quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A Guerra Fria (animação russa)

Tratados como inimigos


Governo demarcou menos terras, não aplicou orçamento e ainda tornou-se cúmplice da explosão de violências contra os povos indígenas



Roberto Antonio Liebgott no Brasil de Fato
Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Nas eleições de 2002, a candidatura de Lula expressava o anseio popular por mudanças e sobre a qual recaiam a confiança e as esperanças dos pobres, que acreditavam ser possível um governo desenvolver políticas de geração de empregos, assistência digna, educação de qualidade, segurança, reforma agrária, redistribuição de renda.
Os povos indígenas confiaram que haveria um governo comprometido com suas lutas e reivindicações e, por conseguinte, as suas terras seriam demarcadas e que se estruturariam políticas tendo em vista assistência diferenciada e digna, conforme determinações constitucionais.
Mas suas expectativas e anseios não foram atendidos. As demarcações de terras, dever do Estado, não se tornaram prioridade e muitos dos procedimentos demarcatórios se encontram paralisados. Poucas foram as terras regularizadas nos dois mandatos do presidente Lula: 88 terras foram homologada, sendo que muitas delas tiveram os procedimentos iniciados em governos anteriores.
Se comparado com governos anteriores, os dados evidenciam que os procedimentos de demarcações de terras foram sendo relegados ao esquecimento ou protelados indefinidamente.
Para agravar a situação, este governo inaugurou expedientes ilegítimos, tais como a redução de áreas já demarcadas, e a suspensão de portarias que previam a continuidade dos procedimentos demarcatórios.

Governo
Nº de Terras Homologadas
Terras em Hectares
Collor de Mello / Itamar Franco (Período: 1990-1994)
128
31913228
Fernando Henrique Cardoso (Período: 1994-2002)
147
36061504
Luiz Inácio Lula da Silva (Período: 2003-2010)
88
14339582

PAC “goela abaixo”
Ao fazer uma retrospectiva da política indigenista, dos oito anos de governo do presidente Lula, se constatou, de um lado, o interesse em manter o bom discurso, alinhado com os anseios e expectativas dos povos indígenas e de outro, as práticas cotidianas, que diferentemente da retórica de que se garantiriam os seus direitos, se direcionaram para estimular a ambição dos segmentos que historicamente se opõem a eles. Para estes o governo criou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que, na essência, serviu e serve para financiar e apoiar empresas da agroindústria, os banqueiros, as empreiteiras da construção civil, os conglomerados que investem nas grandes barragens, em mineração, na exploração madeireira e os grandes latifundiários que se dedicam ao monocultivo ou a criação bovina.
Na concepção desenvolvimentista do atual governo, focada apenas em aspectos econômicos, estes segmentos são “produtivos” e viáveis. Já os povos indígenas e comunidades tradicionais (como ribeirinhos, caiçaras e quilombolas) foram rotulados como improdutivos e, desse modo, tratados como sujeitos sem relevância para a economia e para o país. A sensação que se tem é a de que aqueles que governam o Brasil analisam e concebem que os pobres e as “minorias étnicas” devem receber, do poder público, a sua “generosidade” ou “caridade” e não políticas estruturantes. E, além disso, o presidente Lula, seguindo o exemplo dos governos militares, considerou os povos indígenas obstáculos ou entraves ao desenvolvimento e seus direitos constitucionais penduricalhos.

Explode a violência
Nos últimos anos pode-se dizer que foi deflagrada uma intensa perseguição e criminalização de lideranças indígenas que lutam pela terra. Isso ocorreu especialmente na Bahia, Pernambuco, Maranhão, Mato Grosso do Sul. Some-se a isso o alastramento de violências contra comunidades e povos em diferentes regiões brasileiras. Além de terem seus territórios invadidos, de padecerem com a falta de assistência em saúde, estes povos sofreram com o assassinato de 437 pessoas.
A omissão do governo Lula em relação ao intenso processo de violências enfrentadas pelos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul, e que se pode caracterizar como genocídio, é talvez o elemento mais significativo da falta de interesse pelos povos indígenas. Os abusos contra este povo são denunciados por organizações de defesa dos direitos humanos e indígenas no Brasil e no exterior. A demarcação das terras poderia ter evitado a morte de centenas de pessoas do povo Guarani Kaiowá. Além disso, uma ação mais eficaz de proteção das comunidades e de punição daqueles que praticam as violências poderia ter abrandado, em parte, o sofrimento que lhes é imposto há décadas.
O estado de Mato Grosso do Sul é recordista em violências contra os povos indígenas, e ali as comunidades indígenas são obrigadas a viver em beira de estradas, são expulsas de seus acampamentos e têm seus pertences queimados.
Vale ressaltar que em diferentes estados do Brasil também foram praticados assassinatos de indígenas, e nem todos esses números são divulgados.

Orçamento
Os dados da execução do orçamento indigenista, ao longo dos últimos oito anos, também demonstram o descaso com os 241 povos indígenas do país. Mesmo quando há recursos aprovados, estes acabam não sendo executados conforme o previsto. Chegamos ao final de 2010 com apenas 61% do orçamento indigenista liquidado. Programas e ações fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas tiveram uma pífia execução de seus recursos. Vejamos:

Ação
% Liquidado
Conservação e Recuperação da Biodiversidade em Terras Indígenas
0,00%
Saneamento Básico em Aldeias para Prevenção e Controle de Agravos
3,21%
Estruturação de Unidades de Saúde para Atendimento Indígena
9,94%
Demarcação e Regularização de Terras Indígenas
16,03%
Vigilância e Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas
51,00%
Promoção, Vigilância, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena
65,00%

Estes números indicam que os recursos previstos no Orçamento Geral da União para assistência em saúde, demarcação de terras e recuperação de áreas degradadas não foram aproveitados como deveriam, e tal procedimento é injustificável diante da grave situação vivida pelas comunidades e povos indígenas. Não parece ser, portanto, por falta de recursos que o governo Lula deixou de demarcar terras indígenas e ocupa o pior lugar em termos de desempenho neste quesito, se comparado aos seus antecessores.

Reestruturação x Mega projetos
A Funai, durante todo o mandato do governo Lula, manteve-se em estado de letargia e subserviência frente às pressões desencadeadas contra as demarcações de terras. Ao final de 2009, como que num passe de mágica, a equipe do governo decidiu reestruturar o órgão indigenista, através de decreto nº. 7056, expedido no dia 29 de dezembro daquele ano. A referida reestruturação não agradou a muitos dos povos indígenas por apresentar mudanças na estrutura do órgão sem que eles fossem consultados, desrespeitando a Convenção 169 da OIT, ratificada e homologada pelo governo brasileiro. Esse fato gerou um ambiente de extrema desconfiança quanto às reais motivações que levaram o governo a impor as pretendidas mudanças.
Depois de apresentada a proposta de reestruturação do órgão indigenista apenas as coordenações que tratam das questões administrativas, ambientais e aquelas destinadas a estudos sobre os empreendimentos que incidem sobre terras indígenas tiveram planejamentos e ações efetivamente desenvolvidas. Desse modo, pode-se dizer que o órgão indigenista foi colocado, de certa forma, a serviço do PAC, e sua função parece ser, neste caso, a de convencer as comunidades indígenas de que devem dar suas anuências aos projetos a serem executados.

Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI)
No que se refere às demandas para além das questões fundiárias, foram sendo promovidas inúmeras ações nas áreas ambientais, de saúde, de meio ambiente, agricultura, educação. No entanto, muitas delas foram realizadas de maneira pulverizada e desarticulada entre si, sem convergir para a questão central, que é a falta de uma política com efetiva participação indígena.
Na expectativa de solucionar este problema, os povos indígenas apresentaram proposta de criação do Conselho Nacional de Política Indigenista. Ao invés disso, o Governo Federal constituiu a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), em 2007.  Não tendo o status de Conselho, a CNPI não tem poder de deliberação. Os seus membros apresentam as demandas (temas e questões) que afetam os povos indígenas e que devem ser debatidas, estudadas e refletidas para posterior encaminhamento no âmbito do governo e da política indigenista.
Em quase três anos de existência, a CNPI acabou se tornando um ente de articulação de algumas lideranças, mas parece ser desconsiderada no que se refere às ações e políticas a serem implementadas a partir de suas recomendações, já que estas não são assumidas pelo governo. Exemplo disso foi a edição do decreto de reestruturação do órgão indigenista, sem que os integrantes da Comissão tivessem conhecimento de seu conteúdo e muito menos que tenham sido ouvidos a este respeito. Em síntese, as mudanças que deveriam ser antecedidas pelo debate e anuência dos povos indígenas acabaram sendo abruptamente anunciadas desrespeitando, inclusive, os fóruns qualificados para o debate, como é o caso da CNPI.
Só em 2008, após muita pressão dos movimentos indígena e indigenista, o Governo Federal apresentou o Projeto de Lei nº. 3571 que prevê a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista. A sua tramitação segue a passos lentos no Congresso Nacional, pois não lhe foi dada a importância devida.
Também merecem uma avaliação as políticas de saúde e educação. Na assistência à saúde indígena existiram graves e profundas contradições, pois foi transformada em espaço de negociações com partidos políticos, de modo especial com o PMDB. A política esteve estruturada durante mais de uma década no modelo de assistência terceirizada. Os convênios eram estabelecidos entre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) com ONGs ou prefeituras. Esta relação perdurou até o ano de 2008 quando, por pressão do movimento indígena, em função da intervenção do Ministério Público do Trabalho e de decisão da Justiça, o modelo de assistência (conforme está estabelecido na lei Arouca e pelas deliberações das Conferências de Saúde Indígena) passou a ser tratado no âmbito do Ministério da Saúde. Vale destacar que durante um longo período a Funasa foi alvo de denúncias por malversação de recursos públicos e por corrupção. Auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União constataram graves distorções sobre o uso dos bens e recursos e na prestação dos serviços.
Tardiamente e já quase no final de seu governo, o presidente Lula determinou a criação da Secretaria Especial de Atenção a Saúde Indígena. A proposta atende às reivindicações dos povos indígenas, e esta Secretaria será o órgão gestor do Subsistema de Atenção a Saúde Indígena, sob a responsabilidade do Ministério da Saúde. O novo modelo terá como referência os Distritos Sanitários (DSEIs) enquanto unidades gestoras. A Secretaria foi criada formalmente, mas ainda não foi estruturada.
A política de educação escolar indígena tem sido igualmente contraditória. A responsabilidade é do Ministério da Educação (MEC), que repassa os recursos e as atribuições da educação escolar aos Estados que, por sua vez, podem transferi-las aos municípios. Com o objetivo de buscar uma solução para as distorções e contradições existentes na execução da política de educação foram apresentadas propostas dos movimentos de professores indígenas, de entidades de apoio e pesquisadores apontando para uma perspectiva da federalização da política. No entanto, os técnicos do Ministério da Educação optaram por um caminho diferente. Instituíram através do Decreto nº. 6861, de 27 de maio de 2009, os chamados Territórios Etnoeducacionais, antes mesmo da realização de todas as conferências regionais previstas para avaliar e propor alternativas para a educação escolar indígena. Esse processo de reflexão culminou na Conferência Nacional de Educação que, ao invés de discutir as propostas vindas das diferentes regiões, acabou por discutir o fato já consumado do novo modelo. O modelo dos Territórios Etnoeducacionais não foi debatido e sequer é compreendido pela maioria das comunidades e povos indígenas e, porque não dizer, por muitos executores da política que, em geral, são os estados e municípios.

Judicialização
Não podemos deixar de observar também as crescentes demandas judiciais contra procedimentos de demarcações de terras, em curso ou até em fase de julgamento definitivo. Raras têm sido as decisões que acolhem de maneira favorável os direitos e interesses indígenas. Normalmente as decisões têm um caráter liminar que suspendem os procedimentos demarcatórios até que o mérito seja decidido pelas instâncias superiores, no caso STJ ou STF. Em função destas manobras jurídicas, os processos se arrastam por décadas sem que haja uma solução para o litígio imposto.
Neste sentido, merecem destaque duas ações de grande repercussão e que chegaram ao STF: o caso do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, do sul da Bahia, ação que tramita há quase 30 anos e que, embora com voto favorável do relator da ação ao povo indígena, ainda não foi julgada; e Raposa Serra do Sol, que teve um desfecho importante, em função de o julgamento ter sido pela manutenção da demarcação em área contínua, mas complexo pelo estabelecimento de condicionantes que afetam todas as demarcações de terras em curso e aquelas que acontecerão no futuro.

Direitos ameaçados
As opções políticas do governo do presidente Lula o conduziram para a governabilidade a qualquer custo. Para isso, o governo estabeleceu alianças políticas com segmentos retrógrados e possibilitou que certas áreas estratégicas fossem incluídas no rol dos recursos a serem explorados, a exemplo das áreas ambientais, minerais e de energia hidráulica.
Os povos indígenas, no atual governo, diferentemente de anteriores, se fizeram mais presentes nos espaços públicos, reivindicando e exigindo que as autoridades cumprissem com suas responsabilidades.
No entanto, apesar de uma visibilidade maior e da criação de certos espaços de participação, as artimanhas utilizadas por parte daqueles que governam engessaram as ações indígenas em torno de discursos, pedidos de paciência e promessas a serem cumpridas. Com isso, as lutas indígenas que mostraram maior relevância foram aquelas que se organizaram em âmbito local ou regional. As de caráter nacional foram como que dissipadas e muitas delas esvaziadas pela relação que se estabeleceu com setores do governo federal que eram, até muito recentemente, opositores aos governos anteriores e inclusive militantes da causa indígena.
Já os setores anti-indígenas estão cada vez mais articulados. No parlamento brasileiro, diversos projetos de lei tentam impedir que terras indígenas sejam demarcadas. Exemplo disso é a proposta de emenda constitucional que determina que as demarcações de terras sejam autorizadas pelo Congresso Nacional. Sem contar as dezenas de outros Projetos de Lei apresentados por parlamentares para, de algum modo, restringir os direitos indígenas.

Roberto Antonio Liebgott é Vice-Presidente do Conselho Indigenista Missinário

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A América Latina e a questão palestina

 A participação na posse da presidente Dilma Rousseff permitiu ao presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, agradecer a presidentes sulamericanos e somar Costa Rica, Cuba, Nicarágua e Venezuela na relação dos países que reconheceram a Palestina. Os primeiros foram Brasil, Argentina, Bolívia e Equador. Depois, foi a vez do Uruguai. Abbas convidou outros países a seguirem esse exemplo. Junto com as expressões contrárias a esses reconhecimentos por parte do Departamento de Estado dos EUA, a chancelaria israelense procurou, sem sucesso, contrapor as gestões palestinas. O artigo é de Ignacio Klich.

A visita ao Brasil de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), em sua luta por globalizar o reconhecimento do direito da Palestina por suas terras ocupadas por Israel desde a guerra de 1967, confirmou a importância que a América Latina dá a essa questão. Os reconhecimentos obtidos até aqui são vistos por Abbas como um incentivo à reabertura da estancada negociação com Israel, desde que o premier Benjamin Netanyahu concorde em suspender a construção de novas edificações nestas áreas.

A participação na posse da presidente Dilma Rousseff permitiu ao titular da ANP agradecer a presidentes e outros representantes sulamericanos em Brasília e somar Costa Rica, Cuba, Nicarágua e Venezuela na relação dos países que reconheceram a Palestina. Cronologicamente, os primeiros foram Brasil, Argentina, Bolívia e Equador. Depois, foi a vez do Uruguai. Abbas convidou outros países a seguirem esse exemplo.

Além disso, a visita serviu para colocar a pedra fundamental da futura embaixada da Palestina em Brasília. Embora o Itamaraty tenha permitido em 1975 que a diplomacia palestina enviasse um representante ao Brasil, ainda sob o governo militar, e tenha precedido a Argentina no reconhecimento, a missão palestina em Buenos Aires tem sede própria há tempos. Ela foi concedida quando a Argentina tinha um alinhamento funcional com Washington durante o governo de Carlos Menem, e foi acompanhada pela rua Palestina, cruzando a avenida Estado de Israel, um símbolo portenho da convivência palestino-israelense. A delegação internacional logo obteve o estatuto de embaixada

Em 1947, a maioria da representação latino-americana na Assembleia Geral das Nações Unidas apoiou a divisão da Palestina, que, sob mandato britânico, existia há um quarto de século. A ONU acreditava que com o surgimento de Israel e de um Estado palestino se superaria a violenta contradição entre as aspirações nacionais judias e as dos árabes. Somente Cuba foi contra a proposta. Argentina, Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras e México se abstiveram. Dado o apoio que Israel foi recolhendo na região a partir desse momento – maior que o obtido em outras regiões em desenvolvimento do mundo – não é estranho, então, que sua diplomacia esteja incomodada com os recentes êxitos palestinos na região.

