quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Îvîtu-Yepivu mental(1)

Iara Borges Aragonez por email

Em férias!!! 
Entretanto, a dinâmica da vida recoloca questões relacionadas ao cotidiano laboral, por mais distantes que estejam do bom e restaurador ócio.
Digo isso frente a algumas situações ocorridas, as quais vêm instigando algumas reflexões acerca dos debates e formulações dos últimos meses no contexto da reestruturação do ensino médio no RS. Cito algumas.
 
Episódio um: Navio encalhado, avariado, quebra ao meio (isso depois de muitos acontecimentos), afunda e joga coisas ao mar, dentre elas, containers com carne, fazendo com que tubarões se aproximem da praia e, portanto, dos banhistas; óleo ao mar e inúmeras espécies da fauna marítima atingidas fatalmente; mais de 600 containers ainda vagando ao mar, sendo que alguns com carga não sabida; economia em suspense frente ao impacto dos acontecimentos, pois, o lugar é, sobretudo, turístico. Episódio dois: bactéria atinge grande parte dos parreirais da região, em conseqüência da importação de pólen, podendo comprometer em mais de 25% as exportações do produto, além de comprometer definitivamente a produção de uma variedade em particular. Episódio três: chuvas e ventos ininterruptos nesse verão, incluindo, em uma região mais distante, neve. Segundo informações locais, condições climáticas nunca antes vistas nesse período. Episódio quatro: Eu, no convívio com muitos jovens, ouvindo as suas leituras e interpretações sobre os fatos elencados (dentre outros, menos recentes), impactada com as diferentes e originais visões expressas, reflito.... Episódio quatro: Eu, pessoa que sou, conectada na internet, sigo recebendo artigos desconstituindo (generosamente falando) a reestruturação do ensino médio no nosso querido Rio Grande do Sul e, assim, sigo refletindo...
 
E então, o que uma coisa tem a ver com a outra?
O fato é que tem muito a ver, a ponto de me transportar, nesse período, para o debate no RS e aguçar a minha convicção sobre a relevância das mudanças em curso, impulsionando-me a escrever a respeito. E, nesse contexto, vem em minha mente, dentre muitas falas do nosso Secretário da Educação, José Clóvis de Azevedo, demonstrando com uma garrafa com água, uma frase muito interessante e sábia: “A realidade é interdisciplinar”. Valho-me dessa afirmação e olho para os fenômenos em pauta. Toco a biologia, a geografia, a matemática, a
 
história, a cultura, a ecologia, a sociologia, a agricultura, o futuro, o trabalho. Impossível tratar de um acontecimento sem tratar do outro e pensar essa realidade sem pensar nas diferentes áreas do conhecimento e suas disciplinas e a partir delas repensar os acontecimentos, suas inter-relações e conexões.
 
Aqui, nesse momento, vivo de forma muito intensa a relevância da compreensão da realidade imediata onde estamos inseridos para projetar o futuro. Percebo a minha frente, o quanto à interpretação e a busca de informações, motivadas pelos acontecimentos locais, enriquece, de imediato o meio e o conhecimento das pessoas envolvidas; o quão determinante para a análise é a informação básica e o quanto, instigar e fazer perguntas mobiliza para ir atrás de elementos explicativos e seguir na reflexão; o quanto o estar integrada no lugar dos acontecimentos e buscar entender causas e consequências, traz junto o sentimento de pertença e o desejo de atuar junto para mudar...enfim...
 
Na condição de quem teve participação direta, integrando a equipe multidisciplinar que elaborou a proposta de reestruturação do ensino médio, frente às inúmeras leituras equivocadas as quais tive acesso, tomo a iniciativa de escrever essas reflexões para contribuir no debate na condição de cidadã e militante social, retomando o que fiz em período anterior, através do Blog Coletivo Desenvolvimento Sustentável.
 
Ao fazê-lo nesse momento, é preciso deixar claro que não me manifesto enquanto ou em nome da Secretaria da Educação. Estou em férias e essa manifestação é de minha inteira iniciativa e responsabilidade pessoal.
Na minha avaliação, a reestruturação em tela, tem como um dos seus grandes méritos o fato de criar as condições, do ponto de vista pedagógico, para ultrapassar duas das grandes barreiras, dentre outras, para o desenvolvimento pleno dos jovens que são a descontextualização e a fragmentação do processo de ensino-aprendizagem.
 
Os jovens, nessa etapa da educação básica, buscam o seu passaporte para um futuro profissional a partir da continuação de seus estudos via ingresso na Universidade ou, para já, no presente, ter uma habilitação profissional capaz de lhes garantir renda e dignidade. Entretanto, a educação que encontram hoje apenas corrobora para que essas expectativas sejam frustradas. Nem sucesso no vestibular, nem possibilidades de inserção imediata, com qualidade, no mercado de trabalho. Sim, falei no mercado de trabalho, pois grande parte dos jovens que freqüentam a escola pública, senão a maioria, precisa trabalhar agora para garantir já a sua subsistência, e, para tanto, a inserção imediata no mercado de trabalho, gerando renda, é a solução necessária.
 
A barreira que separa a Escola da concretude do mundo – descontextualização e fragmentação - mantendo-a de costas para a dinâmica da Vida, para as frenéticas mudanças tecnológicas (tanto a serviço do bem como do mal), para a urgência de outro(s) paradigma(s), os quais exigem, em conseqüência, a revisão dos princípios e valores fundantes dos atuais,
negando a reflexão sobre os complexos processos, historicamente estabelecidos para a reprodução social e seus impactos, faz com que o ensino médio hoje se torne esvaziado de significado, etéreo, sem identidade clara, desinteressante, enfadonho e à deriva. Para onde esse Ensino conduz mesmo?
 
Os níveis atuais de reprovação e de evasão do ensino médio, na escola pública do RS, os quais somados atingem índices próximos de 35%, refletem essa escola incapaz de estabelecer um efetivo diálogo com os seus educandos e, sobretudo, de constituir-se em ponte para que estes estabeleçam o diálogo necessário com o mundo ao qual fazem parte para, de fato, dele fazer parte, desfrutando de suas possibilidades e incidindo nas suas “impossibilidades”. Ou seja, propiciar a interação com os processos sociais, econômicos, culturais; compreendê-los, compreender a sua lógica; como se estabelecem as relações de poder; como, pelo trabalho e determinados processos produtivos é possível transformar a realidade, seja esta transformação para o bem ou para o mal (esta última situação tão comum nos dias atuais); como, esse mesmo trabalho, que garante a vida de tantos trabalhadores e famílias, pode, também, representar a morte de populações, culturas, natureza e da ética?
É disso que a proposta de reestruturação do ensino médio fala: superar o fosso existente entre a sala de aula e o mundo que vibra aqui fora para fazê-lo vibrar com outros tons e sons.
 
Traduzir essa Proposta como subserviente ao Sistema; criadora de mão-de-obra barata, escrava, adestrada; de jovens incapazes de pensar e cujo direito de sonhar com um futuro digno, na universidade, lhes passa a ser negado, tem sintonia com a realidade da Proposta?
Não é possível que pessoas ilustradas, como os autores de alguns textos que chegaram até mim, leiam o documento da Secretaria da Educação e continuem afirmando tais iniqüidades. E mais, confundir o ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO com a EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO, afirmando de forma renitente que agora todo o ensino será profissionalizante, ou que o politécnico vai jogar os jovens no mercado para servir graciosamente ao capital? Sinto muito, mas não é essa a proposta da Secretaria. Devem ter lido outra.
 
O ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO se constitui, inequivocamente, para a superação do conhecimento fragmentado; para que a capacidade de estabelecer relações entre os fenômenos sociais, culturais, ambientais, políticos, etc., seja instigada na sua máxima potência; para que a técnica seja compreendida a partir dos seus fundamentos científicos e não se encerre no conhecimento dela mesma (Saviani); para que o contexto em que os jovens vivem seja conhecido e compreendido em suas múltiplas dimensões. E, nesse caso, inclui-se a dimensão produtiva, econômica. Conhecer e entender como se organiza a economia na região em que vivem faz parte desse processo de imersão e reflexão. Não significa render-se a ela, mas sim, se for o caso, reunir os elementos para sabiamente recusá-la.
Como curvar-se e ficar passivo frente a um dado que demonstra que mais de 80% do valor gerado pela economia de uma determinada região de nosso Estado é proveniente de uma cadeia produtiva que mata do início ao fim? Entender os impactos nocivos dos processos produtivos, como nesse caso, na saúde dos trabalhadores e de suas famílias, dos consumidores, do ambiente natural e na soberania alimentar é crucial e apenas possível se dada à oportunidade de práticas pedagógicas focadas nas realidades locais e na compreensão da essência dos fenômenos.
 
Valer-se da proximidade dos impactos para entendê-los em toda a sua intensidade e magnitude é potencialmente superior do ponto de vista da aprendizagem. A idéia é retirar do trabalho as suas propriedades educativas, positivas ou negativas, para que o discernimento se faça e as escolhas futuras sejam balizadas da melhor forma possível, a partir do diálogo social e da crítica orientada.
Essa pedagogia construirá cidadãos subservientes ou indignados? Mobilizará corações e mentes para escolhas profissionais alinhadas com um modelo que destrói VIDAS ou para escolhas profissionais e lutas que possibilitem transformar a realidade desvelada?
 
O novo ensino médio, o médio politécnico, prevê Seminários Integrados, os quais possibilitarão (dentre outros espaços) dar materialidade a alguns de seus princípios orientadores, como o da interdisciplinaridade, diálogo de saberes, relação parte-totalidade, teoria e prática e pesquisa.
Alunos e professores debaterão, a partir de eixos temáticos, linhas de pesquisa e definirão os projetos os quais irão desenvolver. Escolhas serão feitas a partir do acesso a múltiplas informações das realidades locais e outras questões de interesse coletivo. Os projetos, a partir da abordagem interdisciplinar, propiciarão estabelecer as relações com as áreas de conhecimento e seus componentes curriculares, assim como com diferentes outros elementos, como a CULTURA, TRABALHO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA. A partir destas dimensões e relações será possível estabelecer os caminhos que possibilitarão vislumbrar como a humanidade forjou o mundo até aqui através das sucessivas e complexas transformações; como construiu histórica e coletivamente o conhecimento a partir da prática (do fazer) e do aprimoramento da prática pelo conhecimento (pensar)... enfim...que belo debate, que bela reflexão coletiva...orientada pelo diálogo entre as disciplinas e promovendo uma formação científica, social, histórica e cultural. E todo esse processo a partir da compreensão da realidade vivida concretamente.
 
Estamos falando aqui, também, do TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO, pilar da concepção em pauta, e não do ATO DE TRABALHAR, DA ATIVIDADE LABORAL, assumindo função didático-pedagógica na perspectiva do aprender fazendo, como querem alguns, nas interpretações feitas.
Rapidamente vamos tentar elucidar a concepção que organiza a idéia do trabalho como princípio educativo e da politecnia, agregando aqui fragmento do texto “Trabalho e Educação: fundamentos ontológicos e históricos” de Demerval Saviani, cuja contribuição para o entendimento do conceito é valiosa.
 
“...Assim, no ensino médio já não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de produção. Tal explicitação deve envolver o domínio não apenas teórico, mas também prático sobre o modo como saber se articula com o processo produtivo. Um exemplo de como a atividade prática, manual, pode contribuir para explicitar a relação entre ciência e produção é a transformação da madeira e do metal pelo trabalho humano (cf. Pistrak, 1981, p. 55-56). O trabalho com a madeira e o metal tem imenso valor educativo, pois apresenta possibilidades amplas de transformação. Envolve não apenas a produção da maioria dos objetos que compõem o processo produtivo moderno, mas também a produção de instrumentos com os quais esses objetos são produzidos. No trabalho prático com madeira e metal, aplicando os fundamentos de diversificadas técnicas de produção, pode-se compreender como a ciência e seus princípios são aplicados ao processo produtivo, pode-se perceber como as leis da física e da química operam para vencer a resistência dos materiais e gerar novos produtos. Faz-se, assim, a articulação da prática com o conhecimento teórico, inserindo-o no trabalho concreto realizado no processo produtivo. 

O ensino médio envolverá, pois, o recurso às oficinas nas quais os alunos manipulam os processos práticos básicos da produção; mas não se trata de reproduzir na escola a especialização que ocorre no processo produtivo. O horizonte que deve nortear a organização do ensino médio é o de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não a formação de técnicos especializados, mas de politécnicos. Politecnia significa, aqui, especialização como domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a educação de nível médio tratará de concentrar- se nas modalidades fundamentais que dão base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes...”
 
Nesta perspectiva, no médio politécnico, em implantação no RS, os jovens terão a oportunidade de VIVÊNCIAS as quais darão conta da aproximação com o mundo do trabalho na perspectiva de desvelá-lo e de conhecer os seus mecanismos, a sua lógica, bem como os processos produtivos e suas técnicas, tecnologias e os fundamentos científicos que as explicam. Para tanto será adotado o trabalho de campo orientado, que, através de pesquisa investigativa possibilitará conhecer a realidade local em toda a sua diversidade e dimensões, como a econômica, a social e a cultural e atividades produtivas específicas.
 
Compreender os fundamentos científicos da técnica (ou das múltiplas técnicas), a essência da politecnia, é superar a idéia da escola dual, ou seja, daquela que compreende que aos trabalhadores ou aos filhos dos trabalhadores basta à técnica, o saber fazer; para a elite, os elementos para pensar o fazer. A escola unitária, segundo Gramsci, rompe com essa idéia de que aos pobres a técnica e a elite a reflexão, o pensamento, a história, a abstração. E, o Estado do RS, visa exatamente essa idéia com a reestruturação do ensino médio. Dar acesso aos jovens da escola pública, a reflexão sobre as diferentes técnicas desenvolvidas pela humanidade e seus
fundamentos, a partir da realidade de hoje, em movimento e, portanto, em rápida mutação, acompanhando as mudanças.
 
Considerando que a reestruturação não se reduz a implantação do médio politécnico, mas também inclui a implantação da EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO, falo rapidamente sobre o significado dessa mudança. Rapidamente porque os elementos que a justificam já estão colocados na abordagem anterior, pois, acabar com a separação existente hoje entre o ensino médio e a educação profissional, significa justamente, romper com a idéia da apropriação de conhecimentos técnicos de forma apartada dos conhecimentos gerais, os quais propiciam a formação integral dos indivíduos.
 
Na atualidade a escola pública do RS que oferta educação profissional, oferece duas matrículas e o aluno cursa em um período o médio e em outro período o técnico. Nesse caso, sequer o trabalho cumpre a função didático-pedagógico do aprender fazendo, pois os professores de ambos os cursos não dialogam entre si e as disciplinas do ensino médio passam ao largo do aprendizado técnico.
Como será agora?
 
Uma matrícula apenas, planejamento coletivo, interdisciplinar entre professores do técnico e do médio politécnico e projeto de pesquisa a partir de eixos temáticos escolhidos de acordo com o curso técnico o qual o aluno está cursando. As disciplinas das diferentes áreas do conhecimento serão aplicadas, mas também serão desenvolvidas em seus aspectos gerais os quais garantem a formação geral necessária, por exemplo, para o vestibular, no caso desse aluno desejar fazê-lo. Evidentemente a carga-horária para essa modalidade será ampliada, excedendo às 3000 horas previstas para o médio politécnico.
Além disso, metodologicamente a abordagem também deverá garantir todas as questões relacionadas à práxis social. O conhecimento deverá ser construído a partir das transformações sócio-históricas que a humanidade viveu até hoje, tendo como foco a temática do curso em realização e a dinâmica local de cada realidade na qual a Escola e os jovens estão inseridos.
 
