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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Onde o fogo começa a queimar


Propaganda indevida e iniciação precoce inflam uso de tabaco no País. Por Diego Bragante, para a Carta na Escola. Foto: José Cruz/ABr

Um estudo do Instituto Nacional do Câncer divulgado no mês passado reuniu dados sobre a atual situação do tabagismo no Brasil e trouxe à tona problemas graves em relação ao consumo juvenil de tabaco. Entre eles: metade dos adolescentes com idade entre 13 e 15 anos já comprou cigarro, cuja venda deveria ser restrita aos maiores de 18 anos. O levantamento, que reuniu dados de pesquisas realizadas entre 2002 e 2009 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelou que a publicidade de cigarro dirigida a jovens é cerca de 70% maior do que a adultos e é na faixa etária entre 17 e 19 anos que os fumantes brasileiros se iniciam.
Sabe-se que nem todos os adolescentes que experimentam cigarros se tornam fumantes, mas que a experimentação é o primeiro passo e a iniciação precoce aumenta significativamente os riscos de adoecimentos.
Para entender por que um jovem começa a fumar, é preciso atentar para algumas importantes características: o adolescente, na maioria das vezes, quer parecer mais velho, fazer parte de um grupo e não tem a completa percepção de consequências a longo prazo. São inerentes à adolescência o imediatismo e o prazer. Assim, uma abordagem mais ampla sobre o cigarro visará expandir as noções que os jovens têm de prazer e identidade grupal, ajudando-os a valorizar a autonomia de suas escolhas.
Ao querer parecer mais velhos do que de fato são, os adolescentes olham para os adultos em busca de um modelo de comportamento. Sendo os pais os adultos de referência do adolescente, é comum que ele os imite também no quesito fumar. O mesmo vale para os professores. As pesquisas mostram que em lares onde pelo menos um dos pais fuma, é maior o número de adolescentes que se iniciam nesse hábito.
Além do exemplo, temos no Brasil um acesso livre dos adolescentes ao fumo. As primeiras tragadas não vêm da compra do produto, vêm do acesso livre ao mesmo. Não é incomum pais que fumam pedirem a seus filhos que comprem cigarro num ponto próximo à casa, ensinando aos filhos o caminho para a aquisição do tabaco.
Uma vez que o jovem está em busca de sua identidade, o ato de fumar transmite ao adolescente a possibilidade de se reunir e de pertencer a um determinado grupo, o que costuma ser amplamente utilizado pelas empresas de tabaco. Apesar da proibição da propaganda de cigarros em diferentes mídias, 46% dos adolescentes entre 15 e 24 anos viram propaganda de cigarro nos últimos 30 dias, segundo o estudo a Situação do Tabagismo no Brasil, do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Nelas, em geral, é reforçada a ideia de que fumar este ou aquele cigarro dá características comuns a outros fumantes do mesmo produto. Muitos cigarros costumam ser patrocinadores de competições esportivas associando sua imagem à força e liberdade. Outro dado muito importante revelado pela pesquisa do -Inca: em 2008, 17,5% da população brasileira com 15 anos ou mais eram usuários de algum tipo de tabaco (fumado e não fumado), o equivalente a cerca de 25 milhões de pessoas.
O consumo de tabaco também está relacionado à escolaridade: quanto menor o nível de instrução, mais cedo se começa a fumar. Entre os fumantes, 40% dos que começaram a fumar cedo têm pouquíssima escolaridade. Os mais instruídos iniciam-se no vício entre 17 e 19 anos e os menos instruídos, abaixo dos 15 anos de idade. As regiões Nordeste e Centro-Oeste registraram a maior proporção de indivíduos que começaram a fumar com menos de 15 anos. Também são essas as regiões com maior dificuldade de acesso dos jovens à educação. As diversidades culturais também devem ser relevadas. Em alguns lugares o hábito de fumar está arraigado ao modo de viver da população.
O papel da escola
Quanto mais cedo se começa a fumar, mais graves os problemas de saúde – a diferença de um ano pode dobrar os riscos de danos. Com isso, percebemos a importância da escola no combate ao consumo de tabaco, porque quanto mais instruído o adolescente é, melhor ele estabelece a relação de longo prazo entre causa e consequência. Maior a probabilidade de eficiência na abordagem educativa. Esta deve acontecer quando há espaços planejados e intencionais e, nelas, os comportamentos e escolhas dos jovens também devem ser entendidos como fazendo parte do conteúdo a ser incorporado no trabalho pedagógico.
A pesquisa International Tobacco Control – ITC Brasil, realizada em três capitais brasileiras em 2009, mostra que 95% dos fumantes têm conhecimento da associação do fumo com doenças cardíacas e 96% conseguem relacionar o consumo do tabaco ao câncer de pulmão. A compreensão da passagem do tempo, com suas consequências, que parecem para o adolescente muito distantes, faz com que eles tenham dificuldade em dar a devida importância às consequências que o tabaco pode ter. Por isso, a relação com o tempo deve ser trabalhada pelos professores em matérias como história e matemática, por exemplo, o que fará com que a informação de que o cigarro faz mal no futuro tenha importância no aqui e agora.
Discussões ou exemplos que incluam o combate ao fumo devem estar presente com naturalidade nos exemplos dos professores. Claro que momentos de reflexão sobre o tema têm sua importância, mas o alerta sistemático dos professores para o risco do fumo – associado à compreensão de outros conteúdos – pode ser muito mais efetiva.

Diego Bragante

Psicólogo e coordenador de Psicologia na Clínica Medicina do Comportamento e no Residencial Terapêutico Vila Verde

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Máquinas hostis


Apresentada como meio de reduzir as tarefas monótonas, a automação não valoriza o livre-arbítrio ou a competência (o modo de proceder não é atribuição do agente), mas sim a capacidade de conter o estresse e a agressividade. Tudo é feito não para resolver problemas, mas p/ impedir que os responsáveis sejam atingidos
por *Jean-Noël Lafargue no LEMONDE-BRASIL
Nao é raro passar pela experiência de violência nos portões automáticos do metrô parisiense. Uma distração, uma mochila meio grande ou de mãos dadas com uma criança... e a tenaz de borracha esmaga os ombros ou bate nas têmporas. A aventura faz rir os que aprenderam a se adaptar às máquinas. As vítimas simplesmente culpam-se por serem desastradas. Mas, por um instante, imaginemos que esses portões sejam substituídos por vigilantes encarregados de distribuir tapas ou golpes nos usuários que não circulam na velocidade adequada. Seria escandaloso. Porém, aceitamos que isso seja feito pelas máquinas, elas não pensam. Deduzimos que não tenham má intenção. Errado: embora os autômatos sejam inconscientes, sempre obedecem a um programa resultante de uma regulagem intencional.

A aparente lógica do controle dos bilhetes cria outros constrangimentos. As barreiras delimitam zonas precisas para o público: ou ele está dentro ou fora. Na estação da SNCF (companhia de trens da França) de meu vilarejo nos arredores de Paris, a recente instalação de portões impede que os usuários saiam da plataforma para comprar um jornal ou voltar ao guichê e pedir uma informação. O viajante pode utilizar apenas a cara máquina que vende refrigerantes e guloseimas instalada na plataforma. Para ler, contente-se com painéis publicitários.
Inúmeros dispositivos programados gerenciam ou acompanham nosso dia a dia.

Quem nunca ficou louco diante de um desses aparelhos interativos que articulam com voz in-te-li-gí-vel expressões grotescas? – “Se você deseja informações, diga ‘informação’”. – “Informação”. – “Sinto muito, não compreendi sua resposta, tentar novamente”. – “Informação”. – “Favor chamar novamente mais tarde”.
Ao nos comunicarmos apenas por uma interface textual, como saber se nosso interlocutor é uma pessoa ou um programa bem concebido? As práticas do marketing telefônico ou dos serviços de suporte técnico por telefone acrescentam um parâmetro a esse problema: com quem realmente falamos durante essas interações programadas? Em muitos casos, os empregados das centrais de atendimento seguem um programa “de inteligência artificial” e não dispõem de margem de manobra. Esses automatismos são concebidos com a ideia de que a grande maioria das perguntas são mais ou menos as mesmas para todo o mundo.

Os empregados “robotizados” servem de filtro e evitam a mobilização de técnicos para problemas menores. Muitas vezes o filtro se revela tão poderoso que é totalmente impossível chegar à pessoa competente. Mas se são seres humanos que respondem e não programas interativos é também porque, quando seus problemas não são resolvidos, os usuários têm o sentimento de ter uma certa empatia com seu interlocutor ou, na pior das hipóteses, têm a possibilidade de desabafar.

Para completar, os teleoperadores cuja conversa segue um roteiro programado têm a vantagem de serem substituíveis. Proletarizados (privados de suas experiências acumuladas), os empregados das centrais de atendimento não têm a possibilidade de tomar iniciativas, nem sequer de adquirir (e ganhar dinheiro com) conhecimentos ou uma experiência: não há o menor risco de tal empregado se tornar indispensável. De maneira aleatória, outros programas robotizados (dessa vez, 100% mecânicos) solicitam que os clientes confirmem seu grau de satisfação. Raramente, as perguntas se referem ao serviço, mas à qualidade da conversa: “O atendente foi educado? Falou corretamente?”. Esse questionário passa o controle do trabalho para o usuário que se torna auxiliar do supervisor de equipe e é colocado em posição de apoio ao patrão, desempenhando o papel de coprodutor.

Apresentada como meio de reduzir as tarefas monótonas, a automação não valoriza o livre-arbítrio ou a competência, mas sim a capacidade de conter o estresse e a agressividade. Tudo parece ser feito não para resolver problemas, mas para impedir que responsáveis por eles sejam atingidos.
Observemos nossa carteira de identidade. Nela, nossa fotografia é irreconhecível: sem sorriso, os olhos vagos, uma imagem triste, que não se parece conosco e na qual ninguém nos reconhecerá. São diretrizes oficiais do Ministério do Interior francês: o sujeito deve “olhar para a objetiva. Adotar uma expressão neutra e ter a boca fechada” (Norma ISO/IEC 19794-5). O ministério da tristeza tem um bom motivo: essa imagem não se destina a olhares humanos, mas a programas biométricos complexos, que só reconhecem as pessoas em condições padronizadas. Assim, a fisionomia oficial de cada um é definida pelas necessidades de um programa que, nela, vê apenas uma soma de dimensões e uma imagem da qual qualquer brilho expressivo deve ser banido.

