Escrito por Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania | |
No mês de agosto, os responsáveis pela administração e manutenção da
Rádio e TV Cultura anunciaram planos de desmonte da maior referência
nacional de meio de comunicação público. Por meio de João Sayad,
presidente da Fundação Padre Anchieta (FPA), que decide seus rumos,
anunciou-se a intenção de demitir 1400 funcionários de todas as áreas no
final do ano, criando enorme e inevitável tensão em torno de seu
futuro.
"Essas idéias de esvaziamento e desmonte vêm de algum tempo. Como
exemplo, os programas infantis, marcas registradas da TV, deixaram de
ser produzidos e sobrevivem de reprises. O nível de novas produções é
baixo já há alguns anos. O problema não é novo, é que explodiu agora,
fruto de uma política que tampouco começou agora", diz José Augusto de
Camargo, o Guto, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Por conta disso, logo após a disseminação de tal propósito, criou-se o
Movimento Salve a Rádio e TV Cultura, formado por diversas entidades da
sociedade civil, sindicatos e profissionais da área, a fim de combater
mais um golpe de uma gestão voltada ao mercado.
Em entrevista ao Correio, Rose Nogueira, ex-funcionária da Cultura e
também do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, afirma que "não há
razão alguma para esse desmonte. A TV Cultura tem de continuar com sua
programação, como sempre foi, produzindo seus programas, aperfeiçoando
cada vez mais sua produção e reverenciando seu próprio produto, que é
maravilhoso".
Por trás da idéia de enfraquecer nossa única emissora aberta de caráter
não comercial, reside a persistente lógica de dissolução da ‘coisa
pública’, a favor de uma pretensa ‘eficiência’ administrativa, em mais
um dos capítulos de transferência do patrimônio público e social à
iniciativa privada. "A TV Cultura é um patrimônio do povo paulista e
brasileiro. Patrimônio material e cultural, pois é um dos melhores
lugares para se fazer televisão, e também histórico, tendo sido local de
trabalho de gente como Wladimir Herzog e outros grandes profissionais
que passaram por lá", assinala Rose.
Neoliberalismo, mais uma dose
"Na verdade, a TV tem projeto antigo de mudança de perfil, que é
resultado de alguns fatores. Primeiramente, uma falta clara de política
do governo estadual para o setor de comunicação e cultura, refletida na
TV. Em segundo, a TV não é administrada pelo Estado, tem perfil público e
uma administração que guarda certa autonomia, impedindo que o governo
se utilize da máquina da FPA para outros fins que não exclusivamente
educativos e culturais. O que pode desinteressar certos setores
políticos a investir na TV", esclarece Guto.
Para os dois dirigentes sindicais entrevistados pelo Correio, aquilo que
tem sido levado adiante não representa nada mais do que uma ofensiva de
cunho neoliberal, similar às que vimos avançar sobre diversos setores
de nossa vida. "Como não se sabe o que fazer com aquilo, que
aparentemente não tem serventia imediata (por falta de projeto político,
necessidade de transparência e limitação quanto ao uso de sua máquina),
abandona-se o projeto da emissora pública. Dessa forma, junta-se a fome
com a vontade de comer e cria-se o caldo de cultura que os faz tentar
levar adiante essa maluquice com a TV Cultura", explica Guto.
"Não sei de onde bateu essa idéia de desmonte, parece aquelas coisas do
tempo do FHC e das privatizações. Aqueles mitos débeis mentais de que a
iniciativa privada faz melhor. Se alguma coisa não está indo bem, você
muda a administração, não joga ela fora!", completa Rose Nogueira.
Qualidade incontestável
Como se sabe, a emissora, principalmente por meio de seu canal
televisivo, contribuiu sobremaneira para a formação cultural e
educacional de amplos setores da população paulista, exatamente o
contrário daquilo que oferecem as emissoras comerciais, com seu
jornalismo francamente enviesado, ‘atrações’ com as mais torpes
explorações de misérias humanas e completo rebaixamento intelectual.
"Ao longo dos anos, ela construiu essa imagem de oferecer uma
programação de qualidade, uma espécie de oásis de bom gosto em meio ao
que vemos aí", lembra Guto. Para ele, é exatamente essa a força que
deverá sustentar a manutenção da Cultura tal como a conhecemos, longe
das mãos do mercado e visões reducionistas de uma emissora cuja missão é
prestar bons serviços à sociedade, que por sinal a sustenta.
"A Cultura foi fundada na ditadura militar, mas se construiu através do
trabalho de seus funcionários. Foram basicamente os trabalhadores e
algumas direções que resistiram à idéia de aparelhamento da TV e
conseguiram transformá-la na melhor experiência que já tivemos em termos
de TV pública", lembra Rose.
Ingerência política, resistência e solidariedade
Diante das ameaças, os trabalhadores da emissora buscam se defender. Nos
espaços da mídia comercial, essas ameaças são travestidas de necessária
transição ‘à modernidade’ ou ‘boa gestão’, como argumentou João Sayad,
atual presidente da FPA. No entanto, esconde-se a total ingerência do
governo Serra em sua gestão, que dialoga perfeitamente com processos
semelhantes nas áreas de saúde, educação, rodovias etc.
Tanto é assim que, recentemente, a emissora demitiu os jornalistas
Heródoto Barbeiro e Gabriel Priolli por fazerem matérias e
questionamentos sobre os abusivos pedágios das estradas paulistas,
política altamente rejeitada por setores da população, que paga as
tarifas mais altas do mundo para circular pelo estado. Portanto, mesmo
com o posterior recuo nas demissões, é absolutamente indisfarçável a
interferência política nos rumos da Cultura, que nos últimos tempos
ainda anunciou mudanças na programação, como no Roda Viva, agora
apresentado por Marília Gabriela, e na tentativa frustrada de tirar do
ar o programa ‘Manos e Minas’, voltado ao Hip Hop e outras manifestações
culturais provenientes das periferias de São Paulo.
Aliás, foi exatamente essa empreitada que fez aumentar a resistência ao
desmonte da Cultura, pois não se esperava a enorme onda de críticas
relativas ao fim do programa, que já voltou à grade. "A questão do Manos
e Minas, mesmo que ‘repaginado’ para livrar a cara dos gestores,
demonstrou o quanto isso tudo mobilizou a sociedade, o quanto ela
estranhou tal decisão. Portanto, não será nada fácil o governo levar a
cabo esse projeto de desmontar a Cultura e transformá-la de produtora de
conteúdo cultural em mera repetidora de conteúdos de terceiros,
comprados no mercado", atesta Guto.
Além do mais, há uma grave questão em meio ao embate de visões acerca do
papel da emissora: o futuro de seus funcionários. "É um absurdo alguém
antecipar via imprensa a intenção de demitir 1400 funcionários em
dezembro. É pedir pra criar uma crise. Não há razão alguma para esse
desmonte", exclama Rose.
Quanto à resistência dos trabalhadores afetados, ambos os dirigentes
entrevistados pelo Correio atestam que a mobilização dos funcionários é
forte o bastante para lutar contra essa nova ofensiva pró-mercado. Mas,
como não poderia ser diferente, o nível de tensão não fica atrás. "Creio
que eles têm uma boa organização, mas mesmo assim estão apavorados,
pois é algo que diz respeito a suas próprias vidas. Imagine um
profissional com 10 anos de casa, dois filhos, pagando sua casa
própria... como fica esse profissional?! Ninguém tem o direito de fazer
isso aos outros", completa Rose, contemporânea de jornalistas que
transformaram a Cultura numa representação de "resistência", como ela
mesma diz.
Porém, pela maneira pouco habilidosa de conduzir a questão, o governo
terá grandes dificuldades em promover mais um golpe ao patrimônio
público. "Além de tudo, 1400 dispensas são demissão em massa, o que é
caso para o Ministério Público do Trabalho. Perguntei para algumas
pessoas como seriam pagas as indenizações e me disseram que poderiam
vender o prédio. Mas, examinando a situação, descobri que não podem
vender o prédio, pois é público. Não podem fazer isso", completa Rose.
"Os funcionários estão mobilizados, a rigor existem duas frentes de
trabalho na Fundação: a interna, da TV e Rádio Cultura, e a externa, da
TV Justiça e Assembléia, também com funcionários da Cultura que prestam
serviços a elas. Um grupo tem de discutir diretamente o futuro da
Cultura, e outro precisa se preocupar com o futuro das transmissões da
TV Justiça e Assembléia, já que estão lotadas nesses outros canais",
detalha Guto.
"Há belíssimos estúdios, uma maravilhosa equipe... vão fazer o quê?
Demitir para comprar fora o mesmo produto que existe em casa, pagando o
lucro dos outros? E essas produtoras vão empregar as pessoas com que
salários, abaixo daqueles que recebiam?", questiona Rose.
De olho no futuro
Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas, o que estamos a conferir
é apenas mais um capítulo que antagoniza setores progressistas e
retrógrados de nossa comunicação, que até hoje não se livrou dos
monopólios que a controlam. De acordo com ele, o governo Lula levou ao
menos a um início da conscientização de que mudanças na área são
impreteríveis, além de representarem um forte anseio popular.
"Um ponto importante de ser colocado é o de que a TV Cultura não entrou
na rede da TV Brasil, a EBC. Nem a Cultura de São Paulo e nem a TV
Educativa do Rio Grande do Sul, ambos os estados sob governos do PSBD,
conferindo caráter ideológico no sentido de não priorizar a TV pública.
Não foi por acaso que não fizeram parte do projeto, recusando-o
deliberadamente. Isso mostra uma diferença importante entre a visão do
governo federal e a dos governos do PSDB", analisa.
Por conta disso, ele ressalta a importância da 1ª. Conferência Nacional
da Comunicação, realizada em Brasília no final de 2009, escancaradamente
desqualificada e boicotada pelos oligopólios soberanos de nossas
comunicações.
