Aumento dos juros é culpa do Lula
Altamiro Borges
A recente decisão do Banco Central de elevar em 0,5% a taxa básica de juros e a sinalização de que novos aumentos ocorrerão nas próximas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) continuam gerando queixas de amplos setores da sociedade. Não são apenas as centrais sindicais e as entidades patronais do setor produtivo que criticam a política macroeconômica do governo. Dos corredores do Palácio do Planalto, o tom da crítica tem se inflamado. A própria composição heterogênea deste segundo mandato do presidente Lula, com a indicação de vários economistas ligados à visão desenvolvimentista, estimula as divergências interrnas, que ficam mais ácidas.
O vice-presidente José Alencar, na sua heróica cruzada, resolveu chutar o balde. Para ele, o BC adota uma orientação “imbecil” ao elevar os juros e desestimular o desenvolvimento. Na véspera do 1º de Maio, ele esculhambou a ortodoxia monetária. “Os juros brasileiros estão num patamar muito superior ao internacional. Estamos pagando mais de seis vezes acima da taxa média do mundo, de 1%”. Ele ironizou os burocratas do BC que fazem terrorismo com o risco da inflação. “Você não pode achatar o consumo de quem não consome. No Brasil, ainda há muita gente que não consome o necessário para viver. Não temos de ter medo do consumo, mas sim da fome”.
BC beneficia minoria de privilegiados
Dias antes, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., indicado pelo governo como representante do país junto ao FMI, também saiu atirando. “A subida dos juros atinge não só o consumo, mas também os investimentos privados... Ao diminuir a oferta, a política monetária apertada solapa a sustentabilidade da expansão econômica... Infelizmente, os problemas não param por aí. Os juros mais altos elevam o custo da dívida interna e desajustam as contas governamentais. Concentram a renda, pois beneficiam a minoria de privilegiados (brasileiros e estrangeiros) que são credores diretos e indiretos do governo. E, como se isso tudo não bastasse, contribuem para agravar a valorização do real, ameaçando recriar o problema da vulnerabilidade externa no médio prazo”.
Outro recém-indicado para um posto estratégico do estado, o economista Marcio Pochmann, que hoje preside o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), também não poupou críticas. Numa entrevista audaciosa, ele afirmou que o aumento de 0,5% na Selic, que pulou para 11,75% ao ano – a maior taxa de juros do planeta –, indica que “não há uma coordenação perfeita dentro do governo Lula. A decisão anterior de estancar a queda dos juros e a atual de elevar a Selic mostra que o Banco Central opera em sentido, e o Ministério da Fazenda, em outro. Ela expressa a ausência de uma maioria política que diga: o nosso projeto é o de crescimento”.
Copom desacatou o governo
“Essa decisão é um claro sinal de que não existe convergência no governo. Há um grupo político que defende a estabilidade monetária a qualquer preço. Ela talvez tenha sido uma das mais tensas porque [antes] o processo de decisão ocorria sem grande contestação, sem grande reação social e política... Vejo hoje no governo Lula um aumento da disputa. A decisão do Copom pode acirrar a polarização, que tem implicação política mais abrangente. Diria que parte da tensão, que se deu no período que antecedeu a decisão, foi estimulada. O BC teve uma posição muito ousada, subiu os juros sabendo que dentro do governo havia posição contraria à sua decisão”.
Para Pochmann, mantido o viés de alta na taxa de juros, os efeitos destrutivos serão inevitáveis. “Vai ter impacto nas pessoas ou empresas que tomam crédito e na dívida pública. Pode também atrair mais recursos estrangeiros especulativos ao país. Teremos uma taxa de câmbio ainda mais valorizada, com maior dificuldade para a exportação e maior estímulo à importação, além da substituição de produtos nacionais por importados. Mas o impacto na economia real deve ocorrer a partir do segundo semestre”. Ele lembra que 44% do PIB já circulam no setor financeiro. “Com a elevação do juro, cria-se maior constrangimento para aplicar o dinheiro em máquinas, fábricas e compra de equipamentos. Quem tem dinheiro para aplicar acaba sempre preferindo a liquidez”.
