Depois de umas breves férias “obrigatórias” retorno a esta casa virtual para refletir com você, um tanto, é verdade, estimulado pela Carta Aberta do camarada-companheiro Narciso Isa Conde a Glória Gaitán (nesta edição de Desacato) , filha do líder liberal Jorge Eliécer Gaitán, cujo assassinato aconteceu a mãos dos desígnios da oligarquia colombiano-ianque às 1:05 da tarde do dia 9 de abril de 1948, na cidade de Bogotá, Colômbia. Portanto, Glória Gaitán ainda é vítima direta dos vitimadores do seu pai, que ainda destroem toda a Colômbia e o Hemisfério. Porém, a nobre luta de Glória Gaitán, pelas causas dos excluídos e pela soberania da sua pátria, no artigo que cita o camarada Narciso Isa Conde, repõe ante os meus olhos uma atitude que observo em milhares de valiosos quadros e organizações que lutam contra o sistema (não necessariamente de forma inteira contra o capitalismo), mas, sim contra o Império Hegemônico dos Estados Unidos. Quero refletir isso com você.
Era eu ainda dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) na cidade de Florianópolis, quando o atual presidente neoliberal Lula da Silva, assombrou-nos com um discurso nada ingênuo sobre a Humanização do Capital, proferido numa visita ao Chile. Essa conciliação foi fruto possível de algumas variáveis tais como o sofrimento perpetrado pelas horrendas ditaduras que os ianques e as oligarquias impuseram na Nossa América, a falta de projeto de ruptura com o sistema capitalista (e a falta de interesse firme dos setores mais corporativos das centrais sindicais e universitárias especialmente) e a necessidade de manter as novas e frágeis democracias num mínimo patamar de governabilidade. O descontento social, a brutalidade do sistema e a decadência estrutural do capitalismo deram lugar, aos poucos, e a partir de 1999 na Venezuela, a uma série de governos de esquerda, pseudo-esquerda, centro esquerda, centro e centro-direita vulnerável, que vão desenvolvendo-se no mapa regional. Alguns países, como a Venezuela, tinham uma acumulação histórica antiga e recente para esses processos, outros nem tanto. As condições têm sido diversas, embora a vitória das “forças progressistas” se divide entre as condições reais e um certo ar de moda e adaptabilidade.
Tenho lido alguns artigos de Glória Gaitán e a tendência que me declaram se inscreve nessa impulsão de alianças democráticas à esquerda, mais ou menos moderada, que trouxe à região alguns acertos e desastres políticos tais como o tristemente célebre e desaparecido FREPASO na Argentina. Nessas alianças têm se montado uma plêiade de oportunistas e fracassados da oligarquia desclassada e da classe média perdida, ademais, dos corporativismos mais execráveis do movimento sindical e das organizações não governamentais. Boa parte das boas intenções foram rapidamente contaminadas pelo Império, os posmodernismo e a propaganda da paz possível. A maioria dessas Alianças, Pólos, Frentes, Uniões, etc. etc., são heranças tardias do século XX e das derrotas e perdas de conquistas, não compreendidas totalmente, das últimas duas décadas de 80 e 90, ou mais especialmente, desde o governo Reagan e a posterior queda do Muro de Berlim (da qual parece que só a burocracia soviética é “responsável” e de aonde o sistema saiu em aparência incólume e hegemônico), até o governo De la Rua, para citar um apenas um exemplo.
