sexta-feira, 13 de abril de 2012

Por uma infância livre de consumISMO

do blog TREZENTOS


A internet é realmente uma revolução. E quando usada para o bem, é maravilhosa. Existe um projeto de lei, que tramita há 10 anos, com o intuito de proibir a veiculação de publicidade direcionada ao público infantil. Parece radical, parece censura? Mas não é. Lembram-se da publicidade para cigarros? A propaganda de cigarro gerou a mesma polêmica e só ganhamos com a ausência das “caras de pau” das empresas e publicitários que insistiam em associar cigarro a esporte e vida saudável e bem sucedida. Uma reportagem com fumantes famosos confirma que a maioria fumou para ser moderno e se inserir no grupo social que desejavam. Hoje se arrependem pois não conseguem se livrar do vicio. Assim é a publicidade infantil. No futuro teremos criancas com a vida pautada na satisfação exclusiva pelo consumo. Comprar é viciante e a insatisfação compulsiva já se trata nos consultorios e com medicação tarja preta como antidepressivos e ansiolíticos, porque hoje, quem não consome, não faz parte da turma moderna, descolada e bem sucedida. Qualquer semelhança com o cigarro é mera coincidência?
Para completar ,  a Associação de Agências de Publicidade, criou uma ação que pretende parecer dizer que todos somos responsáveis pela infância.  À primeira vista, a gente entende que a intenção da campanha é chamar todos à reflexão mas não é isso. A campanha empenhou-se em culpabilizar exclusivamente os pais pelo controle do que os filhos assistem na TV, como se as empresas não tivessem responsabilidade nenhuma sobre o que fabricam, vendem e anunciam, e as agências de publicidade sobre suas ações de marketing para promover qualquer tipo de produto e serviço direcionado ao público infantil. Uma ação com título dúbio, com atitudes dúbias, com intenções dúbias, assim como é a publicidade voltada para crianças que não têm condições de distinguir o que é bom para elas, o que é realidade, o que é mentira e o que manipulação. Nós adultos somos ludibriados, imaginem as crianças!
Os pais ativistas da internet se uniram e reagiram na hora. E a ABAP tratou-os com um desrespeito e desprezo absurdo, apagando suas mensagens na página da campanha, manipulando os comentários, banindo comentaristas que se opunham ao que eles queriam propagar. E ainda dizendo que nós, pais, queremos censurar a propaganda e impedir a liberdade de expressão da pobre publicidade. Liberdade de expressão só deles, basta ver as regras de participacão do seu site que a gente vê a cara ditatorial e demagógica de suas intenções. Mas uma coisa importante de se tentar entender, é o que a publicidade espera dos pais quando os culpabiliza. Afinal, o que querem que façamos: ficamos em casa cuidando do lixo propagandeado excessivamente às crianças ou saimos para trabalhar como loucos para poder consumir o que eles anunciam? Fiquei confusa.
O que eles não esperavam , era encontrar pais instruídos, informados e prontos para defender o bem estar de seus filhos respondendo na mesma moeda: criaram um site para divulgar a importância de se botar um freio na farra da publicidade infantil. E o site dos pais, entitulado INFÂNCIA LIVRE DE CONSUMISMO, recheado de depoimentos, artigos técnicos, reportagens, charges e imagens  relacionadas ao tema, atingiu, em apenas 3 dias, o mesmo número de simpatizantes e apoiadores que o site da ABAP levou 1 mês para conseguir.
E em 5 dias, o site Infância Livre, conseguiu ultrapassar o site da ABAP, que vale lembrar, é mantido por uma agência de publicidade contratada, o que não acontece com a ação dos pais da internet. Isso nos leva a pensar em outras coisas. Por que a ABAP faria uma ação tão desastrosa? Por que usaria profissionais tão amadores? Por que não teria o menor constrangimento em agir com tão pouca ética com os usuários do site? Será que isso se resume em apenas uma questão: eles subestimam as famílias? Os pais? E acham que somos realmente uma massa tola e manipulável sem força nenhuma para reagir?
Hoje, a publicidade é autorregulamentada pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária e isso é péssimo para a nossa sociedade a começar pelo fato que o conselho de ética da entidade tem apenas 19 pessoas representam a sociedade civil, dentre eles, seis jornalistas, três advogados e apenas um médico, enquanto as outras 136 pessoas representam anunciantes ou veículos de comunicação. Isso prova, na base, o tamanho do problema que é o 

controle da publicidade brasileira que está longe de defender os interesses da sociedade.
Por isso, esse grupo de mães e pais, que defende a infância, convida a todos a conhecer e CURTIR  esta iniciativa no Facebook . Ela tem o intuito de informar e mostrar os argumentos que levam a ver essa necessidade tão grande de se proteger nossos filhos dos malefícios de uma propaganda que é estratégicamente pensada e elaborada para encantar, que não os respeita, que os engana, que os faz acreditar numa falsa sensação de alegria e determina o que se tem como fator primordial de status social desde a mais tenra idade.  E que ao repensar a publicidade, estamos pensando na forma como estamos consumindo o planeta, já que o consumismo está na contramão da educação para o futuro e da sociedade mais sustentável que buscamos.

Gay impedido de doar sangue em BH abre debate na saúde pública brasileira


Vários países proíbem doação de sangue por homossexuais; Brasil deve exigir período de 12 meses sem relações sexuais para autorizar doação | Foto: Valter Campanato/ABr

Rachel Duarte no SUL21

A menos de um ano da nova portaria do Ministério da Saúde que prevê a autorização de doação de sangue por homossexuais, um caso em Belo Horizonte (MG) alerta para a possível necessidade de revisão de um dos critérios da mesma portaria. Danilo França, 24 anos, foi impedido de doar sangue na última terça-feira (10), por ser homossexual. De acordo com a norma do MS, baseada em estudos da Organização Mundial de Saúde, homens que tiveram relações sexuais com outros homens nos últimos 12 meses não podem doar sangue. A medida adotada de forma rigorosa pode estar mantendo viva a tese preconceituosa da década de 80, quando a Aids era associada como a “doença dos gays”.
“Era a primeira vez que estava indo doar sangue. Esperei por duas horas na fila e na entrevista respondi que tinha um companheiro fixo há mais de três anos. Na hora me foi dito que eu não poderia doar. Sai e fiquei frustrado diante do argumento da portaria e constrangido diante dos meus colegas”, contou Danilo em conversa com o Sul21.
A doação de sangue estava sendo promovida na empresa onde Danilo trabalha e não esconde a orientação sexual, por meio de um mutirão da Fundação Hemominas. Segundo ele, a entrevista com o médico na hora da doação mudou a partir do momento em que ele declarou sua orientação sexual.
Entrevista para doação de sangue segue legislação federal | Foto: Reprodução / Sul21
Depois dessa resposta, Danilo alega que o profissional da saúde reagiu de forma diferente e fez mais outras perguntas sobre a vida sexual homossexual dele. Logo após, informou, com base na apostila do Hemominas, que Danilo não poderia ser doador. “É um critério que coloca homossexuais no tal grupo de risco, como se ser gay fosse condição de risco ou de doença”, afirma.
Após o episódio, no qual Danilo conta ter passado por constrangimento diante dos colegas ao deixar a sala e dizer que não seria e porque não seria doador, o jovem buscou esclarecimentos junto ao Hemominas e ao Ministério da Saúde.
A médica responsável pelo setor de Hematologia e Hemoterapia da Fundação Hemominas, Flávia Loureiro, afirma que o trabalho dos profissionais do Hemominas na hora da triagem é padronizado dentro da legislação federal. “Nas situações de risco acrescido, como chamamos estes casos, o comportamento sexual é analisado para verificar se a pessoa esteve exposta a situações de risco de saúde”, fala. Segundo ela, o questionário aplicado em Danilo é o disponibilizado pelo Ministério da Saúde e a orientação é de não haver discriminação na conduta da triagem. “Não entendemos que o doador é inapto apenas pelo comportamento sexual. Mas seguimos as normas federais. Compreendemos a frustração de Danilo e das pessoas que são impedidas de doar sangue, que é um gesto de solidariedade e nos auxilia muito nos estoques de bolsas que salvariam outras vidas”, disse.