“Miopia e má fé” do Banco Central
As críticas que partem do interior do próprio governo fortalecem a pressão da sociedade contra a orientação rentista do BC. O PCdoB, mantendo sua independência, produziu cartazes e adesivos com o slogan “juros altos, não”, e a sua bancada no parlamento discursou contra a medida. Já os movimentos sociais realizaram um protesto, ainda que tímido, em frente à sede do Banco Central em Brasília. As centrais sindicais, por sua vez, construíram um manifesto unitário condenado a decisão. “Os juros altos seguem na contramão da produção, do crédito e do consumo. Elevá-los ainda mais significa impor novos obstáculos ao desenvolvimento com distribuição de renda e valorização dos trabalhadores”, diz o texto assinado pela CTB, CUT, FS, UGT, CGTB e NCST.
Até o PT, o partido do presidente, endureceu seu discurso. Sua executiva nacional aprovou nota áspera criticando o aumento dos juros. José Dirceu, ex-homem forte do governo e que ainda goza de influência entre os petistas, deu a linha. Seu blog virou uma trincheira na luta contra o BC. Na véspera do 1º de Maio, um novo petardo. “Como não acredito em duendes, estou impressionado com a miopia e a má fé que vão tomando conta de algumas autoridades da equipe econômica do governo. Aos poucos, elas impõem ao Brasil uma falsa questão, a da ameaça de inflação... O BC criou esse ambiente de pânico forçado, de medo da inflação”. Apesar da aspereza, Dirceu insiste em livrar a cara o presidente Lula. “Ele deixou clara a sua opção pela não elevação dos juros”.
A “neutralidade” do presidente
O dilema da luta contra a política de “vôo da galinha” do BC (ciclo de expansão da economia de curta duração e pé no freio dos juros altos) reside exatamente neste paradoxo. Não basta apenas pedir as cabeças de Henrique Meirelles e dos outros sete diretores do Banco Central que decidem os rumos da economia nas reuniões herméticas do Copom (Alexandre Tombini, Alvir Hoffmann, Anthero Moraes, Antonio Matos Vale, Maria Berardinelli, Mário Torós e Mário Mesquita). Não dá para imunizar Lula, que insiste em afirmar que é “neutro” diante da ortodoxia dos tecnocratas. Afinal, quem nomeia o presidente do BC é o presidente Lula, eleito por milhões de brasileiros!
Apesar da pressão dos neoliberais, o Banco Central do Brasil ainda não tem autonomia legal – na prática, manda e desmanda. Mesmo a desculpa da “neutralidade técnica” não serve. Nos EUA, o paraíso da desregulamentação financeira, o BC local, o FED, não fica preso às metas de inflação, juros e cambio. Diante do risco de recessão, ele enterra as teses neoliberais e adota medidas para reduzir os juros e elevar os investimentos e o crédito, com o objetivo de alavancar o combalido crescimento da economia. Neste sentido, o BC do Brasil é mais realista do que o BC dos EUA. Na brincadeira, dá até para propor o “imbecil” do Bush para presidência do nosso Banco Central.
O “momento mágico” da especulação
O problema da alta dos juros, que tende a ser mantida nas próximas reuniões do Copom, é que o governo Lula não está disposto a enfrentar a ditadura do capital financeiro. Ele evita contrariar os interesses dos banqueiros e das 10 mil famílias de rentistas do país. Diante da recente notícia de que as “agências de risco” elevaram o patamar de investimento “seguro” do Brasil – o que deve atrair ainda mais capital especulativo e agravar a crise cambial –, Lula revela que manterá a atual política macroeconômica. Deslumbrado, ele garante que o país vive um “momento mágico”. Já Henrique Meirelles, que parecia isolado, volta a cantar de galo, reforçando o seu cacife do BC.
Como afirma Marcio Pochmann, o entrave para um desenvolvimento mais robusto da economia brasileira decorre da correlação de forças na sociedade. “Ele expressa a ausência de uma maioria política que diga: o nosso projeto é o do crescimento”. O fato positivo deste segundo mandato é que na luta entre estes dois projetos (neoliberal e desenvolvimentista), atualmente há um núcleo mais progressista no governo com coragem para colocar a boca no trombone. O que falta nesta contenda estratégica é uma maior pressão da sociedade, que agende protestos permanentes contra os banqueiros encastelados no BC, que reforce o núcleo desenvolvimentista e que pressione o governo Lula, alertando para o perigo – inclusive eleitoral – dos medíocres “vôos de galinha”.
Altamiro Borges é jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB e editor da revista Debate Sindical.
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