segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Magistério de Curitiba em greve....

Curitiba: professores fazem greve por aumento e plano de carreira


Professores da rede municipal de Curitiba iniciaram greve nesta segunda-feira (11) por reajuste e Plano de Cargos e Carreiras. De acordo com o Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Simmac), a adesão ao movimento paralisou 90% das 184 escolas do município.


Sismmac
 Educadores saíram em passeata até a prefeitura de Curitiba
Educadores saíram em passeata até a prefeitura de Curitiba
 
Pela manhã, a categoria realizou ato em frente à Câmara Municipal de Vereadores e saiu em passeata até a prefeitura. Empunhando faixas e cartazes, os professores reivindicam aumento salarial e exigem a implantação imediata do Plano de Carreira, que garanta o crescimento linear por titulação e valorização.
A prefeitura propõe que o plano seja implantando em 27 meses, ou seja, mais de dois anos. A categoria, em assembleia, rejeitou a contraproposta: “27 meses não dá. Plano de Carreira já!”, é a palavra de ordem do Sindicato.
Segundo dirigentes, a perda que os profissionais acumularão nesse período é expressiva e chega a mais de R$ 17 mil para quem tem mais tempo de rede. Eles argumentam ainda que há uma defasagem de mais de 20 anos.
A categoria, que aprovou a greve dia 31 de julho, tentou, sem sucesso, audiência com o prefeito Gustavo Fruet para negociar a pauta antes do início da paralisação. Na tarde de hoje (11), representantes da categoria devem se reunir com a administração para tentar chegar a um acordo.
Fonte: Sindicato dos Professores de Curitiba

A reforma agrária aconteceu? — CartaCapital

A reforma agrária aconteceu?

Ainda que as redistribuições não tenham ocorrido como
propostas por lideranças da esquerda, rearranjos sociais autônomos
acabaram por realizá-las




 
por Rui Daher















Flickr/Alexandre Kuma




Plantador

Contamos com milhões de pequenas
propriedades rurais bem sucedidas no País. Sabem disso os que vivem lá
ou os que por ali passam de olhos e boa vontade abertos.
Na coluna da semana passada fiz referência ao
livro “A Crise Agrária”, de Alberto Passos Guimarães, escrito no final
da década de 1970. Através de conjunturas e estatísticas históricas e da
época, o autor projetava um futuro auspicioso para a agricultura no
Brasil.



A vitória, no entanto, só viria se as forças do campo promovessem uma
reforma agrária profunda e em moldes distributivos. Dicotomia polêmica e
frequente que dura até hoje.


Vista assim do alto, poderá parecer que apenas parte da profecia se
realizou. Escorados na ampliação da fronteira agrícola para os cerrados
de terras baratas, com tecnologias modernas aqui desenvolvidas ou vindas
de fabricantes multinacionais, concentrou-se a produção em culturas de
exportação e nos transformamos numa potência agrícola.


Muitas decorrências negativas? Sem dúvida. Algo natural em processos
amplos e agudos, ainda mais numa Federação de Corporações regida por
interesses pouco gerais.


Se vamos à lupa, percebemos que as “forças do campo”, como entendidas
pelo autor, parecem não terem sido suficientes para promover uma
reforma agrária de resultados produtivos e sociais efetivos.


Será?


A considerar como modelo de reforma agrária assentamentos
desassistidos, estigmatizados acampamentos de sem-terra, projetos
inacabados do governo e a imensa massa rural que nas últimas décadas se
deslocou para os centros urbanos, certamente não.


Arriscando-me a um muro poucas vezes frequentado, penso que não foi bem assim.


Ainda que as formas redistributivas no campo não tenham ocorrido nas
bases estudadas pelo autor e propostas por lideranças políticas e
eclesiásticas da esquerda, rearranjos sociais autônomos acabaram por
realizá-las. Vou mais longe: com resultados melhores do que se
conduzidas na forma de coletivos agrários.


