Há
dois factos incontestáveis acerca dos Estados Unidos: a economia e a
classe trabalhadora experimentam uma crise económica prolongada a qual
perdura há mais de três anos e não mostra sinais de acabar; não houve
grande revolta, resistência em massa nacional ou mesmo protestos em
grande escala com quaisquer consequências. Poucos escritores tentaram
abordar este paradoxo aparente e aqueles que o fizeram deram respostas
parciais que de facto levantam mais questões do que as que respondem.
Linha de investigação
No essencial, a maior parte dos que escrevem enfatizam um dos dois lados
do “paradoxo”. Os analistas da “crise” focam a extensão, duração e
natureza duradoura da ruptura económica, descrevendo seu duro impacto
sobre a classe trabalhadora e a média em termos de perdas de emprego,
benefícios, salários, hipotecas, etc. Outros, principalmente na esquerda
progressista, enfatizam os protestos locais, respostas críticas em
inquéritos de opinião, queixas ocasionais de burocratas sindicais e as
esperanças e sermões de académicos e sabichões de que uma “revolta” está
a caminho no futuro próximo.
Dentre a minoria de analistas críticos menos confiantes há desespero
ou, pelo menos, uma visão mais pessimista do “paradoxo”. Apontam vários
obstáculos psicológicos, organizacionais e políticos profundamente
enraizados que impedem qualquer revolta ou inquietação de massa de
apossar-se do público dos Estados Unidos.
Em geral, estes críticos vêem a classe trabalhadora e média como
“vítimas” do sistema, influenciada por líderes falsos, manipulação dos
media, capitalismo corporativo e o sistema de dois partidos, o que os
impede de perseguir os seus interesses de classe.
Neste ensaio, buscarei uma linha alternativa de análise a qual
argumentará que os “inimigos externos” bloqueando a resistência da
classe trabalhadora e da classe média são ajudados e encorajados pelo
comportamento e interesse percepcionado dentro das classes. No
prosseguimento desta linha de investigação, argumentarei que tanto a
natureza como o âmbito da “crises” foi mal compreendido no seu impacto
sobre as classes trabalhadora e média e, em consequência, o grau de
contradições internas dentro daquelas classes não tem sido adequadamente
entendido.
Conceitos chave: clarificando ‘crises’ e o seu impacto
Crises económicas, mesmo severas, prolongadas, tal como a que afecta
hoje os EUA, não têm um impacto uniforme sobre todos os sectores das
classe trabalhadora e média. O impacto desigual segmentou as classes
trabalhadora e média entre aqueles que são afectados adversamente e
aqueles que o não são, ou quem em certas circunstâncias saiu
beneficiado. Esta segmentação é um factor chave responsável pela falta
de solidariedade de classe resultou em “contradições” dentro e entre as
classes trabalhadora e média.
Em segundo lugar o desenvolvimento da organização social –
especialmente a sindicalização – entre trabalhadores do sector público e
privado levou os primeiros a assegurar e reter maiores benefícios
sociais e aumentos e salários, ao passo que os últimos perderam terreno.
Os trabalhadores do sector público valem-se de financiamento público
para financiar os seus “interesses corporativos” ao passo que os do
sector privado são forçados a pagar impostos acrescidos, devido à
legislação fiscal regressiva. O resultado é um aparente ou real conflito
de interesses entre trabalhadores públicos bem organizados unidos em
torno de um estreito conjunto de interesses (próprios) e a massa de
trabalhadores não organizados do sector privado a qual, incapaz de
aumentar seus salários através da luta de classe, posiciona-se ao lado
dos “conservadores fiscais” (financiados pelo big business ) para exigir
cortes entre trabalhadores do sector público.
O sectarismo político, especialmente entre democratas da classe
média e trabalhadora, mina a solidariedade de classe e enfraquece a
resistência social unificada. Isto é evidente em relação a questões de
guerra e paz, de crise económica e de cortes em programas sociais.
Quando os democratas ocupam posição [no governo], quando anunciam guerra
e os gastos de guerra se multiplicam, o grosso do movimento da paz
desapareceu, protestos do trabalho contra cortes orçamentais
concentram-se sobre governadores republicanos, não democratas, mesmo
quando as classes trabalhadora e média (incluindo empregados do sector
público) é afectada adversamente.