Atualmente, estão testando programas que leem os lábios das pessoas filmadas, analisam gestos, a postura e os deslocamentos. Um indivíduo parado em uma plataforma deixando passar vários trens é suspeito. Outro, caminhando no sentido oposto da multidão, também. Cada acontecimento desviante desencadeia uma sirene e provoca um controle. Pior ainda: o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos pretende equipar os aeroportos com um sistema chamado Fast (Tecnologia para detectar atribuições futuras, na sigla em inglês), cujo objetivo é identificar atitudes precursoras de más ações: olhar fugaz, batimentos acelerados etc. Como no filme de Steven Spielberg, Minority Report, o crime é conhecido antes de ter sido cometido.
Dispositivos numéricos aparentemente bem mais neutros podem ter também uma característica coercitiva. A informática individual modificou radicalmente inúmeras práticas profissionais, tornando obsoletos alguns conhecimentos acumulados. Antigamente, era preciso anos para formar um retocador de fotos, pois ele deveria ter uma destreza particular nas mãos, conhecer o material e as ferramentas utilizados. Hoje, a técnica é desviada para um programa, o artesão é proletarizado: torna-se dependente de decisões tomadas pelos engenheiros das empresas Adobe ou Apple. Como explica o artista e designer John Maeda, ninguém pode pretender ser um “grande mestre do Photoshop”: “Quem de fato detém o poder? A ferramenta ou o mestre?” Para ele, a saúde do criador passa pela posse de seus meios de produção.

Como voltar a deter nosso “destino numérico” numa época em que, sendo todos usuários de ferramentas programadas, corremos o risco de nos tornar objeto delas? Os debates em torno das questões do hacking (utilizar uma ferramenta numérica mais do que sua funcionalidade), do programa livre (nada ignorar sobre o funcionamento de um programa e poder melhorá-lo) e do amadorismo (faça você mesmo) são bem mais políticos do que tecnológicos.

*Produtor multimídia, professor da Université Paris 8 e autor, com Jean-Michel Géridan, de Processing: Le code informatique comme outil de création, Pearson, Paris, 2011.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Expointer e Agricultura Familiar: pasteurização da utopia

 
Ana Carolina Martins da Silva *


O sonho pelo qual eu brigo exige que eu invente em mim a coragem de lutar ao lado da coragem de amar. (Paulo Freire)

A EXPOINTER, quem diria, começou no Parque da Redenção. Segundo dados da SEAPA (Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio do Gov. Do RS), essa movimentação iniciou em 1901, no Campo da Redenção, hoje Parque da Redenção. Conhecida como Exposição Estadual, em 1972, com a oficialização da participação de outros países, a feira passou a chamar-se Expointer – Exposição Internacional de Animais. Atualmente em Esteio/RS, na sua 34ª edição internacional, a Feira apresenta novidades em agropecuária e agroindústria, sendo divulgada como um cartão de visitas do agronegócio do Rio Grande do Sul [...]

A palavra Agronegócio não parece ter muito a ver com a palavra família. Uma parece ligada ao mundo fora de casa, a outra, ao mundo de dentro. Entretanto, tangenciada cada vez mais para fora de casa, a família tenta sobreviver como pode no mundo do capital e sua estada dentre grandes nomes dos negócios parece merecer um estudo antropológico. A prova disso é o Pavilhão da Agricultura Familiar. Considerando que todos os outros segmentos do Agronegócio são tocados, em sua linha geral, por famílias, como a questão das grandes fazendas, da criação de cavalos crioulos, as plantações de arroz, de soja, dentre outros, o que pode ter de tão diferente nesse tipo de trabalho que mereceu ter o nome “familiar” elevado a título de Pavilhão? Geraldo Hasse, em reportagem no periódico on line Sul21, grafou uma mensagem, no mínimo, assustadora: Expointer 2011 eleva a autoestima da agricultura familiar gaúcha. Pego o título, porque a reportagem em si, reflete o que Hasse viu, não vou debater com seu jornalismo altamente qualificado, tampouco sua opinião que em certos momentos perpassam nas entrelinhas e com a qual me sinto afamiliada.

Reflito sobre o que pensei ao ver o título. Ao desmembrarmos esse título, temos algumas discussões bem graves: o fato de que se existe uma agricultura familiar em destaque, possivelmente existam outras agriculturas que não são familiares; o fato de que a autoestima da agricultura famíliar poderia estar baixa; o fato de que – essa – de 2011, em especial, elevou a autoestima da agricultura familiar.

Pegando a primeira discussão, abordo o que vi, porque não faço parte. São mundos diferentes, dentro do mesmo espaço físico, numa forçação de barra de igualdade que nem de perto existe. As outras agriculturas não são ligadas à vida, considerando o equilíbrio ecológico parte fundamental, ou ao que a família idealizada por alguns de nós se vê, como um ninhozinho de amor envolvendo todos os elementos Planeta Terra. São ligadas ao monocultivo, seja de clássicos, como exemplo, cito o arroz, ou a soja, ou novidades, como o monocultivo de árvores para a celulose.

Essas agriculturas não trabalham para a família, trabalham para o capital. Mesmo as famílias que lidam com isso, longe dos sonhos de manutenção financeira de sua prole, hoje, estão a serviço do capital, são reféns de sua movimentação. É como se a outra agricultura, a dos “pequenos” fosse uma coisa distante, folclórica, quando se compara as duas. Entretanto, essa – de mercado – destrói o ambiente, apossando-se dos recursos naturais que são coletivos e devolvendo à sociedade a natureza violada, sugada, envenenada, desmatada, destruída, enquanto seus produtos, embalados em saquinhos de rótulos maravilhosos são vendidos à própria sociedade por valores que poucos podem pagar. Ao olharmos a pecuária, poderíamos talvez manter um projeto de autosustentabilidade de uma vila inteira por anos, com o valor de apenas um touro, “gordo e lustroso como gato de bolicheiro.” Talvez a das mais graves diferenças entre a família da Agricultura Familiar e a família que vive do grande agronegócio seja a aceitação de todos os passos destrutores do capitalismo. A prova disso é que há anos, o agronegócio vem garantindo, a cada eleição, em todos os níveis, fortunas para políticos profissionais defenderem leis que os protejam nesse abuso. A Agricultura familiar faz campanha para pessoas que representam projetos, o Agronegócio faz campanha para pessoas que obedeçam ao Projeto do Capital. Na minha opinião, é isso.

A segunda discussão é o fato de que a autoestima da agricultura famíliar poderia estar baixa. Circulou em agosto desse ano, um texto de Amilton Fernando Munari, o Amilton das Sementes, de Maquiné, divulgando a participação na EXPOINTER, com o convite para visitá-lo lá. Nas palavras do Amilton não há nada de autoestima baixa, ao contrário. Percebe-se que a ocupação do espaço da EXPOINTER significa uma vitória de uma causa que se sabe grandiosa.

Dizia o texto: “Voltam as sementes a brilhar no Pavilhão da Agricultura Familiar (PAF) na Expointer em Esteio RS, do dia 27 de Agosto a 04 de Setembro,desta vez junto a tempos prometida, polpa de Juçara. Depois do Coletivo da Biodiversidade,com 7 empreendimentos, do qual fiz parte por 6 anos, ter sido cortado pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, isto devido a exigência de substituição, me inscrevi novamente junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do qual sou secretário, pela Fetag, foi necessário a Emater fornecer a Declaração de a Aptidão(DAP),mais com meu bloco de notas e alvará sanitário da Agroindústria, assim ocuparei um estande no PAF. Não tinha a pretenção, mas governo e movimentos escolheram a polpa de Juçara o produto destaque em inovação, que será apresentado este ano e a mídia vem aí.”

Essa série de exigências (como a que surgiu nesse ano, de que as agroindústrias terão de atualizar suas máquinas de suco, incluindo outras, que pasteurizam, esterelizam, e outros que tais, cujo custo é uma pequena fortuna) e de subsituições e inovações voltam a confirmar o que se sabe, que a inclusão do termo familiar, muitas vezes é uma forma de exclusão. Contempla a presença, mas não dá condições de atuar. A Associação Içara, da qual Amilton faz parte, ficou apertada num cantinho no Pavilhão, e suas sementes crioulas, que também não poderiam estar presentes, foram foco de maior atenção de todos os produtores familiares e, também de integrantes dos pavilhões dos “ricos”, que vinham sistematicamente à banca procurar a riqueza da biodiversidade. Devido à militância e sua história como Passador de Sementes, Amilton manteve as sementes, em um balcão minúsculo, onde as pessoas faziam fila, se apertavam, perguntavam sobre o plantio e – com muita pena – contavam a ele sobre a perda de diversas espécies, cujas sementes não achavam em lugar nenhum, como a mandioquinha salsa. A quem interessa isso? Eu estive lá, durante três dias fiquei na Banca da Içara, junto com o Amilton e o Ricardo Dalbem, biólogo da Associação, revesando na máquina de Suco, na explicação das sementes e da manutenção da nossa Juçara, a Palmeira que alguns matam para comer o Palmito, e, cujo o fruto tem elementos nutricionais, em muito, superiores ao Açaí da Amazônia. Esse processo todo de resistência da Juçara, por pouco também não está lá, como comenta Amilton em seu texto: “Mesmo não sendo possível a inscrição da Associação Içara da qual sou coordenador, onde seria necessária DAP jurídica, (80% dos sócios comprovarem 80% de renda da agricultura), continua o nome do estande Associação Içara como definimos em reunião e não mais Família Munari como antes, esperando o melhor, que se vejam as possibilidades de atuação dentro do movimento dos agricultores, e consequente visibilidade para projetos futuros.” Consequência de uma escala de produção de pequenos grandes homens e mulheres do litoral, o suco da Juçara levava às pessoas ao delírio.