Com exceção do excelente Globo Rural (TV e revista), o destaque nas folhas e telas cotidianas acaba sempre reservado aos grandalhões do agronegócio.


Grande equívoco. Contamos com milhões de pequenas propriedades rurais
bem sucedidas no País. Sabem disso os que vivem lá ou os que por ali
passam de olhos e boa vontade abertos.


Sim, enfrentam vários entraves. Situações climáticas adversas sem
garantia de seguro rural, burocracia nos financiamentos, insumos e
processamentos precificados em condições oligopolistas, armazenagem
insuficiente, comercialização concentrada em poucos receptores.


Suas dificuldades são maiores do que as dos beneficiários da escala
em áreas mais extensas, níveis de mecanização, acesso a formas
diferenciadas de financiamento, apropriação precoce das inovações
tecnológicas, poder de barganha na venda da colheita.


Mas, depois das transformações na economia do planeta, a partir da
década de 1980, seria possível impedir a concentração que ocorreu em
praticamente todos os setores?


O Censo Agropecuário do IBGE, com dados de 2006, revelou existirem
5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, com área média de 68
hectares. Em 1970, a média era de 60 hectares. Assim, se houve um
processo de concentração fundiária ele não é recente, fato reconhecido
no próprio livro de Alberto Guimarães.


Os agricultores brasileiros pequenos e médios superaram suas
dificuldades, evoluíram comprando ou arrendando áreas para plantio, e
permitiram a interiorização do desenvolvimento, fazendo surgirem
municípios prósperos com repercussões positivas nos demais setores da
economia.


No Brasil, são cultivados mais de 100 “produtos da terra”,
importantes por seus valores de produção e comercialização. Uns pelos
volumes que representam, outros pela agregação de valor que trazem.


Uma diversificação fantástica que relativiza o protagonismo que se dá
às grandes extensões de terras ou, como trata o livro “A Crise
Agrária”, latifúndios improdutivos ou capitalistas.


O levantamento Produção Agrícola Municipal, do IBGE, entre culturas
temporárias e permanentes, informa área plantada e colhida, quantidade
produzida, rendimento médio e valor da produção para as 64 culturas mais
importantes, em cada município brasileiro. Uma pesquisa que encanta e
surpreende.


Meu ponto: nada disso aconteceria sem que tivesse autogestado algum tipo de reforma agrária.


Até chegar aí foi doloroso o processo? Sim. Poderia ter sido melhor
como pensada pela esquerda, na década de 1970? Não sei. Muitos
campesinos ficaram fora do processo e hoje ralam sem terras e apoio? Com
certeza.


Mas que o panorama atual é completamente diferente do preconizado
quando se iniciou o arranque agrícola, isto é. Para arredondar o
processo, agora, bastam dar importância e aumentar os recursos
financeiros, técnicos e educacionais para os programas de agricultura
familiar.


Na próxima coluna, a corrida dos candidatos aos corredores do agronegócio. Se eu não mudar de ideia, é claro.









quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Rexurdimento: o nascer de uma nova Galiza

rosaliaGaliza - Diário Liberdade - [Rodrigo Moura] Na primeira metade do século XIX, nota-se a permanência de um silêncio na literatura galega. É certo que ainda persistem gêneros tradicionais, de caráter oral, assim como uma literatura de circunstâncias centradas nos acontecimentos políticos e sociais destes anos: a guerra contra os franceses, a defesa da Constituição, a luta contra a Inquisição e contra os absolutistas e liberais. 



Grande parte dos escritores desta época são versos e prosas propagandísticos que adotam com frequência a forma de diálogos. Distante de qualquer pretensão estética, esses autores e obras ficam à margem da literatura culta, sendo estimáveis apenas pelo seu valor documental.