A realidade em movimento e a leitura crítica das possibilidades e impossibilidades que ela apresenta serão os grandes protagonistas desse processo.
Bem, espero ter elucidado algumas questões. Por enquanto sigo por aqui, expectadora e ao mesmo tempo participante dessa outra partezinha do mundo, instigada, curiosa e algumas vezes perplexa...com a vida aí e aqui...
Avante!

 1 Îvîtu-Yepivu - "um vento em redemoinho", que, segundo a tradição indígena, só passou a existir no Rio Grande do Sul quando os "...primeiros europeus, no século XVII, vieram explorar os recursos naturais do rio Uruguai num nível além da simples economia de subsistência preconizada pela religião guarani..."( Barbosa Lessa, Historiador e Folclorista do Rio Grande do Sul). Já, a expressão Îvîtu-Yepivu mental, é um “neologismo”, fruto de uma brincadeira, que tomo emprestado...

* Iara Borges Aragonez
Cooperativa GiraSol - Comércio Justo e Consumo Consciente
www.sustentabilidadesemapi.blogspot.com
www.coopgirasol.com.br
Fone: (51) 84046136 (OI)          (51) 93116773 (Claro)

FÓRUM SOCIAL TEMÁTICO

Assembleia sediará central de imprensa e mais de 80 atividades durante o Fórum Social Temático
Letícia Rodrigues* - MTB 9373 | Agência de Notícias - 16:55-18/01/2012 - Edição: Sheyla Scardoelli - MTB 6727 - Foto: Marcelo Bertani
Espaço de Inclusão Digital Homero Simon abrigará central de imprensa
 
A Assembleia Legislativa sediará debates e exposições em vários espaços da Casa, além de uma central de imprensa do Fórum Social Mundial, que será realizado de 24 a 29 de janeiro em Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo. A programação oficial do evento foi divulgada nesta quarta-feira (18).
 
O Plenário 20 de Setembro, o Teatro Dante Barone, o Plenarinho, o Espaço da Convergência Adão Pretto, além das salas das comissões técnicas, serão os locais onde ocorrerão os eventos previstos para serem realizados no Parlamento gaúcho. Ao todo, serão mais de 80 atividades na Casa entre os dias 25 e 28 de janeiro.
 
Já a central de imprensa funcionará no acesso principal (térreo) do Palácio Farroupilha, das 8h30 às 22 horas, nos dias do FST. No Espaço de Inclusão Digital Engenheiro Homero Simon, estarão disponíveis 25 computadores com acesso à internet. Ao lado, na Galeria dos Municípios, haverá uma estrutura de 15 mesas com tomadas e acesso wireless para o uso de notebooks.
 
Conforme a organização do evento, mais de 600 profissionais já se cadastraram para cobrir as mais de 900 atividades, entre palestras, oficinas, seminários, shows e apresentações artísticas nas quatro cidades onde o FST ocorre. Para efetuar o cadastramento é necessário acessar o site www.fstematico2012.org.br.
 
Em Porto Alegre, haverá atividades ainda no campus central da UFRGS, na Câmara de Vereadores, Usina do Gasômetro, Largo Zumbi dos Palmares, Auditório dos Correios, BRDE, Casa de Cultura Mário Quintana, Gigantinho, Instituto de Educação Flores da Cunha, Memorial do Rio Grande do Sul, Ministério Público do RS, Museu Júlio de Castilhos, Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região e no Parque Harmonia – onde ficará o Acampamento Intercontinental da Juventude. Em São Leopoldo, os trabalhos devem se concentrar no Centro de Eventos; em Novo Hamburgo, no centro de eventos da Fenac; e em Canoas, na Unilasalle e no parque esportivo Eduardo Gomes.
 
Confira a programação que ocorre na Assembleia Legislativa
 
Quarta-feira (25)
Manhã – 9h
- Desenvolvimento sustentável, Rio+20 e trabalho decente (CUT/FS/CTB/CGTB/NC)
- Crise, movimento sindical e perspectivas dos trabalhadores (Centrais Sindicais)
- Agricultura familiar: segurança e soberania alimentar, sustentabilidade no marco da Rio +20 (Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
- Desenvolvimento, cidadania e direitos humanos (ALAS – Asociación Latinoamericana de Sociología)
- Regularização fundiária (Assenar)
- Rochas ornamentais - resgate de cantareiros (Cootramar)
- Seminário sobre carvão mineral (Cootramar)
 
Manhã – 10h- Garantia de direitos e incidencia em políticas públicas - a participação cidadã no século XXI (Secours Catholique – Caritas Francia)
 
Tarde – 13h- Eco-arteterapia como meio de sensibilização (Fórum Social Temático – FST)
- Ética, religião e a Rio+20 (Koinonia)
- Exposição de telas tridimencionais em graffiti e workshop/oficina de graffiti (Nação Hip Hop Brasil-Es)
- Geração de renda na Casa Brasil Porto Alegre (Moradia e Cidadania)
- I Encontro do ponto de articulação nacional do Fora do Eixo (Fora do Eixo)
- O impacto Socioeconômico com a Copa do Mundo e Olimpíadas: especulação ou oportunidades (FENAJOVEMTur)
- O que existe!  (CMDUA)
- Pela humanização da perícia médica do INSS (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho – Diesat)
- Seminário Crise capitalista mundial, movimento sindical e perspectivas para os trabalhadores (Centrais Sindicais do Rio Grande do Sul)
 
Quinta-Feira (26)
Manhã – 9h
- Desafios da Sustentabilidade e desadaptação criativa (Instituto Marina Silva)
- 3ª Idade uma odisséia no FST 2012 (Fritid - Federação Riograndense da Terceira Idade)
- A ordem é não passar fome (Fórum de Políticas Públicas para pessoas em situação de Rua)
- Acesso universal a Internet (Associação Força)
- Afetividade, vetor de transformação social (Karina Tatim)
- Aldous Huxley e o sec. XXI (Samuel de Oliveira)
- América Latina: socialismo, integração e a universidade que queremos (Reconquistar a UNE)
- Apresentação do plano local de desenvolvimento sustentável (Fórum da Agenda 21 Local de Contagem/MG)
- Direitos humanos, direitos constitucionais e RAP (Instituto Parrhesia Erga Omnes)
- Sementes crioulas e agroecologia (Comitê Gaúcho prá Rio+20)
 
Tarde – 13h - Questões estruturantes da educação: gênero, sexismo, homofobia, lesbofobia, racismo e direitos humanos (UNEGRO e UBM)
- Aproveitamento de resíduos da Secretaria do Meio Ambiente (Atelier do Agave)
- Articulação entre sindicatos e movimentos sociais para a produção de micro-macro mudanças sociais (Sindicato Nacional dos Aeroviários)
- Conhecer para lutar e nós da rua (Movimento Nacional da População de Rua)
- Democracia participativa - o desafio da capacitação para a participação (Capacitapoa - Prefeitura de Porto Alegre, Conselho do Orçamento Participativo de Poa)
- Democratização da comunicação - o desafio da década (Altercom - Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação)
- Nós estamos colaborando com o FST 2012 (GTs FST 2012)
- Os impactos socioambientais da pecuária industrial (Humane Society International – HSI)
- Os pilares da democracia participativa (Resistência Participativa/Despertar Coletiva)
- Política 2.0 - uma nova forma de fazer política? (Instituto Democracia e Sustentabilidade)
- Reiventar o mundo e o papel das religiões ( CEBs-Porto Alegre e Parcerias)
- Seminário Desenvolvimento sustentável, Rio+20 e trabalho decente (Centrais Sindicais do Rio Grande do Sul)
 
Tarde – 14h - Mudanças climáticas e segurança (FST)
- Sentido da democratização (FST)
 
Tarde – 17h- Convenção 151 e seus impactos na organização e estrutura sindical nos serviços publicos no Brasil (Federação de Sindicatos de Trabalhadores Tecnicos Administrativos das Instituições de Ensino Superior)

