direita, assumiu o poder.
Para eles, judeus e muçulmanos pertencem a um só grupo de “inferiores” que devem ser eliminados, em nome da pureza dos soi-disant arianos. Em nosso país há também os que defendem a pureza racial européia e o seu direito a nos dominar. É hora de contê-los, antes que se faça tarde. Não podemos tolerar nenhuma violência racista, seja contra judeus ou muçulmanos, negros ou nordestinos. Se outra razão não houvesse, a imensa maioria de brasileiros é constituída de mestiços, e temos nos dado muito bem com essa mescla de sangues e de culturas diferentes.

quinta-feira, 22 de março de 2012

7% do PIB não são suficientes para a Educação, dizem especialistas


Em audiência pública na Câmara, professores e representantes da sociedade civil demonstram que são necessários mais de 10% do PIB para garantir uma educação com padrões mínimos de qualidade. Para professor da FGV, se o Brasil investir apenas 7% do PIB na área, só atingirá o nível das nações ricas entre 2040 e 2050. Com base nos estudos apresentados, deputados exigem debate com equipe econômica do governo antes de aprovarem o relatório sobre o Plano Nacional de Educação (PNE).


Brasília - Os especialistas que participaram da audiência pública para discutir o Plano Nacional de Educação (PNE), nesta terça (20), na Câmara, foram unânimes ao afirmar que os 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, propostos pelo governo federal para serem investidos na área, até 2020, não serão suficientes para garantir um padrão mínimo de qualidade para o setor.

O relator do projeto, deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR), reafirmou que, a despeito da opinião contrária dos convidados, manterá no seu substitutivo o percentual de 7,5%, já renegociado com a equipe econômica do governo. “Esse percentual será suficiente para promover uma verdadeira revolução na área”, garantiu.

Os deputados presentes à audiência, entretanto, não se convenceram. E defenderam que o relatório só seja colocado em votação após uma reunião da Comissão Especial do PNE com a equipe econômica para discutir valores.

O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, disse que um estudo realizado pelo coletivo, que reúne diversas entidades da sociedade civil organizada, concluiu que, para financiar as metas previstas no PNE, será necessário investir 10,4% do PIB. “Se a gente não investir 10%, não vamos conseguir expandir a educação como determina o PNE, com um padrão mínimo de qualidade”, afirmou.

Segundo ele, os estudos feitos pelo Ministério da Educação (MEC) que apontaram que o percentual de 7% é suficiente não obedecem aos critérios definidos pelo Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi).

Ele também defendeu a necessidade do aumento dos investimentos federais no setor. De acordo com Cara, durante os governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, a união se desresponsabilizou progressivamente pela área. “O esforço real do financiamento da educação se dá pelos estados e municípios”. Conforme o coordenador-geral, os estados arcam com 41% dos custos do setor, os municípios com 31% e a união, com 20%.

Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nelson Amaral afirmou que a dificuldade em estabelecer os parâmetros de cálculos para o percentual do PIB a ser empregado na área decorrem da dificuldade brasileira em definir qual educação ela quer para o país. O professor mostrou estudos baseados no custo anual dos alunos matriculados em creches para demonstrar a discrepância entre os parâmetros possíveis de serem adotados.

Ele afirmou que o MEC estima em R$ 2,5 mil o custo/aluno creche por ano. Para a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o valor é de R$ 5,1 mil. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) aponta para R$ 6,4 mil. E o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) fixa em R$ 7,4 mil. “A questão é definir que qualidade queremos”, provocou.

O professor demonstrou também que as discrepâncias obedecem às desigualdades regionais brasileiras. No nordeste, esse custo é estimado em R$ 1,8 mil, enquanto na região sudeste fica em R$ 8,2 mil. O investimento dos países desenvolvidos é ainda maior. Nos Estados Unidos, chega a US$ 14 mil.

“Se o Brasil aplicar 10% do PIB em educação, atingirá um padrão de qualidade próximo ao da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de US$ 6 mil por aluno, entre 2020 e 2030. Se investir apenas 7% do PIB, se irá se equipar aos países desenvolvidos somente entre 2040 e 2050”, apontou.

O professor da Universidade de São Paulo (USP), José Marcelino de Rezende Pinto, calculou em 10,7% o percentual do PIB necessário para financiar as metas educacionais previstas pelo PNE. Segundo ele, os 7% apontados pelo governo correspondem às necessidades apenas deste ano.