“A orientação sexual não deve ser usada como critério para doadores de sangue”, diz nova portaria

Em 2011, o Ministério da Saúde consolidou um importante passo para o avanço na saúde pública brasileira. Diferente dos países da União Europeia e dos Estados Unidos, a regra para inclusão de homossexuais masculinos foi flexibilizada para aceitar os gays que não tiveram relações sexuais nos últimos 12 meses. “Em outros países eles são banidos completamente”, afirma o coordenador de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez.
Segundo a nova portaria do Ministério da Saúde, “a orientação sexual (heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por não constituir risco em si própria”. Porém, a mesma portaria acaba estipulando um prazo quase inviável para um homossexual com vida sexual ativa ou com companheiro fixo, como é o caso de Danilo França.
A inaptidão para doação de sangue por homens que fazem sexo com homens dentro deste prazo segue recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e está fundamentada em estudos epidemiológicos que apontam que a epidemia de HIV/Aids ainda é concentrada entre os homossexuais. De acordo com o MS, a probabilidade de contágio entre os homens que fazem sexo com homens é cerca de 11 vezes maior que entre os heterossexuais.
Guilherme Genovez: "a janela imunológica pode levar até 21 dias. Não podemos arriscar a segurança das pessoas que serão beneficiadas com o sangue depois” | Foto: Ministério da Saúde

“O problema é que, com a transmissão transfusional do HIV se deu de forma muito catastrófica no Brasil nos anos 80 e várias pessoas contaminadas na época eram homens que faziam sexo com outros homens, acabou ficando esta associação. Porém, a janela imunológica entre a exposição em uma relação sexual até o vírus ser detectado no exame pode levar até 21 dias. Não podemos arriscar a segurança das pessoas que serão beneficiadas com o sangue depois”, alerta Genovez.
Segundo ele, o percentual de casos de sorologia positiva para HIV é de até 14% nos homossexuais que fazem exame. “Muitos procuram na doação de sangue a forma de fazer o teste. Têm receio de assumir sua sexualidade ou ainda não estão bem resolvidos e optam por ser doadores quando querem testar a sorologia”, conta. Mais de 80% dos gays homens que procuram os hemocentros, procuram com a expectativa de fazer exame ou monitorar, acrescenta Genovez.

Gays não são doadores porque fazem “sexo traumático”

Nem todos os homens que fazem sexo com homens são gays, mas todos os que tiveram relações entre homens são banidos da doação de sangue. A regra do Ministério da Saúde condiciona um homossexual masculino a não ter relação sexual por um ano para poder doar sangue, e os responsáveis garantem que o critério se comprova cientificamente necessário. As relações sexuais entre homens são chamadas tecnicamente de ‘sexo traumático’ que aumenta a porta de entrada para doenças. Mulheres que admitem praticar sexo anal durante a entrevista, também são impedidas de doar sangue.
“O coito anal impede a doação, assim como as pessoas que têm relação promiscua, e isso pode ser heteros, bissexuais ou quaisquer pessoa. Mais de uma relação sexual desprotegida por ano já não pode ser doador. Tem que ser rígido para evitar os riscos de não identificar os diferentes vírus. Já aconteceu de uma bolsa de um indivíduo destes ser colocadas em bolsas de transfusão de 10 crianças na UTI neonatal de um hospital, ainda bem que evitou-se uma tragédia”, relata o coordenador do MS.

Quem faz parte do grupo de risco?

De acordo com a portaria do Ministério da Saúde também são considerados integrantes do grupo de risco as pessoas com mais de um parceiro sexual, quem tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas, vítimas de violência sexual e que tenham colocado piercing ou feito tatuagem sem condições de segurança adequada. Entre os inaptos à doação de sangue estão os que tiveram hepatite após os 11 anos de idade, usuários de drogas ou quem ingeriu bebidas alcoólicas, se expôs a situações de risco acrescido para doenças sexualmente transmissíveis ou teve gripe, resfriado ou diarréia nos sete dias anteriores à doação.
De acordo com a especialista em Hematologia e Hemoterapia da Fundação Hemominas, Flávia Loureiro, os homossexuais homens que mantiveram relação nos últimos 12 meses não são incluídos no Grupo de Risco da instituição. “A relação sexual em si já é um risco de se contrair infecção. Não adotamos conceitos de risco ou grupo de risco para relações homossexuais. O critério básico que utilizamos na saúde é a prevalência para afirmarmos quantos casos efetivamente são reais dentro de uma determinada população para podermos tomar as medidas epidemiológicas. Há países que gays podem doar sangue porque os índices epidemiológicos de gays e heteros são os mesmos já”, explica.
Um doador de sangue pode salvar até três vidas | Foto: Elza Fiúza/ABr

No Brasil, o Ministério da Saúde ainda desenvolve estudos para aplicação de novas tecnologias nos exames sorológicos. “Estamos prevendo adotar um inibidor, uma substância misturada no sangue que matará tudo que está naquele sangue. Isto permitirá não descartar nenhum doador”, fala. Outro método que poderia auxiliar na redução do tempo exigido pelo MS para os doadores homossexuais não terem relação sexual é o teste NAT, já aplicado no Hemominas. “Até o final do ano vamos disponibilizar em todo país. É um exame de biologia molecular capaz de verificar a defesa do vírus nas pessoas e reduzir o tempo da janela imunológica em até 10 dias”, explica o coordenador de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez.
Enquanto isso, Geovanez afirma que o Ministério da Saúde capacita os profissionais da saúde para um atendimento livre de preconceito na área da saúde pública. Porém, com as atuais regras, Danilo França já admite que não terá condições de doar sangue. “Eu estou em dia com minha saúde e me cuido. Mas não vou mais pensar em doar sangue se for com estas condições”, fala, sendo mais um na estatística dos não-doadores e que poderiam estar salvando até três vidas com a coleta de sangue.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sarkozy esquece aliado e usa Espanha para semear medo


 

 

Entre liberais, a amizade e a proximidade ideológica não garante uma solidariedade inquebrantável. A direita francesa tirou todos os espantalhos do armário para apregoar uma “crise de confiança massiva” se o socialista François Hollande ganhar as eleições presidenciais de abril e maio próximos (22 e 6). “Nós ou o caos”, diz o presidente candidato que põe como exemplo o dramático caso da Espanha. O jornal El País respondeu: "Com amigos assim quem precisa de inimigos".


Paris - “Os amigos se conhecem nas boas e nas más horas”, reza o conhecido ditado. O presidente francês Nicolas Sarkozy não é um adepto desta sábia filosofia popular. Entre liberais, a amizade e a proximidade ideológica não garante uma solidariedade inquebrantável. A direita francesa tirou todos os espantalhos do armário para apregoar uma “crise de confiança massiva” se o socialista François Hollande ganhar as eleições presidenciais de abril e maio próximos (22 e 6). “Nós ou o caos”, diz o presidente candidato que põe como exemplo o dramático caso da Espanha. À direita e ao centro ocorreu a calamitosa ideia de apresentar a Espanha como o exemplo dinástico do que espera a França se a direita não conservar o poder.