Sexta-Feira (27)
Manhã – 9h
- Bioma Pampa (Associação Força Verde)
- Debate “Os 10% do PIB e a renda do petróleo na construção do financiamento público para educação” (Sindicato dos Petroleiros do Rio De Janeiro/Campanha O petróleo tem que ser nosso)
- Engajamento público em nanotecnologia (Rede de Pesquisas em Nanotecnoogia, Sociedade e Meio Ambiente – Renanosoma)
- Extractivismo y bienes comunes (Secours Catholique -Viva La Ciudadanía)
- Fórum aberto, danças e músicas (Doze Tribos)
- II Tecendo Redes de Saberes e Cooperação - Oficina: a erosão cultural alimentar e seus impactos socioambientais (Universidade Federal De Santa Maria - Programa de Formação Socioambiental – NEPALS)
- Integração Latinoamericana razões macro econômicas e politicas (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil -CTB ,Encontro Nossa America -ESNA e o Institut)
- Projeto de proteção a nascentes (Associação Força Verde)
- Melhora do solo: rochagem (Cootramar)
- Cambio climatico y soberania alimentar (Secours Catholique)
 
Tarde – 13h - A organização política dos assistentes sociais no Mercosul e nos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa – CPLP (Conselho Federal de Serviço Social – CFESS)
- Catadores e sua particiapação na sustentabilidade (COAAFI)
- Centro Historico de POA: resgate da Cidadania (AMICH- Rede de Amigos do Centro Historico)
- Movimentos sociais, política e revolução no século XXI (Brasil Autogestionário)

Atividades Paralelas14h - Sentidos da Democratização
 
Sábado (28)
Manhã – 9h
- Mercofito (ABES/Fepam)
- Boas práticas para a sustentabilidade: Programa Cultivando Água Boa (Conselho dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu, Cooperativa Biolabore e Instituto Nacional e D)
- Educação popular e UFRGS - Faculdade de Direitos Humanos (Associação dos Educadores Populares do Ceará - Movimento Ceará)
- Encontro das Redes da Malha da Rebea (Rede Brasileira de Educação Ambiental)
- Seminário “Vigencia da educação popular em um mundo de crises” (Conselho Latino Americano de Educação de Jovens e Adultos – CEAAL)
- II Teendo Red de Saberes e Cooperação. Oficina Sensibilização para mudança de comportamento (Retrans, Cristina Haas, Eduardo Cezimbra)
- Justiça sem Fronteiras: Tribunal Penal da História (MDD - Movimento Democracia Direta)
- Oficina de Comunicação: escuta como principio dialógico (PET - Programa de Educação Tutorial – Psicologia)
- Oficina de Filosofia Ecologica: conhecimento, visão de mundo e meio ambiente (Sociedade Brasileira de Ciência Cognitiva – SBCC. Marilia/SP)
- Oficina sobre desastres naturais (Associação Força Verde)
- Oficina Sobre PPP (Cootramar)
- Produção agroecologica, merenda escolar e vida orgânica sustentável (Biolabore Cooperativa de Trabalho e Assistência Técnica do Paraná)
- Vinte anos do projeto Mar de Dentro (Associação Força Verde)
 
Tarde – 13h - A atualidade da Carta da Terra e a Rio+20 (Associação Civil Alternativa Terrazul)
- Ar, água e terra: vida e cultura Guarani (Instituto ee Estudos Culturais e Ambientais – IECAM)
- Dança Afro Primitivo (Criativus Centro de Dança e Cultura)
- Defesa de direitos, emancipação social e sustentabilidade na perspectiva freiriana (Instituto Paulo Freire)
- Esfinge – Decifra-me ou devoro-te (Observatório Social Mundial)
- Gobernanza mundial y la cambiante arquitectura de poder institucional: propuestas y retos (UBUNTU - Foro Mundial)
- IV Mercofito (ABEMA, Itaipu, Centrais Sindicais)
- Para a ação, um debate: a Copa, os mega projetos e os UFRGS - Faculdade de Direitos dos Explorados e Oprimidos – a situação indígena, negra, quilombola e popular no Brasil (Com Pop Da Copa Poa/Centro, Frente Nac Defesa Terrquilombolas E AGB-RS)
- Pré-Enuds 2012 (Assembléia Nacional de Estudantes Livre)
- Racismo como determinante social em saúde: AIDS e população negra-reflexões para garantir uma efetiva justiça social (Rede Lai Lai Apejo-População Negra E AIDS)
- Se nós somos por nós quem será contra eles (Associação Artística e Cultural da Periferia, Associação Gaucha dos Videos Amadores e Associação Gaú)
 
Tarde – 17h  - As lutas de combate as opressões no Brasil (Sindisprev-RS)
- Assédio moral, produtividade e impactos na saúde do trabalhador (Central Única dos Trabalhadores - CUT Nacional)
- Conselho Internacional FME (Fórum Mundial de Educação)
 
* Com informações do site do Fórum Social Temático 2012

Lições de Che Guevara: juventude


“Eu acho que a primeira coisa que deve caracterizar um jovem comunista é a honra que sente por ser jovem comunista. Esta honra que o leva a mostrar para todo o mundo sua condição de jovem comunista, que não se submete à clandestinidade, que não o reduz a fórmulas, mas que ele manifesta a cada momento, que lhe sai do espírito, que tem interesse em demonstrar porque é o seu símbolo de orgulho.
Junto com isso, um grande sentido do dever para com a sociedade que estamos construindo, com nossos semelhantes como seres humanos e com todos os homens do mundo.
Isso é algo que deve caracterizar o jovem comunista. Ao lado disso, uma grande sensibilidade para com todos os problemas, grande sensibilidade diante da injustiça; espírito inconformado sempre que surja algo que esteja errado seja quem for que o tenha dito. Colocar tudo o que não se compreender; discutir e pedir que deixem claro o que não estiver; declarar guerra ao formalismo, a todos tipos de formalismo. Estar sempre aberto para receber as novas experiências, para se ajustar à grande experiência da humanidade, que leva muitos anos avançando pela senda do socialismo, às condições concretas de nosso país, as realidades que existem em Cuba: e pensar – todos e cada um – como ir mudando a realidade, como torná-la melhor.
O jovem comunista deve propor-se a ser sempre o primeiro em tudo, lutar para ser o primeiro e sentir-se incomodado quando em alguma coisa ocupa outro lugar. Lutar para melhorar, para ser o primeiro. Claro que nem todos podem ser o primeiro, mas podem estar entre os primeiros, no grupo de vanguarda. Ser um exemplo vivo, ser o espelho onde mirem seus companheiros que não pertençam às juventudes comunistas, ser o exemplo onde possam mirar-se os homens e as mulheres de idade mais avançada que perderam certo entusiasmo juvenil, que perderam a fé na vida e que diante do estímulo do exemplo sempre reagem bem. Essa é outra tarefa dos jovens comunistas.
Junto com isso, um grande espírito de sacrifício, um espírito de sacrifício não somente para as jornadas heróicas, mas para todo o momento. Sacrificar-se para ajudar os companheiros nas pequenas tarefas, para que possa assim cumprir seu trabalho, para que possa cumprir com seu dever no colégio, no estudo, para que, de qualquer maneira, possa melhorar. Estar sempre atento a toda a massa humana que o rodeia.
Ou seja: o que se propõe a todo o jovem comunista é que seja essencialmente humano, ser tão humano que se aproxime daquilo que há de melhor no ser humano, que purifique o melhor do homem por meio do trabalho, do estudo, do exercício da solidariedade permanente com o povo e com todos os povos do mundo, desenvolver ao máximo a sensibilidade até se sentir angustiado quando se assassina um homem em qualquer lugar do mundo e se sentir entusiasmado quando em algum lugar do mundo se levanta uma nova bandeira de liberdade (aplausos).
O jovem comunista não pode estar limitado pelas fronteiras de um território; o jovem comunista deve praticar o intercionacionalismo proletário e senti-lo como coisa própria. Aperceber-se, como devemos nos aperceber todos nós, aspirantes a comunistas aqui em Cuba, que somos um exemplo real e palpável para toda a nossa América e mais que isto, para outros países do mundo que lutam também em outros continentes por sua liberdade, contra o colonialismo, contra o neoliberalismo, contra o imperialismo, contra todas as formas de opressão dos sistemas injustos; aperceber-se sempre que somos uma tocha acesa, que somos o mesmo espelho que cada um de nós é individualmente para o povo de Cuba, e somos esse espelho para que se olhem os povos da América, os povos do mundo oprimido que lutam por sua liberdade. E devemos ser dignos desse exemplo. A todo o momento e a toda hora devemos ser dignos deste exemplo.”