"O governo Lula deixou vários problemas na comunicação sem solução.
Alguns estão encaminhados, devendo ser finalizados no próximo governo,
como as questões da banda larga, da digitalização etc. Ainda assim,
destaco três coisas positivas: a realização da Confecom, um inegável
avanço histórico; a criação da TV pública, início de um trabalho que é
uma referência de respeito; e em último lugar, menos visível, mas
significativo, o começo da discussão acerca da distribuição do dinheiro
de publicidade", enumera.
"A Cultura conta com muita simpatia de vários espectros sociais, tanto
do povo simples, trabalhadores e donas de casa, como também de
estudiosos; dos setores mais populares aos mais intelectualizados, que
se preocupam em manter as características especiais, peculiares,
diferenciadas, da TV Cultura em relação às outras emissoras comuns",
finaliza José Augusto Camargo.
É essa TV que educa que está sendo atacada. Enquanto isso, as demais
navegam em mares sempre tranqüilos, desfrutando de enormes privilégios, a
começar pela falta de fiscalização, contrapartida exigida de toda
concessão para Rádio e TV. Prossegue, assim, o Brasil como um bastião
praticamente imbatível da desigualdade, do que não escapa a arena da
comunicação.
Gabriel Brito é jornalista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Desmonte da TV Cultura contraria a comunicação democrática, plural e sem fins comerciais
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Povo saharauí luta para derrubar o muro da opressão
Reproduzo matéria de Elaine Tavares em seu blog Palavras Insurgentes...
Os muros são coisas doidas, símbolo de separação. Há quem diga que eles servem para proteger. Mas há que perguntar. Proteger a quem? Se a gente parar para pensar vai ver que os muros têm suas origens no poder. Desde muito tempo eles são erguidos para que aqueles que têm muita riqueza se protejam de quem não tem. A lógica da propriedade privada, da acumulação privada da riqueza e da terra. Valeria pensar: mas por que é assim? Por que uns têm muito e outros nada? Ah, essa é a pergunta que ninguém se faz.
Contam que um dos primeiros grandes muros da história foi a muralha da China, idealizada no século VII a.C pelos imperadores da dinastia Zhou, dispostos a dividir a terra em dois pedaços. O deles e o dos outros. O trabalho começou em 221 a.C e terminou dois milênios depois. Mas, é bem possível que antes dele outros já tivessem sido erguidos. Relatos nos Vedas ou na Torá – livros sagrados de povos muito antigos – falam de castelos e muralhas, erguidas para proteger cidades e reinos de possíveis invasores. Os muros são sempre muito usados para separar povos, como, por exemplo, o Muro de Adriano, construído em 122 d.C, para dividir o mundo romano (civilizado) do mundo dos bárbaros. Parece que sempre foi muito difícil aos seres humanos uma vida em comunhão, sem o medo do “outro”.
Mesmo em Abya Yala, onde as comunidades tinham por princípio básico a idéia de vida coletiva, é possível encontrar registro de grandes muralhas protetoras como o forte Pucará de Quitor, no deserto de Atacama, Chile, erguido pelo povo likan-antay para enfrentar o avanço de tribos inimigas.
Nos tempos modernos, o muro mais famoso foi o Muro de Berlin, criado pelos soviéticos em 1961, materializando a cortina de ferro a separar o mundo comunista do capitalista. Durante anos ele foi uma espécie de símbolo da separação, da exclusão, da prisão e do ódio. Não havia quem, no chamado “mundo livre”, não clamasse pela queda daquele muro. Quando ele finalmente foi derrubado em 1989, as gentes em todo planeta saudaram esta vitória da “democracia e da liberdade”. A impressão que se tinha é que ali se encerrava uma triste etapa da vida humana, que nunca mais iria se repetir. E esta é uma coisa estranha de se pensar, se levarmos em conta que anos depois, em 1994, os Estados Unidos iniciavam um programa anti-imigração, chamado de Operação Guardião, que principiava a construção do odioso muro que separa o país ianque do México. Naqueles dias, ninguém se levantou para falar em ódios, exclusão ou falta de liberdade. Desde então, ali, naquela cerca, morrem milhares de pessoas tentando passar para o lado dos EUA, buscando viver a promessa do sonho americano. Raras pessoas no mundo falam desse muro ou se importam com as vidas que se perdem ali.
Depois, em 2002, o artificial estado de Israel, amigo e parceiro dos EUA, deu início ao seu muro, segregando o povo palestino em seu próprio território. Quilômetros e quilômetros de concreto dividem famílias e transformam um povo inteiro em prisioneiro, dando vazão a levas e levas de violência, dor e morte. Também são muito poucos os que se importam com isso. A mídia, como sempre do lado do poder, se encarrega de disseminar pelo mundo o preconceito e a mentira, atribuindo aos palestinos o rótulo de terroristas e bandidos. Raros são os que gritam pela queda deste muro. Ele aparece como algo necessário, para proteger o povo de Israel, embora nunca ninguém tenha cogitado que o Muro de Berlim existisse proteger o povo comunista da sanha do capital.
Pois não bastassem as excrescências dos EUA e Israel há um outro muro do qual muito pouco se fala. É o que separa o povo saharauí de seu território original no norte da África, região que permanece obscura e desconhecida para todos na América Latina.
O massacre do povo Saharauí: um pouco de história
O povo que vive no território reivindicado pelos Saharauí é muito antigo e habita aquela área desde quando os berberes brancos avançaram pelo norte do Sahara, no século VII, premidos pelas invasões árabes. Assim, eles foram jogados para a parte sul de onde hoje é o Marrocos, quando passaram a viver de forma autônoma. Os berberes são originários do norte da África e formam a gênese do povo do Marrocos. Na verdade, esse termo “berbere”, significa “bárbaro” e por isso é repudiado pelos seus descendentes que gostam de ser chamados de “amazigh” (homens livres). Mas, é parte deste povo de “homens livres” que hoje está sendo responsável pela desgraça do povo Saharauí.
O reino do Marrocos foi criado por volta do ano 470 a.C. e sempre esteve com os olhos mais voltados para a Europa que para seu interior. Ocupado pelos árabes no século VII, a região foi porta de entrada dos mouros para a península ibérica, onde reinaram por anos. Bem mais tarde, foi a vez do Império Romano anexar o Marrocos como colônia e foi só no século XI que os berberes reconquistaram seu território. Mas, a briga interna de vários clãs pelo controle do Marrocos o enfraqueceu e deu chance para a invasão de Portugal que, no século XV, no auge da expansão colonial, abocanhou algumas cidades. Foram muitos os anos de lutas para recompor o território. Na metade do século XIX, a Espanha e a França estenderam seus domínios pelo norte da África, ocuparam a área, e o espaço daquelas terras foi dividido. Em 1912 a parte do Marrocos ficou com os franceses, e a Espanha se apropriou da região norte e do Sahara ocidental, onde então viviam os saharauí.
Como em todas as colônias africanas, a ocupação não se deu sem luta. São históricos os massacres de revoltosos em batalhas nas quais Espanha e França se ajudavam contra os povos locais. O advento da segunda guerra mundial abriu caminho para novos movimentos de libertação e seguidos conflitos aconteceram. Em 1956, o Marrocos finalmente conquistou sua independência dos franceses, instituindo uma monarquia, mas a parte que estava nas mãos da Espanha não conseguiu o mesmo feito. Permaneceu colônia e, a exemplo dos marroquinos, as populações continuaram buscando a libertação. Por conta disso, em 1973 foi criada a Frente Popular de Libertação de Saguia-El-Hamra e Rio de Ouro (POLISARIO), que passou a liderar a luta na região ocidental.
Com a independência reconhecida, o Marrocos se organizou e começou a sonhar com novos vôos. Ambicionava anexar a parte espanhola da região, sem reconhecer que ali viviam povos autônomos, com cultura própria e igualmente sedentos de liberdade. Nos anos 60 e 70 vieram as vitoriosas lutas de libertação nacional em todo o mundo e, em particular na África, com várias colônias saindo do jugo de Portugal. Essa conjuntura leva a Espanha franquista a aceitar o princípio da autodeterminação nas regiões ocupadas, mas ainda sem se dispor a “largar o osso”. Então, no ano de 1975 quando o Marrocos, já livre da França, começa uma investida bélica na região ocidental do Sahara, a Espanha, igualmente ignorando as reivindicações do povo saharauí, assina um acordo entregando a região ao Marrocos e à Mauritânia. Com esta atitude vergonhosa, a Espanha cede ao rei Hassan II as riquezas naturais do Sahara ocidental, e com elas, o povo que ali vivia.
Ainda assim, o povo saharaui não se entregou. Tão logo as tropas espanholas saíram do território, em 27 de fevereiro de 1976, a Frente POLISARIO proclamou a República Árabe Saharauí Democrática (RASD). Segundo eles, ali estava um povo real e não seria um invasor que os colocaria na condição de “ninguém”. A própria Mauritânia reconheceu esse direito.
Mas, assim que viu garantida a soberania sobre o território até então espanhol, o governo do Marrocos, sem fazer caso da proclamação de independência saharauí, organizou uma grande marcha, conhecida como a “marcha verde” (na verdade um processo de colonização), na qual mais de 350 mil pessoas migraram para a região do Sahara ocidental, tendo a frente uma unidade de infantaria repleta de blindados, numa clara demonstração de força. Como as terras estavam tradicionalmente ocupadas pelo povo saharauí, as tropas marroquinas não hesitaram em iniciar uma campanha brutal de desalojo. Chegaram ao ponto de utilizar bombas de fósforo e napal, causando terríveis sofrimentos aos povos que ali viviam e obrigando-os a uma retirada em massa. Grande parte buscou abrigo na Argélia e outra parte seguiu lutando.