Sarkozy não foi o único europeu que penetrou no território do medo. Também o Presidente do Conselho Italiano, Mario Monti, esgrimiu os casos da Espanha, Grécia e Portugal como influências nefastas. Estas manifestações de egoísmo eleitoral motivaram uma resposta do Chefe de Governo espanhol, o conservador Mariano Rajoy, que pediu aos dirigentes europeus que sejam “prudentes” em seus comentários sobre a Espanha. O mais dramático é que Nicolas Sarkozy encara a estratégia do pavor no momento em que a Espanha afunda cada dia mais, apesar dos cortes faraônicos que o Executivo espanhol decidiu nos últimos dias – perto de 40 bilhões de dólares. A imprensa espanhola está enfurecida com seu ex-amigo. O jornal El País disse há poucos dias: “Com amigos assim quem precisa de inimigos?”.

Chovem adjetivos sobre Sarkozy na mesma medida de sua impiedade eleitoral. O mesmo jornal El País trata-o como “frustrado refundador moral do capitalismo”. O presidente francês afirmou: “Vejam como está a Espanha depois de sete anos de socialismo”. A França está melhor, mas não fugiu nem da crise, nem de suas consequências, nem dos fabulosos déficits acumulados nos anos Sarkozy, nem tampouco da sanção que consistiu em perder o Triplo A que as agências de classificação de risco outorgam aos maus alunos da carreira liberal.

O segundo eixo da campanha da direita francesa é assustar as pessoas com o dilúvio que cairia sobre a França se a socialdemocracia chegasse à presidência. Sarkozy e seus conselheiros estão correndo atrás das pesquisas de opinião que, invariavelmente, vaticinam uma vitória de François Hollande e perseguem os indecisos - 30% do eleitorado -, os que se abstém – 20% - e os eleitores do centro – 9,5% -, assustadiços e muito adeptos à disciplina fiscal. Os socialistas aparecem retratados como os coveiros da economia, esbanjadores irresponsáveis do dinheiro público, adeptos dos déficits crônicos, gestores obcecados por fazerem os ricos pagarem mais impostos e campeões da assistência social à custa da estabilidade global.

Os males que, segundo o presidente-candidato, esperam a França “no minuto seguinte” à vitória socialista são um catálogo da escatologia
liberal: “Desastre”, “catástrofe”, “crise massiva de confiança”, “ataques contra a zona euro”, “implosão do sistema econômico” francês.

Medo sobre medo. E, ainda assim, a direita francesa governa há dez anos, há uma década o próprio presidente Sarkozy ocupa funções chaves no Executivo e nos últimos cinco anos de seu mandato presidencial acumulou uma coleção de cifras negativas: a França perdeu a sacrossanta Triple A, houve um milhão de desempregados a mais, uma sucessão de déficits impressionantes e um crescimento da dívida pública de 500 bilhões de euros. O liberalismo tem a memória curta e a língua muito longa.

Tradução: Libório Junior

Os movimentos sociais e os processos revolucionários na América Latina: uma crítica aos pós-modernistas

Edmilson Costa*

Edmilson CostaA ideologia pós-modernista é responsável por grande parte das derrotas dos movimentos sociais nestas duas décadas. Não só porque esse modismo teórico influenciou parte da juventude e lideranças dos movimentos sociais, como também porque levou à frustração milhares de lutadores sociais. Isso porque as lutas fragmentadas geralmente se desenvolvem de maneira espontânea. No início tem uma trajetória de ascenso, empolga milhares de pessoas, mas logo depois o movimento vai enfraquecendo até ser absorvido pelo sistema.