(Extraído do texto O que deve ser um jovem comunista, Ernesto Che Guevara, Edições Manoel Lisboa)

Elis Regina representa síntese da MPB, mostra estudo


Por Bruno Yutaka Saito | Valor Econômico


SÃO PAULO – Era comum encontrar pelos muros de cidades brasileiras a pichação “Elis Vive”. A morte da cantora, então no auge, aos 36 anos, em 19 de janeiro de 1982, fora tão inesperada, que deixou fãs inconformados. Trinta anos depois, Elis vive como referência incontornável para quem faz, pensa ou ouve música brasileira. Na celebração da data, CDs com shows na íntegra, a nova edição de uma biografia e um estudo lançam novas luzes sobre a cantora.
Folhapress  A cantora Elis Regina em foto de 1975
A música de Elis é, antes de mais nada, um dos principais símbolos da chamada MPB (Música Popular Brasileira). Ainda que rejeitada por muitos artistas, a sigla “MPB” representa inegavelmente um gênero estabelecido, quase um sinônimo para a “música de qualidade feita no país”. Segundo a historiadora Rafaela Lunardi, a cantora foi fundamental para o estabelecimento do gênero _a tese foi defendida na dissertação de mestrado “Em Busca do ‘Falso Brilhante’. Performance e Projeto Autoral na Trajetória de Elis Regina (Brasil, 1965-1976)”, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
“Na década de 1960, Elis foi uma espécie de porta-estandarte na defesa da música popular brasileira, contribuindo para a formação do rótulo MPB, de características comerciais e ideológicas a um só tempo, pois, do ponto de vista estritamente musicológico, não era possível enquadrar o samba, a bossa nova, o baião, a marcha e, na década de 1970, o pop, o rock e o soul”, afirma Rafaela. “Elis foi uma artista que vivenciou todas as etapas do processo de legitimação da MPB nas décadas de 1960 e 1970, passando por todas as fases e dialogando com as diversas demandas do mercado de música no Brasil.”
Augusto/Folhapress   
No show "Trem Azul", em 1975
Nascida em Porto Alegre (RS), Elis começou a carreira na rádio, ainda criança, e transitou por diversos gêneros durante a carreira. Ao lançar o primeiro disco, “Viva a Brotolândia” (1961), era vista como um novo nome do nascente rock, ao estilo de Celly Campelo. Mas o grande público só tomou conhecimento da cantora quando ela participou dos populares festivais de música daquela década, o que lhe rendeu o convite para apresentar, ao lado de Jair Rodrigues, o programa de televisão “O Fino da Bossa”, em 1965, na TV Record.
Elis, antes de mais nada, conquistou o público por questões artísticas. Aliada à voz potente estava sua capacidade de revelar então novos compositores, como Ivan Lins, Belchior e Milton Nascimento. Mas a figura pública de Elis também fascinava. Seu apelido, “Pimentinha”, indicava tanto uma performance explosiva no palco quanto um temperamento forte. Participou, por exemplo, da (hoje surreal) passeata contra a guitarra elétrica, ao lado de Gilberto Gil, em 1967, em plena ditadura militar. Sua posição em relação ao regime também foi alvo de muitas especulações no período. Por ter cantado na Olimpíada do Exército, em 1972, sofreu perseguição por parte do semanário “O Pasquim”, de Henfil. Mas Elis não era colaboradora, como mostrou tempos depois, ao fazer shows de arrecadação de dinheiro para o fundo de greve do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Em sua voz, “O Bêbado e o Equilibrista” foi uma espécie de hino da abertura política.
Folha Imagem   
A cantora durante apresentação em 1967

Nesse ponto, a historiadora Rafaela Lunardi e a autora da biografia “Furacão Elis”, Regina Echeverria, divergem. “A Elis relembrada hoje é a Elis do final de sua vida e carreira, uma artista ligada às questões sociopolíticas de seu tempo, a Elis que atuou artisticamente na oposição ao regime militar”, afirma Rafaela. Já Regina tem outra visão: “Ela não foi um símbolo político da época. Tinha o Chico Buarque, o Caetano Veloso, que eram mais engajados. Ela era uma intérprete. A sorte é que ela gravou o hino da anistia, em 1979. O papel dela foi cantar os novos compositores, e não cavar trincheiras”.
Rafaela lembra que a cantora “não possuía uma formação política e/ou universitária que pudesse compará-la intelectualmente a Nara Leão, Chico Buarque ou Edu Lobo, jovens artistas típicos do altamente elitista meio universitário brasileiro da época”. No entanto, essa formação não teria impedido que Elis fosse engajada politicamente. Para a historiadora, a cantora ajudou a “formatar a ideia de ‘moderna MPB’, interpretando ‘canções de protesto’ e atuando na luta em defesa da música nacional”. “Tal resistência apareceu em sua arte ao defender a música popular brasileira contra a invasão estrangeira, numa estratégia nacionalista de luta contra o ‘imperialismo’, liderada pelas esquerdas, sobretudo na década de 1960, e nos setores mais estritamente políticos a partir de ‘Falso Brilhante’, em 1976, quando, segundo seus próprios depoimentos, tornou-se uma artista engajada.”
Para Regina Echeverria, Elis poderia ter extrapolado as fronteiras brasileiras, caso cantasse em inglês. “Mas ela dizia que seu lugar era aqui”, conta a escritora, que lança uma terceira edição, revisada e com novas entrevistas, de “Furacão Elis” (a primeira foi em 1985; a segunda, em 2007). Se Elis não buscou uma carreira no exterior, dentro do Brasil a cantora nunca foi tímida ao buscar o público. Muitos críticos na época acusavam a cantora de ser excessivamente comercial, pela sua resposta positiva às demandas do mercado fonográfico.
As posturas da cantora eram reflexo direto da espontaneidade e honestidade, acredita Regina. Muitas vezes foi incompreendida. “Ela tinha fama de Pimentinha, de brigar muito, mas ela falava: “Peraí, você acha que tenho sangue de barata? Pisa no meu pé e não vou reagir? Não é normal?”. Ela assumia o que falava. No Brasil é difícil as pessoas assumirem o que pensam”, diz a escritora e jornalista.
Shows
Nas celebrações da data, dois lançamentos retomam shows da cantora. No dia 27, sai pela Warner o CD duplo “Um Dia”. São duas apresentações de Elis no Festival de Jazz de Montreux realizados em 20 de julho de 1979. Já havia uma versão anterior do CD, mas com apenas nove músicas. Desta vez, os shows aparecem na íntegra –são 27 faixas no total, incluindo músicas como de “Triste” (Antonio Carlos Jobim) e “Corrida de Jangada” (Edu Lobo). E, pela Universal, “Transversal do Tempo”, traz na íntegra show realizado em abril de 1978, no Rio. Na época, a apresentação divulgava o disco “Elis” (1977).

Racismos, incêndios e ditaduras

  Tito Tricot   no CORREIO DA CIDADANIA

Os caminhos da memória são indissociáveis, como o canto das corujas nas noites sombrias de inverno. Não se sabe de onde vem, tampouco para onde se dirige aquele ulular obscuro e melancólico que parece buscar companhia, mas que, na verdade, apenas esconde os mistérios do universo na caverna do esquecimento. Porque os humanos não entendem a memória sem o esquecimento e aqueles no poder se encarregam de pouco a pouco nos recordar que é melhor esquecer do que revelar segredos da história que são seus próprios segredos.