O representando do Conselho Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos, criticou a falta de qualidade do ensino brasileiro. “Em vários estados, em cada 100 alunos que terminaram o ensino médio, apenas dois aprenderam o esperado em matemática”, exemplificou. Segundo ele, o Brasil possui um custo médio por aluno/ano de R$ 3,5 mil, enquanto os países da comunidade europeia investem R$ 9 mil. “É uma diferença enorme”.

O relator, Ângelo Vanhoni, defendeu seu substitutivo, afirmando que ele avança muito a partir das metas elaboradas inicialmente pelo governo, em 2010. No caso das crianças de 0 a 3 anos, matriculadas nas creches, o substitutivo fixa em R$ 3,5 mil o custo anual por aluno, enquanto o governo emprega, hoje, R$ 2,2 mil.

No final do debate, o deputado Arthur Bruno (PT-CE) propôs que a Comissão só vote seu relatório após debate com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Precisamos discutir os números com ele. Investir 7,5% do PIB em ensino é um avanço, mas precisamos ouvir o ministro”, afirmou.

O deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) reforçou a proposta. “Não há restrição fiscal para destinar os 10% do PIB para a educação. O relatório simplesmente enquadra a proposta que veio do Palácio do Planalto”, disse.

O deputado Newton Lima (PT-SP), concordou com o debate, mas ressaltou que os deputados não devem criar um antagonismo entre a política de responsabilidade fiscal e a política educacional. “Se a gente fizer isso, vamos cometer um grave equívoco, porque temos um país em reconstrução, inclusive na sua macroeconomia”, justificou.

Para Lima, a atual situação de instabilidade econômica mundial não permite que o governo faça uma estimativa supervalorizada dos recursos disponíveis para investir mesmo em setores imprescindíveis, como educação ou saúde.


Fotos: Luis Alves/Agência Câmara

Reino Unido reduz imposto para ricos enquanto taxa idosos e corta benefícios sociais

Roberto Almeida no OPERAMUNDI

Novo orçamento britânico, que acaba com isenção para pessoas com mais de 65 anos, é criticado pela oposição a David Cameron


Efe

Britânicos protestaram nesta quarta contra projeto de orçamento que corta benefícios sociais e cria a "taxa da vovó"


Em meio a um discurso de austeridade e sob a tormenta de um déficit projetado de 126 bilhões de libras esterlinas para 2012, o ministro das Finanças britânico, George Osborne, braço-direito do premiê conservador David Cameron, causou polêmica ao anunciar nesta quarta-feira (21/03) um corte no imposto sobre altos salários no Reino Unido. A medida, parte do novo orçamento da ilha para o ano, trouxe a reboque o fim de isenções para aposentados acima de 65 anos e cortes em benefícios sociais.
O imposto sobre grandes salários, chamado de “50p tax”, foi elaborado pelo partido trabalhista, opositor da dupla Cameron/Osborne, e adotado em 2010. O britânico com rendimentos acima de 150 mil libras esterlinas por ano (cerca de 420 mil reais) era obrigado a pagar 50% de imposto sobre cada libra extra, acima desse valor, que entrasse em seu bolso. A taxa atingia cerca de 300 mil dos 29 milhões de pagadores de impostos do Reino Unido.
A cartada fiscal de Osborne, operada em conjunto com os liberais democratas, reduziu a alíquota para 45%, alegando que o imposto não gerava resultados claros para o Tesouro britânico. A medida entra em vigor em abril do ano que vem. Havia, quando da criação da “50p tax”, uma expectativa de arrecadação de 2,4 bilhões de libras para abastecer os cofres públicos. Para o ministro, porém, a taxa resultou apenas em perdas inestimáveis nos negócios da ilha.
No final de fevereiro, um grupo de 537 empresários do Reino Unido fez forte lobby para eliminar o imposto, combatido desde sua criação. Em carta enviada ao jornal Daily Telegraph, eles afirmaram que a “50p tax” era apenas um bom motivo usar empresas offshore e driblar o governo. Osborne recebeu sua dose direta de críticas e foi tratado como “populista” por não ver a “economia real”.
O líder trabalhista, Ed Miliband, disse que as medidas significam que “milhões terão de pagar mais, e milionários terão de pagar menos”. Para ele, o orçamento do governo conservador se baseia em “escolhas erradas, prioridades erradas e valores errados”.
Osborne disse que está “recompensando o trabalho e ajudando principalmente os negócios”. Ele levantou a faixa de isentos em 1.100 libras, ou seja, trabalhadores britânicos que receberem menos de 9.205 libras não pagarão impostos. Segundo seus cálculos, 24 milhões de britânicos terão 220 libras extra no bolso por ano.
“Taxa da vovó”