Da mesma forma, como acontecera durante os Séculos Obscuros, háouve algumas pequenas mostras de um caráter literário específico: uma delas diz respeito à uma pequena peça dramática intitulada A casamenteira (1812), de Antonio Benito Fandiño em que inside numa pintura costumista, anunciando uma das temáticas preferidas da literatura galega deste século; as outras mostras pertencem a Nicomedes Pastor Díaz, poeta ilustre do Romantismo espanhol. Trata-se de uma Égloga e de uma Alborada (datadas em torno de 1828), caracterizadas com elementos neoclássicos e pré-românticos, que apresentam motivos recorrentes no posterior Rexurdimento: a temática amorosa, a percepção animada e simbólica da paisagem ou a abundância do diminutivo com valor afetivo.

Por último, na segunda metade do século XIX ganha destaque o chamado Rexurdimento na literatura galega. Nesse contexto, concorrem várias circunstâncias: a retomada do pensamento Iluminista une-se ao pensamento romântico europeu, que valorizava as singularidades de cada país e a variedade cultural. O levantamento de 1846 deu lugar ao nascimento do galeguismo como fonte ideológica. Aparece, assim, uma literatura culta em galego, com tons costumistas, elegíacos e, em todo caso, reveidicativos. Para entendermos melhor a importância destes acontecimentos, temos que valorar todo o esforço humanista de alguns autores que, desconhecendo a existência da rica tradição literária medieval, se esforçaram por dignificar esteticamente um idioma desprezado e relegado ao âmbito rural e familiar.

Neste caminho tiveram um destacado papel alguns editores, como Andrés Martínez Salazar, que publicou inúmeros títulos fundamentais do Rexurdimento, assim como textos literários - A crónica Troiana, por exemplo, e documentos inéditos até então, favorecendo os trabalhos dos historiadores. Entre eles, dever-se-ia destacar a figura de Manuel Murguía, que na sua Historia de Galicia dá inúmeras explicações acerca da cultura galega. Além disso, pode-se considerar Murguía como um autêntico promotor do Rexurdimento literário, devido ao seu prestígio e influência sobre Rosalía de Castro, Eduardo Pondal e Curros Henriques, os três grandes mestres do século XIX.

Em 1861 celebraram-se os primeiros Xogos Florais de Galiza, acontecimento que propiciou o aparecimento de uma antologia poética do nascimento do Rexurdimento. Nela figuram muitos autores que adiantam toda uma nova estética da literatura galega: a temática de costumes, rural e paisagista, entendida como reveindicação e procura dos sinais de identidade do povo galego, e a consciência do abandono e marginalização que Galiza sofre.

Xosé Manuel Pintos (1811-1876) publicou em 1853 o primeiro livro da literatura galega moderna: A gaita gallega. Trata-se de uma miscelânea de prosa, verso, vocabulário e anotações linguísticas, que tem como fio condutor a iniciação do rapaz castelhano Pedro Luces no cargo de gaiteiro - representante da consciência galega. Em todo caso, a obra supõe uma defesa de Galiza, denunciando ora os desmandos dos setores alienados em processo de aculturação, ora os efeitos negativos do êxodo migratório. Para tanto, utiliza-se de uma voz reveindicativa em prol da restauração do uso do idioma galego.

Rodrigo Barreto da Silva Moura - Mestrado (Conceito 5/CAPES) em Literatura Portuguesa e Galega Contemporânea pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem diversos trabalhos publicados em periódicos brasileiros e apresentações em Congressos Internacionais em que defende uma aproximação entre os estudos literários galegos e a lusofonia. Participa da organização das Jornadas das Letras Galegas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

domingo, 3 de agosto de 2014

CPERS NA LUTA...

Lançada campanha que busca limitar CCs e impedir o nepotismo no serviço público

Campanha, que estará nas  ruas a partir de hoje, 30, é protagonizado por oito entidades que representam servidores públicos, além do Fórum dos Servidores Públicos Estadual e do apoio de outros movimentos.