Terríveis e ferozes são, como o medo de que se descubram e redescubram, escrevam e reescrevam, os racismos, incêndios, ditaduras das classes dominantes que de tanto ocultá-los terminaram por fazer muitos acreditarem que jamais existiram. Mas, apesar dos oligarcas de antigo ou novo signo, no barco da memória sempre viajam marinheiros irredutíveis que guardam ânforas de prata com lembranças dolorosas da barbárie daqueles que dizem ter construído a república em nome da civilização, ou que, um século depois, clamam ter restaurado a democracia em nosso país, instalando somente um regime militar, não uma ditadura. São os mesmos que chamam de terroristas os índios mapuche enquanto os assassinam à bala.

Mas chamemos as coisas pelo seu nome: aqui não há nada novo. Basta de enterrar a superfície de nossa historia para exumar aquilo que se pretendeu esconder por vergonha ou descaro. Entre eles, o racismo entronizado nas elites chilenas, que é de longa data e se transformou em ideologia e política pública desde as origens da república, que, aliás, nada teve de democrática. Pois teve um parlamento elitista, excludente e oligárquico que permitia que um reputado intelectual e político, como foi Benjamin Vicuña Mackenna, declarasse, referindo-se aos mapuche, que o índio era “... se não um bruto indomável, inimigo da civilização porque só adora todos os vícios em que vive submergido, a ociosidade, a embriaguez, a mentira, a traição e todo esse conjunto de abominações que constituem a vida selvagem...”.

Apesar de ter a delicadeza de assinalar que “a conquista não quer dizer sob nenhum conceito extermínio; e que é possível subjugar os indígenas sem matá-los”. O objetivo, sem dúvida, era se apropriar do território mapuche para – como propunha claramente o diário Mercurio em 1859 – “fazer das duas partes separadas de nossa república um complexo interligado; trata-se de abrir um manancial inesgotável de novos recursos em agricultura e mineração; novos caminhos para o comércio em rios navegáveis e passagens finalmente acessíveis sobre as cordilheiras dos Andes... enfim, trata-se do triunfo da civilização sobre a barbárie, da humanidade sobre a bestialidade”.

Nem para Vicuña Mackenna nem para o jornal El Mercurio importavam os mapuche, pelo contrário, constituíam um estorvo para o que consideravam o desenvolvimento e progresso chilenos. É o mesmo que aconteceu mais de um século depois, quando se fomentou a expansão da indústria florestal em território mapuche, acrescentando-se o despojo desse povo originário. Depois de tudo, como sustentou Juan Agustín Figueroa, ex-ministro da Agricultura da Concertação, deve-se reciclar os mapuches.

Assim como o lixo, supomos, como o desperdício ou a limpeza étnica, supomos, como a limpeza que se fez com suas terras para a instalação de colonos estrangeiros no século 19, porque o maior incêndio que se tem memória em nosso país não foi provocado pelos mapuche, turistas ou cidadãos comuns e contemporâneos, mas pelo Estado do Chile. Claro, porque a colonização do sul do país foi uma política de ocupação impulsionada pelo Estado com grandes recursos econômicos e institucionais. De fato, o presidente Manuel Montt designou Vicente Pérez Rosales como agente da Colonização de Valdivia e Llanquihue e esse último procedeu não somente em facilitar a chegada de alemães e outros imigrantes europeus, como também em arrasar o bosque nativo, incendiando a floresta valdiviana para “limpar” o território e torná-la apta à agricultura e usufruto dos europeus. Uma vez mais, não importou que ali habitassem os mapuche, que, imaginamos, contemplavam estupefatos como ardiam suas terras, lugares sagrados e espaços de reprodução cultural.

Os incêndios foram atos de terrorismo de Estado, como foram as violações dos direitos humanos verificadas no Chile durante a ditadura militar. Pela mesma razão, a mudança que o governo pretende realizar nos textos escolares para suprimir o termo ditadura e trocá-lo por regime militar não é algo inocente. É um perigoso giro ideológico que busca bloquear a memória e seguir escondendo os ferozes segredos das classes dominantes, como sempre fizeram.

Loreto Fontaine, coordenadora nacional da Unidade de Currículo e Avaliação do Ministério da Educação, sustentou que a “mudança é de índole mais geral. Não se refere só a uma palavra, mas a ensinar a pensar”. Ensinar a pensar o que?! Que não existiram os torturados, os assassinados, os presos, as mulheres estupradas, os desaparecidos? Que não se viveram e sobreviveram 17 anos de repressão e terror?

Pode ser que os caminhos da memória sejam sinuosos e que aqueles no poder tentem de qualquer maneira esconder seus segredos, mas no barco da memória sempre viajam marinheiros irredutíveis que conservam em suas vetustas lembranças a verdade oculta: que o Estado provocou mais incêndios que qualquer um; que o racismo aflora o tempo todo, seja em relação aos atuais e lamentáveis incêndios no sul contra a causa mapuche – sem prova alguma – ou na aplicação da Lei Anti-terrorista também contra os mapuche, simultaneamente pretendendo atingir a história recente, eliminando por decreto uma ditadura terrorista das salas de aula. Se é pra falar de racismos, incêndios e ditaduras, deve-se chamar as coisas pelos seus nomes.

Dr. Tito Tricot é sociólogo, diretor do Centro de Estudos da América Latina e Caribe (CEALC), Chile.

Tradução: Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Jornalismo B lança projeto para financiar jornal



Alexandre Haubrich, do Jornalismo B, elaborou um projeto para financiar o jornal em 2012. Disponível no Catarse (site que busca financiamento para projetos culturais), o projeto, além de garantir a impressão dos jornais, quer viabilizar o pagamento do diagramador que até hoje trabalha gratuitamente e a contratação de um estagiário. O blog Jornalismo B nasceu em outubro de 2007, dedicando-se a “desconstruir o discurso anti-democrático da mídia dominante, com análises equilibradas e a defesa intransigente da democratização da comunicação”. Em maio de 2010 nasceu o Jornalismo B Impresso, com 500 exemplares quinzenais de distribuição gratuita, uma extensão do projeto do blog. O projeto de financiamento do Jornalismo B em 2012 pretende arrecadar R$ 13.500,00 até o dia 31 de março. Esse projeto merece apoio. Veja como fazer isso.

Diretor do Psicotropicus defende regulamentar as drogas no Brasil


Campanha do Psicotropicus para conscientizar a população carioca | Foto: Divulgação

Rachel Duarte no SUL21

Ao contrário do que se popularizou mundialmente sobre a descriminalização das drogas, particularmente a maconha, o país em que a legislação é mais liberal não é a Holanda. Segundo dados do Instituto Cato, de Massachusetts (EUA), a experiência de Portugal mostra-se mais bem sucedida. Além de ser o primeiro país europeu a abolir oficialmente todas as penas criminais para porte de maconha, cocaína, heroína e metanfetaminas, Portugal conseguiu reduzir em dez anos o consumo de drogas, o número de infectados pelo HIV e ampliar o número de dependentes em tratamento.
Na América Latina também tivemos avanços. Porém, no caso brasileiro há um atraso no tema e alguns retrocessos no período, na avaliação do psicólogo e diretor do Centro Brasileiro de Política de Drogas, Psicotropicus, Luiz Paulo Guanabara. Para ele, a atitude do governo federal deve ir além do enfrentamento da onda de crack do país.
Ele critica o programa ‘Crack, é possível vencer’, lançado no final de 2011 em parceria com a igreja evangélica e que irá destinar R$ 4 bilhões para tratamento de dependentes químicos, repressão do tráfico e crime organizado e prevenção ao consumo de drogas. “Está sendo uma inabilidade enfrentar o crack querendo curar as pessoas com Jesus. Não será lendo a bíblia todo dia que o usuário dependente de crack, porque nem todos que usam são dependentes, vai deixar de usar a droga”, critica.