Os anos 90 do século passado e os primeiros dez anos deste século foram marcados por intenso debate entre as forças de esquerda sobre o papel dos movimentos sociais, das minorias, das lutas de gênero e das vanguardas políticas nos processos de transformação econômica, social e política da sociedade. Colocou-se na ordem do dia a discussão sobre novas palavras de ordem, novos agentes políticos e sociais, novas formas de luta, novas concepções sobre a ação prática política.
Esses temas e concepções ocuparam o vazio político nesse período em funções de uma série de fenômenos que ocorreram na década de 80 e 90, como a queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética e dos países do Leste Europeu, o refluxo do movimento sindical, a redução das lutas operárias nos principais centros capitalistas, a perda de protagonismo dos partidos revolucionários, especialmente dos comunistas,além da ofensiva da ideologia neoliberal em todas as partes do mundo, sob o comando das forças mais reacionárias do capital.
A conjuntura de derrota das forças progressistas favoreceu a todo tipo modismo teórico e fetiche ideológico. Sob diversos pretextos, certas forças políticas, inclusive alguns companheiros de esquerda, começaram a questionar a centralidade do trabalho na vida social, o papel dos partidos políticos como vanguarda dos processos de transformações sociais e políticas, a atualidade da luta de classes como instrumento de mudança da história e o próprio socialismo-comunismo como processo que leva à emancipação humana.
Esse movimento teórico e político envolveu forças difusas, mas influentes junto à juventude e vários movimentos sociais. O objetivo era desconstruir o discurso dos partidos políticos revolucionários, do movimento sindical e do próprio marxismo, como síntese teórica da revolução. Para estas forças, os discursos de temas abrangentes, como a igualdade, o socialismo, a emancipação humana, os valores históricos do proletariado, as soluções coletivas contra a opressão humana, eram coisa do passado e produto de um mundo que já existia mais.
No lugar desses velhos temas, tornava-se necessário colocar um novo discurso, como forma de forma a reconhecer a fragmentação da realidade e do conhecimento, a constatação da diferença, a emergências de novos sujeitos sociais, com características, valores e reivindicações específicas, como os movimentos sociais, de gênero, raça, etnia, etc, e novas formas de formas de luta, inclusive com renúncia à tomada do poder.
O condensamento desse ecletismo conservador, dessa matriz teórica diluidora, pode ser expresso no que se convencionou chamar de pós-modernismo. Essa é a fonte teórica inspiradora de todos os modismos teóricos e fetiches que se tornou moda as duas últimas décadas. Quais são os principais supostos teóricos dos pós-modernistas, que tanta influência tiveram nesses anos de vazio político? Vamos nos ater a três vertentes fundamentais que norteiam os fundamentos dessa corrente teórica.
1) O fim da centralidade do trabalho. Um dos temas mais destacados pelos pós-modernistas é o fato de que as tecnologias da informação, a reestruturação produtiva e a inserção acelerada de ciência no processo produtivo tornaram obsoleto o conceito de classe operária e proletariado, até mesmo porque esses atores estão se tornando residuais num mundo globalizado onde impera a robótica, a internet e a informática avançada. Alguns desses teóricos chegaram a dar adeus ao proletariado, que seria um conceito típico da segunda revolução industrial. Prova disso, seria a constatação de que a classe operária está diminuindo em todo o mundo e, por isso mesmo, perdeu o protagonismo para outros movimentos emergentes no capitalismo globalizado.
Os teóricos pós-modernistas se comportam como o caçador que vê apenas as árvores mas não consegue enxergar a floresta. Olham o mundo a partir de uma perspectiva da Europa ou Estados Unidos. Por isso, não conseguem compreender que o capital possui uma extraordinária mobilidade, em função da busca permanente por valorização. Por isso, são incapazes de perceber que o proletariado está crescendo de maneira expressiva em termos mundiais, com o deslocamento de milhares de indústrias dos EUA e da Europa para a Ásia, processo que está incorporando ao mundo do trabalho centenas de milhões de trabalhadores na China, na Índia e em toda a Ásia, num movimento que está mudando a conjuntura mundial.
Não conseguem entender que o próprio capitalismo é uma contradição em processo, pois quanto mais se moderniza, quanto mais insere ciência na produção, mais amplia sua composição orgânica e, consequentemente, mais pressiona as taxas de lucro para baixo. Por isso, o capitalismo não pode existir sem seu contraponto, o proletariado. Se o capitalismo automatizasse todas suas fábricas o sistema entraria em colapso, pois os robôs são até mais disciplinados que os seres humanos, são capazes de trabalhar sem descanso, não reivindicam salário, nem fazem greve, mas também tem seu calcanhar de Aquiles: não consomem. Se não tem consumidores, os capitalistas não têm para quem vender suas mercadorias. Ou seja, antes de uma automatização total, o sistema entraria em colapso em função de suas próprias contradições.
2) O fim da centralidade da luta de classes. Outro dos argumentos dos teóricos pós-modernos é a alegação de que a luta de classes é coisa do passado. Afinal, dizem, se o proletariado está se reduzindo aceleradamente, não existe mais identidade de classe e, portanto, não teria sentido se falar em luta de classes. Nessa perspectiva, dizem, a reestruturação produtiva pode ser considerada uma espécie de dobre de finados que veio sepultar os velhos agentes do passado, como o movimento sindical. Prova disso, é que os sindicatos perderam o protagonismo e agora agonizam em todo o mundo. E o principal representante teórico do mundo do trabalho, o marxismo, também estaria ultrapassado, em função de sua visão monolítica do mundo.
Novamente, os teóricos pós-modernistas também não compreendem a história e confundem sua submissão ideológica à ordem capitalista com a realidade dos trabalhadores. A luta de classes sempre existiu desde que as classes se constituíram na humanidade e continuará sua trajetória enquanto existir a exploração de um ser humano por outro. Não porque os marxistas querem, mas porque a realidade a impõe. Nos tempos de refluxo as lutas sociais diminuem, parece que os trabalhadores estão passivos e os capitalistas imaginam que conseguiram disciplinar para sempre os trabalhadores.
Nessa conjuntura, o discurso do fim da luta de classe, da passividade dos trabalhadores, chega a influenciar muita gente, afinal, quem não tem uma perspectiva histórica do mundo se atém apenas à superfície dos fenômenos, à aparência das coisas. Mas nos momentos de crise do capitalismo, esse discurso se torna inteiramente inadequado, entra em choque com a realidade, uma vez que a crise coloca a luta de classes naordem do dia com uma atualidade extraordinária, para desespero daqueles que imaginavam o seu fim.
Se observarmos a realidade atual, onde o sistema capitalismo enfrenta sua maior crise desde a Grande Depressão, poderemos facilmente constatar e emergência da luta de classes em praticamente todas as partes do mundo. É só observar as insurreições no Oriente Médio, na África, as lutas na América Latina, as greves e mobilizações na Europa. Além disso, a crise também tornou o marxismo mais atual do que nunca. Mesmo os capitalistas estão lendo O Capital para tentar entender o que está ocorrendo no mundo.
3) As vanguardas políticas não têm mais nenhum papel a desempenhar no mundo globalizado. O terceiro dos argumentos-chave dos teóricos pós-modernistas é o fato de os partidos revolucionários, especialmente os comunistas, não têm mais nenhum papel a desempenhar no mundo atual. A ação política agora deve ser comandada pelos movimentos sociais, pelos movimentos de gênero, minorias étnicas, de raças, sexuais, etc, que são vítimas de “opressões específicas”. Isso porque os partidos seriam organizações autoproclamatórias, autoritárias, portadoras de um fetiche autorealizável, que é a revolução socialista.Essas instituições, portadoras de um discurso utópico de emancipação humana, estão também definhando em todo o mundo porque não estariam entendendo a realidade do mundo globalizado.
Mais uma vez os teóricos pós-modernistas não conseguem compreender a totalidade da vida social. Por isso, vêem o mundo sem unidade, fragmentado e disperso. Não entendem que, por trás da “opressãoespecífica” que atinge os movimentos sociais e de gênero, etnia, raça, sexual, está o grande capital apropriando a mais-valia de todos, independentemente de raça, sexo ou orientação religiosa . Não compreendem que os movimentos, por sua própria natureza, têm limites institucionais e de representatividade.
Um sindicato, por mais combativo que seja, deve representar os interesses dos trabalhadores que representa. Da mesma forma que uma entidade estudantil, uma organização de moradores, de mulheres ou dehomosexuais tem como objetivo defender os interesses específicos de seus representados, atuam nos limites institucionais da ordem burguesa. Somente o partido político revolucionário, que se propõe a derrotar a ordem capitalista e que junta em suas fileiras todos esses segmentos sociais, possui condições para entender a totalidade da luta política e lançar propostas globais para a transformação da sociedade.
