Quem roubou o "dossiê"?
Dê uma passada hoje pelos três maiores jornais do país - que são os únicos, porque, junto com a Veja, pautam toda imprensa - e descubra que são uma coisa só. No caso do que Veja, Folha, Globo e Estado dizem que é um "dossiê montado pelo governo Lula contra FHC", e que esse governo diz que é "banco de dados", os três jornais e a revista dizem exatamente a mesma coisa.
Nesses veículos não há dúvida nenhuma. Produzem um material que induz a crer que ninguém discorda da afirmação deles de que a papelada surrupiada dos computadores do Planalto é um dossiê que teria sido preparado para intimidar o PSDB para que não pedisse a abertura das despesas da família Lula com cartão corporativo. E ao menos Folha e Estado bancam a teoria de que a "candidatura" de Dilma Rousseff à sucessão presidencial estaria "morta".
As cartas dos leitores e os editoriais são idênticos. Há um editorial na Folha, um no Globo e outro no Estadão bancando a versão da Veja, que obteve cópia do suposto dossiê contra FHC de alguma fonte interna do Palácio do Planalto. E as cartas de leitores tratando a hipótese como fato corroboram os editoriais.
O governo diz que não há dossiê e, sim, um banco de dados que estaria sendo preparado para atender a eventuais requisições da CPI dos cartões corporativos. E quer saber quem entregou parte dos dados, que estariam em processo de coleta, à Veja.
É uma pretensão legítima. Qualquer um que for analisar esse caso sob a ótica do interesse público quererá saber, primeiro, o que contém o tal dossiê. FHC diz que não contém nada e que "abre" o próprio "sigilo" sobre os gastos da família presidencial na época em que ele próprio estava no poder, como se os dados sobre esses gastos fossem propriedade dele e não do Estado. Em resumo: FHC não tem o que querer ou não querer, os dados do que ele e sua família gastavam não lhe pertencem, pois eram gastos feitos com dinheiro público.
É exatamente o que diz o governo Lula: ele não pode dispor ou deixar de dispor dos dados sobre seus gastos. Há critérios sobre esses gastos no Brasil ou em qualquer país. Tentem saber onde George Bush compra os alimentos da Casa Branca, por exemplo, ou se compra itens mais caros ou menos caros. Não se pode dar os nomes de fornecedores de itens pessoais de chefes de Estado.
Também seria ridículo o governo atual tentar intimidar a oposição com um dossiê dos gastos dessa oposição quando estava no poder. Na pior das hipóteses, FHC sabe no que gastou e sabe se esses gastos são maiores ou menores do que os do atual ocupante do poder. Bastaria que os governistas, no Congresso, dissessem aos oposicionistas que eles seriam prejudicados com a abertura dos gastos das duas famílias presidenciais (de FHC e de Lula).
Será que ninguém se pergunta o que o governo pretenderia fazer com esse dossiê? Iria divulgá-lo para a mídia? Se for, como fazer para a mídia não acusar esse mesmo governo de estar montando o tal "Estado policial" que ela está dizendo que foi montado? Ou será que o governo iria enviar o dossiê à oposição?
Mas a pergunta crucial é sobre como a Veja conseguiu fragmentos do banco de dados do governo. Esses dados foram entregues por algum abnegado revoltado com o "arbítrio" do governo Lula ou algum servidor público teria sido subornado para furtar dados dos computadores do Planalto? E se houve suborno, quem subornou foi a Veja ou alguém obteve dados através de suborno e os entregou à revista "gratuitamente"?
Os três maiores jornais e a Veja, que são os únicos órgãos de imprensa escrita do país que têm poder de derrubar ministros, tratam como fato que foi montado um dossiê para chantagear FHC e a oposição. Não se sabe como têm certeza disso. Alguém entregou documentos sigilosos furtados da sede do governo à Veja e esses veículos não têm dúvidas de que quem furtou os dados contou toda verdade. Essa pessoa não poderia ter "pinçado" dados dos arquivos do Planalto e montado ela mesma o que pareceria um dossiê justamente para dar discurso à oposição. Os três jornais e a Veja têm certeza de que não foi isso. Mas como?
Aí está uma chance de ouro para o governo Lula reagir. Não deveria ser tão difícil para o Estado brasileiro solucionar um caso de roubo dentro da sede do governo. Estão aí a Abin e a PF que não me deixam mentir.
O governo Lula tem duas alternativas:
1ª) Pode esperar o assunto morrer para não acirrar a luta política num momento em que esse governo nada em popularidade e no qual essa história de estar "morta" uma candidatura que nem existe (a de Dilma) não passa de enorme bobagem. Em algumas semanas, o assunto estará morto e enterrado.
2ª) Pode investir com decisão na investigação sobre quem roubou os dados de dentro do Planalto e descobrir se meios de comunicação não andaram subornando funcionários do governo.
A mídia e a oposição sabem que tudo isso dará em nada. Juridicamente, é impossível alguém provar que documentos que saíram da sede do governo para as mãos de uma revista semanal são aquilo que essa revista e os três jornais, em bloco, dizem que é. Tentarão estender esse assunto por mais algum tempo para "matar" mais um pouco, por via das dúvidas, a candidatura Dilma, que acreditavam tão inevitável que se deram a esse trabalho todo. Mas então, por que fizeram o que fizeram?
Mais do que sabotagem do governo, de tentativa de atrapalhar a governabilidade fazendo o país parar para se debruçar sobre interesses eleitorais enfraquecidos (os da oposição, diante da popularidade de Lula), mídia e oposição mandam um recado ao Planalto: vamos destruir cada candidatura à sucessão de Lula que ameace crescer e, assim, atrapalhar a de José Serra. É a perenidade da estratégia da mídia e da oposição tucano-pefelista, fracassada na esfera federal e vitoriosa na estadual e na municipal.
Minha conclusão é a de que, em âmbito federal, mais especificamente em relação à sucessão de Lula, a estratégia da Veja, da Folha, do Estadão e do Globo não passa de desespero. Nos âmbitos estaduais e municipais, porém, há, sim, uma forte possibilidade de sucesso dessa estratégia. É por isso que o deslinde do roubo de documentos ocorrido dentro do Planalto é imperativo. Pode revelar táticas criminosas de um consórcio formado por meios de comunicação e partidos políticos.