Otaviano Helene no CORREIO DA CIDADANIA |
Há pelo menos duas razões pelas quais devemos conhecer os gastos com
educação pública. Uma delas é devida às exigências legais, uma vez que a
Constituição da República, as constituições estaduais, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação e leis orgânicas municipais estabelecem
valores mínimos para aqueles gastos. Outra razão é para que possamos
saber se o quanto investimos é suficiente para garantir a educação que
precisamos. E quanto o Brasil gasta, efetivamente, em educação pública? Embora a pergunta possa parecer impertinente, uma vez que há vários órgãos públicos que cuidam do assunto, ela é totalmente cabível e, infelizmente, tão necessária hoje como foi no passado. Segundo dados sistematizados e divulgados pelo Inep, os investimentos públicos totais em educação no Brasil, em 2010, foram da ordem de 5,8% do PIB (1). Esse percentual seria totalmente insuficiente para garantir uma educação minimamente aceitável, ainda que não tivéssemos enormes atrasos, na forma de altíssima evasão escolar, falta crônica de professores em várias áreas (Física e Química, especialmente), pequeníssimo atendimento na educação infantil, enormes contingentes de analfabetos ou, ainda, enormes contingentes de jovens que não concluíram os ensinos fundamental ou médio. Mas, além disso, será que investimos, realmente, 5,8% do PIB em educação pública? Não. A regulamentação do que pode ser considerado gasto com educação é bastante fluida, permitindo incluir, como sendo educacionais, várias despesas que nada têm a ver com educação. Além disso, como aquela regulamentação só tem efetividade quanto aos gastos mínimos constitucionais e legais, a inclusão de outras despesas como sendo educacionais, quando o objetivo é estimar o esforço nacional com educação, ocorre de forma ainda mais arbitrária do que permite a já tolerante legislação. Segundo nota de rodapé na tabela que apresenta aquele valor de 5,8% do PIB, vemos que ele inclui “estimativa para complemento da aposentadoria futura do pessoal ativo”, uma despesa que não corresponde à educação em nenhum sentido e sequer foi realizada, pois se trata de uma complementação futura. Embora não haja o detalhamento de quanto significa esse “complemento futuro”, estima-se que ele possa corresponder a cerca de 20% dos gastos com pessoal (2) e, portanto, a um valor próximo a 1% do PIB, fazendo com que aquele valor esteja abaixo dos 5% do PIB. Além disso, segundo a mesma nota de rodapé citada, estão “computados nos cálculos os recursos para bolsa de estudo, financiamento estudantil e a modalidade de aplicação: transferências correntes e de capital ao setor privado”. Ora, se as bolsas de estudo correspondem a programas de iniciação científica, mestrado, doutorado ou pós-doutorado, elas já são computadas entre os investimentos em Ciência e Tecnologia. Ao computá-las também como investimentos em educação, está se fazendo uma espécie de dupla contabilidade e inflando artificialmente os investimentos educacionais com investimentos feitos por órgãos voltados ao fomento do desenvolvimento científico e tecnológico. Caso as bolsas sejam uma referência ao Prouni ou a programas equivalentes mantidos por governos estaduais, então não correspondem a investimentos em educação pública. Quanto ao financiamento estudantil, caso se refira ao FIES (programa do MEC usado para financiar o ensino de graduação em instituições privadas), e às transferências ao setor privado citados na mesma nota, eles só estão incluídos naqueles 5,8% do PIB por um jogo de palavras que mistura “investimento público com educação”, título da tabela citada, com investimentos na “manutenção e desenvolvimento do ensino público”, como define a LDB. Esse jogo de palavras é muito grave, em especial neste momento em que o Congresso Nacional discute a proposta, apresentada pelo executivo federal, de um Plano Nacional de Educação (PNE), cuja redação inicial previa um crescimento do “investimento público em educação (e não investimento em educação pública) até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto do país”. Assim, além de nos preocuparmos com o valor totalmente insuficiente, precisamos atentar para o uso da expressão investimento público em educação em lugar de investimento em educação pública, o que pode significar apenas mais subsídios para as instituições privadas. Precisamos fazer as contas direito A falta de transparência quanto aos gastos com educação pública e a maquiagem desses gastos são coisas constantes na história do país. Vejamos alguns outros poucos exemplos. Em períodos mais distantes, chegamos a ter dupla contabilidade: um mesmo recurso destinado à educação era contabilizado tanto pela esfera de governo que o repassou como por aquela que fez a despesa. Entre 2000 e 2003, despesas com o programa Bolsa Escola foram incluídas como sendo educacionais; embora, inegavelmente, essas despesas contribuem para as condições de vida das pessoas e, portanto, para a frequência à escola, elas não são despesas educacionais em nenhum sentido. Nos períodos de alta inflação, o pagamento do décimo terceiro salário inflava muito as despesas com educação, pois, embora