A prática das lutas sociais
Se observarmos as lutas sociais que foram realizadas nos últimos anos, poderemos constatar facilmente que grande parte delas foram derrotadas exatamente porque não existiam vanguardas com capacidade de conduzir e orientar essas lutas para a radicalidade da luta de classes e a emancipação do proletariado. Não se trata aqui de negar a importância das lutas específicas ou dos movimentos sociais. Pelo contrário, são fundamentais para qualquer processo de mudança, servem também como aprendizado da luta dos trabalhadores, mas deixadas por si mesmas, apenas com seu conteúdo espontaneísta, não tem condições de realizaras transformações da sociedade e terminam se esvaziando e sendo derrotadas pelo capital.
O teatro de operações é mais ou menos o seguinte: após um momento de euforia e mobilização os movimentos sociais são capazes de realizar proezas impressionantes, como desacreditar a velha ordem, desafiar as classes dominantes, mas num segundo momento a euforia se esgota em si mesma sem atingir os objetivos por falta de perspectivas. A América Latina é um importante posto de observação para constatarmos essahipótese, mas também em várias partes do mundo os exemplos são férteis para verificarmos a necessidades de vanguardas políticas.
A Bolívia, por exemplo, foi palco de várias insurreições populares contra governos neoliberais. As massas se sublevaram, foram às ruas aos milhões, derrubaram os governos conservadores, mas o máximo que conseguiram foi eleger um presidente progressista que é fustigado a todo momento pelo capital e não consegue realizar plenamente nem o próprio programa a que se propôs no período das eleições.
No Equador, ocorreram também várias insurreições populares. Em uma delas, os movimentos conquistaram o poder e o entregaram a um militar que depois os traiu e agora é um personagem conservador na política do País. Posteriormente, no bojo de outra insurreição, conseguiram eleger um presidente progressista, mas este não consegue implementar um programa transformador porque o capital não lhe dá trégua. Recentemente quase foi deposto por um setor militar sublevado.
Na Argentina, em função da crise econômica herdada do governo neoliberal de Menem, as massas também se sublevaram aos milhões em várias regiões do País. Em um período curto o País mudou três vezes de presidente. O resultado da sublevação popular foi a eleição de Nestor Kirchner e, posteriormente, de sua companheira, Cristina Kirchner. Nesses anos de poder, os Kirchner também não realizaram nenhuma mudança de fundo. O capitalismo seguiu seu curso como se nada tivesse acontecido.
Mais recentemente, duas grandes insurreições populares derrubaram os governos conservadores da Tunísia, do Egito e do Iêmen. Milhares de pessoas se sublevaram durante vários dias, centenas de pessoas morreram, os ditadores deixaram o poder, mas os movimentos sociais, sem vanguarda política, não conseguiram seus objetivos. Setores da burguesia local encabeçaram a formação de novos governos e os trabalhadores mais uma vez deixaram escapar de suas mãos a revolução.
No Brasil, um grande movimento social, o Movimento dos Sem Terra (MST) enfrentou com bravura os governos neoliberais, tendo como norte a bandeira da reforma agrária. Organizou um movimento original e de massas, com base social em todo o País, especialmente entre a população mais pobre da cidade e do campo. O MST ocupou fazendas dos latifundiários, realizou formação de grande parte dos seus quadros e até mesmo conseguiu construir uma universidade popular para formação permanente dos seus militantes.
No entanto, o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a emergência do agronegócio criaram uma nova conjuntura no campo brasileiro, onde as relações de produção passaram a se darpredominantemente entre capital e trabalho. Essa conjuntura, aliada ao programa de compensação social do governo Lula, o “Bolsas Família”, uma programa de transferência de renda para a população mais pobre, levou o MST a uma encruzilhada.
Ou seja, a realidade mudou radialmente no campo brasileiro, mas a razão de ser do MST era a reforma agrária. Por isso, o movimento, que se tornara um dos símbolos de luta contra o neoliberalismo e, por isso mesmo obteve simpatia mundial, agora está perdendo protagonismo. Os acampamentos do MST foram reduzidos para menos da metade e o movimento vive grandes dificuldades estratégicas. Afinal, se a maioria dos trabalhadores está nas cidades, se o capitalismo hegemonizou as relações de produção no campo e subordinou a pequena agricultura à lógica do capital, torna-se difícil a sobrevivência no longo prazo de um movimento que tem apenas a bandeira da reforma agrária como luta estratégica.
A condensação mais expressiva da teoria movimentista foi o Fórum Social Mundial (FSM). Por ocasião do primeiro FSM, em Porto Alegre, parecia que todos tinham encontrado a fórmula ideal, a varinha mágica,para as novas lutas sociais. Milhares de lutadores de todo o mundo convergiram para o Rio Grande do Sul para se fazer presentes no lançamento da nova grife da luta mundial autônoma. Foi um sucesso extraordinário e um contraponto ao Foro de Davos, onde os capitalistas tramavam novas estratégias para dominação do mundo.
O sucesso de público e de mídia do FSM parecia ter enterrado de vez a noção de vanguarda política. Agora seriam os movimentos sociais, os movimentos de gênero, etnia, das mulheres, os movimentos sociais que doravante comandariam as lutas no mundo. Adeus partidos políticos, adeus movimento sindical, adeus velhos atores sociais da segunda revolução industrial. Agora eram os movimentos difusos, sem centralidade política, inteiramente autônomos, livres de dogmas e ideologias ultrapassadas que iriam provar ao mundo a nova realidade da luta social e política.
Muita gente sinceramente acreditou que o FSM poderia ser a fórmula mágica, o contraponto contemporâneo ao capital, o substituto das velhas vanguardas políticas e seu discurso autoproclamatório. Mas a realidade aos poucos foi colocando no devido lugar o modismo movimentista. Com o tempo, o FSM foi perdendo fôlego, foi se esvaziando, até o ponto em que hoje ninguém mais acredita que possa ser alternativa a coisa nenhuma. Mas uma vez a vida provou que os movimentos por si só não têm condições de mudar a sociedade, é necessário a vanguarda política para conduzir os processos de transformação.
O significado do pós-modernismo e as lutas sociais
Em outras palavras, a ideologia pós-modernista é responsável por grande parte das derrotas dos movimentos sociais nestas duas décadas, não só porque esse modismo teórico influenciou parte da juventude e lideranças dos movimentos sociais, como também porque levou à frustração milhares de lutadores sociais. Isso porque as lutas fragmentadas geralmente se desenvolvem de maneira espontânea. No início tem uma trajetória de ascenso, empolga milhares de pessoas, mas logo depois o movimento vai enfraquecendo até ser absorvido pelo sistema.
Em outras palavras, o pós-modernismo é o fetiche ideológico típico dos tempos de neoliberalismo e representa a ideologia pequeno-burguesa da submissão sofisticada à ordem do capital. Mas essa ideologia carrega consigo uma contradição insolúvel: no momento em que o capital mais se globaliza, com a internacionalização da produção e das finanças, é justamente neste momento que os pós-modernos pregam a fragmentação da realidade, a setorização das lutas sociais, a especificidade dos combates de gênero, etnia, raça, sexo, etc. Só mesmo quem não quer mudar a ordem capitalista pensa desse jeito.
Na verdade, todos que seguem esse ritual teórico, de maneira direta ou indireta, estão abrindo mão de um projeto emancipatório e escondem sua impotência mediante um discurso cheio de abstrações sociológicas, mas muito conveniente para o capital. Por isso, combatem as lutas gerais, para fragmentá-las em lutas específicas, que não afrontam abertamente o sistema dominante.Trata-se do verejo da política fantasiado de moderno.
Esses setores cumpriram, nos últimos 20 anos e ainda cumprem até hoje, um papel muito especial na luta ideológica atual: eles são a mão esquerda do social-liberalismo capitalista. Influenciam as gerações mais jovens, desenvolvem um discurso com aparência de modernidade, influem na organização das lutas sociais. Com seu discurso eclético e fatalista, cheio de senso comum, desorientam setores importantes da sociedade no que se refere à ação política e, na prática, ajudam a organizar, mesmo que indiretamente, a submissão de vários setores sociais à ordem capitalista e aos valores do mercado.
Essas duas décadas de experiências fragmentadas nos levam à conclusão de que, mais do que nunca, as vanguardas revolucionárias têm um papel fundamental no processo de transformações sociais. São elas exatamente que podem conduzir e orientar os vários movimentos sociais com uma plataforma estratégica de emancipação da humanidade, o que significa derrotar o imperialismo e o capitalismo e transitar para a construção da sociedade socialista.