Oito entidades representativas de servidores públicos (SIMPE/RS, SINDJUS/RS, SINDIÁGUA/RS, SINDPPD/RS, CPERS/SINDICATO, SINDISPGE/RS, APROJUS e SINDET/RS), além do Fórum dos Servidores Públicos Estadual, participaram nesta quarta, 30, no auditório do CPERS/Sindicato, do lançamento da campanha “Basta de CCs”. O movimento tem o objetivo de reunir 60 mil assinaturas para instituir um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) Popular propondo a limitação do número de Cargos de Cofiança (CCs) no setor público, em todas as suas esferas, bem como impedir os casos de nepotismo, direto ou cruzado.
Segundo Alberto Ledur, presidente do Sindicato dos Servidores do Ministério Públicos do RS (SIMPE/RS), uma das entidades idealizadoras da proposta, a PEC objetiva a redução do números de Cargos em Comissão no serviço público, medida que, segundo ele, dialoga com a necessária moralidade e eficiência no setor. “Nossa proposta faz uma delimitação clara,  para restringir os cargos em comissão que hoje estão nos mais diversos setores, fazendo atividades exclusivas dos servidores de carreira e em número muito acima no moral e do legal”, disse ele.
De acordo com o dirigente, a campanha abrirá o debate com a sociedade, que precisa conhecer esta situação.  Para isso, as entidades desenvolverão ações políticas e jurídicas, inclusive para enfrentar topicamente algumas situações situações de abusos já identificadas.


Ledur informou que nos próximos dias, as entidades iniciarão roteiros pelo interior do Estado, para organizar atividades junto a sindicatos, movimentos sociais e outros espaços. Ele destaca que não há prazo para entrar com o Projeto,  embora o grupo esteja trabalhando para agilizar seu andamento e protocolar na Assembleia Legislativa antes das eleições, em outubro. “Esperamos uma boa adesão da população”, finalizou.


Falando em nome do CPERS/Sindicato, Rejane Oliveira, destacou a importância da medida. “A sociedade tem se dado  conta que o atendimento qualificado no setor público está relacionado à valorização do servidor e que a política de CCs, em detrimento do concurso publico, é uma política de atrelamento a um determinado projeto político”. Para Rejane, os trabalhadores em educação são um bom exemplo. Enquanto a categoria teve, no primeiro ano do governo, 10,91% de reajuste, os CCs do Executivo tiveram um reajuste nos salários de 120%. “Se a justificativa foi de que este elevado reajuste era para qualificar o serviço, porque não foi dado também aos funcionários de carreira?”,questiona ela.  


A dirigente reiterou que a PEC será um instrumento de compromisso com o serviço público de qualidade e com a sociedade.
O Diretor de Imprensa e Divulgação do Sindjus/RS, Fabiano Zalazar,  que representou os servidores do Judiciário, informou que no órgão a situação também é grave. Ele revelou que existem situações de inconstitucionalidade em relação aos CCs e que estes têm crescido em privilégios.  “No judiciário gaúcho, que tem cerca de 6,8 mil servidores efetivos, celetistas e transpostos, há aproximadamente 1,2 mil pessoas atuando de forma comissionada”, acrescentou. Ratificando a colocação, o Coordenador-Geral da entidade lembrou que o Judiciário é um prestador de serviços, cujo atendimento tem que ser de qualidade. “E não é com CCs que vamos garantir esta qualidade”, frisou.  
Outras entidades que estão engajadas na campanha, como Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado (Sindiágua), Sindicato dos Servidores do Detran (Sindet), Associação dos Servidores do Ministério Público (Aprojus),  Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados (SINDPPD) e Sindicato dos Servidores da Procuradoria Geral do Estado (Sindpge), também colocaram a realidade em suas áreas. Elas reiteraram a importância da PEC e convocaram a sociedade a se envolver com a campanha.
A PEC
A PEC busca uma nova redação para os artigos 20 e 32 da Constituição Estadual, para objetivar critérios e para provimento de cargos. Entre os vetores que norteiam a iniciativa, estão, quanto ao nepotismo, a de acabar com a discussão sobre cruzamento e troca de favores entre agentes do Estado. Em relação aos CCs, trata da redução do percentual dos cargos em comissão, estabelecendo que 60% dos cargos devem ser providos por funcionários de carreira. Quanto as funções gratificadas, que devem ser providas exclusivamente por funcionários de carreira, garante que 80% delas sejam por servidores do próprio órgão e os restantes 20% por servidores de outros órgãos. Também trata da restrição aos locais onde estes cargos em comissão podem ser lotados, assegurando que o número de CCs será restrito e que não contemplarão atividades que devem ser claramente de servidores de carreira.