Os resultados da nova alíquota sobre os grandes salários ainda não foram medidos, mas seu principal efeito colateral foi destaque nos principais jornais britânicos: Osborne usou o plano orçamentário para mexer no sistema de aposentadoria da ilha, retirando benefícios de pessoas acima de 65 anos.
Efe

Estamos “recompensando o trabalho e ajudando principalmente os negócios”, disse Osborne

A medida foi bombardeada por críticas e virou trending topic no Twitter com a hashtag #grannytax, ou “imposto da vovó”. Segundo o jornal The Guardian, a nova taxa vai gerar causar 1 bilhão em perdas aos aposentados por ano.
A ONG AgeUK, dedicada à terceira idade no Reino Unido, disse estar “desapontada” com o governo. De acordo com a entidade, alguns aposentados terão de pagar até 259 libras esterlinas (cerca de 780 reais) em impostos por ano. A medida deve atingir 4,5 milhões de pessoas. Segundo Osborne, este é o primeiro passo para uma simplificação no pagamento de aposentadorias no Reino Unido.
Em paralelo a essa mudança, houve um corte de 10 milhões de libras em benefícios sociais para 2012. Os principais atingidos serão pais que tenham rendimentos acima de 50 mil libras anuais (cerca de 140 mil reais). Eles perderão auxílio do governo para criar seus filhos.

Dia Mundial da Água: estudos decifram o diálogo entre a selva amazônica e sua água


Em 1993, a ONU definiu o dia 22 de março como o Dia Mundial da Água. A data ficou destinada à discussão sobre os diversos temas relacionados a este importante bem natural. Cerca de 0,008 %, do total da água do nosso planeta é potável (própria para o consumo). E, como sabemos, grande parte de suas fontes  (rios, lagos e represas) está sendo contaminada, poluída e degradada pela ação predatória do homem. O Dia Mundial da Água tem como objetivo principal criar um momento de reflexão, análise, conscientização e elaboração de medidas práticas para resolver tal problema. O Sul21 transcreve abaixo um artigo de Alice Marcondes sobre as trocas que a selva amazônica realiza com a água da região e as alterações que têm sido verificadas na região.

Por Alice Marcondes, Tierramérica via SUL21

Foto: Lubasi/Flickr

Havendo alteração na relação entre a selva amazônica e os bilhões de metros cúbicos de água que circulam pelo ar, desde o Oceano Atlântico equatorial até os Andes, estará em risco a resiliência deste bioma crucial para o clima do planeta, alerta um experimento de duas décadas. A Amazônia é um ser vivo de 6,5 milhões de quilômetros quadrados, que ocupa metade do território do Brasil e parte de outros oito países (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), e abriga a maior reserva de água doce do planeta.
Para entender plenamente esse complexo sistema, cientistas do Brasil e do mundo criaram o Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, sigla em inglês). Após 20 anos de pesquisas, os dados coletados constituem um alerta. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que participa do experimento, se nos próximos anos não houver políticas efetivas para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa, a Amazônia chegará ao final do Século 21 com 40% menos chuva, com temperaturas médias de até oito graus acima do normal.
Isso converteria a Amazônia em uma fonte emissora de dióxido de carbono, em lugar de um depósito desse gás-estufa. A Agência Internacional de Energia estima que, em 2010, a população mundial lançou na atmosfera o recorde de 30,6 gigatoneladas de dióxido de carbono, principalmente procedente da queima de combustíveis fósseis. “As pesquisas nos mostram que a floresta tem um grande poder de resiliência, mas também que este poder tem limites”, disse ao Terramérica o físico Paulo Artaxo, presidente do Comitê Científico Internacional do LBA.
Foto: Douglas Fernandes/Flickr