* Edmilson Costa é doutor em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado na mesma instituição. É autor, entre outros, de A globalização e o capitalismo contemporâneo e A política salarial no Brasil. Professor universitário, é membro da Comissão Política do Comitê Central do PCB.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Dilma Rousseff no Paraíso

  Mário Maestri   no CORREIO DA CIDADANIA


O mito Luiz Inácio Lula da Silva foi a primeira vítima do amplo apoio da população ao governo Dilma Rousseff, registrado pela última pesquisa CNI/IBOPE – 77% de consenso! No frigir dos ovos, a discípula superou o escore do mestre, na mesma altura do jogo, apesar da sua enorme inabilidade política, falta de carisma e imperícia na comunicação, qualidades que explicaram tradicionalmente o fenômeno político lulista.

Avaliação positiva ainda mais paradoxal devido às recentes decapitações ministeriais, registro da corrupção que infesta os subterrâneos do poder; à crescente desindustrialização da economia nacional; ao desenvolvimento pífio do país em 2011; à enorme desassistência popular; ao arrocho salarial dos trabalhadores públicos e privados.

No Brasil existe ampla população política, cultural e ideologicamente conservadora, que sustenta por princípio a autoridade e o governo, sobretudo em situação de normalidade. Desorganizada e alienada, apenas relaciona política e condições de existência. Pelas agruras e prazeres da vida, responsabiliza o destino e a si mesma, de olhos cravados nos céus! Essa poupança político-social é ciosamente alimentada pelas classes dominantes através da mídia, igrejas, sindicatos, partidos etc.

Com a acelerada expansão da economia mundial, em 2002-2008, a sociedade brasileira conheceu ciclo aparentemente virtuoso, que se manteve relativamente após o primeiro e segundo contra-golpes da crise geral capitalista, em 2008-9 e 2011. Nesses anos, as commodities valorizam-se e a inflação foi mantida mundialmente jugulada, impulsionando as economias dos países ditos emergentes.

O Brasil viveu modestamente esses bons ventos, devido, sobretudo, ao enorme peso do serviço da dívida pública, que praticamente deixou os investimentos a cargo do capital externo. A necessidade da atração de capitais valorizou patologicamente a moeda nacional, impulsionando a desindustrialização da produção nacional, ao escancarar as exportações.

A construção do sentimento popular de satisfação apoiou-se nos longos anos de baixa inflação, na retração relativa do desemprego e no crescimento raquítico da parte minúscula dos trabalhadores na renda nacional. Foi também importante neste movimento a patológica expansão artificial da capacidade popular de compra, com a liberalização do crédito consignado, generalização dos cartões de crédito, a extensão do prazo de crédito para bens móveis etc.

Foi enorme o consenso conquistado pelas fluviais políticas focalizadas, com suas minúsculas subvenções familiares em dinheiro, tidas pelos segmentos sociais fortemente pauperizados como magnanimidade governamental. Parcelas da população que suportam, no geral impassíveis, condições miseráveis de existência e rusticidade e ausência de serviços públicos básicos como esgoto, saúde, educação e segurança.

O apoio ao governo da presidenta se estende igualmente aos segmentos médios e médio-altos, bafejados pelo movimento expansionista, inebriados como novos ricos pelas delícias do turismo internacional, financiadas pelo real irresponsavelmente valorizado, que sangra sem cessar o balanço de pagamentos do país. Pagando menos por um café expresso na célebre galeria milanesa Vittorio Emanuele de que em um shopping suburbano das metrópoles nacionais, vivem como os hermanos argentinos nos dias gloriosos do governo Carlos Menem (1989-99), antes de serem embretados no corralito do realismo econômico.

Quanto ao grande capital nacional e mundial, sustentam firmemente o governo Rousseff, que entronizou ao igual que o anterior, já que avança plenamente suas necessidades, privatiza os bens públicos e nacionais, gere a burocracia político-sindical, já atrelada pelas tripas ao governo e ao Estado. Encanta-se igualmente com a presidenta sem laços mesmo simbólicos com as classes populares e a nação, livre para abandonar as veleidades do governo passado de política externa mais independente, submetendo-se plenamente, no essencial, ao imperialismo estadunidense.

Uma presidenta que, consciente do caráter cada vez menos protagonista do PT, queima no altar da aliança com os setores mais conservadores da sociedade os laços com as antigas bases sociais politizadas do petismo, ao liquidar as iniciativas de avanço dos direitos civis, tais como o direito à interrupção voluntária da gravidez, repressão à homofobia, direito de casamento civil sem restrições sexuais, repressão aos crimes da ditadura, caráter laico do Estado...

Nesse estranho e maravilhoso quadro político, expropriada no seu programa conservador, a direita tradicional vive amargurada no ostracismo, à espera de crise que abra seu caminho ao poder, para exercício do poder pelo capital, sem intermediações. Quanto à oposição de esquerda, também conquistada para as maravilhas da adesão parlamentar, administrativa e sindical ao Estado, segue no seu enorme e já histórico jejum de representação, de costas para com as necessidades políticas, ideológicas e organizacionais da sofrida população nacional.

Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.
E-mail: maestri(0)via-rs.net

Na terra de Médici, ato público homenageia vítimas da ditadura e denuncia ditador



Um grupo de estudantes, professores, artistas, jornalistas e de outras categorias de trabalhadores promove um ato público nesta quarta-feira (11), às 18 horas, em Bagé, para homenagear a memória dos desaparecidos, torturados e mortos pela ditadura militar. O grupo se reunirá na praça de esportes e dali seguirá até o Clube Comercial, na avenida 7 de setembro, onde será realizado o ato. A escolha do dia, hora e local não é casual. Nesta mesma quarta, às 19h, será lançado no Clube Comercial o livro “Médici, a verdadeira história”, de autoria dos coronéis reformados Claudio Heráclito Souto e Amadeu Deiro Gonzalez.
“Vamos romper o silêncio que paira sobre esta cidade e mostrar aos saudosistas da ditadura que a população de Bagé NÃO tem orgulho dos tempos do Médici, o governo mais nebuloso da história do Brasil! Nosso ato é pacífico, sensibilizador e formativo. Todos que quiserem somar nessa manifestação ou procurar esclarecimentos podem nos encontrar durante a manifestação” dizem os organizadores.
Contra a visão da história apresentada pelos militares aposentados, os manifestantes pretendem chamar a atenção para a memória dos presos políticos, dos desaparecidos e mortos pela ditadura do Médici. Além disso, querem “chamar a atenção da população bageense, que convive silenciosamente com esse câncer histórico, para a importância da abertura dos arquivos da ditadura e pelo julgamento dos torturadores”. “A abertura dos arquivos da ditadura corresponde a um direito que as pessoas têm de saberem do paradeiro de seus familiares, aqueles que se opuseram ao regime militar em defesa da justiça e da liberdade”, acrescentam.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Porquê o silêncio sobre a Islândia

20110408 Islandia.mobilizacao protestoIslândia - O Diário - [Theo Buss] Os acontecimentos que sucederam ao desencadear da crise na Islândia - demissão em bloco do governo; nacionalização da banca; referendo, de modo a que o povo se pronuncie sobre as decisões económicas fundamentais; prisão dos responsáveis pela crise e reescrita da Constituição pelos cidadãos – têm sido sistematicamente silenciados. Compreende-se porquê. Mas há a necessidade de divulgar esse exemplo.