Desde então, múltiplas resoluções das Nações Unidas, da União Africana e um acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de Haia reconhecem o direito à autodeterminação do povo saharauí, entendendo que não há registro jurídico nem histórico de vínculo de soberania por parte do Marrocos naquele local. Mais de 80 países do mundo reconhecem a RASD, mas isso fica só no papel.
A luta do povo saharauí não deu trégua este tempo todo, e no final dos anos 80, com a intermediação da ONU, o governo do Marrocos e a POLISARIO aceitaram um acordo, no qual o Marrocos retiraria suas tropas da região e realizaria um plebiscito com o povo para que este escolhesse entre a independência ou a anexação ao Marrocos. Mas, o certo é que isso nunca se concretizou e o governo marroquino se recusa a aceitar a autodeterminação dos saharauí.
Já são mais de 35 anos de luta, e a Frente Popular de Libertação tem cedido muito mais do que o Marrocos, se dispondo inclusive a depor as armas e libertar prisioneiros, mas não encontra eco no governo marroquino.
A situação hoje
É nesse contexto de intransigência que o Marrocos deu início a construção de um muro, dividindo a região do Sahara ocidental, visando segregar ainda mais as gentes saharauí, impedindo-as de viverem em paz no seu território. Hoje, parte do povo, sem poder ocupar seu território original, vive em terras cedidas pela Argélia, na condição de refugiados, em acampamentos desprovidos de qualquer condição de dignidade.
O muro da vergonha do Sahara Ocidental tem mais de dois mil quilômetros e divide de norte a sul o território. Vigiado por mais de 150 mil soldados marroquinos o percursos ainda apresenta uma infinidade de minas que, vez ou outra, provocam mortes entre os saharauí ou mesmo entre militantes internacionalistas que fazem periódicas marchas e manifestações no muro. Segundo a ONU há um cessar-fogo vigiado por uma missão de cascos-azuis, mas isso não impede que o Marrocos siga acossando a gente saharauí.
O fato é que o regime monárquico, ainda em vigor no Marrocos, se recusa abrir mão das inúmeras riquezas do Sahara ocidental. Entre elas está a magnífica costa Saharauí, que toma parte do Mediterrâneo e parte do Oceano Atlântico. Ali está um dos bancos de pesca mais ricos do mundo, hoje ocupado pelo Marrocos. Também se fala de grandes reservas de petróleo, com algumas áreas já sendo exploradas na parte que está sob o domínio do Marrocos. Igualmente fazem parte do pano de fundo da disputa de território as abundantes minas de fosfato que estão na parte ocidental do Sahara, portanto, devendo pertencer à República Saharaui, mas que seguem sendo exploradas pelo Marrocos.
Numa visita às páginas da Internet ou ao Youtube qualquer pessoa pode ver as terríveis condições de vida da gente saharauí nos acampamentos em meio ao deserto. É por isso que a Frente de Libertação insiste na busca de solidariedade mundial e no reconhecimento da República Árabe Saharauí Democrática como um Estado independente. As gentes do deserto da áfrica ocidental estão aí, a provar que os muros continuam sendo fortes mecanismos de opressão e segregação por parte daqueles que detém poder militar e político. Mas o povo saharauí também mostra, a exemplo dos palestinos e dos milhões de imigrantes, fugitivos do capitalismo, que não há canhão capaz de frear a luta por vida digna, por território e por liberdade. Como bem mostra a história, os muros acabam caindo. Sempre!
Viva a luta do povo saharauí!
A rapa do tacho
Como seu candidato preferencial
tornou-se um anti-candidato, ou permanente anti-candidato a candidato,
tudo o que resta a ambos – candidato a candidato e a mídia que o anima –
é procurar rapar o tacho dos eleitores indecisos ou sensíveis a
denúncias vazias para tentar levar a eleição a um segundo turno.
Flávio Aguiarna agenciacartamaior
Enquanto a nossa mídia convencional
continua, no seu tanque de roupa suja, a avacalhar o presidente Lula e a
candidata Dima Rousseff, o “think tank” do International Institute for Strategic Studies atribuiu a ele e sua política externa a maior e melhor projeção que o Brasil alcançou no mundo, nos últimos tempos.
Em seu relatório (Strategic Survey 2010: The Annual Review of World Affairs) deste ano o Instituto destaca como o mundo passa por uma reavaliação das suas ordens de poder, depois da crise começada em 2008. Nesse cenário de mudanças o peso da América Latina cresceu, e o do Brasil foi potenciado pela abertura para vários cenários propiciada pela política externa do governo Lula, solidamente ancorada nas políticas sociais internas e no prestígio que isso trouxe a ele e ao país.
Diante de tais pesos e tais medidas, não surpreende a renitente insistência da campanha das oposições de direita em malhar o ferro frio das denuncias de ocasião, tenham fundamento ou não.
Como seu candidato preferencial tornou-se um anti-candidato, ou permanente anti-candidato a candidato, já que nada tem a oferecer a não ser vagas assertivas sobre “ser melhor” do que o presidente que ora encerra dois vitoriosos mandatos, tudo o que resta a ambos – candidato a candidato e a mídia que o anima – é procurar rapar o tacho dos eleitores indecisos ou sensíveis a denúncias vazias para tentar levar a eleição a um segundo turno. Isso, nessa altura, seria cantado em prosa e verso como uma “derrota” para Dilma, e animaria o por ora desanimado e tedioso campo dessas oposições sem mais assunto.
Na base desse comportamento está o progressivo descolar-se desse conjunto – candidato a anti-candidato e a mídia – da real situação por que o país e o mundo atravessam.
É de se perguntar em que mundo eles vivem, e o que de fato farão se tiverem algum êxito em suas manobras.
Fico pensando em como o candidato a candidato, se se assentasse no trono de seus sonhos, enfrentaria uma reunião da Unasul depois de ter chamado o presidente boliviano de cúmplice (mesmo que seja por omissão) do narcotráfico. Se foi uma bravata, ele agora está preso a ela, porque se desse um claro desmentido de suas afirmações, perderia os votos que com ela rapou no tacho.
A mídia conservadora, seus arautos e seu candidato do vir-a-ser (pois a cada dia anuncia que é uma coisa diferente da de ontem) não conseguem admitir que vivem num mundo em que a subserviência automática não rende mais dividendos no plano externo. E não conseguem ver também que, ao denegar ao ostracismo esse relativamente novo Brasil e sua navegação no mundo real das políticas sociais e da política externa, ferem e procuram cortar o fio da auto-estima melhorada que foi tomando conta da população durante os dois governos Lula.
Isso aumenta o isolamento, que aumenta o ressentimento, que aumenta o isolamento, que aumenta...
Esse imaginário conservador é que permanece, com todas suas modernidades e pós-modernidades, imerso no mundo da Casa Grande e da Senzala: à Senzala o que é da Senzala, isto é, o silêncio e a subserviência. À Casa Grande o que é da Casa Grande: a política e o poder de mando indiscriminado sobre os subalternos. Além da subserviência aos grandes do planeta, é claro.
Em seu relatório (Strategic Survey 2010: The Annual Review of World Affairs) deste ano o Instituto destaca como o mundo passa por uma reavaliação das suas ordens de poder, depois da crise começada em 2008. Nesse cenário de mudanças o peso da América Latina cresceu, e o do Brasil foi potenciado pela abertura para vários cenários propiciada pela política externa do governo Lula, solidamente ancorada nas políticas sociais internas e no prestígio que isso trouxe a ele e ao país.
Diante de tais pesos e tais medidas, não surpreende a renitente insistência da campanha das oposições de direita em malhar o ferro frio das denuncias de ocasião, tenham fundamento ou não.
Como seu candidato preferencial tornou-se um anti-candidato, ou permanente anti-candidato a candidato, já que nada tem a oferecer a não ser vagas assertivas sobre “ser melhor” do que o presidente que ora encerra dois vitoriosos mandatos, tudo o que resta a ambos – candidato a candidato e a mídia que o anima – é procurar rapar o tacho dos eleitores indecisos ou sensíveis a denúncias vazias para tentar levar a eleição a um segundo turno. Isso, nessa altura, seria cantado em prosa e verso como uma “derrota” para Dilma, e animaria o por ora desanimado e tedioso campo dessas oposições sem mais assunto.
Na base desse comportamento está o progressivo descolar-se desse conjunto – candidato a anti-candidato e a mídia – da real situação por que o país e o mundo atravessam.
É de se perguntar em que mundo eles vivem, e o que de fato farão se tiverem algum êxito em suas manobras.
Fico pensando em como o candidato a candidato, se se assentasse no trono de seus sonhos, enfrentaria uma reunião da Unasul depois de ter chamado o presidente boliviano de cúmplice (mesmo que seja por omissão) do narcotráfico. Se foi uma bravata, ele agora está preso a ela, porque se desse um claro desmentido de suas afirmações, perderia os votos que com ela rapou no tacho.
A mídia conservadora, seus arautos e seu candidato do vir-a-ser (pois a cada dia anuncia que é uma coisa diferente da de ontem) não conseguem admitir que vivem num mundo em que a subserviência automática não rende mais dividendos no plano externo. E não conseguem ver também que, ao denegar ao ostracismo esse relativamente novo Brasil e sua navegação no mundo real das políticas sociais e da política externa, ferem e procuram cortar o fio da auto-estima melhorada que foi tomando conta da população durante os dois governos Lula.
Isso aumenta o isolamento, que aumenta o ressentimento, que aumenta o isolamento, que aumenta...
Esse imaginário conservador é que permanece, com todas suas modernidades e pós-modernidades, imerso no mundo da Casa Grande e da Senzala: à Senzala o que é da Senzala, isto é, o silêncio e a subserviência. À Casa Grande o que é da Casa Grande: a política e o poder de mando indiscriminado sobre os subalternos. Além da subserviência aos grandes do planeta, é claro.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
O carrinho de bebê adaptado como trailer a reboque de bicicleta
Ele já existe mas ainda não é tão comum por estas bandas. O fato é
que o simpático carrinho de bebê adaptado como reboque de bicicletas faz
um baita sucesso em diversas partes do mundo. Não demora muito e o
pequeno trailer infantil começa a circular com mais força aqui no Brasil.