Todos o achavam delicioso e ficam extremamente chocados ao saber que a Palmeira é morta para se tirar o Palmito, em detrimento de uso dos frutos tão maravilhosos. Segundo Amilton: “A produção está sendo na agroindústria do Isaias em Morro Azul, também nos aplicamos para concretizar o rótulo da Içara, e trabalhar em parceria na Amadecon em Boa União. Em um cenário de frutas, mudas e sementes,o contato com o povo, agricultores, consumidores, será um grande aprendizado.” Ao todo, experimentaram o suco da nossa Juçara gauchinha aproximadamente três mil pessoas. Três mil pessoas que foram tocadas pelo sabor, pela consciência de preservação da Mata Atlântica, pela ação da Associação Içara, de Maquiné. Essa, talvez seja outra diferença entre a Agricultura familiar e as outras. Na Familiar, a idéia é que todos sejam contemplados pela vida, a troca e a solidariedade são constantes. Vai pelo Brasil a mensagem da floresta! Numa passada pela Banca da Associação Içara, o Ministro Afonso Florence confirmou a participação da polpa da Juçara na feira anual em Brasília ¨”Brasil Rural Contemporâneo”.

Isso me joga para o último fato que consigo abarcar nesse texto, o de que – essa – de 2011, em especial, elevou a autoestima da agricultura familiar. Como o Hasse mesmo mencionou em seu texto, essa é “A primeira Expointer do governo Tarso Genro” e ainda “tendo como protagonista central a agricultura familiar”. Para Hasse, o que o levou a crer que a autoestima desse segmento nunca esteve tão elevada, foi que o pavilhão da agricultura familiar foi de longe o mais frequentado da 34ª Exposição-Feira Internacional de Animais e Máquinas. Isso, somado à pressão das organizações familitares presentes, fez com que se decidisse a ampliar a área do segmento familiar em 2012. Para mim, há mais coisas, essa, de ser o Governo do nosso Tarso, essa de vermos Ivar Pavan Como Secretário do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, vermos um Secretário prometendo que o espaço dos produtos orgânicos será maior na próxima feira, ou ainda, estar orgulhoso ao dizer que 86% da totalidade das propriedades rurais do Estado dos estabelecimentos atendidos pela sua secretaria são de base familiar. Políticos de todas as espécies fizeram pose em frente às bancas, políticos do bem e políticos do mal. Os do bem, deixaram saudades e militância, os do mal, deixaram propagandas impressas com seu nome.

Voltando ao antagonismo que vi entre a palavra Agronegócio e a palavra Família e começando a encerrar, cito um dos comentários mais frequentes que ouvi, o sobre o preço dos reprodutores de “puro sangue” de todas as espécies na feira, de galos, touros, cavalos, outros! Parecia que todo mundo estava pasmo. O “estar pasmo” me mostrou que a população está cada vez mais ciente de que isso não tem cabimento, é uma cadeia que libera verba para alguns e aprisiona outros, inclusive os que ainda mantém seus semens, suas sementes. Observei isso em relação aos poucos homens que vi, também muito concorridos na Feira – e lindos – de todas as cores, todas as pilchas, todas as etnias, todas as idades, cada qual com seu sonho no olhar e uma mulher, enquanto centenas de mulheres graçavam sozinhas pelos pavilhões. Sob meu olhar entristecido enquanto espécie, vi estampado o desequilíbrio de gênero, causado pelo estresse, pelos poluentes químicos e tudo mais que influencia na fertilidade e na sexualidade humana. Afinal, quem mais aguenta ser vítima do Capitalismo? O tal do capitalismo que faz “pioramento” de sementes, que faz envenenamento de tudo, que faz pequenos animais monstros, para vender em partes, mais peito, mais pelo, mais carne, mais ovos, mais grades, mais encarceramento para mais produtividade. Quando penso que tal modelo tem trazido fim de espécies, tem trazido endemias, tem trazido evasão rural, miséria, endividamento, suicídios, confilitos por terra e campo, me revolto! Afinal, quem leva vantagem real nesse negócio?

Fim de mais uma EXPOINTER. A vida continua, as lutas continuam. Uns vão para suas mansões em carrões, outros para suas propriedades rurais empilhados em ônibus, outros de trem, para seus ranchos urbanos “apinchados” uns em cima dos outros, outros de carros utilitários, para casas com seus pátios e hortas, enfim, acredito que, como toda Feira, a EXPOINTER deixa esse saldo positivo: o enfrentamento de todos os conceitos, todos os paradigmas que movem o mundo. “Temos de nos mover dentro de uma sociedade capitalista”, disse o Ivar Pavan, citado por Hasse. Eu concordo. Temos de nos mover dentro da sociedade capitalista, fazer a roda dela girar e girar e ir colocando pedrinhas em suas engrenagens, tanto, até quebrá-la.

Como disse, não faço parte do mundo da Agricultura Familiar, nem do Agronegócio. Meu mundo é de todas as lutas no âmbito do Magistério. Conto o que ouvi e vi ao lado do Amilton, do Ricardo, nas filas para tudo, no trem, porque estava lá e, aqui, lendo o SUL21, ainda porque gosto de fazer a informação circular. Portanto, encerro com as palavras de quem é protagonista dessa história, do Amilton das Sementes, de Maquiné, que lembram muito o jeito de sonhar e amar de Paulo Freire: “Viva a organização dos Agricultores Familiares! Basta querer e se comprometer e fará a diferença.” AFM (Mensagem enviada por amiltonsementes@yahoo.com.br em 05/08/2011).

* Ana Carolina Martins da Silva é professora da UERGS, ambientalista e mestre em Comunicação Social

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Silvio Tendler: O brasileiro come veneno



O documentarista Silvio Tendler fala sobre seu filme/denúncia contra os rumos do modelo adotado na agricultura brasileira
  
Aline Scarso, da Redação do PATRIA LATINA

Silvio Tendler é um especialista em documentar a história brasileira. Já o fez a partir de João Goulart, Juscelino Kubitschek,Carlos Mariguela, Milton Santos, Glauber Rocha e outros nomes importantes. Em seu último documentário, Silvio não define nenhum personagem em particular, mas dá o alerta para uma grave questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento a partir dos alimentos.
Em "O veneno está na mesa", lançado na segunda-feira (25) no Rio de Janeiro, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documetário, são desastrosas.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo. Confira.
 
Brasil de Fato – Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?

Silvio Tendler – Porque a partir de agora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com [o jornalista e escritor] Eduardo Galeano em Montevidéu [no Uruguai] há uns dois anos atrás, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida. E o Galeano estava muito preocupado porque o Brasil é o país que mais consumia agrotóxico no mundo. O mundo está sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que está se fazendo com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa questão. Conversei com o João Pedro Stédile [coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], e ele disse que estavam preocupados com isso também. Por coincidência, surgiu a Campanha permanente contra os Agrotóxicos, movida por muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadas e respeitáveis. Fizemos a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter desdobramentos, porque eu agora quero trabalhar essas questões.

Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?

Pra você ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa pra falar. Então ficou em 50 [minutos]. E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem ‘está muito longo’, disseram ‘está curto, você tem que falar mais’. Quer dizer, tem que discutir outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia e estou querendo discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um modelo de desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser discutida de forma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o modelo de desenvolvimento brasileiro. Quer dizer, porque colocar os trabalhadores para fora da terra deles para que vivam de forma absolutamente marginal, provocando o inchaço das cidades e a perda de qualidade de vida para todo mundo, já que no espaço onde moravam cinco, vão morar 15? Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de obra para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.

Você também mostrou que até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo estão morrendo por aplicar em agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande...

É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxico. Se ele não usar o agrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc, você é obrigado a devolver o dinheiro. Então não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer ‘não quero plantar transgênico’, ‘não quero trabalhar com herbicidas’, ‘quero trabalhar com agricultura orgânica, natural’. Porque para o banco, a garantia de que a safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra, são os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas. Esse modelo está completamente errado. O camponês não tem nenhum tipo de crédito alternativo, que dê a ele o direito de fazer um outro tipo de agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como empregadas do agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme. Depois de três anos fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma hepatopatia grave. Tem outra senhora de 32 anos que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho dela com agrotóxico na lavoura do fumo.

A impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?

Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar. Eu não quis, digamos assustar a classe média. Eu só estou mostrando os malefícios que o agrotóxico provoca na vida da gente para que a classe média se convença que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é uma luta que não é individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente que parte do princípio ‘ah, então já sei, perto da minha casa tem uma feirinha orgânica e eu vou me virar e comer lá’, porque são pessoas que têm maior poder aquisitivo e poderiam comprar. Mas a questão não é essa. A questão é política, porque o agrotóxico está infiltrado no nosso cotidiano, entendeu? Queira você ou não, o agrotóxico chega à sua mesa através do pão, da pizza, do macarrão. O trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano. Você vai na pizzaria comer uma pizza deliciosa e aquilo ali tem transgênico. O que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso independe de você. Hoje nada escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso, plantando sua hortinha e sua terrinha, ou se você é uma pessoa que vai ficar exposta a isso e será obrigada a consumir.

Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?

Deixa eu te falar, o governo Dilma está começando agora, não tem nenhum ano, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles [o governo] não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você ‘ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe’, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico. [As mortes] vão todas para as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as crianças que vivem em volta, entendeu? Eu acho que seria ótimo se esse filme chegasse nas mãos da presidenta e ela pudesse tomar consciência desse modelo que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a mudar as políticas.

No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?

É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo ‘tudo bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme’. Se as empresas que manipulam e produzem agrotóxico me chamarem para conversar, eu vou. E vou me basear cientificamente na questão porque eles também são craques em enrolar. Querem comprovar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu preciso de subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário para a minha vida. Nesse primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas pessoas já começaram a me assustar, ‘você vai tomar processo’, mas eu estou na vida para viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu falei a verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito como cineasta, de dizer o que eu penso.

Esse filme será lançado somente no Rio ou em outras capitais também?

Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de ‘copie e distribua’. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem. O ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a Campanha, consiga distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil cópias para serem distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos sociais e sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que levar esse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidenta da República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que ver esse filme.