Em uma tentativa de minimizar essas conquistas, porta vozes oficiais e alguns comentaristas procuram desqualificar esses reconhecimentos, equiparados automaticamente com uma desqualificação de Israel.

Segundo uma nota publicada em um jornal israelense, os países latino-americanos que reconheceram recentemente a Palestina teriam feito isso porque “lutam contra a hegemonia estadunidense, sem interesse algum em Israel”. Essa caracterização exclui aqueles governos mais ou menos sensíveis aos interesses de Washington, entre eles os do Cone Sul, com repetidas expressões favoráveis a Israel.

Em 1947, o plano de partição contou, entre outros apoios, com o voto positivo do outrora representante uruguaio na ONU, Enrique Rodríguez Fabregat, posterior integrante do grupo fundador da Frente Ampla. Antes de sua morte, em 1976, o diplomata revisou sua posição. Apesar de que, em 1956, a associação israelense com a guerra das potências coloniais (Inglaterra e França) contra o Egito começou a desencantá-lo, Rodríguez Fabregat, sem abdicar de seu apoio à criação de Israel, concluiu que a divisão não havia levado em conta os palestinos como deveria.

Apesar dos custos que teve ao assumir o nacionalismo palestino para concretizar suas postergadas aspirações, e apesar das terras perdidas e dos novos refugiados que surgiram após as guerras árabe-israelenses, está longe ser casual que o mundo árabe tenha sido refratário à solução dos dois estados, aprovada pela Organização de Libertação da Palestina em 1988, e pela Liga Árabe em 2002.

Resta saber os resultados de tal aceitação; entre eles, a delimitação dos dois estados. A ONU havia outorgado a Israel 55% da Palestina, fração que Israel ampliou de fato nas guerras de 1948-49 e em 1967. Por ser mais antigo, maior teria sido o provável desencanto de um Rodríguez Fabregat progressista, dada a crescente virada à direita de Israel desde 1977, ano em que o direitista Likud desbancou os trabalhistas como favoritos do eleitorado para formar o governo. A mais recente expulsão de cidadãos palestinos de Israel e a caça às bruxas movida contra ativistas de direitos humanos também compõem esse cenário.

Por outro lado, esse desencanto talvez permita explicar a aceitação do presidente uruguaio José Mujica, em setembro de 2010, de um prêmio da Organização Sionista e do município de Jerusalém, cujo titular é um dos principais promotores oficiais israelenses da questionada atividade de construção de casas em territórios em disputa. E, dois meses mais tarde, seu vice chanceler anunciaria o reconhecimento uruguaio da Palestina.
Novos apoios

Antes de voltar a Ramallah, Abbas tinha a esperança de que, no curto prazo, Chile e Paraguai poderiam se integrar à lista de mais de cem países que já reconheceram a Palestina. A quase uma semana de seu encontro com o presidente Sebastián Piñera, o Chile formalizou esse reconhecimento, deixando para outra ocasião a manifestação sobre as fronteiras entre Israel e Palestina. Identificar os limites do Estado palestino como os do período que antecedeu a guerra de 1967 – com efeito, parte das linhas de armistício de 1949 – significa reconhecer que a primeira expansão israelense é irreversível.

Junto com as expressões contrárias a esses reconhecimentos por parte do Departamento de Estado em Washington, a chancelaria israelense procurou, sem sucesso, contrapor as gestões palestinas. Nada ilustra melhor tal ineficácia do que o par de conversações telefônicas mantidas por Netanyahu com Piñera antes do reconhecimento chileno. Fontes chilenas também vaticinaram que Peru e El Salvador reconhecerão a Palestina em breve.

A chancelaria israelense teme que esse reconhecimento seja fomentado em Lima, em fevereiro, durante a III Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), diálogo iniciado pelo Brasil em 2005, como parte de seu interesse em ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança ampliado das Nações Unidas.

A situação deixaria a Colômbia, cuja chanceler já manifestou sua resistência a fazer tal coisa sem um acordo de paz palestino-israelense, como o único membro da ASPA a persistir em sua negativa durante 2011, enquanto a diplomacia palestina gestiona apoios em El Salvador, Guatemala, Honduras e México.

Por seu turno, Abbas previu que ninguém poderá antecipar o resultado de uma larga paralisação das negociações de paz. Para um parceiro trabalhista de Netanyahu, o ministro da Indústria e Comércio, Benjamin Bem Eliezer, essa estagnação pode determinar que Washington reconheça a Palestina, mediante negociações que delimitem ambos Estados, definindo também a repartição de Jerusalém e o tema dos refugiados. Um documento da União Europeia recomendou em dezembro último tratar Jerusalém oriental como a capital palestina. Embora Bem Eliezer não tenha falado em datas, uma ocasião para Washington poderia ser setembro próximo, quando se completa um ano do início de negociações por um acordo de paz, suspensas pela decisão de israelense de seguir construindo em territórios ocupados. Com ou seu reeleição de Barack Obama, o reconhecimento estadunidense pode ser mais fácil de imaginar depois das próximas eleições presidenciais – em sua ante sala os apoios de Israel tentam maximizar sua influência –, acompanhados, logo em seguida, da retirada de suas tropas do Iraque e do Afeganistão.

(*) Ignacio Klich é historiador, organizador de “Árabes e judeus na América Latina”, Século XXI, Editora Iberoamericana, Buenos Aires, 2006.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


Fotos: Antonio Cruz/ABr

O Hezbollah assumirá o governo do Líbano?

Do sitio Esquerda Net

Governo libanês cai face a renúncia de 1/3 mais um dos seus membros. Israel está a ser acusado de tentar dividir a sociedade libanesa, para beneficiar da crise do governo Hariri.Por Franklin Lamb, Countercurrents.
Outdoors do Hezbollah. Foto de ninjawil.
Outdoors do Hezbollah. Foto de ninjawil.