“Se continuarmos queimando tanto carbono, o cenário climático para a região amazônica será bastante desfavorável a qualquer resiliência que a selva possa desenvolver. Dificilmente sobreviverá a um estresse climático tão grande”, acrescentou Paulo. Para a coleta de dados o LBA contou, entre outros instrumentos, com 13 torres de 40 a 55 metros de altura, instaladas em diferentes pontos da selva, para medir o fluxo de gases, o funcionamento das propriedades básicas do ecossistema, a radiação e muitos outros parâmetros ambientais. A informação coletada é analisada por cientistas de várias áreas, com a finalidade de entender a selva como um sistema interrelacionado.
“A percepção da comunidade científica, de que os estudos individuais ou disciplinares não eram competentes para explicar a Amazônia, levou ao LBA. Percebia que era necessário um esforço integrado para explicar a floresta tropical, a partir das ciências físicas, químicas, biológicas e humanas, e também da relação entre elas”, disse ao Terramérica o engenheiro agrônomo Antônio Nobre, destacado cientista que também integra o LBA. “Quando comecei os estudos no LBA, minha parte principal no projeto era o carbono. Mas o carbono sem água fica seco e a floresta pega fogo. Se não há transpiração, não há sequestro de carbono, porque não ocorre a fotossíntese. Percebi que o ciclo da água e o do carbono são inseparáveis”, afirmou Antônio.
Foto: Jorge Andrade/Flickr

Essa análise integrada demonstrou que a Amazônia está absorvendo uma pequena quantidade de dióxido de carbono da atmosfera, estimada em meia tonelada por hectare ao ano. Contudo, esta fixação varia muito por região, segundo o grau das alterações ambientais. Em áreas próximas a lugares onde a ação humana causou uma degradação significativa, a absorção diminui, e a Amazônia, em lugar de incorporar carbono, o emite.
Além disso, a absorção de dióxido de carbono enfrenta “as emissões causadas pelo desmatamento e pelas queimadas” provocadas para expandir a agricultura, destacou Paulo. Como nos últimos anos as queimadas diminuíram drasticamente, de 27 mil quilômetros quadrados em 2005 para cerca de sete mil quilômetros quadrados em 2010, “hoje a selva tem como característica predominante a absorção”, explicou. Porém, com as mudanças causadas pelo efeito estufa e o aquecimento da selva, a estação seca tende a aumentar, criando um cenário propício para mais incêndios e mais emissões de dióxido de carbono.
Segundo Paulo, “o lançamento na atmosfera de partículas sólidas pelas queimadas altera a microfísica das nuvens e o regime de precipitações. Em um dos estudos do experimento se constatou que o aumento das queimadas em Rondônia estende de duas a três semanas a estação seca, retroalimentando a incidência das queimadas e piorando ainda mais seu efeito sobre o funcionamento do ecossistema”. Na “muito severa” seca de 2005, “a Amazônia perdeu muito carbono”, contou Paulo. Em uma situação de “grandes secas” mais frequentes, é possível que a selva se converta em “emissora de dióxido de carbono e deixe de cumprir um importante serviço ambiental”, alertou.
A extensão da temporada seca causa outro fenômeno, a emissão de carbono dos rios, que também foi estudado no LBA. “Os cursos de água de pequeno e médio portes emitem quantidades significativas de gás. Ocorre o que chamo evasão de dióxido de carbono dos corpos aquáticos, e isto acontece porque a maior parte desses rios está saturada de carbono dissolvido na água”, afirmou Paulo. Com o passar do tempo, este carbono “é lançado na atmosfera em quantidades bastante significativas. Todos os fenômenos que alteram o ecossistema amazônico têm um forte impacto na evasão de gases dos rios. Com o aumento da temperatura, aumenta a emissão de gás”, acrescentou.
Foto: Jorge Andrade/Flickr

Para ilustrar as consequências que um desequilíbrio da Amazônia poderia acarretar ao clima mundial, Antônio citou a pesquisa que se popularizou com o nome de “rios voadores”, iniciada na década de 1970 e convertida em um projeto consolidado desde 2007. “Descobrimos que a ação do Sol sobre a região equatorial do Oceano Atlântico evapora grande quantidade de água. Esta umidade é transportada pelos ventos para o norte do Brasil. São cerca de dez bilhões de metros cúbicos de água por ano, que chegam à Amazônia em forma de vapor. Parte cai como chuva, e parte segue até encontrar a muralha da Cordilheira dos Andes”, descreveu Antônio.
Na região andina, o vapor cai como neve e, ao derreter, “alimenta os rios da bacia amazônica. A maior parte da chuva que cai sobre a floresta volta a evaporar”, esclareceu Antônio. Esta umidade flutua sobre Bolívia, Paraguai e os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no oeste; Minas Gerais, no leste; São Paulo no sudeste e inclusive até Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, no sul. “E leva a maior parte das chuvas para todas essas regiões”, explicou. A seca da Amazônia prejudicaria esse rio aéreo e “o ciclo de chuvas nessas regiões, que são muito ricas em agricultura”, alertou Antônio.
O LBA é hoje um programa do Ministério de Ciência e Tecnologia, coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, com apoio de outras entidades. Seus pesquisadores estão ampliando esse trabalho para outras áreas, como os sistemas agropastoris e o comportamento do dióxido de carbono nas plantações de soja. “Temos um trabalho enorme pela frente para compreender os processos naturais e o que os humanos fazem quanto à alteração dos ecossistemas”, concluiu Paulo.