E expectativa é boa então?

Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.

Foto: Gabriela Nehring

Fonte: Brasil de Fato

domingo, 26 de junho de 2011

A RBS e a privatização da água


Boletim n° 680 do Sindiágua-RS assinala que episódio da privatização da água em Uruguaiana parece ter despertado o apetite da RBS em defesa de novas privatizações no Estado. Vale a pena acompanhar a sequência de fatos e movimentos midiáticos apontada pelo boletim:

Tarso não abriu cofre

Ao que parece e, pelo que se vê, o governador Tarso Genro não abriu os cofres do governo para a RBS. A capa de Zero Hora do último domingo, a festa que Lasier Martins fez ao prefeito lá em Uruguaiana, as várias matérias com tom “simpático” à privatização, enfim, todo o comportamento já por demais conhecido deste grupo de comunicação que todos sabemos que tem lado e não mede esforços para tentar derrubar quem não compactua com sua ganância por dinheiro e poder.

Descoberta “estranha”
 
O episódio do tapa do deputado Sergio Moraes serviu para o Lasier Martins descobrir, já quase no fim da vida, que os partidos que estão no governo disputam os cargos da administração. Quem acompanha os jornais da RBS vê que este senhor tem se mostrado cada dia mais surpreso com esta grande descoberta que fez. Vejam só! Partidos disputando cargos no governo! Que coisa, não? Nunca antes na história deste Estado aconteceu coisa parecida. Por certo aspecto, até tem razão o calvo da RBS. No governo passado, dentro da Corsan, por exemplo, não havia disputa de cargos. Marco Alba, Costela e o outro calvo vindo do Banrisul, não davam direito à disputas. Até os estagiários eram indicados por eles sem direito a contestação de quem quer que fosse.

Capa de Zero Hora
 
O que vocês acham que a frase “Levante contra a Corsan ganha força no interior” estava fazendo justamente num domingo na capa do principal veículo escrito da RBS? Na realidade, o que temos? Certo mesmo, é um grupo de prefeitos que já se deixaram, digamos, levar pelos apelos da iniciativa privada. Onde o que menos interessa são os planos da Corsan ou suas propostas. E, claro, um movimento que é orquestrado justamente por um dos prefeitos envolvidos que hoje é presidente da Famurs. Temos condições de reverter? Temos. Vamos sair deste processo sem perder nenhum município? Embora difícil, esta é a nossa luta.

Nota da Corsan
 
Até para entender melhor o que se passa hoje no Estado, resolvemos publicar aqui também a nota do presidente da Corsan, Arnaldo Dutra, que foi colocada na Zero Hora:
O título “Levante contra a Corsan ganha força no Interior”, capa de ZH do último domingo, na minha opinião não reflete nem o conteúdo da matéria publicada,nem a realidade do serviço de abastecimento de água e esgoto no Estado. Se, das 35 prefeituras consultadas pela reportagem, 13 responderam que pretendem ou pelo menos estudam a possibilidade de privatizar o serviço e 22 não têm a intenção de deixar a Corsan, a síntese da capa está , no mínimo amplificada. Em um universo mais global, das 322 cidades gaúchas atendidas pela Corsan estas 13 representam apenas 4%, o que entendo estar longe de um levante.
Aproveito para reafirmar nosso compromisso em investir e melhorar os serviços prestados pela Corsan em todas as cidades onde temos contrato e me colocar a disposição para discutir este tema fundamental para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, que é o saneamento.
Colegas, note que a matéria que deu origem a resposta do presidente da Corsan saiu na capa do jornal dominical. Já a sua resposta, publicada nesta terça-feira, ficou escondida na página 2. Não seria de bom senso, jornalisticamente falando, dar o mesmo espaço que foi dado a matéria de domingo para a reposta por parte da Companhia? Ou até mesmo uma matéria sobre o que a Corsan pretende fazer sobre o quadro atual da empresa?

Enquete
 
No sábado, uma enquete fajuta fez a seguinte pergunta aos leitores do jornal: “Qual a sua opinião sobre a concessão da gestão da água a empresas privadas?”. O resultado: 8 a 5 pró-privatização do serviço. E no domingo a matéria de capa aborda justamente o tal do “Levante contra a Corsan”. Entranho, não?

sábado, 25 de junho de 2011

Brizola Neto: O entreguismo da direita não tem limites



por Brizola Neto, no Tijolaço

É impressionante como a oposição brasileira é incapaz de qualquer ato que não seja o da mais absoluta  vassalagem ao capital internacional.
É completamente incabível, sob qualquer aspecto, a reação ao fato de se estar promovendo, através de lei específica, a regulação – e não a proibição – da  propriedade estrangeira de solo brasileiro, como publica hoje o Estadão.
Ninguém quer se meter com a vida de alguém que, cansado do frio europeu, queira ter um sitiozinho ou uma chácara no Brasil. Seja bem-vindo, esteja em casa.
Não se pode descartar, mesmo, que o limite mínimo para ter de haver registro – que é de cinco hectares, (50 mil metros quadrados) possa ser um pouco maior, em áreas não-urbanas. Negociação é assim mesmo, você oferece o mínimo e cede um pouco, dentro do razoável.
Daí em diante, a transação teria de ter a aprovação e o registro em um órgão público. Nada demais. Apenas queremo saber o que o “mister” quer fazer com a terra, qual é o seu projeto.
E para as propriedades de mais de 500 mil hectares – cinco milhões de metros quadrados – a União seria detentora de uma espécie de “golden share”, uma participação garantida na definição do uso da terra.
Portanto, longe de ser uma medida radical, é o mínimo que o país precisa para controlar um bem que não é “fabricável”: o seu território.
O Tijolaço já tratou deste tema com mais detalhes – o que você pode ler aqui – e a gente reproduz o mapa que publicou naquela ocasião.
Nele, repare uma coisa: todo mundo pensa que estrangeiro comprando terra é coisa lá nos cafundós, não é? Nada, é só você olhar no mapa e ver que é o agronegócio a cereja do bolo: Mato Grosso, São Paulo e Mato Grosso do Sul não os estados onde a terra mais foi abocanhada.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Lançado Comitê para proteção do meio ambiente


 

Vivian Virissimo no Sul21

O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável foi lançado nesta terça-feira (7), com o objetivo de reunir diferentes segmentos da sociedade a fim de combater o avanço dos desmatamentos no Brasil em virtude da votação do novo Código Florestal. Na oportunidade também foi divulgado manifesto.
O Comitê tem o mérito de reunir entidades brasileiras diversas, como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Via Campesina Brasil. Também integram o comitê o Movimento Humanos Direitos, Movimento Amazônia para Sempre e a aliança de Ongs SOS Florestas.
João Paulo Rodrigues, da Via Campesina, ressaltou que este é um momento de enfrentamento ao setor mais reacionário do país, que combina o latifúndio atrasado e o agronegócio. Rodrigues adiantou que o movimento fará, ainda este ano, um acampamento por tempo indeterminado em Brasília.
O próximo passo será o agendamento de audiência com a presidenta Dilma Rousseff, presidente do Senado, além das lideranças que possuem representação na casa.
Nesta quarta-feira (8), o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) divulgou comunicado informando que a alteração do Código Florestal pode acarretar impactos significativos na cobertura vegetal dos biomas brasileiros. O estudo pretende fornecer argumentos científicos para qualificar o debate em torno das alterações na lei. O comunicado aponta que a aprovação da nova legislação irá prejudicar a intenção do Brasil de reduzir a emissão de carbono, proposta ratificada pelo país em diversos tratados internacionais.
Com relação a este ponto, ontem a presidenta Dilma Rousseff declarou em evento da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável que o avanço do desmatamento não está em negociação. “Iremos cumprir os compromissos que assumimos e não permitiremos que haja volta atrás na roda da História”, sinalizou a presidenta.
Confira o teor do manifesto:
Manifesto em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável do Brasil
Por que tanta polêmica em torno da manutenção do que resta das nossas florestas? Será possível que ambientalistas, cientistas, empresários, representantes de comunidades, movimentos sociais e tantos cidadãos e cidadãs manifestem sua indignação diante do texto do Código Florestal, aprovado pela Câmara dos Deputados, apenas por um suposto radicalismo ou desejo de conflito sem cabimento? Será justo afirmar que os defensores das florestas não levam em conta as pessoas e suas necessidades de produzir e consumir alimentos? Do que se trata, afinal? O que importa para todos os brasileiros?
Importa, em primeiro lugar, esclarecer a grande confusão sob a qual se criam tantas desinformações: não está se fazendo a defesa pura e simples das florestas. Elas são parte dos sonhos de um país com mais saúde, menos injustiça, no qual a qualidade de vida de todos seja um critério levado em conta. Um Brasil no qual os mais pobres não sejam relegados a lugares destruídos, perigosos e insalubres. No qual a natureza seja respeitada para que continue sendo a nossa principal fonte de vida e não a mensageira de nossas doenças e de catástrofes.
A Constituição Brasileira afirma com enorme clareza esses ideais, no seu artigo 225, quando estabelece que o meio ambiente saudável e equilibrado é um direito da coletividade e todos – Poder Público e sociedade – têm o dever de defendê-lo para seu próprio usufruto e para as futuras gerações.
Esse é o princípio fundamental sob ataque agora no Congresso Nacional, com a aprovação do projeto de lei que altera o Código Florestal. 23 anos após a vigência de nossa Constituição quer-se abrir mão de suas conquistas e provocar enorme retrocesso.
Há décadas se fala que o destino do Brasil é ser potência mundial. E muitos ainda não perceberam que o grande trunfo do Brasil para chegar a ser potência é a sua condição ambiental diferenciada, nesses tempos em que o aquecimento global leva a previsões sombrias e em que o acesso à água transforma-se numa necessidade mais estratégica do que a posse de petróleo. Água depende de florestas. Temos o direito de destruí-las ainda mais? A qualidade do solo, para produzir alimentos, depende das florestas. Elas também são fundamentais para o equilíbrio climático, objetivo de todas as nações do planeta. Sua retirada irresponsável está ainda no centro das causas de desastres ocorridos em áreas de risco, que tantas mortes têm causado, no Brasil e no mundo.
Tudo o que aqui foi dito pode ser resumido numa frase: vamos usar, sim, nossos recursos naturais, mas de maneira sustentável. Ou seja, com o conhecimento, os cuidados e as técnicas que evitam sua destruição pura e simples.
É mais do que hora de o País atualizar sua visão de desenvolvimento para incorporar essa atitude e essa visão sustentável em todas as suas dimensões. Tal como a Constituição reconhece a manutenção das florestas como parte do projeto nacional de desenvolvimento, cabe ao poder público e nós, cidadãos brasileiros, garantir que isso aconteça.
Devemos aproveitar a discussão do Código Florestal para avançar na construção do desenvolvimento sustentável. Para isso, é de extrema importância que o Senado e o governo federal ouçam a sociedade brasileira e jamais esqueçam que seus mandatos contêm, na origem, compromisso democrático inalienável de respeitar e dialogar com a sociedade para construir nossos caminhos.
O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, criado pelas instituições abaixo assinadas, convoca a sociedade brasileira a se unir a esse desafio, contribuindo para a promoção do debate e a apresentação de propostas, de modo que o Senado tenha a seu alcance elementos para aprovar uma lei à altura do Brasil.
Com informações do Brasil de Fato, Agência Brasil e Rede Brasil Atual

domingo, 5 de junho de 2011

As vozes clamam, mas o dinheiro não tem ouvidos!