As assinaturas podem ser feitas via site – bastadeccs.org.br – e também serão realizadas atividades públicas em todas as regiões do Estado para coletar assinaturas.

Nara Roxo, da assessoria do Simpe-RS

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ladislau Dowbor: A dura tarefa de se opor ao que está dando certo - Le Monde Diplomatique Brasil

A dura tarefa de se opor ao que está dando certo
Vivemos uma situação no mínimo esdrúxula, em que legítimas manifestações por mais realizações do governo se veem confundidas com movimentos de direita, com amplo apoio na mídia, que quer reverter o que se conseguiu. Do lado da oposição positiva, vale a pena deixar as coisas mais claras...
por Ladislau Dowbor


Oposição nos traz a ideia de resistência, de buscar travar um processo que consideramos errado ou nocivo. Os seringueiros se opuseram ao desmatamento, buscavam bloquear as máquinas. É uma guerra dura contra interesses dominantes, mas pelo menos as coisas são claras. Bastante mais complicado é se posicionar quando se trata não de reverter tendências, mas de acelerar e aprofundar o processo. De certa maneira, trata-se de empurrar esse imenso paquiderme chamado governo, carcomido por interesses de grandes grupos agarrados por todas as partes, para que avance mais e melhor. A grande realidade, o elefante na sala, para ficarmos nos paquidermes, é que as políticas adotadas nos últimos anos no Brasil estão dando certo. Mas poderiam dar muito mais.

Isso gera sem dúvida problemas grandes para a direita, a que quer reverter os processos, pois não pode dizer a que vem: os programas sociais, o avanço da repartição do produto, os programas para os segmentos mais pobre da sociedade e semelhantes só são atacáveis por quem queira fazer um suicídio eleitoral. Sobra a improbidade administrativa, esse eterno cavalo de batalha que é a corrupção (que soberba lição de ética nos deram Jânio Quadros com a “vassourinha”, os militares no poder ou o caçador de marajás de Alagoas), ou a frágil proclamação de maior eficiência para fazer o mesmo. A direita, para travar os avanços, apela para elevados sentimentos de ética, o que pode gerar confusão, mas não constrói alternativas.

Mas, para os que apoiam os avanços do país, é também bastante complicado. Não dá para negar os imensos avanços, mas não dá para negar a imensa paralisia política que gera a tal da governabilidade, o travamento da reforma agrária, os imensos atrasos do saneamento, a continuidade do financiamento dos grandes grupos de comunicação pela publicidade oficial, o escandaloso nível dos juros dos bancos comerciais, a fortuna transferida anualmente para os bancos pela taxa Selic, a imensa injustiça do sistema tributário, e assim por diante. Muitos simplesmente baixam os braços e se tornam espectadores, quando não se juntam a alguma alternativa que esperam ser mais promissora.

O resultado é uma situação no mínimo esdrúxula, em que legítimas manifestações por mais realizações, ajudando de certa maneira a empurrar as coisas, se veem confundidas com movimentos de direita, com amplo apoio na mídia, que quer reverter o que se conseguiu. Essa política da direita, pegando carona em reivindicações legítimas, faz parte da confusão gerada. Do lado da oposição positiva, da oposição “para a frente”, por assim dizer, vale a pena deixar as coisas mais claras.