Os milionários dirigentes sindicais de topo (salário médio anual de
mais de US$300 mil mais benefícios) aprofundam a divisão ao dar
prioridade à segurança da sua posição através de contribuições de
milhões de dólares para os democratas, comprando portanto segurança
quanto aos fluxos de rendimento decorrentes de pagamentos devidos. A
segurança do funcionalismo, através do alinhamento com legisladores,
governadores, presidentes de municipalidades e líderes executivos do
Partido contribui mais uma vez para a divisão no interior da classe
trabalhadora entre “funcionários seguros” e seus seguidores por um lado e
o resto da classe média e da trabalhadora.
A operar com estes conceitos chave, voltaremos agora para a
descrição das “condições objectivas de crise”, um levantamento crítico
de algumas explicações para o “paradoxo”, prosseguiremos com um exame
pormenorizado das “contradições internas” e concluiremos esboçando
alguns pontos de partida para a resolução do paradoxo.
A crise económica é real, profunda e prolongada
Os sintomas e estruturas de uma crise económica profunda são
facilmente visíveis para qualquer um, mesmo o mais obtuso apologista do
governo ou economista de prestígio: os desempregados e subempregados
atingiram 18 a 20 por cento. Uma em cada três famílias dos EUA é
directamente afectada pela perda de emprego. Um em cada dez
proprietários de casa americanos está ou atrasado nos pagamentos da
hipoteca ou enfrenta o arresto. Mais da metade dos desempregados actuais
(9,1 por cento) esteve sem trabalho durante pelo menos seis meses.
Cortes maciços em despesas públicas e investimentos levaram ao fim de
programas de saúde, educacionais e de bem-estar para dezenas de milhões
de famílias de baixo rendimento, crianças, os deficientes, os
pensionistas idosos. Firmas privadas eliminaram ou reduziram pagamentos
de seguro de saúde, deixando mais de 50 milhões de trabalhadores
americanos sem seguro de saúde e outros 30 milhões com cobertura médica
inadequada. Isenções fiscais, tributação reduzida e regressiva
aumentaram pagamentos de impostos sobre salário e trabalhadores
assalariados, reduzindo seu rendimento líquido. Aumentos sobre
pagamentos de pensões e de saúde forçaram empregados da classe média e
trabalhadora a sofrerem nova redução do rendimento líquido. As despesas
acrescidas para pelo menos quatro guerras (Iraque, Afeganistão,
Paquistão e Líbia), preparativos para uma quinta (Irão) e apoio ao
estado mais militarista do mundo (Israel) e um altamente expandido e
custoso aparelho de segurança interna (só o Homeland Security custa
US$180 mil milhões) deterioram muito o ambiente, os lugares de trabalho,
o espaço de lazer e os padrões de vida.
O poder político corporativo e o controle absolutamente tirânico
sobre o lugar de trabalho aumentaram o medo, a insegurança e o terror
virtual entre empregados que enfrentam ritmos acrescidos e eliminação
arbitrária de qualquer intervenção na saúde e segurança do lugar de
trabalho, na programação do trabalho, nas cargas de trabalho acima e
abaixo dos prazos. Empregos em serviços de baixo pagamento proliferam,
empregos bem pagos são exportados do país; fábricas manufactureiras são
relocalizadas no exterior; profissionais e trabalhadores imigrantes mal
pagos são importados aumentando a pressão sobre os trabalhadores
americanos para competir por pagamento mais baixo e menores benefícios. A
“crise económica” está incorporada na estrutura profunda do capitalismo
estado-unidense e não é um “fenómeno cíclico” sujeito a uma recuperação
dinâmica, restaurando empregos, lares, padrões de vida e condições de
trabalho perdidos.
Respostas das classes trabalhadora e média à crise económica
A crise económica profunda, enraizada e generalizada não produziu
quaisquer revoltas proporcionais, rebeliões ou mesmo um movimento
nacional de protesto constante. Na melhor das hipóteses, protestos de
segmentos específicos da classe trabalhadora e da média tem procurado
defender estreitos interesses organizativos e económicos. Os movimentos
de protesto dos empregados públicos em Wisconsin foram tão excepcionais
na sua militância quanto ficaram isolados e limitados no seu impacto
nacional. Quando governadores republicanos na Califórnia e democratas em
Nova York eliminaram dezenas de milhares de milhões de dólares em
salários, pensões e benefícios de saúde para centenas de milhares de
empregados públicos sindicalizados, responsáveis sindicais guincharam de
modo impotente do lado de fora, incapazes de organizar quaisquer
protestos sérios e muito menos movimentos populares. Embora inquéritos
de opinião pública registem altos níveis de preocupação individual
acerca das crises económicas e insatisfação com a resposta de ambos os
partidos políticos às crises, isto não levou à actividade prática, nem
tão pouco daí emergiu qualquer “movimento” de massa – o descontentamento
permanece privado e inconsequente.