O veículo é inspirado nos tradicionais ecotáxis ou ciclo-riquixás — rickshaws,
em inglês –, que são aqueles triciclos ou quadriciclos já incorporados à
paisagem urbana de vários países da Indonésia e da Ásia, como meio de
transporte de passageiros, em meio ao trânsito caótico.
Na Europa, ao contrário, as mães transportam os filhos nos
mini-trailers engatados às bicicletas em curtos trajetos nas cidades de
pequeno porte ou em passeios com a família no campo ou regiões
turísticas durante o verão.
Como o carrinho é inteiramente dobrável, acomoda-se bem no
porta-malas do carro. O modelo que aparece nas fotos foi desenvolvido
pela empresa italiana Bellelli, especializada na fabricação de cadeirinhas de segurança para transporte de crianças em automóveis.
Produzido em plástico, nylon e alumínio, o reboque foi projetado para
acomodar uma ou duas crianças fixadas ao assento com cintos de
segurança de cinco pontas. A estrutura ainda suporta colisões e
capotagens, além de proteger os passageiros contra o vento e a chuva.
Não resta dúvida de que se trata de uma ideia e tanto para os
momentos de lazer com a família. Com a vantagem de proporcionar
simultaneamente atividade física para os pais e diversão para os filhos…
em contato saudável com a natureza!
Mais fotos sobre a montagem desse ecotrailer, no site coreano Shinsegae Mall.O jornalista que Rigotto persegue há 10 anos.
O Conversa Afiada publica entrevista exclusiva com Elmar Bones, do jornal JÁ, de Porto Alegre: “ELES QUEREM FECHAR O JORNAL, NÃO VÃO CONSEGUIR”.
Elmar é o jornalista que Germano Rigotto persegue há dez anos.
É a primeira vez que Elmar Bones tem a chance de contar sua epopéia de resistência por ousar mostrar a verdade sobre a maior fraude da história gaúcha.
O irmão de Germano Rigotto, candidato a senador pelo PMDB, é a peça central da fraude que lesou o povo gaúcho em quase 800 milhões.
Rigotto quer fechar o jornal e levar Elmar à penúria.
Leia a entrevista completa:
CONVERSA AFIADA - O processo da família do ex-governador Germano Rigotto contra o seu jornal, o JÁ, completa dez anos, um dos mais longos da Justiça brasileira. Afinal, qual foi o crime do JÁ?
ELMAR BONES DA COSTA – O jornal teve a ousadia de contar, em 2001, os detalhes da maior fraude contra os cofres públicos do Rio Grande do Sul. Em valores atualizados pela Justiça, representa algo em torno de R$ 800 milhões. O principal personagem da fraude, segundo a investigação do Ministério Público e o relatório final da CPI criada na Assembléia gaúcha, era Lindomar Vargas Rigotto, irmão de Germano, atual candidato do PMDB ao Senado.
CA – Onde era a fraude?
ELMAR – Na Companhia Estadual de Energia Elétrica, a CEEE, a estatal de energia elétrica que nasceu nos idos de 1960, depois da encampação da americana A&TT pelo governador Leonel Brizola. Ela nem existe mais: foi privatizada no Governo Britto e fatiada em trës empresas menores. O povo gaúcho continua pagando R$ 600 milhões anuais ano de dívidas trabalhistas pela banda podre da finada CEEE…
CA – E como foi o golpe na CEEE?
ELMAR – A fraude se deu em dois contratos para construção de onze subestações de transmissão de energia, obra estimada em 150 milhões de dólares, assinados no governo Pedro Simon (PMDB), em 1987. Foi a secretária de Minas e Energia do governo seguinte, o de Alceu Collares (PDT), quem mandou fazer a primeira investigação. Uma senhora chamada Dilma Rousseff.
CA – A Dilma? E o que ela disse?
ELMAR - Um assessor me contou que, depois de ver os primeiros documentos da sindicância interna da CEEE, ela comentou : “Eu nunca tinha visto nada igual”. Ela só não tocou em frente o processo porque o governo do Collares precisava dos votos do PMDB de Rigotto na Assembléia. Mas ela guardou na gaveta e, em dezembro de 1994, antes de deixar a secretaria, a Dilma teve o cuidado de mandar toda a papelada do inquérito para a Contadoria e Auditoria Geral do Estado (CAGE) e para o Ministério Público. Dali nasceu a CPI.
CA – E daí?
ELMAR – A CPI durou um ano e meio, produziu 350 quilos de papel. Foi a primeira comissão parlamentar do país a apontar os corruptos e também os corruptores. Foram indiciados 23 funcionários e 11 empresas que integravam os dois consórcios vencedores da licitação.
CA – E como o irmão do Rigotto se intrometeu nesta história?
ELMAR – No governo Simon, Germano Rigotto era o líder do PMDB na Assembléia. Sua atuação na campanha foi decisiva para a vitória de Simon. Ele encaixou o irmão Lindomar num cargo que nem existia na CEEE, o de “assistente da diretoria financeira”. Quem contou isso na CPI foi próprio secretário de energia do Simon, Alcides Saldanha, que antecedeu Dilma. Foi neste posto, criado sob medida, que Lindomar Rigotto armou o esquema das licitações fraudadas.
CA – Esta denúncia virou processo na Justiça? Está andando?
ELMAR - O processo vai completar 15 anos em fevereiro, já tem 110 volumes e ainda não saiu da primeira instância. E o pior: a maior fraude da história gaúcha corre em segredo de justiça. E ninguém sabe porque. Quem tem medo que isso venha a público? O que o povo do Rio Grande não pode saber sobre a fraude da CEEE?
CA – O processo está parado?
ELMAR – Falei esta semana com a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público. A boa notícia é que o processo está concluso ao juiz. Isso quer dizer que não cabe mais nenhum recurso, nada. O juiz vai receber a última manifestação das partes, num prazo de 10 dias, e depois vai dar a sentença. Se sair antes das eleições de outubro, deve produzir um grande estrago político. Por isso mesmo, não acredito em tanta agilidade. Para alívio de alguns candidatos, a sentença da Justiça deve sair só no fim do ano, bem depois da manifestação dos eleitores nas urnas. Mas, pelo menos saberemos quem é quem nesta história ainda secreta.
CA – Bem, imagino que isso rendeu muita manchete na imprensa, na época…
ELMAR – Rendeu, mas com aquela cobertura em mosaico, meio truncada, aos saltos, com espaço fragmentado no noticiário… Depois, o assunto foi sumindo, desaparecendo, e o leitor fica se perguntando: o que foi mesmo que aconteceu?
CA – E aí aparece o JÁ para refrescar a memória dos gaúchos…
ELMAR – Publicamos uma reportagem destacando aquilo que a imprensa havia negligenciado e que era talvez o mais importante: o indiciamento dos corruptores, onze empresas, todas logomarcas reluzentes e grandes anunciantes. Talvez por isso o assunto na Justiça, apesar de ser uma “ação civil pública”, acabou encoberto pelo ”segredo de Justiça”. Estava quase esquecido quando o principal personagem da fraude, Lindomar Rigotto, voltou às manchetes, agora nas páginas policiais.
CA – Pela fraude na CEEE?
ELMAR – Não, agora foi pela morte de uma garota de programa, de 24 anos, que caiu nua do 14º andar de um prédio a 100 metros da Praça da Matriz, onde ficam as sedes do poder no Estado – o Palácio Piratini, o Tribunal de Justiça, a Assembléia Legislativa e a Cúria Metropolitana. A história, de setembro de 1998, nunca foi esclarecida, mas o que importa é que o dono do apartamento de onde a moça caiu era Lindomar Rigotto, o principal implicado na fraude da CEEE e que estava lá no momento da queda. Foi indiciado por homicídio culposo e omissão de socorro no inquérito que apurou a morte da moça. Lindomar só não foi a júri porque, em fevereiro, foi assassinado num assalto numa praia gaúcha.
CA – O que ele fazia lá?
ELMAR – Após a sindicância da CAGE, que comprovou mesmo o desvio, ele e outros sete funcionários graduados envolvidos foram demitidos. Fora da CEEE, Lindomar e outro irmão, Julios, formaram uma rede de boates, o Ibiza Club, que chegou a ter quatro casas no litoral do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ele estava na Ibiza de Atlântida, no início da manhã de quarta-feira de cinzas de 1999, quando os assaltantes chegaram. Lindomar e o gerente estavam fechando o balanço da noite. Lindomar saiu em perseguição aos bandidos, e acabou morrendo com um tiro no olho. A polícia informou que os ladrões levaram uns R$ 30 mil, mas o dinheiro nunca foi recuperado, embora todos os envolvidos no assalto tenham sido presos pouco depois.
CA – E a imprensa, com isso, ressuscita o envolvimento de Lindomar com a CEEE?
ELMAR – Aí é que entra a ironia da história. Dois dias depois do assassinato, que obviamente rendeu grandes manchetes, o colunista mais importante da Zero Hora, Paulo Sant’Anna, escreveu uma crônica pungente sobre Lindomar Rigotto, que ele define como ”um homem que teve sua vida anatematizada pela tragédia”. Menciona a sucessão de infortúnios que culminaram com o assassinato, solidariza-se com a dor dos familiares e dá o assunto por encerrado.
CA – Como assim, “encerrado”?