Luiz Paulo Guanabara, diretor e fundador do Centro Brasileiro de Políticas de Drogas | Foto: Divulgação

Ele explica que o crack surgiu em substituição à cocaína e é a droga com menor consumo nos países da América Latina. “As pessoas não se injetam mais. Migraram da seringa de injeção de cocaína ou outras substâncias psicoativas para o crack, por ser uma droga com efeito imediato como a injeção na veia, mas sem o risco da seringa. Mas o nosso maior consumo são as drogas lícitas”, aponta.
Segundo o psicólogo, “o álcool e o tabaco são as drogas que mais causam problema de saúde pública e mortes, mas não são tratados com a mesma ênfase do que as drogas pesadas. Por outro lado, pessoas ainda estão sendo presas por porte de maconha como se fossem traficantes no Brasil”. Guanabara argumenta que o cárcere de usuários aumentou após a alteração da Lei de Drogas, no governo Lula. “Ela excluiu a pena ao usuário, mas permite a interpretação do policial sobre quem é usuário e quem é traficante”, afirma.
Diretor do Psicotropicus, que funciona há nove anos no Rio de Janeiro, Luiz Guanabara explica que a milícia é o principal elo da ‘cadeia alimentar’ das drogas. “Para o negócio ilícito de drogas existir, tem que a ver a sociedade da política, se não, não há. Quem não é preso por uso de droga não dá dinheiro para a polícia, ela prende quem usa. Principalmente se ele for pobre, preto e de baixa escolaridade”, denuncia.

Foto: Agência Brasil
Pedro Abramovay teria sido demitido por pedir flexibilização na punição ao porte de drogas | Foto: Agência Brasil

O enfrentamento ao tráfico de drogas no Brasil é outro ponto criticado pelo psicólogo. Desde 2006, quando se alterou a Lei de Drogas, aumentou em mais de 60% o número de presos por tráfico. Favorável à adequação deste brecha da lei, o advogado Pedro Abramovay foi demitido da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad) no começo do governo Dilma.
“Ele falou uma verdade. Ele defendia que pessoas que não são violentas e são pegas com pequenas quantias de drogas não fossem para a cadeia. Um morador da zona sul do RJ nunca vai para prisão por estar com a mesma quantidade de droga que o pobre negro da favela. No México, por exemplo, a lei estipula que até tantas gramas configura usuário. Como não há esta delimitação no Brasil, fica na mão do policial. Pessoas com menos de 100 gramas de maconha e desarmadas vão parar na cadeia”, argumenta.

Regulamentar pode ser a saída

No debate sobre as políticas de drogas, os profissionais do Psicotropicus separam o joio do trigo e defendem a regulamentação das drogas de forma global. Segundo o instituto, por mais fama que a Europa tenha levado no consumo de maconha em coffes e comercialização para fins medicinais, a droga não é liberada em nenhum lugar do mundo. “O que acontece é que os países driblam as organizações internacionais”, afirma o psicólogo Luiz Guanabara.
De acordo com a Convenção Internacional de 1988, as drogas são classificadas em substâncias controladas, substâncias proibidas e substâncias proibidas sem valor medicinal. “A maconha inclusive configura na lista das sem valor medicinal, embora se saiba do potencial da planta há milênios e ela seja utilizada para estes fins em países andinos, por exemplo”, ressalta o psicólogo.
A regulamentação das drogas poderia, na avaliação de Guanabara, render ao Brasil resultados parecidos como os de Portugal, que descriminalizou a maconha em 2001. “Discriminalizou o uso e o porte para uso medicinal. Se permite o porte até cinco gramas. A Europa achou que não ia dar certo quando se começou a experiência de Portugal. Mas, contrariando a sanha punitiva dos que defendem que qualquer pessoa que usa droga tem que ser punida, lá se fez um ensaio de legalização para o usuário. Os resultados na diminuição da criminalidade e de causos de contaminação de HIV e diminuição de consumo são impressionantes”, afirma.

Em Portugal descriminalizar a maconha reduziu o HIV, as mortes e o consumo da droga

Drogas injetáveis não mais tão usadas na América Latina. O maior consumo são as drogas licitas | Foto: Divulgação

Portugal teve alguns dos mais altos níveis de uso de drogas pesadas na Europa. No entanto, relatório do instituto norte-americano Cato, divulgado em 2010, sugere o contrário. De acordo com o estudo, cinco anos após o porte de drogas ser descriminalizado, o uso de drogas ilícitas entre os adolescentes em Portugal diminuiu, e as taxas de novas infecções por HIV causada por compartilhamento de seringas contaminadas caíram, enquanto o número de pessoas que procuram tratamento para dependência química mais do que duplicou.
Na sequência da descriminalização, Portugal teve a menor taxa de uso de maconha durante a vida em pessoas com mais de 15 anos (considerando a na UE): 10%. O cenário mais próximo disso nos Estados Unidos é em pessoas acima de 12 anos: 39,8%. Proporcionalmente, mais norte-americanos usaram cocaína durante a vida do que Português usaram maconha.
O relatório do Cato informa que entre 2001 e 2006, as taxas de uso durante a vida de qualquer droga ilegal entre os estudantes do ensino médio caiu de 14,1% para 10,6%, e a mesma queda se registrou entre os adolescentes mais velhos. O consumo de heroína entre 16 a 18 anos de idade caiu de 2,5% para 1,8% (embora tenha havido um ligeiro aumento no consumo de maconha nesta faixa etária). Novas infecções pelo HIV em usuários de drogas caíram 17% entre 1999 e 2003, e as mortes relacionadas com a heroína e drogas similares caíram pela metade. Além disso, após a descriminalização, o dinheiro economizado com as sanções aos usuários permitiu aumentar o financiamento do tratamento livre de drogas.
O estudo de caso em Portugal já desperta interesse aos parlamentares dos EUA. Quatro estados norte-americanos estão pressionando o governo de Barack Obama para mudar a política linha-dura de drogas do país. Hoje, os EUA apenas apoiam acordos internacionais que impõem a proibição das drogas e impõe aos seus cidadãos, as mais duras sanções do mundo por posse e venda de drogas. “Não sabemos como será o mundo com a regulamentação das substâncias proibidas. A população fica com medo do que irá acontecer quando regulamentar. Será que vão todos correr atrás das drogas quando liberar? Pode haver um acréscimo na maconha, mas enquanto for novidade. Depois irá se equilibrar. Tem que haver restrições severas como com o tabaco e muita campanha educativa e de orientação sem relação ao consumo”, sugere.