Sul de Beirute: “Caso ninguém tenha percebido, o governo Obama acaba de dar o Líbano de presente ao Irão. Washington ofereceu anteriormente o Iraque, o Afeganistão, o Golfo e o Paquistão. Que prova faltaria de que o trunfo estratégico do Irão é a subserviência dos EUA a Israel? Para o Irão, o controle que Israel tem sobre o governo dos EUA é um presente que sempre chega”. Com esse comentário, o meu vizinho, o embaixador de Direitos Humanos do Líbano Ali Khalil declarou que a hegemonia dos EUA na Região desce por um plano inclinado, e a manobra de ontem no Líbano provavelmente acelerou a retirada dos norte-americanos.
Parece que os meus outros vizinhos no sul de Beirute foram para a cama mais cedo na noite depois dos acontecimentos que marcaram o colapso do governo libanês apoiado por EUA, pelos sauditas e por Israel. Alguns, como o americano e o libanês com quem divido o quarto, planeiam uma rápida evacuação, no caso dos nossos amigos do Hezbollah que cuidam da segurança da rua baterem à porta, com o sinal combinado. Duas batidas rápidas e o grito de “Yalla!” (Vamos, vamos!) e será hora de partir para o norte, depressa, sem olhar para trás. O motivo disso é que, como muitos aqui, eles temem que Israel aproveite essa mais recente crise do governo libanês para novamente invadir o Líbano.
Na passada quinta-feira, a energia (e a Internet) fornecida pelo “governo” foi cortada das 10 da manhã às 2 da tarde e outra vez das 6 da tarde até meia-noite. Cortes diários de pelo menos dez horas são normais no sul e no norte do bairro “chique” pró-EUA e sauditas de Hamra, onde são experienciados cortes diários de três horas. Viver muitas horas à luz de velas faz os rumores mais sem fundamento soarem verosímeis. “As forças armadas do Líbano, do Hezbollah e aliados da Turquia, da Síria, da Jordânia, de Israel e do Irão estão em prontidão. Os americanos vão mandar batalhões que estão no Iraque!”, diz o rapaz que trabalha numa loja próxima do meu apartamento. Não pude deixar de observar que os adolescentes que andam sempre pelas calçadas parecem ter desaparecido. Até o rapaz da loja onde carrego o meu telefone estava impaciente: “por favor, depressa”, disse ele. “Tenho um compromisso e preciso fechar a loja”.
O assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri
A actual crise começou em 14 de fevereiro de 2005, “Dia dos Namorados”, quando foi assassinado o primeiro-ministro Rafik Hariri e outros 20. O governo Bush declarou a Síria culpada pelo atentado e viu uma oportunidade para forçar o regime de Assad a assumir uma posição difícil em relação ao Irão, principal inimigo dos EUA na Região, empurrando-o contra a Resistência Nacional Libanesa liderada pelo Hezbollah.
Um dos advogados a serviço do Departamento de Estado da secretária Condoleezza Rice apareceu com a ideia de usar o Conselho de Segurança da ONU, que criaria um Tribunal Especial para o Líbano [ing. Special Tribunal for Lebanon (STL)], para investigar o caso, processar os assassinos e acusar a Síria de trabalhar contra os projectos dos EUA e de Israel na Região.
Um detalhe que de início foi ignorado, mas adiante se tornou num presente dos céus a favor dos interesses de Israel e do governo Bush, foi o boato difundido pelo Tribunal Especial, segundo o qual havia suspeitas de que membros do Hezbollah talvez estivessem envolvidos nos assassinatos. Perante esse boato, Israel e os EUA mudaram abruptamente de posição e começaram a usar o recém-constituído Tribunal Especial para livrar-se do Hezbollah de uma vez por todas, além de usá-lo também contra a Síria, certos de que a Síria também seria acusada.
A pressão contra o Hezbollah levou o Partido a condenar o que tem chamado de falsas testemunhas e a exigir que o governo libanês investigasse também os investigadores e suas testemunhas. Os inimigos do Hezbollah passaram a defender o tribunal, mesmo apesar do risco que se criava para a estabilidade do Líbano. Depois de cerca de 14 meses a insistir para que o governo de Saad Hariri reconsiderasse seriamente as suas posições em relação ao Tribunal Especial, a oposição liderada pelo Hezbollah apresentou um ultimato à maioria: ou convocava-se reunião do Gabinete para o dia 12 de Janeiro de 2011 para discutir o Tribunal Especial e a sua actividade dentro da política libanesa, ou a oposição renunciaria em bloco, o que levaria à queda do governo Hariri.
O Hezbollah e os seus aliados queriam que o primeiro-ministro Hariri reunisse o Gabinete para votar a suspensão da subvenção de 49% que o Líbano paga como parte dos custos de funcionamento do Tribunal Especial; a retirada, do Tribunal Especial, dos juízes libaneses que lá trabalham; o fim da cooperação entre o Líbano e o Tribunal Especial; e a decisão de processar as “falsas testemunhas” ouvidas pelo Tribunal Especial na investigação conduzida pela ONU sobre o assassinato de Rafik Hariri.
Sob enorme pressão de Washington, Paris e Riade, Saad Hariri opôs-se ao que a oposição pedia. A oposição, então, renunciou. Nos termos do art. 69º da Constituição do Líbano, a renúncia de 1/3 mais um dos membros do Gabinete determina a queda do governo (30 membros). Foi a primeira vez, na turbulenta história política do Líbano, que um governo cai por efeito de renúncia de 1/3 mais um dos membros.
Para a renúncia de todo o gabinete, que derrubaria o governo pró-EUA de Hariri, seria necessário que, além dos dez membros do Hezbollah, mais um membro do Gabinete também renunciasse. O principal assessor-político do secretário-geral do Hezbollah Hassan Nasrallah, Hussein Khalil, procurou então o representante do Presidente Suleiman no Gabinete, Sayyed Hussein. Khalil apresentou a Hussein as saudações de Nasrallah e a sua esperança de que Hussein decidisse baseado em sua consciência. Hussein apresentou imediatamente sua renúncia e, enquanto o primeiro-ministro Hariri conversava na Casa Branca com o presidente Obama, o seu governo, no Líbano, deixava de existir.
O que significa a queda do governo Hariri, no curto prazo
Os actores regionais reagiram mais ou menos conforme o previsto: os EUA acusaram o Irão, a Síria e o Hezbollah de “chantagem”; os franceses avisaram a Síria de que seria responsabilizada pela violência no Líbano, caso acontecesse; e os britânicos alertaram para os riscos de longo prazo. O ministro das Relações Externas da Grã-Bretanha William Hague disse, em declaração: “É um desenvolvimento de extrema gravidade que pode vir a ter graves implicações para o Líbano e para a estabilidade da Região”. Outro diplomata britânico acrescentou ontem: “Terrível. Algum dia conseguiremos resolver esse problema?”.
Funcionários do ministério de Negócios Estrangeiros de Israel disseram que “acompanhamos atentamente os acontecimentos no Líbano depois das renúncias” e que “Os libaneses entendem que houve uma tentativa, por um grupo de extremistas, de perturbar a paz, e que essa tentativa pode vir a revelar-se uma jogada muito perigosa” – segundo o Canal 10 da televisão de Israel. Israel está a ser acusado hoje, no Líbano, de tentar dividir a sociedade libanesa, para beneficiar da crise do governo Hariri.
Quarta-feira, depois de sequestrar Sharbel Khoury, pastor que vive próximo de Rmeish (e que foi libertado 24 horas depois) a marinha de Israel também invadiu águas do Líbano. Na passada quinta-feira, aviões israelitas sobrevoaram Balbeque, Nabatiê e Marjun. Essas incursões configuram a 7.269ª violação, por parte de Israel, da soberania territorial do Líbano, desde agosto de 2006, quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução n. 1.701.
Protestos da UNIFIL e da ONU não têm qualquer efeito sobre Israel, e Washington permanece muda e não protesta contra as repetidas violações, por Israel, da soberania territorial do Líbano.
Membros do Movimento Patriótico Livre [ing.Free Patriotic Movement (FPM)] e um dos apoiantes do Hezbollah, Jebran Bassil, que foi Ministro da Energia até renunciar ontem, culpou Washington pelo fracasso dos esforços dos sírios e sauditas para impedir que o Gabinete renunciasse. “O outro lado curvou-se às pressões externas, sobretudo às pressões norte-americanas, ignorando os desejos e os conselhos de sauditas e sírios”, disse Bassil.
Por sua vez, o líder do Partido Socialista Progressista [ing. Progressive Socialist Party (PSP)] Walid Jumblatt pareceu concordar com o FPM e atribuiu às potências ocidentais – que chamou de “forças do obscurantismo” – o fracasso da mediação tentada pela Arábia Saudita e pela Síria: “Tudo leva a crer que forças do obscurantismo envolveram-se no processo e boicotaram a iniciativa de sírios e sauditas, que visava a bloquear a repercussão negativa das acusações feitas pelo Tribunal Especial”.
O líder das Forças Libanesas Samir Geagea culpou os adversários do Movimento 8 de Março por desejar o que chamou de “poderes stalinistas”, acusando-os de “querer roubar direitos legais do presidente e do primeiro-ministro”.
Qual o futuro do Hezbollah?
O Hezbollah liderava a oposição, resultado das últimas eleições, que lhe deu maioria no Parlamento. Essa maioria autoriza o Partido da Resistência a apresentar candidato próprio ao posto de primeiro-ministro durante as consultas parlamentares cujo início o presidente deve anunciar em breve com vistas à formação de novo governo. Na passad quinta-feira, o líder do Hezbollah no Parlamento, o deputado Mohammed Raad, anunciou que a oposição indicará “um nome com história na resistência libanesa para chefiar o novo governo.” 
Há quem preveja que o Hezbollah sugerirá o nome do veterano líder sunita Omar Karami, personalidade discreta entre os moderados, que goza de forte apoio popular, dos progressistas e dos sírios.
O que quer que decida fazer, o Hezbollah pode muito bem levar o seu tempo para ponderar as grandes responsabilidades que envolvem o movimento de resistência caso decida governar o Líbano. Alguns dos apoiantes do Partido da Resistência têm insistido para que o Partido assuma o gigantesco desafio e implemente o projecto exposto no Manifesto de 2009 e a plataforma eleitoral já divulgada (combate à corrupção ‘mafiosa’ que mina algumas das lideranças políticas libanesas). Várias organizações não-governamentais libanesas pedem que o Hezbollah aposte mais na defesa do frágil meio ambiente do Líbano, que resolva de uma vez os graves problemas de água, electricidade e infra-estrutura, e que permita que os cidadãos libaneses decidam, pelo voto, e, pelo voto, dêem o necessário aval político à causa da Resistência.
Outros continuam a defender que o Hezbollah assuma o governo para pôr imediatamente um fim à vergonha do Líbano e de todos os árabes e assegurar os direitos humanos básicos – habitação digna e trabalho digno – aos refugiados palestinos, no Líbano e em toda a Região. Se o Hezbollah assumir o governo político do Líbano, as perspectivas de os palestinos alcançarem esses direitos elementares que hoje lhes são negados melhorarão muito.

Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Franklin Lamb é um pesquisador do Líbano e recebe e-mails em: fplamb@gmail.com

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Racismo: ninguém sente, ninguém vê, ninguém sabe o que é

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica.