Interiorização do desenvolvimento

Já era tempo de termos boas cifras sobre como anda o Brasil em sua base territorial. O Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 apresenta a evolução dos indicadores nos 5.565 municípios do país. A confiabilidade é aqui muito importante. No caso, trata-se de um trabalho conjunto do Pnud, que tem anos de experiência internacional e nacional de elaboração de indicadores de desenvolvimento humano, do Ipea e da Fundação João Pinheiro de Minas Gerais, além de numerosos consultores externos. Os dados são do IBGE. Não há como manipular cifras ou dar-lhes interpretação desequilibrada com esse leque de instituições de pesquisa.1

Outro fator importante: o estudo cobre os anos 1991-2010, o que permite olhar um período suficientemente longo para ter uma imagem de conjunto. Para os leigos, lembremos que o índice de desenvolvimento humano (IDH) apresenta a evolução combinada da renda per capita, da educação e da saúde. Isso permite desde já ultrapassar em parte a deformação ligada às estatísticas centradas apenas no PIB, que mede a intensidade de uso dos recursos, e não os resultados. Um desastre ambiental como o vazamento de petróleo no Golfo do México, só para dar um exemplo, elevou o PIB dos Estados Unidos ao gerar gastos suplementares com a descontaminação, “aquecendo” a economia. O fato de prejudicar o meio ambiente e a população não entra na conta. A Inglaterra acaba de melhorar seu PIB ao incluir estimativas de tráfico de drogas e prostituição, no valor equivalente a R$ 37 bilhões.2

O dado mais global mostra que nessas duas décadas o IDH municipal (IDHM) passou de 0,493, ou seja, “muito baixo”, para 0,727, “alto”. Isso representa um salto de 48% no período. Em 1991, o Brasil contava 85,8% de municípios no grupo “muito baixo”, portanto, abaixo de 0,5, e em 2010, apenas 0,6%, ou seja, 32 municípios. É um resultado absolutamente impressionante e retrata um avanço sustentado na base da sociedade. A tendência já foi sentida nos anos 1990: claramente, a Constituição de 1988, com a democratização, e a quebra da hiperinflação em 1994 permitiram os primeiros passos.

O número de municípios com IDHM “alto” ou “muito alto” passou de 0 em 1991 para 134 no ano 2000, e em 2010 atingiu 1.993 municípios. O que os dados gerais representam para este país tão desigual é imenso: a interiorização do desenvolvimento.

A esperança de vida ao nascer passou de 64,7 anos em 1991 para 73,9 anos em 2010, o que significa que na média o brasileiro ganhou nove anos extras de vida. Em 2012, segundo o IBGE, atingimos 74,5 anos. Não há como mascarar esse imenso avanço. Os saudosos da ditadura têm hoje em média dez anos de vida a mais para protestar contra a democracia.

No plano da educação, a porcentagem de adultos com mais de 18 anos que tinham concluído o ensino fundamental passou de 30,1% para 54,9%. Em termos de fluxo escolar da população jovem, segundo indicador do item educação, passamos do indicador 0,268 em 1991 para 0,686 em 2010, o que representa um avanço de 128%. A área de educação é a que mais avançou, mas também continua a mais atrasada, pelo patamar de partida particularmente baixo que tínhamos. E em termos de renda mensal per capita, passamos de 0,647 para 0,739 no período, o que representou um aumento de R$ 346. Isso é pouco para quem tem muito, mas, para uma família pobre de quatro pessoas, aumentar em mais de R$ 1.000 a renda muda a vida.