Se há quem acredite que nos dias de hoje não existe censura, então que nos esclareça porque é ficámos a saber tanta coisa acerca do que se passa no Egipto e porque é que os jornais não têm dito absolutamente nada sobre o que se passa na Islândia.
Na Islândia:
- o povo obrigou à demissão em bloco do governo;
- os principais bancos foram nacionalizados e foi decidido não pagar as dívidas que eles tinham contraído junto dos bancos do Reino Unido e da Holanda, dívidas que tinham sido geradas pelas suas más políticas financeiras;
- foi constituída uma assembleia popular para reescrever a Constituição.
Tudo isto pacificamente.
Uma autêntica revolução contra o poder que conduziu a esta crise. E aí está a razão pela qual nada tem sido noticiado no decurso dos últimos dois anos. O que é que poderia acontecer se os cidadãos europeus lhe viessem a seguir o exemplo?
Sinteticamente, eis a sucessão histórica dos factos:
- 2008: o principal banco do país é nacionalizado. A moeda afunda-se, a Bolsa suspende a actividade. O país está em bancarrota.
- 2009: os protestos populares contra o Parlamento levam à convocação de eleições antecipadas, das quais resulta a demissão do primeiro-ministro e de todo o governo.
A desastrosa situação económica do país mantém-se.
É proposto ao Reino Unido e à Holanda, através de um processo legislativo, o reembolso da dívida por meio do pagamento de 3.500 milhões de euros, montante suportado mensalmente por todas as famílias islandesas durante os próximos 15 anos, a uma taxa de juro de 5%.
- 2010: o povo sai novamente à rua, exigindo que essa lei seja submetida a referendo.
Em Janeiro de 2010, o Presidente recusa ratificar a lei e anuncia uma consulta popular.
O referendo tem lugar em Março. O NÃO ao pagamento da dívida alcança 93% dos votos.
Entretanto, o governo dera início a uma investigação no sentido de enquadrar juridicamente as responsabilidades pela crise.
Tem início a detenção de numerosos banqueiros e quadros superiores.
A Interpol abre uma investigação e todos os banqueiros implicados abandonam o país.
Neste contexto de crise, é eleita uma nova assembleia encarregada de redigir a nova Constituição, que acolha a lições retiradas da crise e que substitua a actual, que é uma cópia da constituição dinamarquesa.
Com esse objectivo, o povo soberano é directamente chamado a pronunciar-se.
São eleitos 25 cidadãos sem filiação política, de entre os 522 que apresentaram candidatura. Para esse processo é necessário ser maior de idade e ser apoiado por 30 pessoas.
- A assembleia constituinte inicia os seus trabalhos em Fevereiro de 2011 a fim de apresentar, a partir das opiniões recolhidas nas assembleias que tiveram lugar em todo o país, um projecto de Magna Carta.
Esse projecto deverá passar pela aprovação do parlamento actual bem como do que vier a ser constituído após as próximas eleições legislativas.
Eis, portanto, em resumo a história da revolução islandesa:
- Demissão em bloco de um governo inteiro;
- Nacionalização da banca;
- Referendo, de modo a que o povo se pronuncie sobre as decisões económicas fundamentais;
- Prisão dos responsáveis pela crise e
- reescrita da Constituição pelos cidadãos:
Ouvimos falar disto nos grandes media europeus?
Ouvimos falar disto nos debates políticos radiofónicos?
Vimos alguma imagem destes factos na televisão?
Evidentemente que não!
O povo islandês deu uma lição à Europa inteira, enfrentando o sistema e dando um exemplo de democracia a todo o mundo.
Theo Buss
Rue du Doubs 117
2300 La Chaux-de-Fonds
Tél.             0041 (0)32 558 7903

Hermeto Pascoal, Sebastião Tapajós & Gílson Peranzzetta – Solos do Brasil (2000)

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Créditos: UmQueTenha

Nova formação para o trabalho imaterial


A passagem para o século XXI veio acompanhada de profundas e complexas transformações no modo de produção capitalista. Uma delas – talvez a principal – resulta da emergência da economia do conhecimento que passou a redefinir categorias básicas como o capital, valor e trabalho. Esta última categoria, aliás, termina por incorporar crescentemente o saber em novas bases, o que torna antiquado os atuais sistemas de educação e formação laboral.
Com a elevação das competências laborais e a possível ampliação da expectativa de vida para próximo de 100 anos, expande-se a demanda pela formação por toda a vida e rompe-se a lógica educacional do século passado comprometida somente com as fases mais precoces da vida humana (crianças, adolescentes e alguns jovens). Adiciona-se a isso o avanço da sociedade pós-industrial focado na geração de postos de trabalho no setor terciário das economias (trabalho imaterial), cuja natureza formativa diverge da inserção e trajetória laboral contínua no interior das atividades primárias e secundárias da produção (trabalho material).
Novas formas de organização da produção de bens e serviços extrapolam o exercício laboral para além do exclusivo local de trabalho. Ou seja, a realização crescente do trabalho imaterial em qualquer local proporcionado pelo uso recorrente das tecnologias de comunicação e informação inovadoras, capaz de manter o ser humano plugado no trabalho heterônomo por “24 horas ao dia”.
Não obstante o avanço tecnológico gerador de ganhos importantes de produtividade material e imaterial na sociedade pós-industrial, aumenta a pressão por maior tempo de uso do trabalho para a sobrevivência. Trata-se do paradoxo contemporâneo concentrado na dissintonia entre a possibilidade da menor dimensão do tempo de trabalho heterônomo e o avanço das novas doenças do trabalho geradas pela intensificação do trabalho nos tradicionais locais de emprego da mão de obra e extensão das jornadas laborais em outras localidades (em casa ou em espaços públicos) impostas pela combinação patronal das mudanças organizacionais com inovações tecnológicas comunicacionais.
Com a transição para a sociedade pós-industrial abrem-se novas perspectivas de valorização do trabalho humano para além da obrigação estrita à sobrevivência. A crescente postergação do ingresso dos jovens no mercado de trabalho e a maior redução no tempo do trabalho dos adultos, em combinação com a ênfase no ciclo educacional ao longo da vida, representam possibilidades inéditas para o mundo do trabalho, especialmente com a expectativa de vida mais longa.
Para além da tradicional divisão laboral que demarcou o século XX, por meio da setorização do trabalho urbano-industrial e agropecuário, há avanços significativos nas atividades humanas centradas na concepção e execução do processo de produção. Mas isso não se manifesta sem a plena subsunção do trabalho não material, com a evolução da intelectualização nos procedimentos de trabalho nos setores industriais e de serviços, bem como pelo consumismo imposto pelo padrão de produção insustentável ambientalmente.
De certa forma, prevalece um conjunto de intensas disputas empresariais associadas à apropriação do conhecimento e da tecnologia, o que contribui para a constituição de um novo paradigma organizacional do trabalho, muito distinto do que prevaleceu durante o auge da economia industrial no século passado. Mesmo que o padrão fordista-taylorista de organização do trabalho urbano-industrial venha sendo reprogramado, com as modificações introduzidas por uma série de novidades processuais no âmbito da produção flexível (toytismo, just in time), permanecem ainda os sinais de sua incapacidade plena no atendimento das determinações laborais impostas por diferenciados e inovadores espaços da acumulação capitalista.
A predominância das atividades de serviços no interior da estrutura produtiva faz do exercício do trabalho imaterial objeto distinto do material vigente na produção urbano-industrial. Pelo lado da produtividade, registra-se a sua ascensão, embora de difícil mensuração pelos tradicionais cálculos que relacionam avanços na produção física com hora efetivamente trabalhada ou quantidade de trabalhadores. Por ser cada vez mais direto, relacional, e informacional, bem como pela demarcação de relações de tipo produtor e consumidor, o trabalho de natureza imaterial expande-se pelo autosserviço e terceirização.
Nesta perspectiva, a economia do conhecimento faz com que o trabalho desmaterializado deixe de ser mensurável em unidades de tempo, conforme identificado desde a época de Adam Smith como um valor comum a todas as mercadorias. Cada vez mais, o trabalho imaterial gerador de valor pressupõe a presença de componentes comportamentais. Não mais o tempo de trabalho comprometido, mas a motivação incorporadora do saber vivo a ser estabelecido por método distinto do ensino e formação laboral tradicionais.
Em síntese, o saber que não se compõe de conhecimentos específicos e fragmentados a serem ensinados por formação especializada e formalizada por escolas técnicas, faculdades e cursos setoriais. Com a informatização, o aprendizado setorializado e formalizado impede o desenvolvimento do conhecimento totalizante, ou seja, o saber da experiência, da coordenação, da comunicação, da auto-organização, do discernimento e das iniciativas criativas. Esse saber a ser incorporado no trabalho imaterial não torna possível a sua aprendizagem pelo modo tradicional de educar e formar mão de obra.
Talvez por isso, as grandes corporações empresariais aprofundem as chamadas universidades corporativas (UC) com formação dos seus empregados ao longo do tempo. Nos EUA, por exemplo, as UCs ultrapassaram em quantidade as universidades tradicionais, enquanto no Brasil, as 400 maiores empresas já comprometem com formação para o trabalho o equivalente a um quarto de todos os recursos comprometidos na educação.
A repetição de políticas públicas adotadas no passado compromete a formação adequada para o trabalho imaterial, tornando o patronato da grande empresa protagonista na difusão de uma educação favorável estritamente aos objetivos privatistas. É necessário outro sistema de formação pública, que resgate a totalidade dos valores do trabalho dos antiquados métodos fragmentados e especializados no ensino e aprendizagem formalmente setorializados.