Por Ana Maria Gonçalves na Revista Fórum

Diante da revelação feita por um famoso cantor brasileiro, negro, de que sua filha de seis anos estava sendo discriminada durante a aula em uma das escolas de balé mais tradicionais de São Paulo, com as outras alunas se recusando a dar as mãos para ela, ou do depoimento de uma menina, também de seis anos, aluna de escola pública, no qual conta que as coleguinhas não querem brincar com ela durante o recreio porque sentem nojo por ela ser negra, resta-nos parar e perguntar: a quantas situações de humilhação essas e outras crianças continuarão a ser submetidas pela vida afora, antes que a sociedade tome para si a responsabilidade de discutir, entender e combater o racismo?

O racismo, como o percebemos hoje, é uma instituição relativamente recente na história na humanidade. Até por volta da Idade Média, os principais fatores de discriminação eram religiosos, políticos ou referentes à nacionalidade e à linguagem do indivíduo. No século XV, quando os europeus desembarcaram na África, e principalmente com o início do tráfico negreiro, usaram a ciência a favor do colonialismo e desenvolveram teorias de superioridade evolutiva, baseadas em diferenças biológicas, que justificavam seus interesses de expansão e poder. Estava criado o racismo etnocêntrico, fundamentado em doutrinas bíblicas, filosóficas e científicas que não resistiram à evolução dos tempos, mas que deixaram marcas indeléveis e profundas nas sociedades que as usaram para justificar a escravidão, como é o caso da sociedade brasileira. O conceito de "raça" – e termos derivados – hoje em dia é apenas político e social, e se justifica porque os traços físicos (cabelo, cor da pele, formato de nariz e boca etc) característicos da população negra ainda estão ligados à percepção negativa historicamente construída.

No final do século XIX, com a abolição da escravatura e ainda sob forte influência das teses de superioridade europeia, começa a ser colocado em prática um projeto de construção de uma nova nação brasileira, que deveria ser melhorada através do embranquecimento de seu povo. Acreditava-se que, com o passar dos anos, marginalizada, inferiorizada, difamada e abandonada à própria sorte, a população negra desapareceria. Até mesmo o acesso à educação e a possibilidade de conseguir trabalho lhe foram negados, com o governo dando total prioridade a políticas que subsidiaram a vinda de mais de 3 milhões de imigrantes europeus para o Brasil. Algumas décadas mais tarde, a teoria do embranquecimento deu lugar à da miscigenação, que acabou criando um dos mitos mais prejudiciais à luta contra o racismo: o mito da democracia racial. Foi ele que, durante décadas, impediu o Brasil de se tornar um país realmente democrático, com tratamento e oportunidade iguais para todos, ao negar reconhecimento a um problema que atinge mais da metade da nossa população.

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica. É por isso que apenas a razão, que nos levou a criar leis que criminalizam atitudes racistas e algumas ações afirmativas, não será suficiente para modificar o imaginário e as representações coletivas negativas que se tem do negro na nossa sociedade, como observa o antropólogo e professor Kabengele Munanga na apresentação do livro Superando o racismo na escola. Segundo ele, "considerando que esse imaginário e essas representações, em parte situados no inconsciente coletivo, possuem uma dimensão afetiva e emocional, dimensão onde brotam e são cultivadas as crenças, os estereótipos e os valores que codificam as atitudes, é preciso descobrir e inventar técnicas e linguagens capazes de superar os limites da pura razão e de tocar no imaginário e nas representações. Enfim, capazes de deixar aflorar os preconceitos escondidos na estrutura profunda do nosso psiquismo".

Se hoje já se admite que o Brasil é um país racista, é preciso admitir também que nossos pensamentos e atitudes são condicionados por essa cultura e essa ideologia racista, pois crescemos introjetando e reproduzindo o que já está estabelecido socialmente. Para mostrar como isso funciona, um interessante trabalho, desenvolvido no departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, analisa pesquisa realizada com crianças de 5 a 8 anos. Foi pedido a essas crianças que desenhassem uma criança branca e uma criança negra e as classificassem, em termos de preferência, em relação a cinco categorias: riqueza, beleza, inteligência, proximidade e contato. O resultado foi um alto índice de racismo, com a criança negra sendo fortemente rejeitada em todas as categorias. O que o estudo queria mostrar é que as crianças são abertamente preconceituosas, e que essa característica perde força a partir da maturação das estruturas cognitivas que permitem que ela deixe de julgar as pessoas com quem se relaciona apenas pela aparência e passe a levar em conta conceitos como bondade ou amizade. Acabou mostrando também que o racismo, longe de desaparecer com a idade e a necessidade de socialização, caso não haja nenhuma iniciativa nesse sentido por parte de pais e/ou educadores, é introjetado e velado pelo aprendizado das normas sociais vigentes, passando a se manifestar de forma indireta e, em muitos casos, inconsciente. O racismo volta então a habitar e alimentar o inconsciente coletivo, que trata de reproduzi-lo de uma geração para outra, tornando-o cada vez mais insidioso, difícil de provar e combater.

Por isso, cabe tão bem a pergunta da campanha Diálogos Contra o Racismo – Pela Igualdade Racial: onde você guarda seu racismo? Complemento com mais uma: o que você tem feito para não deixá-lo de herança para seus filhos?

Povo Qom luta por terra na Argentina




Elaine Tavares no Brasil de Fato


O Chaco argentino é uma região dura. Ali, nos meses de verão, a sensação térmica pode passar dos 50 graus. Poucos são aqueles que se atrevem a sair de casa no horário que vai das 10 às 16 horas. Tudo parece derreter e a umidade se agarra nos ossos, tornando a atmosfera quase irrespirável. É nessa extensão de terra, fronteira com o Paraguai, que vivem ainda dezenas de etnias originárias, do chamado grupo Tobas (do guarani tová, que significa rosto, cara, frente). Esta expressão, depreciativa, foi dada pelos conquistadores, ainda que buscada da língua local, porque estas etnias tinham por costume raspar a parte dianteira da cabeça. Atualmente, cada uma delas reivindica seu verdadeiro nome, como é o caso dos Qom. Seu território ancestral se esparrama pelo Paraguai e parte da Bolívia. Assim como todos os originários desta imensa Abya Yala estes povos também tiveram de vivenciar a invasão de seus espaços sagrados, a destruição de sua forma de vida e o quase extermínio. Mas, também seguindo o rastro do grande movimento que hoje percorre as veias abertas destas terras do sul do Rio Bravo, estão novamente de pé, reivindicando direitos e fazendo ecoar suas vozes nas selvas de concreto erguidas pelos conquistadores.
Hoje, os Qom, uma das etnias que habitam aquela região, estão fincados no meio do mini-centro de Buenos Aires, na Avenida 9 de julho, com suas bandeiras coloridas, suas canções, sua língua e suas demandas. Eles decidiram montar ali um acampamento para protestar contra os abusos que seguem sendo cometidos pelos governos e pelos empreendimentos privados, que insistem em roubar suas poucas terras e empurrá-los para a morte.
A movimentação começou na região de Formosa, cidade de Clorinda, na comunidade La Primavera, reduto originário dos Qom, quando o governo provincial de Gildo Insfran (acusado de racista pelos movimentos sociais) enviou a polícia para retirar as famílias que lá vivem, sob a alegação de que iria construir ali um Instituto Universitário. As famílias não aceitaram a expulsão e decidiram resistir, trancando a estrada, evitando assim a entrada das máquinas que tinham sido enviadas pela empresa que deverá construir a universidade privada. No conflito morreu Roberto Lopez, de 53 anos, e outro ficou gravemente ferido, morrendo depois no hospital da região. Vinte e nove pessoas acabaram presas, entre elas mulheres com seus bebês.
Segundo Rubén Días, um dos representantes do Qom em Buenos Aires, tão logo se deu o conflito, a comunidade recebeu o apoio de várias etnias amigas e próximas tais como os mapuche, aymaras, quéchuas e collas. “Os nossos companheiros sabem, como nós mesmos, que há uma lei que reconhece aquele território como nosso. Não há como alguma empresa ou o governo agora querer a terra. Ela é nossa”. Hoje, vivem naquela área mais de 800 famílias Qom, perfazendo cinco mil pessoas, embora toda a etnia espalhada por reservas e cidades conte com mais de 60 mil almas. “Nós nunca fomos vistos pelo governo provincial, não temos água, luz, hospital ou caminhos. Mas, agora, o poder quer nosso território. Não vamos permitir que isso aconteça, vamos lutar”.
O acampamento no centro de Buenos Aires visa pressionar o governo federal, e eles estão há meses tentando uma audiência com a presidente Cristina Kirchner, coisa que ainda não aconteceu, mesmo tendo os integrantes realizado uma greve de fome de 30 de dezembro a 12 de janeiro, que foi encerrada depois de uma visita de um representante do governo. Este lhes assegurou que a questão da documentação das terras seria resolvida, mas até agora nada foi feito. Pelo contrário, a ocupação de terras indígenas por empresas privadas sob a ação da polícia segue acontecendo. “Esta semana teve outro desalojo, para você ver, por isso essa luta não é só da comunidade Primavera, é de todos nós, originários”. Días espera que a luta exposta bem no centro da capital possa enternecer o coração da presidente Cristina e que ela exija dos governos provinciais o cumprimento da lei que dá aos originários o direito a desfrutar do seu território. “Nós não queremos essa vida aqui na cidade, queremos viver na nossa terra. Lá, nosso supermercado não exige dinheiro, é a pesca, a caça, coisa que podemos fazer sozinhos, sem precisar pagar a ninguém. Não estamos acostumados a pedir coisas para comer, a gente faz isso em comunidade”.
Rubén Días espera que o governo respeite a luta de toda a sua gente que, desde a conquista, vem lutando para sobreviver com dignidade. “Estamos reclamando apenas o que é nosso. Essa terra é do nosso povo. Só saímos daqui quando o povo Qom entender que já está cumprida a nossa missão, com o devido respeito à lei que nos garante a terra. Aqui ninguém é contra o governo. Só queremos o que é nosso”.
A comunidade denuncia ainda o completo desrespeito à pátria e a sua cultura, na medida em que os policiais que atacaram o povo Qom ainda queimaram as bandeiras da Argentina e a sagrada Wiphala, dos originários. Os povos da região do Chaco são reconhecidamente povos guerreiros e lutaram sem tréguas contra a tentativa de aculturação pelo homem branco, tanto que em 1858 quase invadiram a cidade de Santa Fé, sendo reprimidos violentamente pelo exército argentino. Em 1919 voltaram a se rebelar e mais uma vez foram massacrados, com mais de 200 mortes no chamado “massacre de Napalmí”. Hoje, eles voltam às ruas, armados apenas de sua inquebrantável coragem chaqueana e esperam que não haja mais massacres, mas sim o reconhecimento de sua luta e cultura.