Fidel Castro: Os caminhos que conduzem ao desastre



Esta Reflexão poderá ser escrita hoje, amanhã ou qualquer outro dia sem risco de equívoco. Nossa espécie se defronta com problemas novos. Quando expressei há 20 anos, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, que uma espécie estava em perigo de extinção, tinha menos razões do que hoje para advertir sobre um perigo que via talvez à distância de 100 anos.


Então uns poucos líderes dos países mais poderosos dirigiam o mundo. Aplaudiram por mera cortesia minhas palavras e continuaram placidamente cavando a sepultura de nossa espécie.

Parecia que em nosso planeta reinava o senso comum e a ordem. Há tempos que o desenvolvimento econômico apoiado pela tecnologia e a ciência parecia ser o Alfa e o Ômega da sociedade humana.

Agora tudo está muito mais claro. Verdades profundas foram abrindo caminho. Quase 200 Estados, supostamente independentes, constituem a organização política à qual teoricamente corresponde a tarefa de reger os destinos do mundo.

Cerca de 25 mil armas nucleares em mãos de forças aliadas ou antagônicas dispostas a defender a ordem em mutação, por interesse ou por necessidade, reduzem virtualmente a zero os direitos de bilhões de pessoas.

Não cometerei a ingenuidade de atribuir à Rússia ou à China a responsabilidade pelo desenvolvimento desse tipo de armas, depois da monstruosa matança de Hiroshima e Nagasaki, ordenada por Truman, após a morte de Roosevelt.

Tampouco cairia no erro de negar o holocausto que significou a morte de milhões de crianças e adultos, homens e mulheres, principalmente judeus, ciganos, russos e de outras nacionalidades, que foram vítimas do nazismo. Por isso, repugna a política infame dos que negam ao povo palestino seu direito a existir.

Alguém pensa por acaso que os Estados Unidos serão capazes de atuar com a independência que o preserve do desastre inevitável que os espera?

Em poucas semanas os US$ 40 milhões que o presidente Obama prometeu arrecadar para sua campanha eleitoral só servirão para demonstrar que a moeda de seu país está muito desvalorizada e que os Estados Unidos, con sua insólita e crescente dívida pública que se aproxima dos US$ 20 trilhões, vive do dinheiro que imprime e não do que produz. O resto do mundo paga o que eles dilapidam.

Ninguém crê tampouco que o candidato democrata seja melhor ou pior que seus adversários republicanos: chame-se Mitt Romney ou Rick Santorum. Anos-luz separam os três de personagens tão relevantes como Abraham Lincoln ou Martin Luther King. É realmente inusitado observar uma nação tão poderosa tecnologicamente e um governo ao mesmo tempo tão órfão de ideias e valores morais.

O Irã não possui armas nucleares. Acusa-se o país de produzir urânio enriquecido que serve como combustível energético ou componente de uso médico. Queira-se ou não, sua posse ou produção não é equivalente à produção de armas nucleares. Dezenas de países utilizam o urânio enriquecido como fonte de energia, mas este não pode ser empregado na confecção de uma arma nuclear sem um processo prévio e complexo de purificação.

Contudo, Israel, que com a ajuda e a cooperação dos Estados Unidos fabricou o armamento nuclear sem informar nem prestar contas a ninguém, até hoje sem reconhecer a posse destas armas, dispõe de centenas delas. Para impedir o desenvolvimento das pesquisas em países árabes vizinhos, atacou e destruiu os reatores do Iraque e da Síria. E declarou o propósito de atacar e destruir os centros de produção de combustível nuclear do Irã.