São avanços extremamente significativos. Pela primeira vez o Brasil está começando a resgatar sua imensa dívida social. Aqui não há voo de galinha, e sim um progresso consistente. Por outro lado, os mesmos dados mostram quanto temos de avançar ainda. É característico o dado de população de 18 a 20 anos de idade com o ensino médio completo: 13% em 1991, 41% em 2010. Grande avanço, triplicou o nível, mas também revela o imenso campo pela frente, e copo meio vazio permite gritos e denúncias, em particular quando se aproximam as eleições. O Nordeste ainda apresenta 1.099 municípios, 61,3% do total, com índice “baixo”, na faixa dos 0,5 e 0,6 no IDHM. Não se trata de questionar o processo, e sim de reforçá-lo e aprofundá-lo. Guiar-se pelos dados, e não pelos ódios ideológicos, é fundamental.



Além do PIB

Resumir os resultados do desenvolvimento de uma nação em uma cifra apenas beira o surrealismo. Uma metodologia interessante apresentada em 2014 mede o desempenho de 132 países, focando os resultados efetivos em termos de qualidade de vida das pessoas. São 54 indicadores agrupados em três questões:3

1) O país assegura as necessidades mais essenciais de sua população?

2) Os fundamentos básicos que permitem aos indivíduos e às comunidades alcançar e sustentar seu bem-estar estão assegurados?

3) Há oportunidades para todos os indivíduos alcançarem seus plenos potenciais?

Com o apadrinhamento de Michael Porter e o peso da Universidade Harvard, os resultados dificilmente poderão ser tingidos de viés progressista. Fazendo coro com os já numerosos aportes metodológicos que se multiplicam pelo mundo, o estudo desloca com clareza o foco das medidas. “Tornou-se cada vez mais evidente que um modelo de desenvolvimento baseado apenas no desenvolvimento econômico é incompleto. Uma sociedade que deixa de assegurar as necessidades básicas, de equipar os cidadãos para que possam melhorar sua qualidade de vida, que gera a erosão do meio ambiente e limita as oportunidades de seus cidadãos não é um caso de sucesso. O crescimento econômico sem progresso social resulta em falta de inclusão, descontentamento e instabilidade social” (p.11).

Na análise dos autores, “entre os países dos Brics, o Brasil apresenta o perfil de progresso social mais forte e ‘equilibrado’” (the strongest and most “balanced”). Exibe uma fraqueza em Necessidades Humanas Básicas (puxada pelo score muito baixo de 37,5 para Segurança Pessoal), mas tem uma performance consistentemente boa em todos os componentes tanto dos Fundamentos de Bem-Estar como de Oportunidades, com exceção de Educação Superior (38,09, 76o) (p.50).

O Brasil ocupa o 46o lugar entre 132 países, com um índice médio geral de 69,957. A Colômbia ocupa o 52o lugar; México, o 54o. O PIB per capita brasileiro utilizado na pesquisa é de US$ 10.264 em valores de 2012. Os dados sintéticos para o Brasil podem ser observados na Tabela 2.

Para termos uma referência, os Estados Unidos ocupam o 16o lugar, com um PIB per capitade US$ 45.336 e um índice médio geral de 82,77. No caso do item Fundamentos do Bem-Estar, que envolvem “Acesso ao conhecimento”, “Acesso à informação e comunicação”, “Saúde e bem-estar” e “Sustentabilidade”, há uma dinâmica inversa interessante: os Estados Unidos estão recuando para uma maior desigualdade nos últimos anos e gerando danos ambientais muito elevados, enquanto o Brasil progride, o que explica os números muito semelhantes da tabela: 75,96 para os Estados Unidos e 75,78 para o Brasil.



Produtividade dos recursos

Um segundo eixo de análise que essa pesquisa permite é em termos da repartição dos recursos. Constata-se uma forte correlação entre o aumento do PIB e a melhoria na área das necessidades básicas (no caso, “Nutrição”, “Água e saneamento”, “Habitação” e “Segurança”), mas apenas para os mais pobres: “As necessidades humanas básicas melhoram rapidamente quando o PIB per capita aumenta, nos níveis baixos de renda, mas depois [a tendência] se torna mais horizontal [flattens out] à medida que a renda continua a aumentar” (p.54).