Eliane Tavares em seu blog


Os fatos registrados na última semana no Pará mostram claramente, com som e imagem, quem manda neste país. A oligarquia agrária, os grandes fazendeiros, as empresas estrangeiras que se apropriam a cada dia das terras brasileiras. Conforme relatórios da Comissão Pastoral da Terra, hoje, menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil hectares. E são estes os responsáveis pela produção do alimento e pela geração de emprego no campo. São as propriedades com menos de 100 hectares as que produzem 47% da comida que nos mantém vivos e empregam cerca de 40% da mão de obra.

Por outro lado, apenas 1% dos proprietários rurais detém em torno de 46% de todas as terras. Não bastasse essa ínfima minoria tomar conta de quase tudo, dos aproximadamente 400 milhões de hectares que aparecem como propriedade privada, apenas 60 milhões de hectares são usados para plantar comida. O restante das terras está ocioso ou subutilizado. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), aponta um dado significativo: existem 100 milhões de hectares de terras ociosas e cerca de 4,8 milhões de famílias sem-terra no Brasil. As grandes propriedades, com mais de 10 mil hectares aparecem nos relatórios como as que participam apenas 4% da produção de alimento e 4,2% de absorção de mão-de-obra.

A pergunta que fica batendo então é: como pode um pequeno grupo que sequer planta comida ou emprega gente ter tanto apoio governamental? Ora, a resposta é simples, eles têm grana e mantém as casas legislativas sob seu comando. No blog “Os donos da terra” (
http://donosdaterra.blogspot.com/), dirigido pelo jornalista Alceu Castilhos, pode-se encontrar muitos desses exemplos. Seja na Câmara de Deputados, seja nos legislativos estaduais, a bancada ruralista é puro poder. Quem duvida veja a votação do código florestal. 420 x 68. Goleada! Isso prova por A + B que o processo eleitoral no Brasil não tem qualquer relação com a democracia. O que vale é a força do dinheiro. E ponto final.

Outra coisa importante que a votação do código mostrou é o quanto as vozes das gentes, o tal do povo que os deputados falam tanto quando pedem voto, não são levadas em consideração para nada. Durante anos, as propostas do novo código florestal foram rebatidas, pessoas se mobilizaram, gritaram, fizeram protestos, especialistas ditaram os males que viriam, pitonisas previam desgraças e nada foi capaz de barrar a vitória dos grandes latifundiários.

Belo Monte é o quê?

Agora, no Brasil, uma nova queda de braço se faz entre a maioria e a minoria endinheirada. O mesmo velho e odioso massacre do capital contra a maioria das gentes. É a construção da Usina de Belo Monte. Quantos relatórios já foram formulados? Quantas análises? Quantos gritos de clamor e desespero já ecoaram na beira dos rios, nas florestas? Mas, o dinheiro é surdo. Não há como ouvir. O lucro de uns poucos (o 1%) vale mais do que a vida de milhares de pessoas que vivem do rio e da floresta. A usina segue em frente, devastando a floresta, alagando as terras, desalojando as famílias. Que farão? Para onde irão? Ninguém se importa. É o preço do progresso. Alguém tem de fazer algum sacrifício. Mas, esse “alguém”, é claro, nunca são os ricos.

Num tempo em que as tecnologias alternativas de energia já são realidades concretas, o Brasil insiste na mesma matriz das usinas gigantes. Elas geram muita energia, é certo. Mas a que custo? O lago de Belo Monte inundará mais de 500 quilômetros quadrados de terra. Destruirá rios, peixes, gentes e territórios sagrados. O lago mudará para sempre o curso do rio Xingu, que na língua kamaiurá quer dizer água limpa. Esse imenso rio, de mais de dois mil quilômetros, que nasce no Mato Grosso e vai até o Pará é sinônimo de vida para milhões de pessoas que vivem nas suas margens. Pois ao custo de 25 bilhões de reais, que engordarão as empreiteiras, o governo pretende construir uma obra que equivale a oito maracanãs. O impacto que a usina vai causar na floresta é a destruição de nove milhões de hectares, equivalente a duas vezes a cidade do Rio de Janeiro. Um gigante de concreto em meio à floresta. Um totem mítico de destruição. As autoridades falam em desenvolvimento. Mas não dizem para quem.

A fala dos indígenas é desprovida de som

Dentre os mais prejudicados com a obra de Belo Monte estão os povos indígenas. Para eles, a destruição das terras e do Xingu é muito mais do que o fim material do espaço de subsistência. O território é também espaço sagrado, é dos rios e matas que nascem os deuses, as coisas benditas. Com a obra, as máquinas não apenas destroem a natureza, elas invadem o mundo interior. Seria - para dar um exemplo que os católicos entendem - algo assim como uma retro escavadeira derrubar a catedral de Aparecida para ali erguer um shopping. Os arautos do progresso fazem vistas grossas a isso. Que importa meia dúzia de índios diante da grandiosidade da obra? Alguém tem de pagar o preço do desenvolvimento. E que sejam os pobres, como sempre. Ainda que seja preciso burlar a própria lei.

Diz a Constituição brasileira, no artigo 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Ora. Então a palavra dos povos indígenas deveria ser ouvida, levada em consideração. Até porque a lei é bem clara, caso haja interesse público da União em fazer uso das terras originalmente ocupadas pelos indígenas, isso só deve acontecer depois de um diálogo com eles. E diálogo pressupõe que os argumentos do outro sejam levados em conta. Não é o que tem acontecido.

Uma pesquisa rápida nos textos e vídeos onde aparece a voz dos povos indígenas sobre a obra já deixa bem claro que eles são contra a construção da usina aos moldes que está sendo pensada, como uma mega obra.

Diz o Cacique Kotoke, vivente no alto Xingu: “Isso aqui acabou o Xingu, né? Esse problema que está sendo feito tá deixando a gente não trabalhar direito e não dormir direito, pensando nisso, no mundo que vamos viver no futuro, se não tiver peixe. Porque vocês estão fazendo isso sem consultar as lideranças? Antes de ser elaborado qualquer documento, tem de ser consultado todo mundo. Eu vou falar aqui diante de todo mundo, das lideranças mais velhas, que já vinham lutando por nossos direitos. Estamos aqui tentando solucionar problema novo. O branco cada dia mais está querendo colocar as dificuldades para nossa comunidade indígena. Só que ele é outra pessoa. Não fala nossa língua. Ele pode tentar explicar para nós, mas nós não vamos entender. Foi criado um estatuto. Não sei quem criou isso. E enquanto a gente está aqui na aldeia, sem saber de nada que está acontecendo lá fora, fizeram estatuto. A lei do índio. Isso pegou nós também. Eu acho muito errado se o presidente da Funai fez isso. Ele tinha que ter vindo aqui consultar nós, as 14 etnias. Foi assinado pelo presidente da Funai, pelo presidente Lula. Lula nem chegou aqui para conhecer nós, a gente nem chegou a pegar a mão dele. E vem querer se meter na vida da gente?(veja o vídeo)

(
http://www.youtube.com/watch?v=lW8E3WuKUqc&feature=fvst).

Até mesmo o programa Fantástico, da Globo, ao ouvir a voz indígena, ainda que de forma ritual, numa frase, se depara com a preocupação: “tem muitas crianças que quando chegar na idade adulta já vão encontrar o rio seco”.(veja o víedeo)
 
(http://www.youtube.com/watch?v=E4TUY5AJvC4).

Ao passar cada um dos vídeos que estão disponíveis na internet, pode-se perceber a perplexidade de uma gente que a lei brasileira acostumou a tutelar. Eles falam da obra, estupefatos, como se fosse impossível que o governo não os ouvisse, embora seja centenária a falta de cuidado e a mentira praticada pelo estado nacional. Ainda assim, mesmo perplexos, eles se dispõe a lutar. “Estamos preparados para o que der e vier. A gente já fez vários movimentos para chamar atenção do governo e a gente não vai recuar. Vai partir pra cima também pra mostrar como é o dia a dia das comunidades das áreas indígenas”. Em Altamira diz uma mulher das comunidades ribeirinhas, “A barragem vem trazer muita destruição pra nós”. “Aqui tem o milho, o arroz, o feijão, tem o cacau, que é como uma vaca de leite. Todo dia você tira e todo dia tá vindo”. Diz o Cacique Onça: “E se o rio secar, o que vão fazer conosco. Sem água a caça vai embora, não vai ter peixe nem água pra beber.(veja o vídeo)
 
(http://www.youtube.com/watch?v=aFrQ5CkxZkg).

