O preconceito não chega às claras. É
politicamente correto disfarçá-lo. Vem embutido na ira e na forma
sórdida como é distribuído pelos mais diversos canais de comunicação,
até o boca a boca.
A campanha contra Dilma Roussef traz
explícito o rancor e o preconceito dos porões onde se escondem os
torturadores da ditadura militar e disfarçado no noticiário de jornais
como a Folha de São Paulo, ou revistas como Veja (não tão disfarçado
assim). O Jornal Nacional se imagina uma espécie de porta voz divino e
acredita que o trono de Deus esteja no PROJAC. Os anúncios se
materializam pelo anjo William Bonner e arcanjos são os Marinho.
Deus, o deles, de fato, está em Wall
Street e espalhado pelas várias agências de propaganda que transformam
esse cheiro fétido de ódio em sabão em pó que tira todas as manchas. Ou
perfume que perfuma como nenhum outro o seu banheiro, acrescido do fato
de ter vida inteligente.
No início da campanha eleitoral o
jornal Folha de São Paulo, um dos braços da ditadura militar (Operações
Bandeirantes e Condor), montou um currículo de Dilma Roussef insinuando
assaltos a bancos, assassinatos de inocentes e ações terroristas.
A primeira reação veio de dentro do
próprio jornal. O Onbudsman, um jornalista eleito para fazer a análise
crítica dos fatos noticiados e corrigir distorções, levantou uma série
de incorreções no tal currículo.
Ao contrário do que apregoa a FOLHA
DE SÃO PAULO – UM JORNAL DE RABO PRESO COM O LEITOR –, o rabo está preso
na FIESP e no esquema corrupto que tenta transformar o Brasil em
colônia de um mundo gerido pelo terror nuclear com sede em Washington.
Não foram feitas as retificações, ou correções. Prevaleceu a mentira dos
donos.
Que Dilma Roussef foi integrante de
um grupo de resistência à ditadura militar o País inteiro já sabe. Junto
com ela milhares de mulheres e homens enfrentaram o golpe de 1964 e
toda a barbárie que caracterizava o movimento.
Que Dilma Roussef foi presa e
torturada, submetida a vexames diversos nem ela própria nega, nem jamais
tentou negar e isso ficou claro na resposta que deu a um senador numa
das muitas CPIs fajutas que os tucanos armaram para tentar atingi-la, só
não sabe quem não quer.
Um dos filmes brasileiros que mais
comoveu a opinião pública foi o que mostrou a saga de Zuzu Angel, a
célebre figurinista, assassinada pela ditadura militar por exercer com
bravura e dignidade o ofício de mãe, na busca de seu filho morto nos
cárceres da ditadura. Pelos bravos “patriotas” que apregoavam a tal
“democracia a brasileira”.
Bem mais que o ofício de mãe. O
exemplo de dignidade da mulher como um todo, revestida do caráter que
único, de ser humano em seu sentido pleno. Isso significa coragem,
porque coragem aí não é bem um ato de heroísmo, mas bravura indômita de
quem não se curva ao tacão dos poderosos.
Ademar de Barros, ex-governador de
São Paulo e um dos protagonistas do golpe militar de 1964 (protagonista
de segunda categoria) foi uma espécie de precursor do malufismo. Chegou a
fugir do País quando a justiça quis prendê-lo pelas mais variadas
formas de corrupção possíveis. Surgiu com Ademar o slogan “rouba mas
faz”.
A Dilma se imputa uma ação onde um
cofre do ex-governador teria sido roubado. No cofre, um milhão de
dólares, guardado na casa de uma amante, resultado de propina.
Na prática, quando abjetos
torturadores tentam desqualificar Dilma Roussef (e nem estou entrando no
mérito de sua candidatura) estão tentando desqualificar também centenas
de mulheres anônimas que foram vítimas da ditadura e todas as mulheres
em todo o País.
Há anos nos tribunais brasileiros
maridos que se julgavam vítimas de traição e executavam a mulher e o
suposto amante, eram absolvidos com um argumento solerte de “legítima
defesa da honra” e adultério era crime. A própria palavra adultério, em
si, é uma aberração.
Há uma verdade em qualquer canto do
mundo sobre mulheres submetidas a sevicias, quaisquer que sejam elas. A
cara machista da sociedade se apieda num primeiro momento e rotula como
mulher vulgar num segundo momento.