Até que milhões de membros das classes média e trabalhadora estejam
profundamente preocupados com as crises económicas em cursos não pode
haver repercussões sociais ou políticas significativas passadas,
presentes ou no futuro previsível.
Todas as esperanças bombásticas e “prognósticos ameaçadores” da
parte de liberais e gente de esquerda, socialistas e progressistas, que
escreveram e previram uma próxima “revolta da massas” estavam
redondamente erradas. A crise continua e as altamente insatisfeitas
classe média e trabalhadora continuam a sofrer privadamente, a resmungar
seus descontentamentos isoladamente, pouco desejosas de empenhar-se em
qualquer acção colectiva de massa.
Mesmo quando os mass media, mesmo quando a Internet, o Facebook e o
Tweeter apresentam milhões a manifestarem-se, a golpearem e mesmo a
derrubarem regimes opressivos no Médio Oriente e na África do Norte,
mesmo quando nos noticiários transparecem repetidas greves gerais e
ocupações de massa de praças públicas por empregados, trabalhadores e
desempregados na Grécia, Espanha, Portugal, Itália e França, os
trabalhadores dos Estados Unidos permanecem apáticos, indiferentes e
impotentes para “aprender as lições” e “efectuar acções colectivas”
mesmo quando as questões de emprego e dos cortes são semelhantes.
Explicações para a imobilidade social face às crises económicas
Não há falta de “reconhecimento” de que “alguma coisa está errada”
quanto a isto nos Estados Unidos. Não há falta de sabichões a tentarem
agarrar o paradoxo das crises económicas e da imobilidade social.
Vários assaltos explicativos estão a pairar através dos media e da
Internet. Alguns autores recorrem a explicações psicológicas para a
passividade social destacando o “medo” generalizado da retaliação
patronal, da repressão do estado ou uma sensação de “futilidade” e de
indiferença e hostilidade a partidos políticos. Os argumentos
psicológicos têm algum mérito pois apontam para algumas das causas
imediatas do não envolvimento, mas falham em explicar o que provoca o
“medo” e a sensação de futilidade.
Em resposta, muitos críticos progressistas citam a ausência ou
fraqueza de organizações sociais e apontam em particular para o declínio
de organizações sindicais, que deixam 93 por cento do sector privado
não organizado e os trabalhadores sindicalizados do sector público com
poderes limitados de negociação. Se bem que estes críticos estejam
certos ao enfatizar a relutância de dirigentes sindicais milionários em
romperem novo terreno político e iniciarem novos esforços organizativos,
é preciso explicar porque as não organizadas classe média e
trabalhadora não lançaram por si próprias quaisquer novas iniciativas.
Dirigentes sindicais têm um longo historial de “retornos” que remontam a
pelo menos duas décadas e ainda assim aqueles que são afectados
directamente e de modo adverso e aqueles que perderam os seus empregos
não organizaram uma rede alternativa de solidariedade.
Analistas políticos enfatizam a natureza oligárquica e restritiva do
sistema eleitoral que esvazia previamente a emergência de novas
iniciativas políticas. O custo de muitos milhões de dólares da
concorrência a eleições, a dominância quase monopolista dos mass media
pela elite dos dois partidos e o obstáculo legal de assegurar um lugar
na votação desencorajam eleitores desencantados a apoiar novas
iniciativas políticas. Mas a questão mais profunda é porque movimentos
de massa, fora da estrutura dos partidos eleitorais, não emergiram de
modo a poder finalmente desafiar a oligarquia política, o monopólio
corporativo dos media e mudar os constrangimentos legais quanto à
entrada efectiva na arena eleitoral. Por que em outros países ainda mais
repressivos emergem movimentos de massa, enfrentando constrangimentos
semelhantes quanto a acesso legal e confrontando oligarquias
estabelecidas?