seu valor real fosse igual ao de uma folha de pagamento do início do ano, como a contabilidade nacional é feita em moeda corrente, ele podia ser, nominalmente, muito grande. Despesas feitas no sistema educacional com recursos emprestados eram (ainda são?) frequentemente computados por secretarias de educação, de forma dupla: quando o valor emprestado era investido e quando o empréstimo era pago. Além dos exemplos acima de como as contas de educação podem ser maquiadas, há muitos outros: debitar de forma totalmente arbitrária nas contas de uma secretaria de educação despesas que nada têm a ver com ela como, por exemplo, o asfaltamento de uma rua onde há uma escola; fazer repasses arbitrários de recursos para organizações não governamentais; assinar revistas e outros periódicos sem nenhuma motivação realmente educacional para tal; ou incluir como despesas educacionais os salários de professores cedidos a órgãos não educacionais. Enfim, a lista seria muito longa. Portanto, são necessárias algumas providências para que possamos saber, com suficiente precisão, quanto efetivamente investimos em educação pública. Uma delas é definir de forma mais completa e detalhada o que é e o que não é gasto com educação pública, de preferência adotando critérios rigorosos, como, por exemplo, os recomendados pela Unesco. Outra providência é definir a forma de ratear os investimentos feitos em diferentes áreas quando uma mesma instituição executa outra atividade além da educacional, como ocorre, por exemplo, nas universidades públicas, que desenvolvem pesquisas científica e tecnológica e mantêm hospitais. Outra, ainda, é criarmos apenas um critério e uma contabilidade, diferentemente do que se fez até hoje, de tal forma que possamos acompanhar a evolução ao longo do tempo dos investimentos em educação pública. Além de lutarmos pelos 10% do PIB para a educação pública, precisamos ficar muito atentos para a definição do que pode ou não ser considerado gasto educacional e para denunciarmos, sempre que aparecer, a confusão entre gasto público com educação e gasto com educação pública, confusão essa feita até mesmo na atual proposta de PNE em debate no Congresso Nacional. Notas: 1) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Percentual do Investimento Total em Relação ao PIB por Nível de Ensino, http://portal.inep.gov.br/indicadores-financeiros-educacionais, consultada em abril/2012. 2) Veja matéria divulgada pelo Laboratório de Informática, ICHF, Universidade Federal Fluminense, http://www.uff.br/ichf/labinfo/index.php?url=noticias, consultada em abril/2012 |
A
população Bérbere (subdivididos em grupos como Amazighs, Tamasheqs ou
Tuaregues, dentre outros) luta há décadas contra os governos da Argélia,
Mali, Burkina Fasso e Níger pela independência do povo que pode ser
considerado o paralelo africano aos Curdos, que há décadas lutam,
enquanto maior nação sem pátria do mundo, por um Estado, o Curdistão.
Pela África
Os Bérberes habitam a região do norte da África há séculos e
constantemente foram subjugados pelos dominadores árabes, por impérios
regionais, como o Songhai, e posteriormente pelos europeus, sem jamais
terem o direito a um Estado – ou mesmo a vários Estados, dado que os
diferentes grupos berberes não reivindicam uma unidade entre todas as
tribos. A ideia de um "Berberistão"é ainda mais embrionária que a de um
Curdistão unido.
Espalhados pelo território de diversos países, os berberes tem
notável força local na Argélia, onde lutam há décadas pelo Estado de
Cabília, na costa do país, e no Mali, onde acabaram de fundar o Estado
de Azawad que, não se sabe, pode ser apenas efêmero.
Na Líbia, os berberes encontravam relativa autonomia e engrossavam as
fileiras do exército de Muammar Khadafi e daí vem parte do "problema"
enfrentado hoje pelo governo do Mali, ou melhor, por líderes que buscam
assegurar o governo do país.
Tomando o poder
Um grupo de rebeldes Tuaregues (ou Tamasheqs, como preferem ser
chamados localmente) tomou de assalto as três grandes cidades de Kidal,
Gao e Timbuktu – capitais regionais – do norte do Mali em meio à
completa fragilidade do governo central, comandando provisoriamente por
uma junta militar que havia dias antes (em 21 de março) deposto o
presidente do país, Amadou Toumani Touré.
Munidos de armamento vindo do exército líbio, os cerca de 3 mil
rebeldes do MNLA (Movimento Nacional de Libertação do Azawad)
conseguiram facilmente dominar as tropas oficiais que, em sua maioria,
fugiram ao primeiro sinal de problema. Uma parte considerável dos
Tuaregues do norte do Mali e da Líbia servia no exército de Muammar
Khadafi, deposto e morto por rebeldes apoiados pelos EUA e França há
alguns meses dentro da onda que ficou conhecida como Primavera Árabe.
Após a derrota de Khadafi, retornaram com força total ao Mali.
Em poucos dias toda resistência oficial foi superada e o MNLA
reivindica total controle da região , chegando a declarar finalmente sua
independência. Em algumas cidades divide o poder com grupos rebeldes de
caráter islâmico, como o Ansar Dine e aparentemente terão mais
problemas em combater estes grupos do que o exército central
propriamente dito, ao menos por ora.