Elaine Tavares é jornalista

Homofobia à prova

Do sitio Agora Binhí


Está em processo de aprovação um “Kit” bastante polêmico. Trata-se do kit contra a homofobia, pejorativamente apelidado de “kit gay”. O assunto começou a ganhar visibilidade da pior forma possível e de uma maneira invertida (a informação distorcida vindo à tona), como muitos assuntos da temática LGBT são tratados.

No dia 23/11/2010, foi realizado o seminário “Escola Sem Homofobia” na Câmara dos Deputados, proposto pelas Comissões de Direitos Humanos e Minorias, Legislação Participativa e Educação e Cultura. Porém, eis que surge o deputado federal Jair Bolsonaro, do Partido Progressista do Estado do Rio de Janeiro, nessa história. No dia 30/11/2010, o deputado fez um discurso nas etapas iniciais da sessão plenária da Câmara, no qual soltou a seguinte pérola:

“Atenção, pais de alunos de 7, 8, 9 e 10 anos, da rede pública: no ano que vem, seus filhos vão receber na escola um kit intitulado Combate à Homofobia. Na verdade, é um estímulo ao homossexualismo, à promiscuidade. Esse kit contém DVDs com duas historinhas. Seus filhos de 7 anos vão vê-las no ano que vem, caso não tomemos uma providência agora (...)Esses gays e lésbicas querem que nós entubemos, como exemplo de comportamento, a sua promiscuidade. Isso é uma coisa extremamente séria(...)Eu não quero isso para a minha neta, para o meu neto!Apelo a todos para que não levem para a galhofa a imoralidade que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias está patrocinando nesta Casa. Isso, no meu entender, é o maior escândalo de que se tem conhecimento no Brasil atual. Esse é o apelo que faço a todos.”.

O projeto Escola sem Homofobia é um braço do programa Brasil sem Homofobia. Um grupo de trabalho foi criado para discutir a questão da homofobia em ambiente escolar. É composto por gestores do MEC (Ministério da Educação) e ONG’s como a ABGLT, Ecos – Comunicação em Sexualidade, Pathfinder, Reprolatina, Galé International , entre outras. A primeira ação do grupo foi realizar uma pesquisa nacional para diagnosticar a situação das escolas públicas brasileiras no que diz respeito da homofobia.

A pesquisa foi realizada em 11 capitais: Manaus, Porto Velho, Recife, Natal, Goiânia, Cuiabá, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba. Os resultados não foram nada animadores! Dentre eles, as conseqüências da homofobia relatadas foram: tristeza; depressão; baixa autoestima; perda de rendimento escolar; evasão escolar; violência e suicídio. É mole ou quer mais?

Os resultados escancararam uma realidade que muitos LGBT’s já conhecem na pele, infelizmente: a escola pública é um ambiente muito hostil à diversidade sexual, seja quanto a sua manifestação até a sua discussão.


Toni Reis, presidente da ABGLT explica na síntese, o que é o tal kit: “A partir desta pesquisa nós fizemos um kit que vai ser distribuído para 6 mil escolas de todo o Brasil. São seis informativos. São 5 vídeos que tratam da questão do que é uma lésbica, do que é uma pessoa travesti, do que é uma pessoa transexual, do que é uma pessoa gay, como se dá essa questão da homofobia, quais os problemas da homofobia.

"Nós temos os manuais e o guia para o professor trabalhar isso na sala de aula de forma bastante responsável. O que nós queremos é que esse material não faça apologia à homossexualidade, mas que faça apologia à cidadania e o respeito aos direitos humanos”.

Vejam as sinopses dos filmes transcritas pelo Portal IG e Correio Braziliense:

“No vídeo intitulado Encontrando Bianca, um adolescente de aproximadamente 15 anos se apresenta como José Ricardo, nome dado pelo pai, que era fã de futebol. O garoto do filme, no entanto, aparece caracterizado como uma menina, como um exemplo de uma travesti jovem. Em seu relato, o garoto conta que gosta de ser chamado de Bianca, pois é nome de sua atriz preferida e reclama que os professores insistem em chamá-lo de José Ricardo na hora da chamada”. (Em “Material didático contra homofobia mostra adolescente que virou travesti”; Correio Braziliense, 2010.

“Um adolescente que tentava gostar de futebol para agradar o pai, mas nunca conseguiu se sair bem no esporte é o pano de fundo da narrativa do curta “Encontrando Bianca”, produzido por uma empresa para o Ministério da Educação (MEC)”. (Em “Vídeo que trata de homofobia a adolescentes gera ira de deputado”; Portal IG, 2010.

“Os outros dois filminhos – que têm cerca de cinco minutos de duração – falam de outros temas relacionados à diversidade sexual. “Torpedo” conta a história de duas amigas que se apaixonam. Em uma festa, elas trocam carinhos (mãos no cabelo uma da outra, troca de olhares e sorrisos, um abraço mais carinhoso) e são fotografadas por colegas, que publicam as fotos na internet e fazem chacotas das duas. Elas decidem, então, assumir o que sentem. O vídeo termina com um abraço entre elas no pátio do colégio.”

O último, chamado de “Probabilidade”, mostra as dúvidas e conflitos vividos por um jovem de 15 anos, Leonardo. Quando se descobre vivendo o primeiro amor, o rapaz tem de mudar de cidade, por conta do trabalho do pai. Na nova morada, faz amizade com um menino que é muito atencioso com ele desde o primeiro dia de aula. Aos poucos, os dois se tornam amigos e viram alvos de piada, porque o amigo, chamado Mateus, é gay. Leonardo sabe disso, mas não se importa. Nunca houve nada entre os dois. Certo dia, eles vão a uma festa, e Mateus apresenta um primo a Leonardo. Os dois conversam a noite toda e descobrem afinidades. Na hora de ir embora, Leonardo sente vontade de beijar o rapaz e se espanta com isso, mas nada acontece. Já em casa, passa a noite pensando nos próprios sentimentos. No dia seguinte, durante a aula, observa o quanto também se sente atraído por uma amiga. Nesse instante, ele “percebe” que não quer lutar contra o que sente e acha que pode gostar de pessoas, independentemente do sexo”. (Em “Vídeo que trata de homofobia a adolescentes gera ira de deputado”; Portal IG, 2010)


Veja trecho do seminário e o filme “Econtrando Bianca”...




