Wálter Maierovitch *no Sul21
1. A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de condenar o
Brasil. Isto por ter conferido — pela sua lei de autoanistia de (Lei
n.6683, de 1979)–, um “bill de indenidade” aos responsáveis por
assassinatos e desaparecimentos de 62 pessoas, entre 1972 e 1979, na
região do Araguaia e em repressão a grupo de contraste à ditadura
militar.
Como todos sabem trata-se de uma Corte de Justiça, com jurisdição
internacional. Ou melhor, a Corte Interamericana tem competência para
declarar, em matéria de direitos humanos, o direito aplicável no âmbito
dos estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) que a
aceitaram, como é o caso do Brasil.
O Brasil é subscritor da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Mais ainda, expressamente aceitou a jurisdição da Corte Interamericana
de Direitos Humanos.
Essa referida Corte é composta por sete juízes, eleitos e entre
“nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos”
(OEA).
Os seus juízes são eleitos a “título pessoal, dentre os juristas da
mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de
direitos humanos, que reúnam as condições para o exercício das mais
elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam
nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos”.
Uma comparação. Por força da Convenção de Roma de 18 de julho de 1998
foi constituído o Tribunal Penal Internacional (TPI). Apenas sete (7)
Estados membros da Organização das Nações Unidas, como por exemplo
Estados Unidos, China, Israel e Índia, não aceitam a jurisdição do TPI.
Como consequência da não aceitação, os sete (7) Estados referidos
estão fora da jurisdição do TPI. Portanto, o TPI, por falta de
legitimação, não pode instaurar processos contra os sete (7) estados.
Ainda que tenham sido consumados crimes de genocídio, de guerra, delitos
contra a humanidade e crimes de agressões internacionais: esses crimes
estão na competência do TPI.
O Brasil aceita a jurisdição internacional do TPI. Portanto, está
sujeito à sua jurisdição. O mesmo acontece com a Corte Interamericana de
Direitos Humanos.
E a jurisdição internacional, ocorrida a aceitação pelo estado,
prevalece sobre a nacional. É hierarquicamente superior. Por exemplo:
num caso de genocídio consumado no Brasil e após a instalação do TPI
(1998), uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de atipicidade
ficará submetida, por força de hierarquia das normas, a entendimento
contrário do TPI.
No caso de conflito entre a decisão nacional e a de Corte
internacional competente, prevalecerá a internacional: o STF
recentemente entendeu legítima a Lei de Anistia de 1979 (uma autoanistia
preparada e imposta pelo ilegítimo governo militar). A Corte
Interamericana, com relação ao Araguaia, entende diversamente. Assim,
prevalece a decisão da Corte Interamericana. Sobre essa obviedade, já
cansou de explicar o professor Fábio Conder Comparato.
Com efeito. A jurisdição internacional, da Corte Interamericana, é
viculante e prevalente. Em outras palavras, vale a decisão da Corte
Interamericana relativamente aos 62 desaparecidos do Araguaia.
–2. A Corte Europeia de Direitos Humanos, com sede na francesa cidade
de Estrasburgo e instituída pela Convenção Europeia para a Salvaguarda
dos Direitos Humanos, tem jurisdição vinculante em todos os
Estados-membros da União Europeia.
Cesare Batisti, a propósito, foi a esse Corte Europeia para anular os
processos condenatórios da Justiça italiana e confirmados pela mais
alta corte de Justiça daquele país (Corte de Cassação da Itália).
Caso tivesse a Corte Europeia dado razão a Btaisti, as decisões da
Corte de Cassação (que o Supremo Tribunal da Itália) estariam revogadas.
Como ensinam todos os juristas europeus, sem qualquer divergência e
ao interpretarem a Convenção e a força imperativa das decisões da Corte
Europeia de Direitos Humanos, “ as sentenças da Corte Européia dos
direitos do homem são diretamente vinculantes para os Estados membros da
Convenção”.
–3. Para o ministro Nelson Jobim, a decisão da Corte Interamericana,
no caso Araguaia, é política e não prevalece sobre o Supremo Tribunal
Federal (STF).
Trata-se de um argumento de autoridade e nada mais. Não é jurídico. É
um palpite, sem consistência jurídica mínima, de uma autoridade que
responde, às vezes com uniforme militar, pelo ministério da Defesa.
O entendimento de Jobim demonstra total desconhecimento do que seja o alcance da jurisdição internacional.
Se Jobim, por exemplo, determinar, como ministro da Defesa, a invasão
de comunidades indígenas para perpetração de genocídio, estará, ainda
que o STF diga que não, sujeito à jurisdição do Tribunal Penal
Internacional e poderá, até, ser preso preventivamente. Ficará, no
exemplo dado e caso a Força cumpra uma ilegal e inconstitucional ordem
jobianiana, na cela ao lado de Rodovan Karadizic, o carniceiro dos
bálcãs.
* Jurista e professor
Originalmente publicado no blogue de Sem Fronteiras
Originalmente publicado no blogue de Sem Fronteiras