Permito-me sugerir à doutora Sandra Cureau, vice-procuradora-geral da
Justiça Eleitoral, que volte a se debruçar sobre os alfarrábios do seu
tempo de faculdade, livros e apostilas, sem esquecer de manter à mão os
códigos, obras de juristas consagrados e, sobretudo, a Constituição da
República. O erro que cometeu ao exigir de CartaCapital, no prazo de
cinco dias, a entrega da documentação completa do nosso relacionamento
publicitário com o governo federal nos leva a duvidar do acerto de quem a
escolheu para cargo tão importante.
Refiro-me, em primeiro lugar, ao erro, digamos assim, técnico.
Aceitou uma denúncia anônima para proceder contra a revista e sua
editora. Diz ela conhecer a identidade do denunciante, acoberta-o,
porém, sob o manto do sigilo condenado pelo texto constitucional e por
decisões do Supremo Tribunal Federal. Protege quem, pessoa física ou
jurídica, condiciona a denúncia ao silêncio sobre seu nome. Ou seja, a
vice-procuradora comete uma clamorosa ilegalidade.
Há outro erro, ideológico. Quem deveria zelar pela lisura do embate
eleitoral endossa a caluniosa afronta que há tempo é cometida até por
colegas jornalistas ardorosamente empenhados na campanha do candidato
tucano à Presidência. A ilação desfraldada a partir do apoio declarado, e
fartamente explicado por CartaCapital, à candidatura- de Dilma Rousseff
revela a consistência moral e ética, democrática e republicana dos
acusadores, ou por outra, a total inconsistência. A tigrada não concebe
adesão a uma candidatura sem a contrapartida em florins, libras,
dracmas. Reais justificados por abundante publicidade governista.
Sabemos ser inútil repetir que a publicidade governista premia mais
fartamente outras publicações. Sabemos que José Serra, ainda governador,
mas de mira posta na Presidência, assinou belos contratos de compra de
assinaturas com todas as maiores empresas jornalísticas do País, com
exceção, obviamente, da editora de CartaCapital. Sabemos que não é o
caso de esperar pela solidariedade- dos patrões da mídia e dos seus
empregados, bem como das chamadas entidades de classe, sem falar da
patética Sociedade Interamericana de Imprensa. Estas, aliás, se apressam
a apoiar a campanha midiática que aponta em Lula o perigo público
número 1 para a democracia e a liberdade de imprensa.
Nem todos os casos denunciados pela mídia nativa merecem as manchetes
de primeira página, um e outro nem mesmo um pálido registro. É
inegável, contudo, que dentro do PT há uma lamentável margem de manobra
para aloprados de extrações diversas. CartaCapital tem dado o devido
destaque a crimes como a quebra de sigilo fiscal e a deploráveis
fenômenos de nepotismo e clientelismo, embora não deixe de apontar a
ausência das provas sofregamente buscadas pelos perdigueiros da
informação, em vão até o momento, de ligações com a campanha de Dilma
Rousseff.
Vale, porém, discutir as implicações da liberdade de imprensa, e de
expressão em geral. É do conhecimento até do mundo mineral que a
liberdade de informar encontra seus limites no Código Penal. Se o
jornalista acusa, tem de provar a acusação. E informar significa relatar
fatos. Corretamente. Quanto à opinião, cada um tem direito à sua.
Muito me agrada que o Estadão e o Globo em editoriais e, se não me engano,- um colunista tenham aproveitado a sugestão feita por mim na semana passada. Por que não comparar Lula a Luís XIV, além de Mussolini e Hitler? Compararam, para ampliar o espectro da evocação. De ditadores de extrema-direita a um monarca por direito divino, aprazível passeio pela história. Volto à carga: sinto a falta de Stalin, talvez fosse personagem mais afinada com a personalidade de Lula, aquele que ia transformar o Brasil em república socialista. Quem sabe, a tarefa fique para a guerrilheira terrorista, assassina de criancinhas.
Espero ter sido útil, com uma contribuição aos delírios de quem percebe o poder a lhe escorrer entre os dedos. A campanha midiática a favor do candidato tucano não é digna do país que o Brasil merece ser, e sim adequada ao manicômio. Aumenta o clamor de grupelhos de inconformados de uma velha-guarda que não dispensa militares de pijama, todos protagonistas de um espetáculo que fica entre a ópera-bufa e o antigo Pinel. Que tem a ver com liberdade de imprensa acusar Lula e Dilma de pretenderem “mexicanizar”, ou “venezuelizar” o Brasil? Ou enterrar a democracia?