Se “constrangimentos externos” semelhantes àqueles encontrados nos EUA
levam a respostas comportamentais divergentes, isto levanta a questão de
se as diferenças dentro das classe média e trabalhadora podem ser a
fonte da passividade e da imobilidade.
Alguns poucos autores, principalmente na esquerda, mencionam o
divórcio entre intelectuais/académicos e a mobilidade declinante das
classes média e trabalhadora. Nos Estados Unidos há poucos intelectuais
politicamente empenhados e conferencistas políticos.
O que se passa quanto às classes educadas é que são profissionais
académicos em tempo integral que pouco diferem na sua vida social e
diária, pouco importando as suas filosofias ideológicas declaradas. A
vasta maioria dos académicos de esquerda concebe o seu “activismo” como
leitura de documentos uns para os outros em “fóruns sociais” de
“esquerda”, os quais pouco diferem em formato e consequências das
reuniões dos profissionais da corrente dominante.
Mesmo aqueles académicos quando tomam um papel político fazem-no
principalmente em relação aos multimilionários altos dirigentes
sindicais e ao seu leal aparelho. Em consequência, os académicos
progressistas acabam por conseguir pouca penetração junto à vasta
maioria de trabalhadores que estão fora dos sindicatos e cujas facções
sindicais dissidentes desafiam o nexo corporativo sindicato/Partido
Democrata.
Uma explicação alternativa para o “paradoxo”
Um dos problemas chave que inibe um entendimento do paradoxo é o
tratamento do conceito chave – “crises”. Muitos autores concebem as
“crises” de um modo “holístico”, presumindo que é “geral” ou “sistémica”
e tem um efeito homogéneo sobre as classes média e trabalhadora. De
facto a vasta maioria, digamos três quartos, não sofreu um impacto sério
com as “crises”. Assumindo que os desempregados e o subempregados
compreendam cerca de vinte por cento e acrescentando aqueles que
sofreram grave mobilidade para baixo, ainda temos pelo menos 70 por
cento cuja preocupação principal é manter sua posição “privilegiada” e
desconectar-se daqueles que caíram para fora da órbita da sua classe
social. Nos EUA, mais do que em qualquer outro país, as agudas
diferenças internas entre empregados sub/desempregados levaram à
“competição” e não à solidariedade. Na maior parte dos países do mundo,
trabalhadores “desempregados” e “subempregados” podem esperar apoio,
suporte activo dos trabalhadores sindicalizados; nos EUA uma vez que
empregados da classe média e trabalhadores perdem o seu emprego e não
podem pagar dívidas eles são abandonados. Mesmo em termos de vida
social, familiar e de vizinhança, são vistos como um “custo”, uma
drenagem potencial dos recursos daqueles que estão empregados. O
empregado vê o desempregado e mal pago como um custo para a previdência,
portanto um fardo tributário acrescido ao invés de um aliado na luta
para fazer com que a elite corporativa pague impostos mais altos e
reduza despesas de guerra. Impostos mais altos entre trabalhadores
empregados significa fuga de capital; menores despesas militares
significa poucos empregos na indústria de guerra.
A segmentação dentro da classe média e trabalhadora opera a muitos
níveis. O mais gritante é entre a escala de pagamento de dirigentes
sindicais de topo que ganham mais de US$ 300 mil mais benefícios e os
desempregados/subempregados que vivem com menos de US$ 30 mil. Estas
diferenças económicas são exibidas política e socialmente. O aparelho
sindical compra “segurança de emprego” ao contribuir com dezenas de
milhões principalmente para os democratas, para assegurar que os
sindicatos mantêm a sua legalidade formal e direitos de negociação
colectiva. Por outras palavras, os sindicatos dos “organizados”, 12% da
força de trabalho, são “prisioneiros forçados” do estado “infestado de
crises”, as quais excluem quaisquer novas iniciativas sociopolíticas que
reflectiriam as exigências e os interesses dos sub/desempregados e
trabalhadores não sindicalizados com baixa remuneração.
As classes média e trabalhadora sofrem o impacto das crises de modo
diferente: aqueles com empregos e ligações ao Partido Democrata colocam
as suas lealdades partidárias acima de qualquer noção de solidariedade
de classe. Os que têm emprego não apoiam os desempregados – vêem-nos
como competidores numa fatia de rendimento que se contrai.