No contraponto com a voz indígena aparece a do ministro Edson Lobão, afirmando categoricamente que a obra não vai prejudicar nem os índios nem o meio ambiente. “É de interesses nacional e preserva o meio ambiente”. Quanto cinismo. O ministro diz ainda que as reservas indígenas estão longe de Belo Monte, a mais perto ficando a 31 km. “Existem 2.500 índios para cerca de dois milhões e 500 mil hectares”. Insinua assim que é muita terra para pouco índio, mais uma vez desconhecendo o modo de vida e fazendo pouco da forma de organização das comunidades. Belo Monte produzirá 11 mil mega watts, diz o ministro. E isso basta para que milhares de pessoas percam seu mundo.(veja o vídeo)
 
(http://www.youtube.com/watch?v=OkJfV4GqOA4)

Enquanto isso clamam as vozes como a de Sheila Juruna. “Estamos sendo desrespeitados no direito de sermos ouvidos. Nós queremos que todo o povo indígena seja ouvido para colocar nossa opinião contrária, dizer por que não tem viabilidade econômica, e não viabilidade social nenhuma.

No vídeo “Povo do Xingu contra a construção de Belo Monte”, as vozes se sucedem. “É minha terra, não é de Lula”, grita uma mulher magrinha, pintada para a guerra. “O que nós queremos? Que a mata, as florestas, a terras, os animais continuem vivos para servir nossa alimentação”, diz Amiloty Kayapó. “Nós temos filhos, netos, crianças e adultos e vivemos na floresta, nossa terra. Precisamos da floresta. Por isso eu, como mulher, estou lutando junto com os homens para impedir a construção da barragem de belo monte. Aqui no parque tem 15 povos. Diminui o volume da água, e a reporodução dos peixes”, diz Iredjo Kayapó

O Cacique Megaron Kayapó resume a dificuldade que enfrentam: “esse nosso movimento é para mostrar para as pessoas que as vezes não entendem muito nosso costume, como nós vive, de que nós vive. E nós, indio, depende do rio, depende da floresta, depende da terra para poder sobreviver. Na terra nós planta, na floresta nós caça e no rio tem os peixe que nós pesca pra alimentar nossa familia”. Também assim se manifesta o cacique Raoni: “Eu não quero a construção da barragem. Por que? Porque eu quero que o rio continue com vida, igual a nós. Eu quero que peixes, animais e outros seres vivos continuem vivendo em paz”.

Fala o Cacique Sadea Juruna, “se Belo Monte for construido muitas coisas vão ficar diferentes. O peixe vai desaparecer. O alagamento vai fazer o peixe se espalhar e vai ser difícil. Vai matar tudo o que a gente tem”. Diz Watatakalu Yawalapiti, “o índio não aguenta comer arroz e feijão, refrigerante, todo dia. Ele vive do beiju e do peixe. Minha comunidade vive do peixe. Morreu o Xingu a gente também morre junto. O rio é nossa vida, é tudo pra nós. Os brancos criaram uma lei que dizia que antes de fazer qualquer coisa em área indígena eles consultariam os indigenas”. E assim vai! Então, como é possível que essas vozes não sejam levadas em conta? Por que os desejos e o modo de vida destes povos não são respeitados. Por que é tão difícil entender sua lógica? É como diz um destes habitante das matas: “vocês não usam o mercado? Pois o nosso mercado é o mato, a água, a terra. É com isso que a gente sobrevive”.

Mas, apesar de todas as vozes clamarem contra a obra, ela segue seu curso. O gigante de concreto vai crescer em meio à floresta. Destruindo, devastando, apagando a vida. A menos que o povo unido pare Belo Monte. Mas tem de ser com todos juntos, estudantes, sindicalistas, lutadores sociais. Esta não pode ser uma luta só dos índios ou dos ribeirinhos. Ela tem de ser uma luta de todos. Ou a gente se move ou o futuro cobrará a fatura. Logo ali na frente...

O choro de Raoni não deve servir para comiseração, mas para ódio, ódio são, contra os vilões.. como já dizia Cruz e Souza!

sábado, 4 de junho de 2011

Educadores gaúchos vão ao campo aprender com assentados



Por Nanda Barreto para o Blog da Reforma Agrária

Mais de 60 professores da rede pública de ensino do Rio Grande do Sul foram ao Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, nesta quinta-feira (2), para conhecer a produção agroecológica local e debater estratégias de educação ambiental dentro e fora da sala de aula. A atividade começou cedinho, com um delicioso café colonial e marcou as comemorações do Dia do Alimento Orgânico.

“Nós queremos que os professores vivenciem a realidade do campo, que provem alimentos livres de agrotóxicos e reflitam sobre a importância de uma alimentação saudável”, destaca a professora Olga Justo, que coordena o Fórum Permanente de Educação Ambiental – grupo criado em abril deste ano com o objetivo de estimular o ensino de práticas sustentáveis nas escolas e comunidades da Grande Porto Alegre.

Ainda pela manhã, os professores foram conhecer a horta do assentamento e participaram de palestras sobre temas relacionados à organização dos trabalhadores rurais, alimentação escolar de qualidade e legislação sobre transgênicos e uso de agrotóxicos.

O representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Leonardo Magarejo, alertou sobre a necessidade de buscar informações sobre os alimentos disponíveis nas prateleiras dos supermercados. “Temos que manter o princípio da precaução. Ainda não é possível dimensionar exatamente os prejuízos dos alimentos transgênicos, mas não podemos de jeito nenhum assumir a falta de informação como sinônimo de que não há perigo”.

O debate também levantou a importância do papel dos educadores na formação de uma sociedade que assuma sua responsabilidade com o meio ambiente, numa perspectiva que vá desde o incentivo à alimentação saudável por parte das crianças e adolescentes até questões mais amplas como a coleta seletiva do lixo, o estímulo à economia solidária e o consumo responsável.

O presidente da Associação dos Produtores de Arroz Ecológico, Leonildo Zang, foi direto ao ponto. “A sustentabilidade é uma responsabilidade de todos e cada um de nós é importante nessa caminhada. Não tem governante que seja mais importante do que nós, professores e trabalhadores do campo. Nós temos em comum o fato de que muitas vezes não somos valorizados, mas não podemos perder nosso foco. A nossa visão é de futuro. Sou eu quem produz o alimento saudável que chega na mesa das famílias e são vocês que ajudam a formar nossas crianças”.
Trajetória de luta

Fundado em 1998, o Assentamento Filhos de Sepé tem uma área de 9.500 hectares, onde vivem e trabalham 365 famílias de pequenos agricultores. De lá para cá, os trabalhadores tem se empenhado em desenvolver uma produção 100% orgânica, enfrentando o padrão de agricultura baseado na quantidade e no lucro.

A sustentabilidade financeira do assentamento é garantida principalmente pela Companhia Nacional de Abastecimento mas, de acordo com o agricultor Huli Zang, que é diretor da Cooperativa local, a Lei Federal 11.947, que prioriza a aquisição de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, abriu um novo mercado para o assentamento. “Antes, quem comprava o nosso arroz integral era só quem tinha um poder aquisitivo um pouco maior, agora o alimento saudável está chegando em quem mais precisa, que é a comunidade escolar da rede pública”.

A principal fonte de renda provém do arroz, mas a economia local é baseada na diversidade, com a comercialização de itens como ovos, queijo, frutas, carne e leite. Outra conquista trazida pela demanda da merenda escolar foi a criação de uma padaria liderada por mais de 10 mulheres do assentamento.
A trabalhadora Solange Pietroski é uma delas: “Eu tenho 52 anos e lido na roça desde que pude carregar o peso da enxada. Estes anos têm sido de muitas batalhas. A padaria abriu um novo horizonte para mim. Estamos aprendendo muito umas com as outras e posso dizer: a nossa luta valeu a pena e que eu amo o que faço”, comenta.

terça-feira, 31 de maio de 2011

The Economist: Benvindos ao Antropozóico

da revista britânica Economist, via Viomundo

Os humanos mudaram a forma como o mundo funciona. Agora também precisam mudar a forma como pensam sobre isso