Em torno desse crucial tema tem girado a política internacional nessa complexa e perigosa região do mundo, onde se produz e fornece a maior parte do combustível que move a economia mundial.

A eliminação seletiva dos cientistas mais eminentes do Irã, por parte de Israel e de seus aliados da Otan, se converteu em uma prática que estimula os ódios e os sentimentos de vingança.

O governo de Israel declarou abertamente seu propósito de atacar a usina produtora de urânio enriquecido no Irã, e o governo dos Estados Unidos investiu centenas de milhões de dólares na fabricação de uma bomba com esse propósito.

Em 16 de março de 2012 Michel Chossudovsky e Finian Cunningham publicaram um artigo revelando que “um importante general da Força Aérea dos EUA descreveu a maior bomba convencional – a antibunkers de 13,6 toneladas – como ‘grandiosa’ para um ataque militar contra o Irã”.

“Um comentário tão loquaz sobre um artefato assassino em massa teve lugar na mesma semana na qual o presidente Barack Obama se apresentou para advertir contra a ‘fala leviana’ sobre uma guerra no Golfo Pérsico.”

“…Herbert Carlisle, vice-chefe do Estado Maior para operações da Força Aérea dos EUA. [...] agregou que provavelmente a bomba seria utilizada em qualquer ataque contra o Irã ordenado por Washington.”

“O MOP, ao qual também se referem como ‘a mãe de todas as bombas’, está projetado para perfurar através de 60 metros de concreto antes de detonar sua bomba. Acredita-se que é a maior arma convencional, não nuclear, no arsenal estadunidense.”

“O Pentágono planifica um processo de ampla destruição da infraestrutura do Irã e massivas vítimas civis mediante o uso combinado de bombas nucleares táticas e monstruosas bombas convencionais com nuvens em forma de cogumelo, incluídas a MOAB e a maior GBU-57A/B ou Massive Ordenance Penetrator (MOP), que excede a MOAB em capacidade de destruição.”

“A MOP é descrita como ‘uma poderosa nova bomba que aponta diretamente para as instalações nucleares subterrâneas do Irã e Coreia do Norte. A imensa bomba – maior do que que 11 pessoas colocadas ombro a ombro, ou mais de 6 metros desde a base até a ponta.”

Peço ao leitor que me desculpe por esta complicada linguagem do jargão militar.

Como se pode verificar, tais cálculos partem do pressuposto de que os combatentes iranianos, que totalizam milhões de homens e mulheres conhecidos por seu fervor religioso e suas tradições de luta, se renderão sem disparar um só tiro.

Em dias recentes os iranianos viram como os soldados dos Estados Unidos que ocupam o Afeganistão, em apenas três semanas, urinaram sobre os cadáveres de afegãos assassinados, queimaram os livros do Corão e assassinaram mais de 15 cidadãos indefesos.

Imaginemos as forças dos Estados Unidos lançando monstruosas bombas sobre instituições industriais capazes de penetrar 60 metros de concreto. Jamais semelhante aventura tinha sido concebida.

Não é preciso uma palavra mais para compreender a gravidade de semelhante política. Por esse caminho nossa espécie será conduzida inexoravelmente para o desastre. Se não aprendemos a compreender, não aprenderemos jamais a sobreviver.

De minha parte, não abrigo a menor dúvida de que os Estados Unidos estão a ponto de cometer e conduzir o mundo ao maior erro de sua história.

Fidel Castro Ruz
21 de março de 2012, 19h35

Fonte: Cubadebate

Tradução de José Reinaldo Carvalho, da redação do Vermelho

Juremir Machado: Nós, os revanchistas

<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Questões complexas exigem tratamento complexo, não? Parece simples, mas não é assim que acontece. Tem gente que acha melhor simplificar o complexo por entender que este é muito complicado. Eu, imbecil permanente que sou, costumo ter, em certos temas, as mesmas posições de organismos nacionais e internacionais despreparados como a OEA, a OAB e a ONU. Se eu fosse inteligente e bem preparado, jamais pensaria em assunto algum como essas instituições levianas e protetoras de terroristas e guerrilheiros urbanos. Depois que um grupo de procuradores do Ministério Público Federal pediu abertura de processo contra o "Major Curió", agente da repressão na Guerrilha do Araguaia, eu aplaudi essa possibilidade de superação da Lei da Anistia, mecanismo pelo qual a ditadura militar brasileira "perdoou" os seus opositores já punidos (prisão, tortura, exílio, mutilações e cassações) e protegeu-se contra qualquer punição futura.