As alianças dos Kirchner na Argentina, a traição do governo Lula no Brasil, a capitulação esperada do governo de Tabaré Vázquez, a repulsiva condução concertada da Presidenta amnésica Michelle Bachelet no Chile, e o início ambíguo no poder da aliança que catapultou Fernando Lugo no Paraguai, não são bons indícios para esses modelos de alianças. Há exemplos melhores, mas, ainda muito imperfeitos. Aliança País, liderada pelo digno presidente Rafael Correa, no Equador, se desenvolve com algumas doses de nacionalismo que deixa para trás a necessidade de encarar a luta internacional dos trabalhadores como estratégia fundamental, e concilia nacionalizações com gestos de boa vontade dirigidos à oligarquia apátrida. O MAS da Bolívia, com muitíssimo mais acúmulo e uma base sólida e histórica que a incipiente Aliança País, mais a fundamental presença da identidade originária, se digladia com internismos sindicais e intelectuais que fragilizam (visto desde fora, como todo o resto que comento) e que freiam medidas mais firmes, não só com a oligarquia assassina local, senão com vizinhos demasiadamente espertos como o governo brasileiro. Na Venezuela, mesmo que recentemente e com um perfil ainda difícil de localizar, o PSUV, agita de forma firme uma derrota contundente à oligarquia assessorada por personagens como os Petkoff, Baduel e Cisneros da vida, para devolver-lhes a derrota impingida no referendo de 2007. E vencerá. Mas, ainda está altamente contaminado de uma transição ideológica que precisa de um investimento do próprio líder principal, e bem além do discurso sonoro; formação política e revolucionária urgente para garantir que essa revolução incipiente não se perca quando não mais esteja Chávez (que falte muito, por Marx!).Há alianças endógenas incertas no PSUV, é só escutar ou ler todos os sinos que tocam chamando a integrar essa aliança-partido.
Apesar dessas fragilidades visíveis, as alianças continuam marchando e crescendo. São legítimas porquanto se faz necessário e urgente amenizar a mazela genocida que nos impinge o Império moribundo. Distribuir um pouco da riqueza roubada, re-estatizar algo que seja do que foi saqueado, moralizar os mecanismos de poder, dar um pouquinho mais de saúde, de comida, de trabalho, de educação. Nessa direção caminham alianças nas quais colocam todo seu nobre esforço pessoas como Glória Gaitán, Piedad Córdoba, Carlos Lozano na Colômbia, e centenas de companheiros no Caribe e na região antilhana. E haverá novas traições nessas alianças; há que estar preparado porque a fundamentação dessas alianças é predominante tática e possibilista, não é revolucionária e nem pretende a derrota imediata do capitalismo, nem às vezes a derrota inclusive. Porém, bem-vindo o que tragam de novo essas frágeis alianças. No entanto, a resposta do camarada Narciso à lutadora filha de Gaitán, remeteu-me, em definitivo, ao seguinte e último parágrafo:
Estas Alianças (com respeitosa maiúscula) propagadoras honestas, quase todas, do Socialismo do Século XXI, ou teorias parecidas, nascem e repetem a consigna geral que nos derrotou no Século XX, A CONCILIAÇÃO E O GOVERNO PARA TODOS. Permito-me dizer que isso é inviável. Permito-me pensar que ainda é necessário liquidar por todos os meios o inimigo mortal da classe trabalhadora e dos povos originários. Permito-me dizer que não há mesa que em nome de qualquer governabilidade permita e torne ético o fato de dialogar com apátridas, genocidas e ladrões. Permito-me dizer que o Socialismo necessário ainda é o da Rosa Luxemburgo, de Lenin (falo do Vladimir nosso e não do sicário Vladimir de quem fala Narciso Isa), e antes de Martí e de Artigas, para citar alguns dos exilados da história recente da esquerda assimilada. Portanto, a Luta de Classes continua e exige a derrota do inimigo, provocando-o ou não, mas acabando com ele. Pouco serve ficarmos no possibilismo de alianças pontuais, e mais táticas do que estratégicas, se não avaliamos o que virá depois delas, quando esgotem seu marco conjuntural. Podemos nos sentir revolucionariamente sozinhos e sem muitos seguidores nestas datas, mas, a responsabilidade histórica de projetar, muito além da conjuntura, a vitória final dos trabalhadores, dos excluídos, dos originários, reporá não os seguidores a nós (que nada interessa nem acrescenta), mas sim, à verdade inevitável da liberdade plena, pacífica e duradoura para a qual estão destinados nossos povos. Ao fim, o monumento a Manuel Marulanda instalado em Caracas, serve para lembrar que muitas alianças (quase todas) foram e serão contaminadas pelo sistema, mas os que o enfrentam durante décadas, além de imprescindíveis ao dizer de Bertold Brecht, são imunes ao sistema e ao Império, na vida e na lembrança. É preciso compreender isso para não morrer na praia pequena do Meio Ponto e da Reivindicação Possível.