ELMAR – O colunista dá a entender que aquele homem marcado pela tragédia pagou com a própria vida os possíveis desatinos e que, daí em diante, mexer com sua morte era apenas mexer com a dor dos seus familiares. Na verdade, impedir que esse assunto caia no esquecimento é de certa forma uma defesa de Lindomar. Afinal, ele pode ter sido o operador, mas não fez nada sozinho. E os corruptores que foram apontados?
CA – E foi encerrado o papo?
ELMAR – O Paulo Sant’Anna é o cronista mais influente do Estado e, se ele diz que um assunto está encerrado, ninguém mais duvida – principalmente nas redações da RBS, que é o maior grupo de comunicação do Sul do país, com oito jornais diários, 32 emissoras de rádio e 10 de TV no Rio Grande e Santa Catarina. Aí eu percebi que tinha um baita assunto na mão e podia trabalhar com calma, porque ninguém ia mexer com isso.
CA – A reportagem do JÁ saiu quando?
ELMAR – Em 2001, mais de um ano depois da morte de Lindomar. A reportagem foi feita com grande dificuldade. Não tínhamos grana pra nada. A praia fica próxima de Porto Alegre, cerca de 120 km de distância em linha reta. E lembro que fomos ao litoral ver o processo, eu e um repórter, o tempo inteiro de olho na luzinha da gasolina. Nesse meio tempo, a circulação do jornal estava suspensa, a matéria ficou pela metade, numa gaveta. O jornal só voltou a circular no início de 2001 e aí retomamos a reportagem. Quatro repórteres trabalharam nela. Publicamos na edição de maio. Em agosto recebi a citação do juiz.
CA – Quem processou vocês?
ELMAR – A autora visível da ação é a senhora Julieta Vargas Rigotto, mãe de Lindomar e do ex-governador Germano Rigotto, hoje candidato a Senador pelo PMDB.
CA – O Rigotto é inocente nesta causa? Ele não sabe de nada? Jura?
ELMAR – Saber, o Rigotto sabe, é claro, desde o início da ação na justiça. Quando estávamos finalizando a matéria, o repórter Olides Canton ligou para ele em Brasilia, quando ainda era deputado federal. Ele reagiu asperamente: “Eu não trato desse assunto”. E advertiu que sua mãe iria nos processar, que já havia acionado outros veículos.
CA – E o que a mãe do inocente Rigotto alegava?
ELMAR – Eles ajuizaram duas ações. Uma queixa-crime por calúnia e difamação contra o autor da matéria, no caso eu, que assinava – com outros quatro repórteres – como responsável pelo texto final. A outra, uma ação cível, por dano moral, contra a editora do jornal.
CA – E aí?
ELMAR – No inicio ganhamos as duas. A ação cível teve decisão até antes, porque o nosso advogado nem discutiu o mérito. Ele alegou decadência de prazo, porque entrara mais de noventa dias depois da publicação. Estava em vigor a extinta Lei de Imprensa, que estipulava esse prazo para ações de dano moral. A outra teve um parecer do Ministério Público, uma decisão em primeira instância e uma sentença em tribunal, tudo no mesmo tom: a reportagem ateve-se aos fatos, não teve a intenção de ofender ninguém e atendia ao interesse público. Ou seja, cumpria todos os requisitos clássicos de uma boa e correta reportagem.
CA – E o que aconteceu, então?
ELMAR – A sentença do juiz de primeira instância, mandando arquivar o processo civel por decadência de prazo, saiu em agosto de 2002, em plena campanha eleitoral na qual Germano Rigotto era o candidato do PMDB a governador. Em outubro, ele se elegeu consagradoramente. Em dezembro, um mês antes da posse de Rigotto, o Tribunal de Justiça do Estado acolheu inesperadamente um recurso e derrubou a decadência do prazo, sem levar em consideração a sentença do mesmo tribunal no outro processo. Julgou o mérito e acabou condenando a editora a pagar uma indenização de R$ 17 mil reais por danos morais. Resumindo o absurdo da questão: o mesmo tribunal que nos absolveu antes acaba por nos condenar depois. Assim, temos uma única reportagem e duas sentenças absolutamente contraditórias. Culpado e inocente, ao mesmo tempo, pela mesma matéria.
CA – E vocês não recorreram ao STF?
ELMAR – Recorremos, claro. Acontece que fomos condenados à revelia. Houve uma audiência para a qual não recebi intimação, nem eu nem minhas quatro testemunhas… E aí fomos condenados à revelia. O STF não acolheu o nosso recurso. No nosso site www.jornal.ja.com.br está a integra da sentença e outros detalhes desta história. É uma didática leitura que vale a pena, para entender como a liberdade de expressão neste país pode ser atingida pela própria Justiça, que deveria protegê-la como ninguém.
CA – Bem, mas, com a Justiça brasileira, a condenação deve ter demorado, não?
ELMAR – Que nada, foi rápida. O tribunal reabriu o processo em dezembro de 2002 e, em agosto do ano seguinte, o jornal já estava condenado. Pouco depois fomos notificados para apontar bens à penhora. Oferecemos nosso estoque de livros, uns 15 mil volumes de 35 títulos diferentes editados pela JÁ. A oferta foi recusada pela Justiça. E assim vem…
CA – Até que, agora, bloquearam tua conta pessoal no banco…
ELMAR – Pois é, fiz um empréstimo consignado de R$ 10 mil para pagar as contas mais urgentes, tinha um restinho de mil e poucos reais lá. Pois o juiz mandou sequestrar para pagar os advogados da dona Julieta. E, pelo que me diz o advogado, atropelando procedimentos processuais. É incrível: perseguido há dez anos, ainda tenho que pagar os honorários dos advogados que me processam.
CA – Que outros prejuízos você está sofrendo?
ELMAR – Os efeitos políticos de um processo desses sobre a editora e o jornal são devastadores. O jornal sofre uma condenação dessas, absurda, mas não sai uma linha em lugar nenhum, ninguém sabe direito o que aconteceu… O que fica no ar, de forma leviana, para todo mundo que não entende bem este caso, é que ”um jornaleco irresponsável foi condenado porque ofendeu a honra e a imagem da família do governador”. E fica por isso mesmo.
CA – O jornal teve perdas com isso?
ELMAR – O governo estadual é o maior anunciante no Rio Grande, somando-se as verbas do Executivo e das estatais. Suas contas são atendidas pelas maiores agências da praça. Se você está vetado aí, qual é a consequência imediata? Ninguém quer se incomodar com o maior cliente da publicidade no Estado e, daí, ninguém programa o “jornaleco irresponsável”. Esse escândalo que estourou agora no Banrisul mostra o uso político das verbas de publicidade. Dez milhões foram tungados para pagamento de propinas e caixa de campanha. O Banrisul patrocina o principal prêmio de jornalismo do Estado, o Prêmio ARI, da Associação Riograndense de Imprensa. Tenho várias fotos com o presidente do banco entregando prêmios ao JÁ. Mas, desde 2003, quando Germano Rigotto assumiu como governador, o Banrisul baniu o JÁ das suas programações publicitárias. O maior banco do Estado anuncia até em jornalzinho de pet shop, só não anuncia no JÁ. Será que isso tudo é mera coincidência?
CA – E o que vai acontecer agora? Qual é a saída para o JÁ?
ELMAR – Nesse momento muitos interesses se juntam para tirar o jornal de circulação. Eles não vão conseguir. O JÁ vai resistir. Apesar do silêncio público, estamos recebendo muitas manifestações de apoio. Os artigos do jornalista Luiz Cláudio Cunha, em novembro e agora, no Observatório da Imprensa, abriram uma grande frente de resistência, reproduzidos em centenas de blogs pelo mundo afora. Acho que vamos comemorar os 25 anos em outubro com grandes e boas novidades.
Clique aqui para ler “Rigotto quer fechar um jornal ? A odisséia de um jornalista gaúcho”.
"A política tem a ver com o conflito"
Chantal Mouffe esteve em Buenos Aires dando
palestras na Universidade Nacional Três de Fevereiro. A politóloga
afirmou que as diferentes experiências progressistas na América Latina
evidenciam que é possível romper com o neoliberalismo. Do seu corpo
frágil surge uma voz firme e constante. É um castelhano falado por uma
belga casada com um argentino. Junto ao filósofo e marido Ernesto Laclau
escreveu Hegemonia e estratégia socialista.
Chantal Mouffe tomou
de Hannah Arendt a visão da política como pluralidade para depois dizer
que Arendt fala da pluralidade como meio para conseguir o consenso. O
ponto principal da teoria de Mouffe é que o conflito é central porque
algumas posições são irreconciliáveis em uma democracia agonista. Por
isso Mouffe revisou a ideia de conflito do filósofo Karl Schmitt.
Estudiosa dos novos modelos de democracia, garante que na Argentina está se dando um processo de democratização da sociedade e que o projeto hegemônico “deve ganhar mais setores da classe média”. Chantal Mouffe concedeu entrevista para Mercedes López San Miguel do Página/12, 06-09-2010. A tradução é do Cepat, publicada originalmente no IHU Online.
Eis a entrevista.
Sua tese teórica reivindica a confrontação, isso parece contradizer a suposta busca de consenso que muitos postulam na Argentina…
O objetivo da democracia não é que todo mundo se coloque de acordo, há posições irreconciliáveis. Critico as tradições teóricas que dizem que a política democrática busca consensos. Habermas indica que o consenso se busca através de processos deliberativos, argumentos racionais. Eu não concordo com ele. A política tem a ver com o conflito e a democracia consiste em dar possibilidade aos diferentes pontos de vista para que se manifestem e se desentendam. O dissenso pode se dar mediante o antagonismo amigo-inimigo quando se trata o oponente como inimigo – no extremo levaria a uma guerra civil – ou através do que chamo agonismo: um adversário reconhece a legitimidade do oponente e o conflito se conduz através das instituições. É uma luta por hegemonia.