Os procuradores exploram uma brecha chamada crimes continuados, aqueles que, como os sequestros, não tendo tido um desfecho (libertação do sequestrado ou descoberta do corpo da vítima), permanecem passíveis de punição. O STF concedeu extradição de repressor com base nessa interpretação. Os organismos internacionais não reconhecem a legitimidade da Lei da Anistia brasileira. A ONU, ao tomar conhecimento da representação dos procuradores brasileiros contra Curió, manifestou-se considerando essa ação como "um primeiro passo crucial na luta contra a impunidade que rodeia o período do regime militar no Brasil". Mais: "Estamos esperançosos de que o Judiciário brasileiro vai defender os direitos fundamentais das vítimas à verdade e à justiça, permitindo que esse processo muito importante vá para a frente". Como é despreparada essa ONU! A Justiça do Pará rejeitou a denúncia. Curió declarou-se feliz. Outro despreparado, o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri, disse que a "simples leitura da Constituição e da lei deixa claro que os crimes cometidos por militares não foram anistiados".

Ainda mais despreparada, a OAB sustenta que "as Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional entendem que os crimes contra a humanidade cometidos por autoridades estatais não podem ser anistiados por leis nacionais". De quebra, pede que o STF dê o seu pitaco sobre a aplicação da Lei de Anistia a crimes continuados, pois, explica, "em regra, esses crimes só admitem a contagem de prescrição a partir de sua consumação - em face de sua natureza permanente". O procurador gaúcho Ivan Marx salienta que essa interpretação vale para os "dois lados". Se há algum sequestro praticado pelos opositores da ditadura ainda pendente, caberia denúncia, julgamento e punição.

Marx aproveitou para derrubar outra falácia, a de que o Brasil teria adotado a mesma estratégia da África do Sul. Nada disso. Lá, a anistia foi concedida a quem reconheceu seus crimes e se arrependeu. Não se passou a borracha sem citar nomes. Estou mal-acompanhado. Um grupo de juízes lançou manifesto pela Comissão da Verdade. Só gente e instituições despreparadas e revanchistas. Uau!

Juremir Machado no Correio do Povo

quarta-feira, 21 de março de 2012

Boitempo lança "O socialismo jurídico", de Engels e Kautsky


O socialismo jurídico é uma das obras clássicas do marxismo sobre a relação entre o direito e o capitalismo. “Engels e Kautsky dedicam esta obra justamente a combater o socialismo dos juristas – ou o socialismo por meio do direito. O direito é, irremediavelmente, uma forma do capitalismo. Assim sendo, é a revolução – e não a reforma por meio de instituições jurídicas – a única opção realmente transformadora das condições das classes trabalhadoras”, diz o professor Alysson Leandro Mascaro (Direito/USP).


São Paulo - Planejado por Friedrich Engels e Karl Kautsky, o artigo “O socialismo jurídico” foi publicado sem assinatura na revista da social-democracia alemã, Neue Zeit, em 1887. O objetivo era dar uma resposta aos ataques à teoria econômica de Karl Marx, assim como elaborar uma crítica ao reformismo jurídico e combater a sua influência no movimento operário.

“À época da escrita deste livro, os reformistas, em combate às idéias revolucionárias de Marx, apontavam para uma transição controlada, objetivando ganhos por meio do aumento de direitos, sem transformar plenamente as contradições da exploração capitalista”, afirma na orelha do livro o professor da Faculdade de Direito da USP, Alysson Leandro Mascaro, para quem O socialismo jurídico é uma das obras clássicas do marxismo sobre a relação entre o direito e o capitalismo.

“Engels e Kautsky dedicam esta obra justamente a combater o socialismo dos juristas – ou o socialismo por meio do direito. O direito é, irremediavelmente, uma forma do capitalismo. Assim sendo, é a revolução – e não a reforma por meio de instituições jurídicas – a única opção realmente transformadora das condições das classes trabalhadoras”, conclui Mascaro.

O texto é também uma crítica ao livro O direito ao produto integral do trabalho historicamente exposto, do sociólogo e jurista burguês austríaco Anton Menger, publicado em 1886, e que vinha obtendo grande repercussão. Em tal obra, Menger tentou provar que a teoria econômica de Marx fora plagiada dos socialistas utópicos ingleses da escola ricardiana, especialmente William Thompson. Essas afirmações, bem como a falsificação da essência da teoria marxiana efetuada por Menger, não poderiam passar despercebidas a Engels, que decidiu interceder.