Está no assédio, na vulgarização,
nas práticas deliberadas de transformar coragem em terrorismo, loucura,
histerismo, um monte de ismos.
Numa cidade do interior mineiro,
anos atrás, um comprador de cabelos para a indústria de perucas (era
comum as mulheres não cortarem seus cabelos), assustou-se ao chegar a
uma determinada residência onde compraria os cabelos das filhas de um
lavrador com um detalhe que nunca poderia imaginar.
Eram três filhas e o pai iria vender
o cabelo de apenas duas. Segundo ele, a terceira “já foi usada por um
sem vergonha, o cabelo não presta”.
Não sei quantas mulheres tombaram na
luta contra a ditadura. Aqui no Brasil, no Chile, na Argentina, nas
Filipinas, na Indonésia, mas sei que muitas mulheres emprestaram
dignidade e determinação à luta contra tiranos.
Entre nós a anistia na verdade não
beneficiou a exilados, presos políticos e que tais. Como concebida e
determinada em lei garantiu a impunidade de torturadores, estupradores,
assassinos. Permanecem sob as sombras de sua covardia a destilar veneno.
Foi conseqüência da percepção simples que os governos militares não
iriam se sustentar por mais tempo, estavam sendo surrados nas urnas
desde 1974 e para evitar derrotas maiores recorriam ao casuísmo da
legislação autoritária que lhes garantia a maioria que não tinha.
Uma espécie de saída não tão devagar
que pareça provocação, nem tão depressa que pareça medo. Mas saída. E
aí, louve-se a capacidade de enxergar esse óbvio do presidente/ditador
Ernesto Geisel. Mas registre-se o preço pago junto às hordas de
assassinos dos DOI/CODI, a impunidade.
Ao contrário de Arruda Serra foi
presa, torturada, submetida a humilhações, cumpriu pena. Arruda Serra
trocou de lado ao primeiro aceno do dinheiro. Veio pelas mãos de seu
mentor FHC (entre os traidores, dedos duros, havia um esquema de patente
também. Anselmo era cabo, FHC general).
É mulher, é mãe, é avó, como milhões
de mulheres no País e sobreviveu e superou toda essa caminhada,
suportou todas essas provações, manteve-se e mantém-se incólume,
preservada em seu caráter, em sua dignidade de ser humano e ser humano
mulher.
A despeito dos avanços e conquistas
da mulher na chamada sociedade civil organizada (trem também que é de
lascar, sociedade civil organizada, parece clube de aleluia, aleluia), o
preconceito ainda é imenso e se manifesta das mais variadas formas.
Neste momento a candidata Dilma
Roussef simboliza essa luta que no dizer de Celso Furtado “a revolução
feminista foi a mais importante revolução do século XX”.
A dela, de lutar pela presidência
da República, a primeira a chegar ao cargo, a de mulheres que saem de
suas casas ainda pela madrugada para jornadas de trabalho e se obrigam a
lutar ombro a ombro numa tal sociedade que ainda se lhes vê como
melancia, ou melão, ou pera.
Uma vez uma professora perguntou ao
então deputado César Maia se ele sabia o preço do pão de sal. Ele
respondeu que não. Ou da condução, do ônibus, ele respondeu que não.
A moça, perto de trinta anos de
magistério, em sala de aula, salário miserável, mas caráter exemplar,
dedicação absoluta, respondeu apenas o seguinte. “Pois deveria saber,
afinal você é deputado, que não se vive sem pão e nem se vai ao trabalho
sem ônibus”. “Será que você sabe o que é trabalho?”
Cada uma dessas afirmações recheadas
da polidez do politicamente correto sobre Dilma e mulheres que não
estão preocupadas em ser miss laje para aparecer no Faustão, traz em si,
além do preconceito contra a mulher como ser humano, a arrogância das
elites políticas e econômicas que enxergam apenas pernas, seios e bundas
e acham que os cabelos de uma “mulher usada” já não servem.
O que a mídia privada tenta imputar a
Dilma e deve reforçar esse tipo de canalhice no final da campanha é o
que pensam da mulher brasileira. Objeto.
Mais que isso. Escondem, ou tentam
disfarçar a prepotência na suposição que a tarefa de cada mulher é achar
o desodorante certo para o banheiro.
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