Está intimamente ligada ao que você postula em seu livro "Em torno ao político" acerca de um ‘nós’ frente a um ‘eles’…
Sim. Toda política tem a ver com a formação de “nós”. Nao se pode formar um “nós” sem um “eles”. Qualquer identidade coletiva implica dois: os católicos não se definiriam sem os muçulmanos; as mulheres sem os homens. A ideia de que se poderia chegar a um nós inclusivo completamente é impensável teóricamente.
Desse ponto de vista, qual é o “outro” do governo kirchnerista nesta instância de final do seu mandato?
Não é o outro, são os outros: uma série de interesses que se opõe à democratização do país.
Por exemplo?
O grupo Clarín e todos os que tratam de monopolizar os meios de comunicação. O governo, um governo progressista tenta dar pluralidade de informação. Vejo claramente onde está o outro. Os grupos econômicos tratam de monopolizar o poder o mais que podem e o governo de impedi-lo. Essas forças que tentam manter seus privilégios e controle, e representam também os setores do campo; o outro vai mudando segundo as circunstâncias. Quando se trata de democratizar uma sociedade, torná-la mais plural e igualitária, enfrentar-se-ão grupos de poder.
Ernesto Laclau afirmou em uma recente entrevista a este jornal que o modelo argentino é superior às sociais-democracias do Uruguai e Chile (governo de Bachelet). Concorda?
Os modelos do Uruguai e do Chile são mais próximos à social-democracia europeia. Ao contrário, na Argentina a tradição peronista é muito importante o que a torna mais específica. Há na América do Sul uma série de governos progressistas de diversas índoles – Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e os Kirchner na Argentina – que foram para além da ruptura com o neoliberalismo que Tabaré Vázquez e Michelle Bachelet. Na reunião de Mar del Plata tanto no Uruguai como no Chile votaram a favor do projeto de Bush e da ALCA. Tabaré depois tentou estabelecer relações bilaterais, ‘namorou’ com um tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Tampouco, se pode dizer que são reacionários, são menos progressistas.
Na região está se dando uma disputa entre os governos de esquerda e uma direita com discurso republicano que está sendo apoiada pelos meios de comunicação. Como vê isso?
Em todos esses países que mencionei aconteceu um processo de democratização. Venezuela é muito mais democrática com Chávez do quando era governada pelo Copei ou Ação Democrática, nem é preciso falar da Bolívia. As condições dependem do grau de institucionalização da sociedade civil. Na Venezuela tem-se uma situação muito mais polarizada e a sociedade civil é muito mais débil comparada com a Argentina. Porque há oposições a esses governos?, é a mesma oligarquia que reage contra os processos de democratização. Na Venezuela, um caso paradigmático, os poderes nunca aceitaram a legitimidade de Chávez, ainda que esse tenha ganhado todas as eleições em que participou. Tratam Chávez como um inimigo, com tentativas de golpes de Estado. No caso da Argentina, o projeto hegemônico deve procurar ganhar o apoio da maior parte dos setores para avançar no processo de democratização. Quando em um país há uma classe média bastante desenvolvida, setores dessa classe média podem ser conquistados.
Na concepção teórica de Schmitt, o soberano pode decidir por um estado de exceção. Às vezes o soberano pode ser o povo. Isto é aplicável à crise de 2001 na Argentina e a queda de Sánchez de Lozada na Bolivia?
Schmitt pensa sobre o papel do direito e que para além do direito está a política, sempre há situações excepcionais que podem não seguir as leis. É uma discussão que tem a ver com o constitucionalista Hans Kessel se a lei é inquestionável. Schmitt dizia que não, que mesmo na democracia há situações de exceção, há alguém que decide e é o soberano. Todo o pensamento liberal trata de eliminar a soberania, o papel do soberano. O mesmo Schmitt dizia: há conflito. O político tem a ver com o conflito.
Você tem uma visão positiva do populismo?
Depende se é populismo de esquerda ou de direita. O populismo não é uma palavra ruim, porque acredito que na política democrática há uma construção de um povo. A esse elemento chamo populismo, a descrição de um povo. O que Gramsci chamaria de uma vontade coletiva, o nacional-popular. Esse povo pode construir-se de modos diferentes. Exemplo, na Europa os movimentos populistas que estão ganhando terreno são de direita porque constroem o povo mediante um antagonismo com os imigrantes, é o caso de Le Pen na França. A xenofobia é uma característica do populismo de direita. Ao contrário, a construção nossa é em confrontação com os grupos econômicos, o populismo de esquerda.
Como por exemplo?
O de Chávez, definitivamente. O povo venezuelano se define contra os opressores, os poderosos.
Do seu ponto de vista, as sociais-democracias europeias fracassaram e tem muito que aprender da América Latina…
A situação dos partidos chamados de centro-esquerda é preocupante. Ao denominarem-se “centro” esquerda se distanciaram do progressismo. Por exemplo, a Terceira Via de Blair aceitou a hegemonía neoliberal. Na Europa entre a centro-direita e a centro-esquerda não há grandes diferenças. A consequência disso é que as pessoas votam cada vez menos. E cria um terreno fértil para que os partidos de direita populista se posicionem, dêem a impressão de que são uma alternativa de mudança. A crise financeira de 2008 poderia ser uma oportunidade para que uma verdadeira esquerda democrática apresentasse uma alternativa ao modelo neoliberal. Não foi o caso. Todos esses partidos de centro-esquerda aceitaram a ordem neoliberal e contribuiram em alguns casos para essa ordem, como o fez o novo trabalhismo britânico. Não se pode ser ao mesmo tempo o responsável pela crise e sua ‘salvadora’. Isto reforçou os partidos conservadores. O único país da Europa em que se tem uma esquerda ainda fortalecida é na Alemanha. O partido "A Esquerda" quer realizar uma transformação das instituições. A crise foi uma oportunidade perdida, de todos os modos, a confiança no neoliberalismo se perdeu e mesmo os partidos de centro-esquerda se conscientizaram da necessidade de se apresentarem como uma alternativa. Tenho um otimismo moderado. As experiências latino-americanas são importantes para nós, mostram que se pode sair do neoliberalismo.
Estudiosa dos novos modelos de democracia, garante que na Argentina está se dando um processo de democratização da sociedade e que o projeto hegemônico “deve ganhar mais setores da classe média”. Chantal Mouffe concedeu entrevista para Mercedes López San Miguel do Página/12, 06-09-2010. A tradução é do Cepat, publicada originalmente no IHU Online.
Eis a entrevista.
Sua tese teórica reivindica a confrontação, isso parece contradizer a suposta busca de consenso que muitos postulam na Argentina…
O objetivo da democracia não é que todo mundo se coloque de acordo, há posições irreconciliáveis. Critico as tradições teóricas que dizem que a política democrática busca consensos. Habermas indica que o consenso se busca através de processos deliberativos, argumentos racionais. Eu não concordo com ele. A política tem a ver com o conflito e a democracia consiste em dar possibilidade aos diferentes pontos de vista para que se manifestem e se desentendam. O dissenso pode se dar mediante o antagonismo amigo-inimigo quando se trata o oponente como inimigo – no extremo levaria a uma guerra civil – ou através do que chamo agonismo: um adversário reconhece a legitimidade do oponente e o conflito se conduz através das instituições. É uma luta por hegemonia.
Está intimamente ligada ao que você postula em seu livro "Em torno ao político" acerca de um ‘nós’ frente a um ‘eles’…
Sim. Toda política tem a ver com a formação de “nós”. Nao se pode formar um “nós” sem um “eles”. Qualquer identidade coletiva implica dois: os católicos não se definiriam sem os muçulmanos; as mulheres sem os homens. A ideia de que se poderia chegar a um nós inclusivo completamente é impensável teóricamente.
Desse ponto de vista, qual é o “outro” do governo kirchnerista nesta instância de final do seu mandato?
Não é o outro, são os outros: uma série de interesses que se opõe à democratização do país.
Por exemplo?
O grupo Clarín e todos os que tratam de monopolizar os meios de comunicação. O governo, um governo progressista tenta dar pluralidade de informação. Vejo claramente onde está o outro. Os grupos econômicos tratam de monopolizar o poder o mais que podem e o governo de impedi-lo. Essas forças que tentam manter seus privilégios e controle, e representam também os setores do campo; o outro vai mudando segundo as circunstâncias. Quando se trata de democratizar uma sociedade, torná-la mais plural e igualitária, enfrentar-se-ão grupos de poder.
Ernesto Laclau afirmou em uma recente entrevista a este jornal que o modelo argentino é superior às sociais-democracias do Uruguai e Chile (governo de Bachelet). Concorda?
Os modelos do Uruguai e do Chile são mais próximos à social-democracia europeia. Ao contrário, na Argentina a tradição peronista é muito importante o que a torna mais específica. Há na América do Sul uma série de governos progressistas de diversas índoles – Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e os Kirchner na Argentina – que foram para além da ruptura com o neoliberalismo que Tabaré Vázquez e Michelle Bachelet. Na reunião de Mar del Plata tanto no Uruguai como no Chile votaram a favor do projeto de Bush e da ALCA. Tabaré depois tentou estabelecer relações bilaterais, ‘namorou’ com um tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Tampouco, se pode dizer que são reacionários, são menos progressistas.
Na região está se dando uma disputa entre os governos de esquerda e uma direita com discurso republicano que está sendo apoiada pelos meios de comunicação. Como vê isso?
Em todos esses países que mencionei aconteceu um processo de democratização. Venezuela é muito mais democrática com Chávez do quando era governada pelo Copei ou Ação Democrática, nem é preciso falar da Bolívia. As condições dependem do grau de institucionalização da sociedade civil. Na Venezuela tem-se uma situação muito mais polarizada e a sociedade civil é muito mais débil comparada com a Argentina. Porque há oposições a esses governos?, é a mesma oligarquia que reage contra os processos de democratização. Na Venezuela, um caso paradigmático, os poderes nunca aceitaram a legitimidade de Chávez, ainda que esse tenha ganhado todas as eleições em que participou. Tratam Chávez como um inimigo, com tentativas de golpes de Estado. No caso da Argentina, o projeto hegemônico deve procurar ganhar o apoio da maior parte dos setores para avançar no processo de democratização. Quando em um país há uma classe média bastante desenvolvida, setores dessa classe média podem ser conquistados.