Para nós, isso é muito importante, pois mostra que o aumento de renda nos estratos mais pobres melhora radicalmente o progresso social em geral. Em outras palavras, o dinheiro que vai para a base da sociedade é muito mais produtivo em relação aos resultados para a sociedade, o que bate plenamente com as pesquisas do Ipea sobre a produtividade dos recursos. Estamos aqui no centro do problema da baixa produtividade econômica gerada pela concentração de renda, confirmando os efeitos multiplicadores que geram a redistribuição, inclusive para o próprio PIB.

Isso nos leva de volta ao principal desafio: avançar na redução da desigualdade. Esta continua crescendo no mundo e está atingindo limites insustentáveis. É a razão do imenso sucesso do livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI.A desigualdade foi tema central do último Fórum Econômico Mundial. Grande impacto gerou também o relatório da Oxfam, Working for the few,4 que com cifras insuspeitas do Crédit Suisse, que gerencia fortunas e sabe do que fala, constata que 85 pessoas acumularam mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial.

A dimensão brasileira aparece no relatório da Forbes, com os principais bilionários brasileiros.5 A origem das fortunas, no nosso caso, é particularmente interessante: trata-se essencialmente dos banqueiros (concessão pública, com carta patente, para trabalhar com dinheiro do público); de donos de meios de comunicação (concessão pública de banda de espectro eletromagnético para prestar serviço de comunicação à população); de construtoras (as grandes, que trabalham com contratos públicos, nas condições que conhecemos); e de exploração de recursos naturais (solo, água, minérios), que são do país e os quais mais se extraem do que se produzem. É o divórcio crescente entre quem enriquece e quem contribui para o país. Piketty é claro: “A experiência histórica indica que desigualdades de fortuna tão desmesuradas não têm grande coisa a ver com o espírito empreendedor e não têm nenhuma utilidade para o crescimento”.6

Moral da história? O avanço social, a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental não constituem entraves, e sim condição do desenvolvimento em geral. No nosso caso, ao mesmo tempo que se constatam avanços impressionantes, temos um imenso caminho pela frente. Dizer que a dinamização do desenvolvimento pela inclusão se esgotou é bobagem. Estamos no caminho certo, mas o processo precisa de um sólido impulso.



Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).

Ilustração: Lollo

1  Documento completo disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130729_AtlasPNUD_2013.pdf; vídeo explicativo de treze minutos disponível no site do Pnud: www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3771.

2  Angela Monaghan, The Guardian, 29 maio 2014. Disponível em: www.theguardian.com/society/2014/may/29/drugs-prostitution-uk-national-accounts?CMP=twt_gu.

3  Social Progress Index 2014, from the Social Progress Imperative – 2014. Disponível em:www.socialprogressimperative.org/data/spi.

4  Disponível em: http://dowbor.org/2014/01/working-for-the-few-janeiro-2014-34p.htm; e disponível em espanhol em: www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/bp-working-for-few-political-capture-economic-inequality-200114-es.pdf.

5  Ver lista das famílias mais ricas do Brasil em Carta Capital, 16 maio 2014. Disponível em: www.cartacapital.com.br/economia/15-mais-ricos-tem-patrimonio-10-vezes-mais-ricos-que-14-milhoes-do-bolsa-familia-3783.html. Artigo original Forbes, 5 mar. 2014. Disponível em: www.forbes.com/sites/andersonantunes/2014/05/13/the-15-richest-families-in-brazil/.

6  Thomas Piketty, Le capital au XXIe siècle[O capital no século XXI], p.944; texto completo em inglês disponível em:  http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2014/06/14Thomas-Piketty.pdf