Este texto é parte integrante da edição 108 de Fórum

Na visita de Dilma, manifestantes relembram mártires da Amazônia



Por Felipe Milanez, em Washington no CARTA CAPITAL

A Embaixada do Brasil em Washington, um edifício modernista que contrasta com o classicismo dos imóveis da bela Embassy Row, o setor de embaixadas da capital americana, foi palco nesta segunda-feira 9 de uma marcha que reuniu cerca de cem pessoas, entre estudantes, ativistas e brasileiros que moram na região, que se manifestaram durante a visita da presidenta Dilma Rousseff à cidade.
Irmã de Dorothy Stang carrega cartaz em homenagem aos mártires da floresta. Foto: Felipe Milanez

O protesto, segundo os organizadores, tinha quatro motivos: a violência no campo, principalmente na Amazônia; a impunidade dos mandantes e executores desses crimes; as mudanças no Código Florestal brasileiro; a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia.
Em meio a bandeiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, cartazes estampavam imagens do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados em 24 de maio de 2011. Estavam ao lado de fotos de Dorothy Stang, Chico Mendes e uma cena do enterro de 19 trabalhadores rurais sem terra mortos no massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996.
“A Amazônia e seus povos querem viver. Chega da violência!”. Esta era a frase estampada em uma das faixas.
O tema faz referência a uma situação dramática na Amazônia: o assassinato de lideranças políticas na região. Fotos de Laisa Santos Sampaio e de Nilcilene Miguel de Lima vieram acompanhadas da seguinte frase, pronunciada recentemente pelas ativistas: “Eu quero viver”.
A mesma frase dita por Chico Mendes pouco antes de morrer. Nilcilene está sob proteção da Força Nacional (cujo prazo encerra-se em breve). Laisa, também ameaçada de morte, segue sem qualquer tipo de proteção oficial.
Placas e bandeiras na frente da embaixada do Brasil em Washington. Foto: Felipe Milanez

Marguerite Hohm, irmã da missionária Dorothy Stang, assassinada no Pará em 2005, prestou solidariedade aos ativistas ameaçados de morte na região. “Basta de violência na Amazônia”, disse ela.
Após cumprirem parte da pena, alguns dos envolvidos na morte de Dorothy, como Bida, um dos mandantes, e Fogoió, um dos executores, já estão em liberdade.
Os lemas da mobilização incluíam palavras de ordem socioambiental, contrárias à barragem de Belo Monte (“Stop Belo Monte”), ao Código Florestal em votação na Câmara (“Veta, Dilma!”), assim como “Sem medo de dizer não à bancada ruralista”, e em defesa das populações tradicionais da floresta: “índios, extrativistas e camponeses: doutores da ecologia”.
Miguel Carter, professor na American University, afirmou que o momento atual precisa de uma reflexão. “Não se sabe até quanto tempo poderemos levar essa vida no planeta da forma como levamos hoje. E é preciso ouvir os índios, os povos da Amazônia, os camponeses, pessoas que sabem muito mais de ecologia do que os políticos que estão negociando  os acordos internacionais.”
Segundo ele, os povos tradicionais “são verdadeiros doutores da ecologia. Precisamos ter humildade para reconhecer a sabedoria deles, pois temos muito a aprender”.
Protesto contra as obras do governo. Foto: Felipe Milanez

Zé Cláudio e Maria, homenageados em maio pela ONU como “Heróis da Floresta”, foram destacados por Carter como “heróis pelo movimento de direitos humanos e meio ambiente”.
“Esta é uma marcha de solidariedade com os movimentos sociais brasileiros, defensores de direitos humanos, ativistas ambientais, povos indígenas, movimentos camponeses. E também de protesto contra a política ambiental do governo”, disse Andrew Miller, da organização AmazonWatch, no alto falante.
“Dilma Rousseff está mostrando o Brasil como um país progressista com relação ao meio ambiente, visando a Rio + 20. Mas a situação em campo mostra uma outra realidade, com a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, como Belo Monte; o Código Florestal, caso Dilma venha a ratificar a lei; e, principalmente, com a grave situação de violência na região”, afirmou Miller.
O discurso aconteceu com faixas ao fundo questionando: “Rio-20: cadê os direitos humanos no ‘capitalismo verde’?”.
As organizações presentes lembraram que “o desmatamento triplicou no primeiro trimestre desse ano”. “Junto da floresta, as pessoas da Amazônia estão sendo mortas”, havia dito Laisa em seu discurso na ONU, ao receber o prêmio em homenagem a sua irmã e seu cunhado.

A violência é um dos fatores mais assustadores na Amazônia. A morte do casal de ambientalistas no Pará, menos de um ano atrás, foi seguida pela morte de Adelino Ramos, o Dinho, em Rondônia, na mesma semana. Nessa mesma região onde Dinho denunciava a extração ilegal de madeiras, no dia 30 de março, menos de duas semanas antes da marcha em Washington, Dinhana Nink foi morta por igual razão: denunciar madeireiros ilegais. Nilcilene Lima, líder extrativista, teme ter o mesmo destino.
Manifestantes relembram Dorothy Stang, Chico Mendes, casal extrativista e vítimas de Eldorado do Carajás. Foto: Felipe Milanez

“Nossa solidariedade, para que essas pessoas que estão longe saibam que estamos junto deles. O governo brasileiro não pode ficar omisso”, diz Carter.
A marcha aconteceu em um lindo dia de primavera na capital americana, com o caminho colorido por flores, especialmente pelas famosas cerejeiras que florescem nessa época do ano.
Os cartazes, desenhados pelo artista plástico Cesar Maxit, compunham uma paisagem poética e, ao mesmo tempo, perturbadora. Menos de um ano depois de serem assassinados, Zé Cláudio e Maria tiveram seus rostos dispostos ao lado de figuras emblemáticas da destruição da Amazônia, como Chico Mendes e Dorothy Stang.
Tornaram-se justamente o que, em vida, temiam: mártires da Amazônia. “A mesma coisa que fizeram com Chico Mendes, a mesma coisa que fizeram com a irmã Dorothy, querem fazer comigo”, havia declarado Zé Cláudio, no evento TEDXAmazonia, alguns meses antes de sua morte.
Os cartazes com os clamores de vida de Laisa e Nilcilene, “Eu quero viver”, podem representar as centenas de pessoas que estão ameaçadas de morte, em listas discutidas por movimentos sociais com o governo.
A incapacidade do governo de dar a estas pessoas condições de sobrevivência, em um ambiente dominado por medo e terror, faz temer pelo pior.