Na concepção teórica de Schmitt, o soberano pode decidir por um estado de exceção. Às vezes o soberano pode ser o povo. Isto é aplicável à crise de 2001 na Argentina e a queda de Sánchez de Lozada na Bolivia?
Schmitt pensa sobre o papel do direito e que para além do direito está a política, sempre há situações excepcionais que podem não seguir as leis. É uma discussão que tem a ver com o constitucionalista Hans Kessel se a lei é inquestionável. Schmitt dizia que não, que mesmo na democracia há situações de exceção, há alguém que decide e é o soberano. Todo o pensamento liberal trata de eliminar a soberania, o papel do soberano. O mesmo Schmitt dizia: há conflito. O político tem a ver com o conflito.
Você tem uma visão positiva do populismo?
Depende se é populismo de esquerda ou de direita. O populismo não é uma palavra ruim, porque acredito que na política democrática há uma construção de um povo. A esse elemento chamo populismo, a descrição de um povo. O que Gramsci chamaria de uma vontade coletiva, o nacional-popular. Esse povo pode construir-se de modos diferentes. Exemplo, na Europa os movimentos populistas que estão ganhando terreno são de direita porque constroem o povo mediante um antagonismo com os imigrantes, é o caso de Le Pen na França. A xenofobia é uma característica do populismo de direita. Ao contrário, a construção nossa é em confrontação com os grupos econômicos, o populismo de esquerda.
Como por exemplo?
O de Chávez, definitivamente. O povo venezuelano se define contra os opressores, os poderosos.
Do seu ponto de vista, as sociais-democracias europeias fracassaram e tem muito que aprender da América Latina…
A situação dos partidos chamados de centro-esquerda é preocupante. Ao denominarem-se “centro” esquerda se distanciaram do progressismo. Por exemplo, a Terceira Via de Blair aceitou a hegemonía neoliberal. Na Europa entre a centro-direita e a centro-esquerda não há grandes diferenças. A consequência disso é que as pessoas votam cada vez menos. E cria um terreno fértil para que os partidos de direita populista se posicionem, dêem a impressão de que são uma alternativa de mudança. A crise financeira de 2008 poderia ser uma oportunidade para que uma verdadeira esquerda democrática apresentasse uma alternativa ao modelo neoliberal. Não foi o caso. Todos esses partidos de centro-esquerda aceitaram a ordem neoliberal e contribuiram em alguns casos para essa ordem, como o fez o novo trabalhismo britânico. Não se pode ser ao mesmo tempo o responsável pela crise e sua ‘salvadora’. Isto reforçou os partidos conservadores. O único país da Europa em que se tem uma esquerda ainda fortalecida é na Alemanha. O partido "A Esquerda" quer realizar uma transformação das instituições. A crise foi uma oportunidade perdida, de todos os modos, a confiança no neoliberalismo se perdeu e mesmo os partidos de centro-esquerda se conscientizaram da necessidade de se apresentarem como uma alternativa. Tenho um otimismo moderado. As experiências latino-americanas são importantes para nós, mostram que se pode sair do neoliberalismo.
Sobre mentes e corações
Cristãos estadunidenses vão queimar exemplares do Alcorão.
Não, eles não são fundamentalistas e nem terroristas.
São cidadãos comuns que aprenderam, graças à mídia e à industria de entretenimento, que os muçulmanos sãos maus.
O que mais uma vez confirma o que já foi disto neste blog.
Os Estados Unidos são a pior ditadura que já surgiu sobre a face da terra.
E por que pouca gente se dá conta disso?
Simples.
Eles dominam globalmente a mídia e a indústria de entretenimento, cuja função básica tem sido destruir mentes e conquistar corações.
Eles determinam todos os nossos movimentos, gostos e sonhos.
Determinam o que vamos comer, o que devemos sonhar e como devemos amar.
Transformaram a diversidade em unidade - à sua imagem e semelhança.
Fora desse contexto, somos todos alienígenas.
Por isso, não se deve entender que a queima de um livro sagrado para um bilhão e 500 milhões de fieis esteja fora do contexto.
Que seja um ato isolado de alguns poucos.
Nada disso, queimar livros sagrados, que não os seus, para eles é um ato corriqueiro e exemplo a ser seguido.
É o
preço que se paga quando se permite o domínio de uma ideologia que tenta
sobreviver a qualquer custo, mesmo a custa da destruição da diversidade
e do planeta.
Como disse Kant:"Minha
dúvida é sobre o que podemos esperar conseguir com a razão, quando
retirados todos os elementos e toda a assistência da experiência".
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Stédile: Não é mais sem terra vs. latifundiário; é a sociedade contra a devastação do agronegócio
por Luiz Carlos Azenha no Viomundo
O velho paradigma, do sem terra com a foice na mão enfrentando o
capanga do latifundiário, já era. Essa ideia — assustadora para a classe
média, romântica para uma certa esquerda e mortal para os descamisados —
será superada por um crescente enfrentamento entre a sociedade civil e o
modelo do agronegócio, de acordo com o coordenador nacional do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile.
Por causa da correria dos últimos dias, ainda não pude escrever sobre
a hora e meia de entrevista que fiz, ao lado de Conceição Lemes, com o
Stédile. Farei isso aos poucos.
Para ele, o novo paradigma surge da consciência crescente da
população em relação aos danos ambientais causados pela monocultura
mecanizada de vastas extensões de terra, que envenena a água, o solo e o
ar, expulsa o homem do campo para as cidades, ameaça a biodiversidade e
é responsável por fazer do Brasil o maior consumidor de venenos
agrícolas do mundo.
Durante a entrevista, Stédile deu um exemplo: em 2006, quando as
mulheres da Via Campesina invadiram o horto florestal da Aracruz
Celulose, no Rio Grande do Sul, destruindo mudas de eucaliptos, pouco se
sabia no Brasil sobre o “deserto verde”, que resulta do plantio de
vastas extensões de eucalipto para a produção de celulose. Hoje, diz
Stédile, a própria Votorantim tem se mostrado flexível a discutir as
propostas do MST, que quer limitar em 20% a área de eucaliptos plantada
em um município.
Isso se deve, segundo Stédile, à própria reação de quem mora perto
dos “desertos verdes”: o eucalipto suga a água do solo, não permite que
vegetação se desenvolva entre as árvores — causando, entre outras
coisas, o sumiço das abelhas — e empobrece o solo.
Agora, no entanto, o MST não vai agir apenas no campo da política. O
movimento pretende demonstrar na prática a viabilidade econômica da
agricultura orgânica e está se preparando para produzir suco de uva
natural (sem produtos químicos no plantio e cuidado das uvas e sem
conservantes no produto final) e arroz orgânico para a merenda escolar.
Stédile imagina que os pais de alunos, os maiores interessados na saúde
dos próprios filhos, são aliados em potencial na luta contra a
agricultura devastadora patrocinada pelas grandes corporações.
Assim serão, também — imagina Stédile — os médicos, pesquisadores e
cientistas, quando ficarem mais claras as consequências do uso de
sementes geneticamente modificadas para a biodiversidade brasileira e
dos venenos associados a elas para a saúde pública.
Para quem quiser ter uma visão completa do que sugere Stédile, recomendo que ouçam a íntegra da entrevista, aqui. Garanto que vale a pena.
Eleição presidencial no Brasil provoca "febre Dilma" na Bulgária
A Bulgária vive uma "febre Dilma". Jornais, revistas e televisões acompanham o dia a dia da campanha no Brasil — e muitos jornalistas já estão de malas prontas para cobrir in loco a possível eleição de uma "búlgara para presidir a sétima maior economia do mundo". Se o Quênia festejou a vitória de Barack Obama, que tem pai queniano, a Bulgária quer festejar a de Dilma, que tem pai búlgaro.
"Somos um país muito pequeno, e a
possibilidade de alguém que teve um pai búlgaro ocupar um cargo tão
importante nos deixa emocionados", afirma Jorge Nalbantov, apresentador
da TV7, que viajará ao Brasil para fazer a cobertura da eleição
presidencial. A Bulgária tem cerca de 7,5 milhões de habitantes —
população que vem caindo devido à migração e à baixa taxa de natalidade
(1,4 filho por mulher, em média). Há dez anos, eram 8,1 milhões de
habitantes.
Dilma é descrita pelos meios de comunicação como "dama de ferro", "Margaret Thatcher brasileira" e "toda-poderosa do governo Lula". Algumas vezes foi chamada erroneamente de "primeira-ministra do Brasil".
Certas reportagens citam, equivocadamente, sua participação em grupos da luta armada e no roubo, em julho de 1969, do "cofre do Adhemar", que teria pertencido ao ex-governador de São Paulo e que era guardado no Rio. Apesar de ter militado na VAR-Palmares — que organizou a operação —, Dilma não participou nem desta nem de nenhuma ação armada durante o regime militar (1964-1985).
Na última quinta-feira, um dos principais jornais de Sófia, o Trud (algo como o trabalhador), dedicou duas páginas inteiras à ex-ministra e suas raízes búlgaras. No sábado, o mesmo jornal trouxe mais uma grande reportagem com o título: "Dilma Rousseff: Quero Mandar Abraços para a Bulgária". Era baseada numa resposta dada pela candidata após entrevista no SBT. Segundo o Trud, Dilma disse que ir à Bulgária é uma de suas prioridades e que desejava mandar uma abraço a todos os búlgaros.