Assim que for aprovado, um processo de licitação do kit será realizado para que esse material seja produzido em larga escala e distribuído.



Fonte: Eleições Hoje/wordpress.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Valores Ocidentais

Laerte Braga
Laerte Braga no Diario Liberdade

A História nem é "carroça abandonada à beira da estrada" (Chico Buarque de Holanda) e tampouco se faz em um dia. O fim da União Soviética começa a mostrar outro processo de extinção, o da Europa Ocidental. A maior parte dos países dessa parte do mundo, a rigor, por conta do alinhamento quase absoluto com os EUA, perdeu sua autonomia, sua independência e muitos governos (britânico, sueco, alemão, italiano, por exemplo) são inteiramente subordinados a Washington.
A globalização em se falando de Europa foi literalmente "globalitarização" (Milton Santos), ainda que numa forma diferente da concebida pelo geógrafo brasileiro. Nações como a Suécia e a Alemanha, o Reino Unido, são meros pedaços de terra cercados de uma história de milênios, mas bases militares da OTAN – Organização do Tratado Atlântico Norte – a força de ocupação norte-americana.
A guinada à direita do presidente francês Nicolas Sarkozy tem um claro apelo eleitoral (os votos da extrema-direita em ascensão e suas políticas contra imigrantes). Com as forças de esquerda desmanteladas e incapazes de conter o avanço dos EUA sobre o continente, só resta em termos de sobrevivência abrir as portas dos palácios reais e castelos para o pão nosso de cada dia. Um euro por visitante, a única concessão a estrangeiros.
O grande problema vivido pela Europa Ocidental hoje se materializa na gota d'água do processo de restrição a direito de imigrantes e nas grandes manifestações contra o crescimento da população muçulmana. "Muitos europeus rotulam o crescimento dos contingentes estrangeiros – especialmente muçulmanos – como incompatíveis com os valores ocidentais". A afirmação é de Matthew Goodwin, do Instituto de Relações Internacionais Chatham House, com sede em Londres.
Esse fenômeno da rejeição a muçulmanos acende outra fogueira e num outro extremo. A direita traz consigo o antisemitismo. A exigência de brasão, árvore genealógica, ou fortes depósitos em bancos europeus passa a ser condição básica para ser absorvido e integrado a Europa. O impasse se supera com o sionismo, versão fascista do judaísmo e detentora do controle de grande parte dos "negócios".
O surgimento de conflitos com setores que aceitam essas políticas pode e deve incendiar boa parte da Europa, exatamente no momento em que outra boa parte dos países europeus, começa a vislumbrar a falência econômica.
Para Washington basta que os europeus continuem acreditando que são donos de seus museus, castelos, seus reis e rainhas, seus primeiros ministros exóticos, ou presidentes erráticos como Sarkozy, que o resto eles, norte-americanos, providenciam.
Em breve, pelo andar da carruagem, os tradicionais ônibus de dois andares que circulam por Londres e outras cidades inglesas vão virar bastião da pátria amada, do império onde o sol não se punha.
Vai ser o que restar diante do avanço dos EUA.
A extrema direita já participa de governos na Itália, Dinamarca e Holanda e tem cadeiras nos parlamentos da Áustria, Bulgária, Letônia, Eslováquia e Suécia.
Na França, surge a primeira musa dessa horda. Marine Le Pen, 42 anos de idade, deputada ao Parlamento Europeu pela Frente Nacional de seu país, partido que entre outras coisas, é racista, fascista e antisemita. Foi eleita para suceder seu pai Jean-Marie à frente da organização desde 1972. Marine teria hoje, segundo avaliações de institutos de opinião pública, 17% dos votos dos franceses numa eventual disputa eleitoral.
Segundo ela o hábito dos muçulmanos de orar pelas ruas se compara "a ocupação da França pelos nazistas". Defende o retorno da pena de morte, a volta do serviço militar obrigatório e acha que os crimes praticados por policiais contra "suspeitos" (como o do brasileiro Jean Charles assassinado pela polícia londrina) devem ser considerados "legítima defesa".
Quer o fim dos benefícios sociais para estrangeiros.
São os tais "valores ocidentais".
A verdade é que neste momento começam a naufragar e a apodrecer os pilares da Nova Ordem traçada pelo Consenso de Washington – o neoliberalismo –.
A própria corte desse império está mergulhada numa crise que sinaliza seu declínio. Quando elegeu o primeiro presidente de pele negra, não só os negros, mas todos, perceberam que se trata de um branco disfarçado e disposto ao papel de garçom da Casa Branca. Michael Moore, o cineasta, compara-o nas funções de "comandante em chefe das forças armadas" ao "funcionário do mês do BurgerKing do meu bairro".
A ocupação da Europa por bases militares, os conflitos na Ásia, África e Oriente Médio, as tentativas de golpes contra governos progressistas da América Latina, são sinais da transformação dos EUA num conglomerado terrorista formado pelo que Eisenhower (general e ex-presidente) chamou de "complexo industrial e militar", isso na década de 50 do século passado.
Não existem mais os Estados Unidos como nação. Mas o conglomerado EUA-Israel Terrorismo S/A, montado num arsenal capaz de destruir o mundo cem vezes se necessário for e pelos tais "valores ocidentais".
Nesse contexto todo a América Latina passa a ter capital importância diante do potencial econômico que traz consigo. Matérias primas básicas, petróleo em grande quantidade, água, toda a perspectiva de um grande campo para sustentar o conglomerado. Evitar o declínio em curso.
E é por aí que cresce a importância de governos como o de Chávez, Evo Morales, Lugo, Pepe Mujica, Ortega, Castro, Corrêa e outros e se faz necessária a plena definição do Brasil – maior país da região – pelo processo de integração sem os Estados Unidos, para que não sejamos uma nova Europa, ou um novo México.
É a barbárie com tecnologia de ponta.

Mississippi John Hurt - The Best of 1990


01- Here Am I, Oh Lord, Send Me
02- I Shall Not Be Moved
03- Nearer My God to Thee
04- Baby, What's Wrong With You?
05- It Ain't Nobody's Business
06- Salty Dog
07- Coffee Blues
08- Avalon My Home Town
09- Make Me a Pallet on the Floor
10- Since I've Laid My Burden Down
11- Sliding Delta
12- Monday Morning Blues
13- Richland Women Blues
14- Candy Man
15- Stagolee
16- My Creole Belle
17- C.C. Rider
18- Spanish Fandango
19- Talking Casey
20- Chicken
                                         21- You Are My Sunshine
 
CRÉDITOS: Beco do Blues
 

“O TDAH é um transtorno real e como tal deve ser encarado”