A Terra é uma coisa grande: se fosse dividida de forma equânime por todos os 7 bilhões de habitantes, cada um ficaria com quase um trilhão de toneladas. Pensar que o funcionamento de um ente tão vasto poderia ser mudado de forma duradoura por uma espécie que tem corrido pela superfície dele por menos de 1% de 1% de sua história parece, considerando apenas isso, absurdo. Mas não é. Os humanos se tornaram uma força da natureza que muda o planeta em escala geológica — mas numa velocidade mais rápida que a geológica.
Só um projeto de engenharia, a mina de Syncrude nas areias betuminosas de Athabasca, envolve o movimento de 30 bilhões de toneladas de terra — duas vezes mais que a quantidade de sedimento que flui em todos os rios no mundo em um ano. Aquele fluxo de sedimento, enquanto isso, está encolhendo: quase 50 mil grandes represas no último meio século reduziram o fluxo [de sedimento nos rios] em quase um quinto. É uma das razões pelas quais os deltas da Terra, onde vivem centenas de milhões de pessoas, estão erodindo num ritmo que impede que sejam reabastecidos.
Os geólogos se importam com sedimentos, martelando neles para descobrir o que têm a dizer sobre o passado — especialmente sobre as grandes porções de tempo que a Terra atravessa de um período geológico a outro. Com o mesmo espírito os geólogos olham para a distribuição de fósseis, para traços das geleiras, para o nível dos oceanos. Agora, um número destes cientistas argumenta que futuros geólogos, observando este momento do progresso da Terra, vão concluir que algo muito estranho está acontecendo.
O ciclo do carbono (e o debate sobre o aquecimento global) é parte da mudança. Assim também é o ciclo do nitrogênio, que converte nitrogênio puro da atmosfera em químicos úteis, e que os humanos ajudaram a acelerar em mais de 150%. Eles e outros processos antes naturais foram interrompidos, remodelados e, principalmente, acelerados. Os cientistas estão crescentemente usando um novo nome para este período. Em vez de nos colocar ainda no Cenozóico, uma era particularmente estável que começou há cerca de 10 mil anos, os geólogos dizem que já estamos vivendo no Antropozóico: a idade do homem.
The new geology leaves all in doubt
O que os geólogos escolhem chamar de um período histórico normalmente importa pouco para o resto da humanidade; disputas na Comissão Internacional de Estratigrafia sobre os limites do Período Ordoviciano normalmente não capturam as manchetes. O Antropozóico é diferente. É um daqueles momentos em que cai a ficha científica, como quando Copérnico entendeu que a Terra girava em torno do sol, momentos que podem mudar fundamentalmente a visão das pessoas sobre coisas muito além da ciência. Significa muito mais que reescrever alguns livros didáticos. Significa repensar a relação entre as pessoas e seu mundo — e agir de acordo com o resultado.
A parte de “repensar” é a mais fácil. Muitos cientistas naturais abraçam a confortável crença de que a natureza pode ser pensada, na verdade deveria ser pensada, separadamente do mundo humano, com as pessoas como meras observadoras. Muitos ambientalistas — especialmente aqueles da tradição norte-americana inspirada em Henry David Thoreau — acreditam que “o mundo selvagem é a preservação do mundo”. Mas as regiões isoladas, para o bem e para o mal, estão se tornando crescentemente irrelevantes.
Quase 90% da atividade vegetal do mundo, por algumas estimativas, é encontrada em ecossistemas onde o homem tem um papel significativo. Embora a agricultura tenha mudado o mundo por milênios, o evento Antropozóico dos combustíveis fósseis, da engenharia agrícola e, principalmente, dos fertilizantes artificiais à base de nitrogênio, incrementaram vastamente o poder da agricultura. A relevância das regiões preservadas para nosso mundo encolheu em face deste avanço. A quantidade de biomassa que agora anda sobre o planeta em forma de humanos ou animais de criação pesa muito mais que todos os outros grandes animais juntos.
Os ecossistemas do mundo são crescentemente dominados por um grupo limitado e homogêneo de culturas, animais de criação e criaturas cosmopolitas que se dão bem em ambientes dominados por humanos. Criaturas menos úteis ou adaptáveis se dão mal: a taxa de extinção hoje é bem mais rápida que durante períodos geológicos normais.
Recycling the planet
O quanto as pessoas deveriam se amedrontar com isso? Seria estranho se não se preocupassem. A história do planeta contém muitas eras menos estáveis e clementes que o Cenozóico. Quem pode garantir que a ação humana não pode empurrar o planeta para nova instabilidade?
Alguns vão querer simplesmente voltar o relógio. Mas retornar às coisas como eram não é realista, nem moralmente alcançável. Um planeta que em breve pode sustentar 10 bilhões de seres humanos precisa trabalhar de forma diferente de que quando sustentava 1 bilhão de pessoas, a maioria camponeses, 200 anos atrás. O desafio do Antropozóico é usar a engenhosidade humana para ajeitar as coisas para que o planeta possa cumprir sua tarefa do século 21.
Aumentar a resiliência do planeta vai provavelmente envolver algumas mudanças dramáticas e muitos pequenos ajustes. Um exemplo do primeiro pode vir da geoengenharia. Hoje o abundante dióxido de carbono emitido na atmosfera fica para a natureza recolher, o que ela não pode fazer suficientemente rápido. Embora as tecnologias ainda sejam nascentes, a ideia de que os humanos possam remover o carbono dos céus da mesma forma que ele é colocado lá é uma razoável expectativa Antropozóica; não evitaria o aquecimento global a curto prazo, mas poderia reduzir seu impacto, com isso reduzindo as mudanças na química dos oceanos causadas pelo excesso de carbono.
Mais frequentemente a resposta estará nos pequenos ajustes — em encontrar formas de aplicar o músculo humano em favor da natureza, em vez de contra ela, ajudando assim a tendência natural de reciclar as coisas. A interferência humana no ciclo do nitrogênio tornou o nitrogênio muito mais disponível para plantas e animais; fez muito menos para ajudar o planeta a lidar com todo aquele nitrogênio quando as plantas e animais se satisfazem. Assim, sofremos cada vez mais com as “zonas mortas” costeiras, invadidas pelo brotar de algas alimentadas por nitrogênio. Pequenas coisas, como uma agricultura mais inteligente e melhor tratamento de esgoto, poderiam ajudar muito.
Para os homens, ter um envolvimento íntimo com vários processos interconectados numa escala planetária envolve muitos riscos. Mas é possível acrescentar à resiliência do planeta, em geral com medidas simples e graduais, se elas forem bem pensadas. E uma das mensagens do Antropozóico é que as ações graduais que nos trouxeram até aqui podem rapidamente se somar para provocar mudanças globais.

PS do Viomundo: Num mundo em que a Kátia Abreu e o Aldo Rebelo se juntam, tudo é possível.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O código do atraso



As lideranças ruralistas c/ forte influência e trânsito nos arcos e cúpulas de Brasília parecem ter certeza da aprovação de um substitutivo que finalmente as desobrigará do cumprimento de exigências que estão previstas em lei desde o governo do pres. Getúlio Vargas, qdo foi editada a 1 versão do Código Florestal (1934)