Se examinarmos estes dois grupos em pormenor descobriremos que os mal
pagos e ou sub/desempregados tendem a ser jovens com menos de 30 anos,
negros, hispânicos e pais/mães solteiros; os empregados mais bem pagos
das classes média e trabalhadora tendem a ser mais velhos, brancos
educados e de procedência anglófona ou judaica. As divisões geracionais,
raciais, étnicas desempenham um papel muito maior nos EUA do que em
qualquer outra parte, devido ao apagamento da identidade de classe e de
perspectivas, as quais diluíram qualquer noção de solidariedade de
classe.
A segmentação da classe média e trabalhadora é aprofundada nos EUA
pelo facto de que aqueles com emprego estável em muitos casos beneficiam
das consequências adversas que afectam a mobilidade descendente
(desemprego) dos empregados e trabalhadores.
Os arrestos hipotecários afectam mais de 10 milhões de famílias
americanas incapazes de cumprirem os seus pagamentos. Bancos ansiosos
por recuperar alguma parte dos seus empréstimos, põem à venda casas a
preços drasticamente reduzidos. Empregados da classe média e
trabalhadora ficam exultantes em comprar casas, mesmo quando membros da
sua classe são expulsos para a rua ou para reboques de campismo. Não há
movimento para impedir ou protestar contra os despejos por parte de
vizinhos, colegas de trabalho e/ou parentes; ao invés disso são feitas
investigações discretas acerca da data do leilão.
Trabalhadores mais bem pagos procuram obter bens de consumo mais
baratos em super-lojas que empregam trabalhadores de salário mínimo. Os
“interesses” dos trabalhadores são definidos pelos interesses imediatos
do consumidor individual e não em termos da melhoria de interesses
estratégicos resultando do poder social e político potencial de uma
classe organizada.
Proprietários de casa das classes média e trabalhadora vêem-se como
“contribuintes” aliados a magnatas corporativos e imobiliários no
combate pela redução de impostos através de cortes na previdência e
serviços sociais para a classe trabalhadora de baixa remuneração e os
desempregados. O crescimento da revolta das classes superior e média
contra o estado previdência é com efeito uma guerra de um segmento da
classe contra outro. Claramente um segmento combate para apanhar as
migalhas da boca do outro segmento.
Mesmo entre a classe trabalhadora organizada há segmentação. Grupos
de trabalhadores sindicalizados do sector público mais bem pagos
asseguram aumentos de pagamentos, pensões e planos de saúde através de
luta colectiva, ignorando os interesses, pedidos e necessidades do mar
de trabalhadores não sindicalizados, os quais estão em processo de
mobilidade descendente ao pagarem impostos mais altos. Portanto as suas
diferenças socioeconómicas foram politizadas pela direita – e os
sectores público-privado das classes média e trabalhadora competem pelas
migalhas de um orçamento em contracção.
Quando instalações públicas de saúde e educação declinam, as classes
média e trabalhadora dividem-se entre aqueles que se voltaram para
clínicas e escolas privadas e aqueles que permanecem dependentes de
instalações públicas, baseadas em investimentos estatais. Os segmentos
ligados ao “privado” rejeitam impostos para financiar o “público”,
minando qualquer solidariedade de classe para melhorar o financiamento e
a qualidade da saúde e educação públicas.
Conclusão
É claro que a crise do capitalismo provocou respostas contraditórias
entre diferentes segmentos das classes média e trabalhadora com base no
seu impacto diferencial. Ausência anterior de identidade de classe,
divisão económica interna entre líderes e seguidores, divisões
geracionais e lealdades partidárias minaram a solidariedade de classe e
levaram a queixas inconsequentes e hostilidade difusa.
Competição – não solidariedade – dentro e entre as classes média e
trabalhadora é razão da profunda imobilidade dos americanos face a uma
crise económica prolongada e em aprofundamento.
Isto é assim agora e foi assim no passado. Haverá quaisquer
perspectivas de um futuro diferente? Haverá qualquer possibilidade de
unir segmentos das classe média e trabalhadora em alguma luta
prolongada? Haverá caminhos alternativos para a solidariedade de classe e
a mobilização popular?