Além do artigo que dá título ao livro, este volume agora publicado pela Boitempo – traduzido do alemão por Lívia Cotrim e Márcio Bilharinho Naves, filósofo do direito brasileiro e autor do livro Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis (Boitempo) – traz ainda duas cartas de Engels a Laura Lafargue (filha de Marx) escritas em Londres, em 1886, que também tratam do tema.

Trecho do prefácio de Marcio Bilharinho Naves
 
“O texto de Engels e Kautsky tem grande importância teórica e política e é de impressionante atualidade. Nestes tempos, em que se abate sobre o marxismo uma avassaladora ofensiva em nome da democracia, isto é, do direito, e em que a ideologia jurídica penetra profundamente no movimento operário e em suas organizações, vale a pena voltar a atenção para o ataque sem concessões que Engels e Kautsky dirigem contra o núcleo duro da ideologia burguesa, a sua concepção jurídica de mundo. [...]

A crítica à visão jurídica aparece, de modo ainda mais expressivo, na análise que Engels e Kautsky realizam da passagem da concepção teológica de mundo feudal à concepção jurídica de mundo burguesa, na qual se revela a natureza especificamente burguesa do direito, como forma social relacionada de maneira íntima com o processo de trocas mercantis: Visto que o desenvolvimento pleno do intercâmbio de mercadorias em escala social – isto é, por meio da concessão de incentivos e créditos – engendra complicadas relações contratuais recíprocas e exige regras universalmente válidas, que só poderiam ser estabelecidas pela comunidade – normas jurídicas estabelecidas pelo Estado –, imaginou-se que tais normas não proviessem dos fatos econômicos, mas dos decretos formais do Estado.

Temos aqui alguns elementos que autorizam a formulação de uma ideia crítica do direito, que permita denunciar o “fetichismo da norma” e se oponha à teoria normativista para a qual o direito aparece somente como um conjunto de normas garantido pelo poder coercitivo do Estado.”


Trecho do livro
 
“O direito jurídico, que apenas reflete as condições econômicas de determinada sociedade, ocupa posição muito secundária nas pesquisas teóricas de Marx; ao contrário, aparecem em primeiro plano a legitimidade histórica, as situações específicas, os modos de apropriação, as classes sociais de determinadas épocas, cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na história um desenvolvimento contínuo, apesar de muitas vezes contraditório, e não simples caos [Wust] de loucura e brutalidade, como a via o século XVIII.

Marx compreende a inevitabilidade histórica e, em consequência, a legitimidade dos antigos senhores de escravos, dos senhores feudais medievais etc. como alavancas do desenvolvimento humano em um período histórico delimitado; do mesmo modo, reconhece também a legitimidade histórica temporária da exploração, da apropriação do produto do trabalho por outros; mas demonstra igualmente não apenas que essa legitimidade histórica já desapareceu, mas também que a continuidade da exploração, sob qualquer forma, ao invés de promover o desenvolvimento social, dificulta-o cada vez mais e implica choques crescentemente violentos.”


Sobre a coleção
 
A publicação de "O socialismo jurídico" dá continuidade ao projeto da Boitempo de traduzir o legado de Karl Marx e Friedrich Engels, contando com o auxílio de especialistas renomados. Com 14 volumes publicados, a coleção Marx-Engels teve início com a edição comemorativa dos 150 anos do Manifesto Comunista, em 1998. Em seguida foi publicada A sagrada família (2003), obra polêmica que assinala o rompimento definitivo de Marx e Engels com a esquerda hegeliana. Os Manuscritos econômico-filosóficos (2004) vieram na sequência, ao qual se seguiram os lançamentos de Crítica da filosofia do direito de Hegel (2005); Sobre o suicídio (2006); A ideologia alemã (2007); A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (2008); Sobre a questão judaica (2010); Lutas de classes na Alemanha (2010); O 18 de brumário de Luís Bonaparte (2011); A guerra civil na França (2011), em comemoração aos 140 anos da Comuna de Paris; os Grundrisse (2011); Crítica do Programa de Gotha (2012); e agora O socialismo jurídico. Ainda neste ano, a editora planeja publicar o primeiro volume de O capital.

Aos que lutaram e continuam a lutar...