Terceirização do trabalho

Marcio Pochmann

A terceirização do trabalho expressa uma das maiores alterações no modo de produção e distribuição de bens e serviços verificados durante a passagem para o século XXI nas economias capitalistas. Mesmo assim, preponderam diferenças importantes e inegáveis no movimento geral de terceirização do trabalho entre países.
Nas economias desenvolvidas, por exemplo, a terceirização do trabalho resulta, muitas vezes, da opção patronal pela ampliação dos ganhos de produtividades. A partir da adoção de novos meios de gestão da mão de obra e incorporação tecnológica, o processo produtivo passou a ser crescentemente compartilhado por um conjunto de diversas empresas que subcontratam seus empregados. Nos países não desenvolvidos, a terceirização do trabalho expandiu-se mais recentemente. A principal motivação do processo de terceirização tem sido geralmente a busca da redução do custo do trabalho como mecanismo de maior competitividade e ampliação da margem de lucro diante da exposição do setor produtivo à concorrência internacional. Em função disso, a terceirização apresenta predominantemente a modalidade de contratações de trabalhadores com remuneração e condições de trabalho inferiores aos postos de trabalho anteriormente existentes e aos equivalentes não submetidos à subcontratação da mão de obra.
Para o Brasil, a terceirização do trabalho ganhou importância a partir dos anos 1990, coincidindo com o movimento de abertura comercial e de desregulamentação dos contratos de trabalho. Ao mesmo tempo, a estabilidade monetária alcançada a partir de 1994 vigorou associada à presença de ambiente competitivo desfavorável ao mercado interno. Ou seja, baixo dinamismo econômico, com contida geração de empregos em meio a taxa de câmbio valorizada e altas taxas de juros. Frente ao desemprego crescente e de ofertas de postos de trabalho precários, as possibilidades de atuação sindical exitosas foram diminutas, ao mesmo tempo em que ocorria a expansão de políticas de desregulação do mercado de trabalho.
Hoje, o trabalho terceirizado perdeu importância relativa no total do emprego formal gerado no Brasil, embora seja crescente a expansão absoluta dos postos de empregos formais. Por ocupações de menor remuneração e maior descontinuidade contratual, os empregos terceirizados atendem fundamentalmente a mão de obra de salário de base. Desta forma, as ocupações geradas em torno do processo de terceirização do trabalho tendem a se concentrar na base da pirâmide social brasileira. O uso da terceirização da mão de obra tem se expandido fundamentalmente pelo setor de serviços, embora esteja presente em todos os ramos do setor produtivo.
Em síntese, a terceirização do trabalho transformou-se num dos principais elementos de modificação do mundo do trabalho, capaz de equivaler quase a uma reforma trabalhista, visto que o país não passou por uma reforma trabalhista de corte neoliberal, conforme verificado em outros países. Mesmo assim, várias ações em direção à desregulamentação do mercado de trabalho foram adotadas, especialmente nos anos 1990, quando as políticas neoliberais estiveram em maior evidência no país. Por conta disso, o país registrou quatro trajetórias distintas durante os últimos 25 anos na dinâmica da terceirização do trabalho. A primeira, observada durante a década de 1980, expressou o movimento de focalização de atividades especializadas. Em geral, a terceirização da mão de obra correspondeu à externalização de partes das atividades que anteriormente eram realizadas, sobretudo nas grandes empresas privadas estrangeiras. A internalização de novos métodos de organização da produção e gestão da força de trabalho adotada originalmente nas economias desenvolvidas permitiu que a taxa de terceirização fosse crescente. Entre 1985 e 1990, a taxa de terceirização do emprego formal no estado de São Paulo passou de 11,7% para 58,2% do saldo líquido das ocupações geradas a cada ano.
Com a recessão econômica no início dos anos 1990, concomitante com os fracassos dos planos de estabilização monetária e abertura comercial, a dinâmica da terceirização da mão de obra como mecanismo de modernização das grandes empresas perdeu sentido. O corte generalizado do emprego em um contexto de altas taxas de inflação permitiu ao setor patronal encontrar ajustes de custos alternativos à terceirização de mão de obra. Entre 1990 e 1995, por exemplo, a taxa de terceirização no estado de São Paulo decresceu, de 58,2% para 8,9% do saldo total líquido de postos de trabalho formais abertos.
Além da estabilização monetária a partir do Plano Real, com impacto inegável na redefinição da estrutura de preços e competição no interior do setor produtivo, teve importância o Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que definiu os setores cabíveis da terceirização da mão de obra, e concedeu segurança jurídica às empresas. Em virtude disso, a trajetória da contratação de empregados formais entrou na sua terceira dinâmica. Por consequência, a taxa de terceirização registrou elevação inédita, passando de 8,9% a 97,6% do saldo líquido dos empregos gerados no estado de São Paulo entre 1995 e 2002. Desta forma, o movimento de terceirização da mão de obra que até então se encontrava relacionado ao interesse das grandes corporações transnacionais passou a ser difundido no conjunto das empresas em operação no Brasil.
Pelas condições da estabilidade monetária, alcançada com altas taxas de juros reais e valorização do real, as condições de competição interempresarial tornaram-se mais acirradas. A redução do custo do emprego da força de trabalho estimulou o crescimento da terceirização, inclusive no aparecimento de empresas sem empregados. A quarta dinâmica na trajetória da contratação de empregos formais ganhou importância desde o início da década de 2000, com a queda na taxa de terceirização. Entre 2000 e 2010, a taxa de terceirização passou de 97,6% para 13,6% do saldo líquido de empregos formais constituído no estado de São Paulo.
Este artigo é parte integrante da edição 104 da revista Fórum.

Os abusos de um programa cretino e imbecil...


Ela bebe até cair, ele abusa dela e a sua família assiste



Vejamos do que se trata o caso. A garota e o rapaz participam de uma festa televisionada para dezenas de milhões de brasileiros. Durante a transmissão, vão entornando litros incontáveis de álcool. Previsivelmente, com a autocensura entorpecida, moça e rapaz atendem ao chamado da natureza e trocam beijos e carícias sem se importar com quem estiver assistindo.
O interessante desse caso do integrante do programa Big Brother que está sendo acusado de fazer sexo com uma “sister” alcoolizada e supostamente desacordada é que nem bem termina o programa (que vai para a tevê aberta) e todos já correm para a tevê a cabo para verem o previsível desenrolar da insinuação de sexo, agora sem censura.
Como o programa vai para a tevê aberta, todos sabem o que procurar no You Tube e nas redes sociais, blogs etc. Os modernos celulares, no dia seguinte, já estão reproduzindo o vídeo do suposto estupro, mas não só. Antes, todos viram a situação que levou a moça a supostamente ser abusada, ou seja, ela ter bebido até cair em um lugar cheio de gente desconhecida.
Passei o dia lendo ou ouvindo discutirem se essa moça “pediu” ou não pelo abuso e se o suposto abusador deveria ou não ser expulso do programa ou até sofrer sanções legais caso fique comprovado que fez sexo com ela sem que a mesma estivesse em condições de decidir se queria ou não, já que tomara álcool em quantidade exagerada.
Diante disso, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, oficiou ao Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro para que tome “providências” contra o suposto abuso sexual devido a “demandas encaminhadas por cidadãs de várias cidades brasileiras à Ouvidoria da SPM, pedindo providências”.
Ótimo. A lei considera crime fazer sexo com alguém desacordado, mesmo que antes essas pessoas tenham trocado beijos e carícias íntimas. Mas fiquei me perguntando por que ninguém reclamou com o governo ou com alguma instância qualquer por essa safadeza toda ter começado na tevê aberta e instigado até crianças a acompanharem seu desenrolar.
Detalhe: conheço ao menos duas meninas de dez anos que já sabem de tudo mesmo sem ter assistido ao programa no dia, porque viram tudo na escola no dia seguinte.
Se fosse só sexo, vá lá. Mas aquelas jovens serem postas em situação de vulnerabilidade pela oferta de álcool que o programa fez e, assim, tornarem-se presas fáceis para um bando de “garanhões” igualmente irresponsáveis e alcoolizados e isso tudo ser servido à sociedade, tenho certeza de que em qualquer país civilizado seria considerado uma afronta.
A glamourização da bebedeira e do sexo irresponsável e o decorrente abuso de vulnerável na tevê são exatamente o que precisa um país campeão de gravidez precoce, de desastres de trânsito causados por condutores alcoolizados e de tudo mais que condutas como a que o Big Brother estimula causam. E a sua família vendo isso na tevê, na internet ou no boca a boca.
Mas disso ninguém reclama. Até porque, como não há regulamentação da mídia no Brasil, não há a quem reclamar.

Religiões afro-brasileiras preparam direito de resposta coletivo contra TV Record

SUL21

No final de 2011, entidades afro-brasileiras foram autorizadas pelo Ministério Público a produzir um vídeo com um direito de resposta coletivo a uma reportagem veiculada pela TV Record. O vídeo ainda não foi exibido no ar, pois a emissora recorreu da decisão – mas encontra-se disponível online, podendo ser assistido no YouTube. Entre os entrevistados no vídeo, estão Iran Castelo Branco, do movimento Mídia Pela Paz, representantes do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (INTECAB), além do professor Laurindo Leal Filho, da ECA-USP. Assista o vídeo abaixo, que traz cerca de 15mins dos 60mins de duração do direito de resposta.