O rumo mais promissor é começar ao nível local e regional e envolver
em lutas organizações da comunidade local, dissidentes da base sindical
e profissionais progressistas (advogados, médicos, etc.), os quais
entram em sintonia com os grupos mais gravemente afectados que enfrentam
desemprego, arrestos, ausência de planos de saúde, etc. Todos os
inquéritos mostram uma profunda divergência entre a vasta maioria dos
americanos e a elite política de ambos os partidos sobre questões de
salvamentos bancários, isenções fiscais para os ricos, “reformas”
(privatizações e reduções), Medicare, Medicaid e Segurança Social.
Existem divergências sobre as perdas de vidas e as despesas das
múltiplas e prolongadas guerras da América (Afeganistão). Referendos
propondo (1) acabar com o tecto nas contribuições de segurança social
para os ricos finalizariam a chamada “crise da segurança social”. (2) Um
imposto de vendas sobre transacções financeiras financiaria o défice do
Medicare. Investimentos públicos na nossa infra-estrutura em
deterioração com base na transferência de fundos de guerra (US$790 mil
milhões) criaria empregos, aumentaria a procura na economia interna e
aumentaria a produtividade e competitividade da economia dos EUA. O
apoio à saúde pública é uma questão que une a maior parte dos segmentos
da classe média e trabalhadora, trabalhadores sindicalizados da saúde e
organizações da comunidade numa confrontação potencial com a grande
indústria farmacêutica e as corporações privadas das indústrias da
saúde.
Um salário mínimo mais alto – arrancando nos US$12 por hora – podia
mobilizar a maior parte dos segmentos das classes media e trabalhadora;
iniciativas ao nível local podiam atrair trabalhadores imigrantes e
nacionais com baixa remuneração.
Dados de entrevistas demonstram que a maior parte dos americanos tem
atitudes aparentemente “contraditórias”: apoiam políticas progressistas
e regressivas. Exemplo: muitos apoiam o Medicare e “pouco governo”,
criação de emprego federal e redução do défice; tarifas de importação e
importações de bens de consumo baratos. Um programa de educação política
abrangente para activistas, que demonstrassem serem factíveis e
financiáveis reformas sociais progressistas, pode ser convertido em
organização e acção directa. Começamos com uma realidade objectiva,
demonstrando que a crise contínua do capitalismo não atende e não pode
atender as exigências mais elementares: empregos, habitação, segurança,
paz e crescimento. Isso constitui uma grande vantagem sobre os advogados
do sistema os quais argumentam em favor de medidas regressivas
prolongadas e mais profundas no futuro previsível.
Em segundo lugar, começamos com a vantagem de saber que o país tem a
riqueza, qualificação e recursos potenciais para ultrapassar as crises.
Em terceiro, podemos argumentar a partir de programas populares
relativamente bem sucedidos os quais têm um apoio amplo – segurança
social, Medicare, Medicaid – como “exemplos” a estender a aprofundar na
cobertura social.
Para a maior parte dos americanos o combate de hoje, para manter o
que existe, é defensivo – esforços para preservar os últimos vestígios
de organização independente, defender a segurança social, programas de
saúde, educação pública razoável, pensões. A ofensiva corporativa está a
“homogeneizar” cada vez mais as classes média e trabalhadora com os
segmentos não organizados de baixa remuneração. Há cada vez menos
“trabalhadores privilegiados” mesmo que eles ainda o não reconheçam.
A próxima extinção do sindicalismo do sector privado e da sua
moribunda liderança milionária proporciona uma oportunidade para começar
de novo com uma liderança horizontal, responsável para com os seus
membros e integrada com organizações da comunidade de cooperativas,
ecologistas, imigrantes e de consumidores. O que é absolutamente claro é
que as “crises” sozinhas não resultarão em qualquer levantamento em
massa; nem tão pouco “iluminados” académicos progressistas aninhados no
seu micro-mundo oferecem qualquer liderança.
A estrada em frente começa com líderes locais a emergirem de
coligações locais, a construírem organizações na base de iniciativas
políticas e sociais independentes em sintonia com seus vizinhos,
trabalhadores amigos e os americanos em mobilidade declinante,
organizados e não organizados. Não vejo soluções fáceis ou rápidas para o
“paradoxo” mas vejo condições objectivas para construir um movimento.
Ouço uma multidão de vozes iradas e dissonantes. Acima de tudo, espero
que os oprimidos cessem “arrancar as migalhas uns dos outros”.