por dra. Katia Beatriz Corrêa e Silva, psiquiatra no Vio Mundo

Caros leitores, ao ler o artigo em pauta fiquei muito preocupada pela veiculação de algumas informações equivocadas, conceitos errôneos e falsos pressupostos.
Devo antes me apresentar: sou médica, psiquiatra da Infância e Adolescência, com foco de estudo e trabalho em TDAH e Bipolaridade há aproximadamente 20 anos. Mas como sou formada há 32, antes tive a oportunidade de me dedicar ao estudo de muitas das desordens que afetam a Infância e Adolescência.
Ao citar um livro de um outro jornalista, me pareceu que havia uma insinuação de que os transtornos mentais e emocionais estariam aumentando em quantidade e diversidade única e exclusivamente para a alegria e lucro da industria farmacêutica. Antes de qualquer dúvida, não recebo nada da tal indústria e nem tenho qualquer ligação com isso. Sei das artimanhas que elas engendram, não sou ingênua, e do seu apetite pelos lucros.
Mas a Cesar o que é de César.
Essa descoberta não é  só do ilustre jornalista. Há muito as pesquisas sérias já vinham detectando esse fenômeno. Mas vejamos por outros ângulos. Nesses 50 anos, o conhecimento científico cresceu como nunca, os meios de detecção de fenômenos, de testagem e confirmação de hipóteses, de troca de conhecimentos ao redor do mundo, foram ímpares na história do conhecimento humano. Em consequência a descoberta de novos transtornos, a melhor compreensão de outros e a melhora na capacidade diagnóstica cresceram proporcionalmente. Natural, não?
Nesses mesmos 50 anos, a mudança de parâmetros sociais e culturais, a mudança de referenciais econômicos, culturais, sociais e emocionais ao redor do mundo foi também ímpar na história da humanidade.
Nunca houve mudanças tão grandes e profundas em uma extensão tão ampla de países e culturas como nesses últimos 50 anos. E isso provocou e provoca alterações na forma de ver, sentir, reagir e responder às situações por parte das pessoas, levando também a desequilíbrios antes insuspeitos. Natural, não?
Com relação à pesquisa da Dra. Andreasen quanto à diminuição do lobo frontal por culpa do uso de medicação por longo período, é interessante saber se o mesmo número de pacientes psicóticos (que já é uma população heterogênea ), foi acompanhado pelos mesmos cinco anos, sem uso de qualquer medicação, para então podermos fazer essa afirmação de que foi o uso da medicação que provocou a diminuição da massa encefálica com prejuízo das funções cognitivas.
Outra questão que merece toda a nossa atenção é a citação de frases de pesquisadores fora dos seus trabalhos. Uma frase fora do seu contexto pode induzir ao que se queira.
Logo em seguida o jornalista faz afirmações no mínimo curiosas: que os transtornos mentais seriam mais frequentes justamente em quem se trata. Para que fosse minimamente correta, seria preciso ter o mesmo número de pacientes com os mesmos transtornos e as mesmas condições gerais e que não fizessem uso de qualquer medicação para que se pudesse fazer tal comparação. Não sei se o jornalista tem essa pesquisa e a que conclusões chegou.
E as crise são mais freqüentes em quem se trata ou quem não se trata não tem ninguém que cuide dele e logo não saberemos quantas crises teve e sequer se sobreviveu?
Outra afirmação curiosa é  que a depressão seria um desequilíbrio químico do cérebro, sem qualquer comprovação, seria antes um “lugar comum”. Sugiro que o prezado jornalista procure se inteirar um pouco mais das pesquisas, que já não são nem tão recentes.
Seria também interessante saber o que ele chama de evidências indiretas e que evidencias diretas supõe que tenhamos de transtornos físicos e mentais.
Outro equivoco grave é  supor que o TDAH é uma “nova síndrome”. Em 1902, o Dr. George Still, pediatra inglês, membro do Royal College apresentou em um encontro científico seus estudos sobre um grupo de crianças com os mesmos sinais e sintomas que caracterizam o TDAH, tipo misto. Ele estudou esse grupo por vários anos, antes de apresentar seu trabalho de pesquisa e antes dele temos descrições na literatura descrevendo exatamente o quadro que encontramos hoje.
Existe um poema alemão do século 19 descrevendo as aventuras de um menino inquieto com o mesmo comportamento que vemos atualmente nos portadores. Acho que a indústria farmacêutica ainda não era tão presente. Concordo inteiramente que a sociedade e a cultura americanas tem esse imediatismo, muitas vezes errôneo. Mas confundir as características de uma sociedade com a existência ou não de um transtorno mental, me parece, no mínimo, falta de informação correta.
Outra incorreção preocupante é afirmar que o uso da medicação altera a química do cérebro “para sempre” e “pior, sem saber exatamente o que está sendo alterado!”.
A química não é  alterada para sempre, até porque se assim fosse não seria preciso continuar o uso da medicação para se continuar a ter os benefícios que ela traz. O que a medicação propicia é a correção da falta de neurotransmissores, que não estão na quantidade necessária onde seria de se esperar. Uma informação que está disponível em qualquer texto científico sério sobre o assunto. E as consequências sobre o que acontecerá na vida daquela criança após anos de uso podem ser acompanhadas através da entrevista aos portadores que se tratam há anos e que tem suas vidas dramaticamente melhoradas pelo tratamento.
Seria interessante, quando não imprescindível, ouvir os principais interessados nessa questão: os portadores e seus familiares!
Outro equívoco primário é  associar o uso da medicação apenas e tão somente à atividade escolar. Ou à calma e obediência doméstica. Os que defendem essas justificativas não sabem qual a ação da medicação e não sabem do que se trata o TDAH. Não basta se dizer “especialista”, é preciso conhecer realmente o que é o transtorno, que áreas do comportamento afeta e quais suas reais consequências na vida do portador. E de suas famílias.
Se o jornalista autor do livro em pauta afirma que os  psiquiatras não sabem dizer o futuro dos pacientes tratados, talvez não tenha ouvido um número de profissionais suficiente ou tenha escolhido justamente os que não sabiam. Preconceito é uma atitude absolutamente democrática. Acomete a qualquer um.
A taquicardia que ele descreve e, sutilmente, sugere ocorrer em todas as crianças, é um efeito colateral possível sim, mas não tão comum como ele quer fazer crer. E todos os profissionais de saúde sérios sabem que toda e qualquer medicação tem efeitos colaterais. Se não tem efeito colateral, não tem efeito terapêutico. A frase com que encerra o parágrafo é maldosa e mentirosa. Mas deve causar um grande efeito nas pessoas leigas e ajudar a vender bem o produto.
A confusão a que o jornalista induz sobre a proximidade etiológica entre TDAH e Bipolaridade é, no mínimo, suspeita. A intenção clara é fazer o leitor acreditar que o uso da medicação para o tratamento do TDAH irá “promover” o surgimento de outro transtorno, mais grave. Consequentemente, os médicos que prescrevem a medicação para tratar o TDAH são criminosos, por provocar o surgimento de outro transtorno mental em quem, afinal, não tinha nada.
O Dr. Joseph Biederman e o grupo do Massachussetts Hospital fazem parte de um dos grupos de pesquisa mais ativos no estudo do TDAH e o Dr. Russell Barkley é um dos mais renomados estudiosos do assunto.
Curiosamente o jornalista cita pesquisas muito antigas ( 1973, 1978, 1996, 1997, 2001, 2002, etc.). Pesquisa com mais de cinco anos pode ser considerada antiga, dada a velocidade com que as descobertas em qualquer campo das ciências ( exatas, biológicas, e outras ) se dão. As pesquisas antigas trazem dados que, muito frequentemente, já foram revistos e muitas vezes modificados.
Outra questão grave é  a citação de frases fora de seus contextos. Elas se prestam às mais variadas interpretações. Principalmente quando já se tem um caminho que queremos que o leitor siga.
Quanto ao desempenho acadêmico, a capacidade de aprendizagem, os efeitos positivos nas funções cognitivas (funções executivas ) e a melhora no relacionamento social, pessoal e emocional, seria mais honesto perguntar aos portadores e suas famílias, do que citar obscuros profissionais em pesquisas das quais pouco se sabe.
Entretanto concordo inteiramente com a jornalista quando diz que os professores não tem a condição de fazer diagnósticos, nem de apontar tratamentos para os problemas que ocorrem na escola e em sala de aula. Para isso existem os médicos, neurologistas e psiquiatras da Infância e Adolescência, que se dedicam a estudar e pesquisar o transtorno.
É claro que inúmeros problemas podem causar agitação, desatenção e atitude impulsivas em uma criança ou adolescente. É óbvio que não se pode negar o efeito de problemas familiares, emocionais, pessoais, econômicos, na vida e no comportamento das crianças. Assim como métodos educacionais por vezes equivocados ou professores mal preparados também causam reações semelhantes. Mas a escola pode desempenhar uma parceria preciosa.
E é justamente porque as “tias Belas” e “tias Rosas” tinham e tem suas salas cheias com 30 ou mais alunos, e tem tantos anos de prática no trato com crianças, que podem e geralmente sabem quando um comportamento não é “só coisa de criança”. A escola pode perceber quando a alguma coisa diferente acontecendo com a criança e pode sim alertar os pais ou responsáveis e sugerir a procura a uma ajuda, uma orientação até uma avaliação. Mas realmente “os professores, por melhores que sejam, não estão capacitados para sugerir a necessidade de algum tratamento psiquiátrico.”
Mas isso não quer dizer que o TDAH não exista. Ou que seja uma invenção de industrias farmacêuticas gananciosas, professores preguiçosos ou pais estressados.
O TDAH é um transtorno mental real, com consequências sérias e como tal deve ser encarado.
Seria interessante ouvir as associações de pais e portadores, nos Estados Unidos o CHADD e os ADD, no Brasil a ABDA; na maioria dos países do mundo existem associações semelhantes.

PS do Viomundo: O jornalista a que se refere a dra. Katia aparentemente é Robert Whitaker, autor de Anatomy of an Epidemic, citado por Heloisa Villela aqui. Ele também é autor de Mad in America. O fato de que nos propomos a debater questões espinhosas como as doenças psiquiátricas não significa que os pacientes ou pais de pacientes devam abandonar as recomendações médicas.