por João Paulo R. Capobianco no LeMonde-Brasil
A discussão sobre florestas está nas primeiras páginas dos jornais e no horário nobre das emissoras de rádio e televisão. A boa notícia é que, dessa vez, o acalorado debate não é consequência da divulgação de números alarmantes de derrubadas na Amazônia.
Graças a uma atuação firme de combate ao desmatamento iniciada no primeiro governo Lula, que teve continuidade no segundo e, espera-se, prossiga no de Dilma Rousseff, os índices vêm diminuindo ano a ano. O monstro, que parecia incontrolável e nos assombrou e envergonhou durante os séculos em que reinou na Mata Atlântica e na Caatinga e as décadas em que ditou as regras na Amazônia e no Cerrado, mostrou sua fragilidade ao ter que enfrentar compromisso político e ação firme do governo, impulsionado a agir pela pressão da sociedade.
A má notícia, entretanto, é que essa intensa discussão não é motivada pela evidente necessidade de aperfeiçoamento da legislação florestal, a fim de torná-la mais moderna e compatível com o atual momento em que vivemos. Momento este, marcado por um forte crescimento da consciência ambiental e da valorização dos princípios da sustentabilidade.
O que estamos assistindo, é uma disputa desigual entre os que querem impor uma flexibilização total das normas de conservação e os que, impossibilitados de fazer a agenda avançar, estão na defensiva, tentando garantir que o estrago seja o menor possível.
Essa não é a primeira vez que parlamentares da intitulada “bancada ruralista”, constituída pelo que há de mais atrasado no campo, tentam flexibilizar a legislação. Em 2000 quase conseguiram. Não fosse a vigorosa reação da opinião pública e a resistência de alguns poucos parlamentares, que levaram o então presidente Fernando Henrique Cardoso a intervir no processo, teria sido aprovado o famigerado relatório do Deputado Micheletto (PMDB-PR), que literalmente destruiria os instrumentos legais de proteção da vegetação nativa do país.
Um período de avanços
Desde essa última investida até agora, algumas coisas mudaram nos processos de degradação florestal. E a mudança foi, finalmente, após décadas de descontrole, para melhor.
Na Amazônia, entre 2004 e 2010, o desmatamento anual despencou de 27.423 km² para 6.451 km², atingindo a menor taxa registrada desde que teve início o monitoramento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1988. Nos demais biomas o desmatamento também entrou em declínio, embora no Cerrado os índices ainda sejam alarmantes.
Para se chegar a esse resultado, ainda não completamente satisfatório, visto que o desmatamento, embora menor, continua em proporções muito altas, foi implementado um conjunto inédito de fortes medidas de controle.
Somente na Amazônia, onde o governo concentrou seus esforços no período de 2004 a 2010, foram criadas cerca de 261 mil km² de unidades de conservação e homologadas aproximadamente 180 mil km² de terras indígenas. Essas novas áreas protegidas tiraram do alcance de especuladores e grileiros uma área equivalente à soma dos territórios dos estados de São Paulo e do Paraná.
Para tornar ainda mais eficiente a ação contra a grilagem, um dos principais fatores de desmatamento na Amazônia, foram cancelados nos cadastros do Incra mais de 66 mil títulos de posses ilegítimas e modificados radicalmente os mecanismos e procedimentos para registro de posse.
Somaram-se a isso as operações do Ibama integradas com a Polícia Federal e polícias ambientais dos estados que levaram ao fechamento de aproximadamente 1.500 empresas clandestinas, apreensão de milhões de metros cúbicos de toras, desmonte de máfias da madeira e da especulação de terras públicas, que operavam há décadas na região, e a prisão centenas de pessoas, incluindo funcionários públicos dos governos federal e estaduais.
Complementando essas medidas, vieram outras no campo legal, como a aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.482/06) e da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/06) e a edição de vários decretos, em especial os de números 6.321/07 e 6.514/08, que definiram mecanismos muito consistentes para fazer valer o cumprimento do Código Florestal.
Contraofensiva ruralista
Conhecendo esse contexto, fica evidente não ser mera coincidência o momento escolhido para esse grande esforço empreendido pelos ruralistas, no sentido de buscar promover a completa desestruturação da legislação de proteção à vegetação nativa do país. Ele é consequência direta da percepção de que os produtores rurais em situação irregular enfrentariam cada dia mais dificuldades para continuarem a deixar de aplicar as exigências legais, frente os novos mecanismos de controle e punição engendrados nos últimos anos.
O movimento antiambiental em andamento agora na Câmara, entretanto, tem uma diferença fundamental em relação ao de 2000: ele foi, dessa vez, minuciosamente preparado em todos os seus aspectos.
Do ponto de vista processual, ressuscitaram um projeto de 1999, que já tinha sido arquivado duas vezes e o submeteram à análise de uma comissão especial criada em setembro de 2009 pelo então presidente da Câmara, Michel Temer, composta quase que exclusivamente por parlamentares ligados ao setor ruralista.
Do ponto de vista político designaram o comunista Aldo Rebelo como relator. Ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rebelo é detentor de profundo conhecimento dos processos legislativos, obtido em seus cinco mandatos consecutivos.
Do ponto de vista técnico foram ainda mais longe. Fizeram surgir dois relatórios produzidos por uma unidade da Embrapa, a “Embrapa Monitoramento por Satélite”, de resultados discutíveis, mas muito úteis às teses ruralistas.
Um deles intitulado “Alcance territorial da legislação ambiental e indigenista”, baseado em leitura tendenciosa dos dispositivos legais em vigor e em erros primários de aritmética, serviu de argumento para sustentar um suposto engessamento territorial da agropecuária brasileira pela legislação ambiental. Amplamente divulgado em audiências públicas e alardeado pelos líderes ruralistas por todo o país, o relatório chegou a afirmar que a área disponível para a agropecuária era “negativa” no Brasil.
Outro relatório, ainda mais questionável, intitulado “A dinâmica das florestas no mundo”, afirmava que nos últimos 8 mil anos o volume de florestas no Brasil teria saltado de 9,8% para 28,3% em relação ao total existente no planeta. Tal proeza, segundo os autores, deveria render louros e reconhecimento internacional e não mais pressões pela conservação. O estudo só não esclareceu aos leitores que o desmatamento em nosso país atingiu taxas anuais de proporções tão grandes que, mantido o ritmo do início dos anos 2000, estaríamos repetindo em poucas décadas o mesmo erro cometido em séculos pelos demais países criticados no relatório.
Dessa forma, com uma comissão blindada pelos representantes do setor ruralista, um relator de reconhecida competência parlamentar e trânsito no Congresso Nacional e estudos técnicos de encomenda, o resultado não poderia ser outro. No dia 6 de julho de 2010, a Comissão Especial destinada a proferir relatório sobre o Projeto de Lei 1.876 de 1999, aprovou o substitutivo de Aldo Rebelo por treze votos a favor e cinco contra.
Com a justificativa de que há um enorme contingente de produtores rurais em situação irregular, o que é verdade, e que seria necessário aprimorar os mecanismos que estimulem, apoiem e facilitem a regularização, com o que todos concordam, o substitutivo modifica profundamente as exigências legais atualmente em vigor.
As alterações propostas fazem que, como num passe de mágica, as irregularidades deixem de existir e o que era um passivo ambiental de uma propriedade rural praticamente desapareça. Com isso, muito pouco do que foi ilegalmente desmatado permanece com a obrigação de ser recuperado ou compensado, como exige a legislação brasileira desde 1934.
Uma comparação com as iniciativas governamentais de regularização do pagamento de impostos, os chamados Programas de Recuperação Fiscal (Refis), pode ajudar a entender a questão.
O Refis visa criar oportunidades para o recolhimento de impostos atrasados, que dificilmente seriam pagos em condições normais de prazos e incidência de juros. Além disso, tem o objetivo de regularizar a situação dos contribuintes inadimplentes que ficam sem acesso ao credito público. Para tanto é dado um desconto e os valores são parcelados de forma a tornar viável o pagamento.
O substitutivo de Aldo Rebelo tenta criar uma espécie de “Refis para devedores de Reserva Legal e áreas de preservação permanente”. O problema é que ele propõe mudanças tão radicais na legislação que seriam comparáveis ao governo mudar a alíquota do imposto que está atrasado durante a negociação do pagamento da dívida. Ora, se a alíquota é alterada para menor, como exigir que os devedores paguem os valores atrasados calculados com uma alíquota que já não existe.
Contrariando a justificativa original de facilitar a regularização, o substitutivo retira propriedades da situação irregular, sem que o proprietário rural tenha que corrigir pelo menos parte do ato ilegal praticado.
Esse é um dos efeitos mais perversos do texto, pois acaba por beneficiar quem desmatou em detrimento de quem cumpriu a lei e possui parte de sua propriedade com Reserva Legal e APP conservada.
O outro efeito negativo, tão grave quanto o primeiro, é que ao diminuir a dimensão das áreas que devem ser mantidas com vegetação nativa, conforme veremos a seguir, o substitutivo torna possível a autorização de desmatamento de extensas áreas hoje protegidas pelo atual Código Florestal.
Estímulo aos desmatamentos
É forçoso reconhecer que o substitutivo de Rebelo foi engenhosamente construído. Salvo dispositivos escandalosamente antiambientais, a maioria dos problemas está nos detalhes de um texto que possui 55 artigos e 37 páginas. Os principais são expostos a seguir:
1. Introdução do conceito de “Área rural consolidada”. Ao definir essa nova figura legal, o substitutivo simplesmente converte para essa categoria as ocupações irregulares feitas até 22 de julho de 2008 em fragrante desrespeito à legislação ambiental. Mais do que um jogo de palavras, introduz uma ideia que será posteriormente defendida à exaustão, de que o que está feito não deve ser revertido. Uma espécie de direito adquirido para quem desrespeitou a legislação ambiental.
2. Ampliação do conceito de pequena propriedade rural, sem critérios socialmente adequados, possibilitando o aumento significativo de proprietários rurais beneficiados pelo tratamento diferenciado e preferencial dado aos pequenos produtores rurais, mesmo sem o serem.
3. Modificação do parâmetro para o cálculo das áreas de preservação permanente (APP) nas margens dos rios, levando à redução das áreas que se encontram em situação irregular e que, portanto, teriam que ser recuperadas, além de permitir futuras autorizações de desmatamento onde hoje é proibido.
4. Redução de 30 para 15 metros a faixa de proteção (APP) das margens de rios de até cinco metros. Essa modificação, combinada com a anterior, vai reduzir drasticamente a proteção legal das matas ciliares, desobrigando a recuperação ou viabilizando novos desmatamentos.
5. Liberação da ocupação e desmatamentos da vegetação nativa situada em altitude superior a 1.800 metros, hoje protegida como APP.
6. Eliminação da proteção das áreas de várzeas, que deixam de ser consideradas como APP, sujeitando os corpos d’água a terem suas áreas de inundação natural totalmente degradadas e contaminadas por uso intenso de pesticidas e adubos.
7. Eliminação da obrigatoriedade de recuperar a Reserva Legal para propriedades de até quatro módulos fiscais, equivalentes a seiscentos hectares na Amazônia.
8. Desconto de área equivalente a quatro módulos fiscais no cálculo da Reserva Legal degradada a ser recuperada nas médias e grandes propriedades.
9. Computo da área de preservação permanente no cálculo da Reserva Legal para todo o país, independentemente das dimensões da propriedade, reduzindo o montante de área ilegalmente desmatada a ser recuperada.
10. Anistia “branca” de cinco anos para desmatadores irregulares. Esse é um dos pontos mais graves e sofisticados do substitutivo. Estabelece a obrigatoriedade da União e dos estados elaborarem, no prazo de até cinco anos, Programas de Regularização Ambiental fixando os parâmetros e as condições para a recuperação da vegetação nativa nas propriedades rurais irregulares. Durante o período de elaboração do tal Programa, o proprietário nada precisa fazer e está autorizado a continuar utilizando economicamente a área que desmatou ilegalmente. Além disso, suas multas e seus processos por desmatamento de antes de 22 de julho de 2008 ficam suspensos.
Há muitos outros aspectos nocivos no substitutivo, como a transferência de competências do Conselho Nacional do Meio Ambiente para os governos federal, estaduais e municipais, que podem editar decretos e atos normativos sem nenhum controle social ou a possibilidade ambientalmente equivocada de permitir a compensação da Reserva Legal em qualquer bioma.
O único dispositivo que tem um aparente caráter ambiental no substitutivo de Aldo Rebelo é a proposta de moratória para novos desmatamentos por um período de cinco anos, a partir da promulgação da lei. Entretanto, cotejando essa previsão com o conjunto de modificações, que tornarão praticamente impossível controlar e punir os desmatamentos ilegais, fica evidente a sua iniquidade.
O grau de acirramento do debate, resultado da radicalização do substitutivo e do próprio posicionamento de Aldo Rebelo, vem conduzindo a um impasse raras vezes visto. No esforço para impedir a desconstituição da legislação ambiental, praticamente nada está sendo feito para a definição de instrumentos legais de compensação aos que preservaram, seja por meio de mecanismos de pagamento por serviços ambientais, seja pela criação de um mercado que remunere a floresta como ativo econômico.
O que está mobilizando a academia, os empresários esclarecidos e os ambientalistas é a defesa de uma agenda preservacionista do século passado e não a do futuro onde será imperativo desenvolver instrumentos para viabilizar a coexistência entre o aumento da conservação e o aumento da produção. Esse é o desafio que deveria estar consumindo as energias dos envolvidos na discussão do Código Florestal.
Sem sinais de avanço, as reuniões se multiplicam no Congresso e no Palácio do Planalto. Uma comissão de negociação foi montada pelo atual presidente da Câmara, para se buscar um acordo que permita colocar o substitutivo em votação sem que vire uma polêmica capaz de gerar fissuras na base do governo, com graves repercussões junto à opinião pública. Até agora nenhum resultado concreto nessa direção foi obtido e multiplicam-se informações desencontradas e contraditórias sobre supostos acordos entre as partes envolvidas.
Nada parece ser suficiente para convencer a bancada ruralista e seu novo líder de que a proposta tal como está é um retrocesso inaceitável, incapaz de levar tranquilidade ao campo e, muito menos, estabelecer a tão desejada segurança jurídica para o pleno desenvolvimento da atividade agropecuária no país.
As lideranças ruralistas com forte influência e trânsito nos arcos, cúpulas e abóbadas de Brasília parecem ter certeza da aprovação de um substitutivo que finalmente as desobrigará do cumprimento de exigências que estão previstas em lei desde o governo do presidente Getúlio Vargas, quando foi editada a primeira versão do Código Florestal, em 1934. Foi naquela época, há mais de oitenta anos, que foi estabelecido que as florestas eram “interesse comum de todos os habitantes do país” e definida a obrigatoriedade de preservação de 25% da vegetação nativa das propriedades rurais e das florestas protetoras, destinadas a conservar os recursos hídricos e evitar a erosão, entre outras funções.
Como em 2000 parece que restará a presidente atuar junto às lideranças do Congresso para evitar o pior.

João Paulo R. Capobianco

Biólogo e ambientalista, é membro do Conselho Diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade, foi secretário nacional de Biodiversidade e Florestas e secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2006.