Muito me agrada que o Estadão e o Globo em editoriais e, se não me engano,- um colunista tenham aproveitado a sugestão feita por mim na semana passada. Por que não comparar Lula a Luís XIV, além de Mussolini e Hitler? Compararam, para ampliar o espectro da evocação. De ditadores de extrema-direita a um monarca por direito divino, aprazível passeio pela história. Volto à carga: sinto a falta de Stalin, talvez fosse personagem mais afinada com a personalidade de Lula, aquele que ia transformar o Brasil em república socialista. Quem sabe, a tarefa fique para a guerrilheira terrorista, assassina de criancinhas.
Espero ter sido útil, com uma contribuição aos delírios de quem percebe o poder a lhe escorrer entre os dedos. A campanha midiática a favor do candidato tucano não é digna do país que o Brasil merece ser, e sim adequada ao manicômio. Aumenta o clamor de grupelhos de inconformados de uma velha-guarda que não dispensa militares de pijama, todos protagonistas de um espetáculo que fica entre a ópera-bufa e o antigo Pinel. Que tem a ver com liberdade de imprensa acusar Lula e Dilma de pretenderem “mexicanizar”, ou “venezuelizar” o Brasil? Ou enterrar a democracia?
Mesmo que o presidente não pronuncie sempre palavras irretocáveis,
onde estão as provas desse terrificante projeto? Temos, isto sim, as
provas em sentido contrário: os golpistas arvoram-se a paladinos de uma
legalidade que eles somente ameaçam. A união da mídia já produziu alguns
entre os piores momentos da história brasileira. A morte de Getúlio
Vargas, presidente eleito, a resistência a Juscelino, o golpe de 1964 e
suas consequências 21 anos a fio, sem contar com a oposição à campanha
das Diretas Já. Ou com o apoio maciço à candidatura de Fernando Collor, à
reeleição de Fernando Henrique, às privatizações vergonhosamente
manipuladas.
É possível perceber agora que este congraçamento nunca foi tão
compacto. Surpreende-me, por exemplo, o aproveitamento que o Estadão faz
das reportagens de Veja, citada com todas as letras. Em outros tempos
não seria assim, a família Mesquita tachava os Civita de “argentários”
em editoriais da terceira página. As relações entre os mesmos Mesquita,
os Frias e os Marinho não eram também das melhores. Hoje não, hoje estão
mais unidos do que nunca. Pelo desespero, creio eu.
A união, apesar das divergências, sempre os trouxe à mesma frente
quando o risco foi comum. Ameaça ardilosamente elevada à enésima
potência para justificar o revide pronto e imediato. E exorbitante. A
aliança destes dias tem uma peculiaridade porque o risco temido por eles
é real, a figurar uma situação muito pior do que aquela imaginada até o
começo de 2010. Desespero rima com conselheiro, mas como tal é péssimo.
De sorte que estão a se mover para mais uma Marcha da Família, com
Deus, pela Liberdade. A derradeira, esperamos. Não nos iludamos, no
entanto. São capazes de coisas piores.
Otimista em relação ao futuro, na minha visão vivemos os estertores
de um sistema, mudança essencial ao sabor de um confronto social em
andamento, sem violência, sem sangue. Diria natural, gerado pelo
desenvolvimento, pelo crescimento. Donde, por mais sombrios que sejam os
propósitos dos verdadeiros inimigos da democracia, eles, desta vez, no
pasaran. Eles próprios se expõem a risco até ontem inimaginável. Se
houver chance para uma tentativa golpista, desta vez haverá reação
popular, com consequências imprevisíveis.
Episódio representativo da situação, conquanto não o mais assombroso,
longe disso, é a demanda da vice-procuradora da Justiça Eleitoral para
averiguar se vendemos, ou não, a nossa alma. Falo em nome de uma pequena
redação que não desiste há 16 anos na prática do jornalismo honesto,
pasma por estar sob suspeita ao apoiar às claras a candidatura Dilma.
Sugiro à doutora Sandra que, de mão na massa, verifique também se a
revista IstoÉ recebeu lauta compensação do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo e Diadema quando o acima assinado em companhia do repórter
Bernardo Lerer, escreveu uma reveladora, ouso dizer, reportagem sobre
Luiz Inácio da Silva, melhor conhecido como Lula, publicada em fevereiro
de 1978. Ou se acomodou-se em uma espécie de mensalão ao publicar oito
capas a respeito da ação de Lula à frente de uma sequência de greves
entre 1978 e 1980. Ou se me locupletei pessoalmente por ter estado ao
lado dele na noite de sua prisão, e da sua saída da cadeia, quando
enquadrado pela ditadura na Lei de Segurança Nacional, bem como nas suas
campanhas como candidato à Presidência da República. Desde o dia em que
conheci o atual presidente da República, pensei: este é o cara.
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
redação@cartacapital.com.br