Alguns jornais e programas de televisão dizem que ela é búlgara, apesar de a candidata nunca ter ido ao país e de não falar búlgaro. Já foram publicados títulos como: "Uma búlgara pode ser presidente do Brasil". De nada adianta os esforços do embaixador do Brasil em Sófia, Paulo Américo Wolowski. “Tento explicar para os jornalistas que ela não é búlgara, assim como não sou polonês", afirma ele, que viu explodir o interesse da mídia local pelo Brasil.
Em busca de heróis
Para Rumen Stoyanov, professor de literatura da Universidade de Sófia, a Bulgária sente falta de figuras ilustres. "Precisamos de heróis. Somos um povo pequeno, que está diminuindo porque o búlgaro não quer ter filho. Por isso, é importante que ressaltemos o exemplo de alguém com sangue búlgaro com destaque fora do país", afirma Stoyanov.
Dilma não é a primeira "semi-búlgara" a ser festejada na Bulgária. Entre os heróis nacionais está John Vincent Atanasoff, considerado o inventor do computador digital. Ele nasceu e viveu a vida toda nos Estados Unidos. Mas tinha, claro, um pai búlgaro.
Dilma é descrita pelos meios de comunicação como "dama de ferro", "Margaret Thatcher brasileira" e "toda-poderosa do governo Lula". Algumas vezes foi chamada erroneamente de "primeira-ministra do Brasil".
Certas reportagens citam, equivocadamente, sua participação em grupos da luta armada e no roubo, em julho de 1969, do "cofre do Adhemar", que teria pertencido ao ex-governador de São Paulo e que era guardado no Rio. Apesar de ter militado na VAR-Palmares — que organizou a operação —, Dilma não participou nem desta nem de nenhuma ação armada durante o regime militar (1964-1985).
Na última quinta-feira, um dos principais jornais de Sófia, o Trud (algo como o trabalhador), dedicou duas páginas inteiras à ex-ministra e suas raízes búlgaras. No sábado, o mesmo jornal trouxe mais uma grande reportagem com o título: "Dilma Rousseff: Quero Mandar Abraços para a Bulgária". Era baseada numa resposta dada pela candidata após entrevista no SBT. Segundo o Trud, Dilma disse que ir à Bulgária é uma de suas prioridades e que desejava mandar uma abraço a todos os búlgaros.
Alguns jornais e programas de televisão dizem que ela é búlgara, apesar de a candidata nunca ter ido ao país e de não falar búlgaro. Já foram publicados títulos como: "Uma búlgara pode ser presidente do Brasil". De nada adianta os esforços do embaixador do Brasil em Sófia, Paulo Américo Wolowski. “Tento explicar para os jornalistas que ela não é búlgara, assim como não sou polonês", afirma ele, que viu explodir o interesse da mídia local pelo Brasil.
Em busca de heróis
Para Rumen Stoyanov, professor de literatura da Universidade de Sófia, a Bulgária sente falta de figuras ilustres. "Precisamos de heróis. Somos um povo pequeno, que está diminuindo porque o búlgaro não quer ter filho. Por isso, é importante que ressaltemos o exemplo de alguém com sangue búlgaro com destaque fora do país", afirma Stoyanov.
Dilma não é a primeira "semi-búlgara" a ser festejada na Bulgária. Entre os heróis nacionais está John Vincent Atanasoff, considerado o inventor do computador digital. Ele nasceu e viveu a vida toda nos Estados Unidos. Mas tinha, claro, um pai búlgaro.
Fonte: www.vermelho.org.br
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Direitos democráticos. E seletivos?
A
mídia está “indignada” com a quebra do sigilo fiscal de alguns altos
tucanos. Um crime – não é possível usar meias palavras para o que é este
acesso ilegal – que, até agora, carece de autoria mas, sobretudo, de
motivação. Precisa, também, de uma mudança de nome porque o que existe,
até agora, é o acesso ilegal, mas não o vazamento de informações
sigilosas porque, exceto no caso de Eduardo Jorge, que tem tido a visita
frequente a estes dados por ordem – e parece que também sem ordem –
judicial, nada vazou. O caro leitor viu ou ouviu algo sobre o que
conteriam as tais declarações violadas? Não? E espero que nenhum de nós
venha a ouvir nada sobre elas, senão em razão de investigações fiscais
ou judiciais, que é a única maneira legal e correta de que venham a
público tais informações.
Embora, como eu tenha deixado claro, não tenha a menor condescendência com quem agiu assim – e quem teve a vida familiar devassada como os Brizola fala isso de cadeira – é estranho que nossa imprensa não demonstre nada parecido com a santa ira de que está possuída agora, quando se trata de outros atentados à democracia.
Não me recordo de um editorial dizendo que os níveis de pobreza do Brasil eram um atentado à democracia. Ou de que é uma vergonha um país imenso como o nosso tenha tanta gente sem um pé-de-chão. Ou que o lucro dos bancos brasileiros é obsceno e transfere para quem não produz e não apóia a produção boa parte da renda do trabalho, das pensões e aposentadoria e das empresas que produzem e empregam.
Não me lembro de nada disso; estarei desmemoriado? Mesmo as matérias sobre as deficiências na saúde e na educação eu só as vejo quando os governantes estaduais ou municipais não são da predileção da grande mídia.
O estado democrático de direito, que inclui, pela nossa Constituição, os sigilos bancário, fiscal e telefônico é, também, condicionado ao “dono” . O sigilo fiscal de Guilherme Estrella, diretor de Exploração da Petrobras foi violado em plena tribuna do Senado e não houve um artigozinho condenando.
E o estado democrático de Direito, para a nossa mídia, não inclui os direitos sociais do povão. Qualquer melhoria para ele é “demagogia”, “populismo”, “clientelismo”. Governante que os promove, mesmo sem tirar nada de quem tem, é “messiânico”, “personalista”, “ignorante”.
As próprias garantias do pleito democrático são abertamente manipuladas. Serra tenta impugnar a candidatura Dilma com argumentos pífios, que não podem ser considerados sequer numa conversa de botequim e o máximo que se ouve é que isso é um erro. Um ex-presidente como FHC escreve e assina nos jornais, hoje, um artigozinho em que pede o mesmo – “chama a atenção que nenhum procurador da República, nem mesmo candidatos ou partidos, haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas (pelo prestígio de Lula), senão para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso” – e não se considera isso uma ameaça à democracia.
Vejam bem: acham absurdo um presidente pedir votos e não acham um absurdo um ex-presidente, que tem candidato – pedir a cassação do registro da candidata favorita, que tem 50% ou mais da intenção de voto popular.
Nos custou muito atingir a democracia e, mesmo demorados, ela nos deu os frutos que colhemos agora. Nossa democracia, a depender de nossa imprensa, é assim: todos os direitos para poucos- “os nossos” – nenhum direito para muitos, “essa ralé”.
A democracia brasileira, para não ser uma fantasia, depende da democracia da informação. Com esta mídia, teremos nela, sempre, um inimigo da democracia real. Porque ela é parte de uma elite que despreza o povo brasileiro. E, quando o povo é desprezado, que democracia pode haver?
Embora, como eu tenha deixado claro, não tenha a menor condescendência com quem agiu assim – e quem teve a vida familiar devassada como os Brizola fala isso de cadeira – é estranho que nossa imprensa não demonstre nada parecido com a santa ira de que está possuída agora, quando se trata de outros atentados à democracia.
Não me recordo de um editorial dizendo que os níveis de pobreza do Brasil eram um atentado à democracia. Ou de que é uma vergonha um país imenso como o nosso tenha tanta gente sem um pé-de-chão. Ou que o lucro dos bancos brasileiros é obsceno e transfere para quem não produz e não apóia a produção boa parte da renda do trabalho, das pensões e aposentadoria e das empresas que produzem e empregam.
Não me lembro de nada disso; estarei desmemoriado? Mesmo as matérias sobre as deficiências na saúde e na educação eu só as vejo quando os governantes estaduais ou municipais não são da predileção da grande mídia.
O estado democrático de direito, que inclui, pela nossa Constituição, os sigilos bancário, fiscal e telefônico é, também, condicionado ao “dono” . O sigilo fiscal de Guilherme Estrella, diretor de Exploração da Petrobras foi violado em plena tribuna do Senado e não houve um artigozinho condenando.
E o estado democrático de Direito, para a nossa mídia, não inclui os direitos sociais do povão. Qualquer melhoria para ele é “demagogia”, “populismo”, “clientelismo”. Governante que os promove, mesmo sem tirar nada de quem tem, é “messiânico”, “personalista”, “ignorante”.
As próprias garantias do pleito democrático são abertamente manipuladas. Serra tenta impugnar a candidatura Dilma com argumentos pífios, que não podem ser considerados sequer numa conversa de botequim e o máximo que se ouve é que isso é um erro. Um ex-presidente como FHC escreve e assina nos jornais, hoje, um artigozinho em que pede o mesmo – “chama a atenção que nenhum procurador da República, nem mesmo candidatos ou partidos, haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas (pelo prestígio de Lula), senão para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso” – e não se considera isso uma ameaça à democracia.
Vejam bem: acham absurdo um presidente pedir votos e não acham um absurdo um ex-presidente, que tem candidato – pedir a cassação do registro da candidata favorita, que tem 50% ou mais da intenção de voto popular.
Nos custou muito atingir a democracia e, mesmo demorados, ela nos deu os frutos que colhemos agora. Nossa democracia, a depender de nossa imprensa, é assim: todos os direitos para poucos- “os nossos” – nenhum direito para muitos, “essa ralé”.
A democracia brasileira, para não ser uma fantasia, depende da democracia da informação. Com esta mídia, teremos nela, sempre, um inimigo da democracia real. Porque ela é parte de uma elite que despreza o povo brasileiro. E, quando o povo é desprezado, que democracia pode haver?
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