MNLA: Laicos e progressistas
Os Tuaregues do Mali são laicos e relativamente progressistas e nem
de longe "rebeldes islâmicos", como a mídia ocidental costuma pintar
todo grupo rebelde em desacordo com os interesses dos EUA e Europa pelo
mundo. Se por um lado contaram com o incômodo apoio do Ansar Dine e
mesmo de operativos da Al Qaeda do Maghreb, por outro tem historicamente
agido contra tais grupos ou ao menos coexistido de forma tensa, mas sem
aderir a seus ideais.
O MNLA em si é recente, sua fundação data apenas de outubro de 2011 e
nasce da união de diversos grupos antes opositores ou ao menos
antagonistas localmente que viram na sua união uma forma de ampliar seu
poder de fogo e presença regional. O sucesso, como se vê, foi amplo.
É difícil imaginar, porém, que o grupo alcançasse tal sucesso sem que
o Mali tivesse entrado em convulsão após o recente golpe de Estado, mas
sua força não é desprezível, muito menos seu poder de negociação atual.
Esta é a quarta grande rebelião no país, tendo a primeira durado de
1962 até 1964 e a situação se mantido em tensão até 1990, durante a
segunda rebelião (que foi até 1995), e 2007-09 durante a terceira
rebelião. Conflitos com o governo central do Mali não são, então,
incomuns, mas esta é a primeira vez em que os Tuaregues saem vitoriosos.
Crise regional
O bloco regional do oeste da África (Ecowas) já interviu no conflito
afirmando, com um tom bastante elevado, que poderia até mesmo enfiar
forças regionais para combater as forças rebeldes. O temor da
organização é que Bérberes de outros países resolvam seguir seus irmãos e
se rebelar, ou mesmo que conflitos estagnados, como a questão de
Cabília na Argélia ou mesmo o conflito do Saara Ocidental possam
novamente estourar.
O Marrocos, a Mauritânia, a Argélia, Burkina Fasso e o Níger tem
muito o que temer, assim como países mais distantes que alimentam
conflitos separatistas regionais, pois seus grupos guerrilheiros podem
resolver seguir a onda de protestos e revoluções que se espalha por toda
a região. A Líbia encontra-se em processo de esfacelamento em meio à
total anarquia depois da intervenção desastrosa dos EUA e aliados, ao
passo que há imensa instabilidade no Egito pós-Revolução e o Sudão do
Sul ainda é uma cicatriz aberta no continente.
Não seria de surpreender que os conflitos em Casamance (Senegal) ou
mesmo os diversos conflitos regionais na Nigéria pudessem crescer em
intensidade, o que abalaria a segurança regional, criando uma onda de
refugiados, de crimes contra a humanidade e miséria.
A África é uma verdadeira colcha de retalhos étnicos espalhados por
fronteiras traçadas sem a mais remota preocupação com a necessidade de
seus habitantes. Fronteiras artificiais traçadas pelos Europeus para
garantir seu controle sobre as terras e que acabaram por se tornar a
base dos Estados atuais, colocando muitas vezes povos historicamente
inimigos juntos, separando famílias e tribos e causando injustiças
históricas.
Projeções
Não se sabe por quanto tempo durará a confusão criada pelo golpe
contra o governo malinês de Amadou Toumani Touréi, mas a certeza é que a
crise da independência de Azawad acelerou o processo de entendimento
interno e arrefeceu os ânimos dos golpistas e que, enfim, os Tuaregues
terão um grande poder de negociação assim que a situação se acalmar.
Por um lado é possível que o exército do Mali, uma vez o governo
reconstituído, seja enviado para realizar o trabalho sujo de forma mais
ou menos silenciosa (contando com o silêncio midiático), o que pode ter
consequências desastrosas a longo prazo, por outro, caso negociações
sejam abertas, os rebeldes terão pouca força para manter sua
independência – dificilmente ganhariam reconhecimento por parte de outro
Estado na região, temerosos de destino semelhante, e seu poder de fogo é
limitado, mesmo com o "reforço" vindo da Líbia esfacelada – mas podem
garantir uma ampla autonomia regional com termos ditados por eles.
Há ainda um outro fator que pode complicar a questão, que é o das
minorias Songhai e Fulanis (dentre outras) na região agora fronteiriça
entre Mali e Azawad.
Tais populações não tem qualquer ligação com o governo bérbere
recém-formado e podem se inclinar a apoiar o governo malinês assim que
este tiver forças para requerer a ajuda destes grupos, especialmente na
região de Mopti, que foi dividida ao meio pelos rebeldes e onde se
encontra parte considerável de membros dessas etnias.
Boa parte da região desértica no extremo-norte de Azawad é de maioria
Árabe, ainda que a população dessa região seja pequena, é um outro
fator complicador. A região reivindicada pelo MNLA é muito maior do que a
áreao em que efetivamente os tuaregues são maioria ou possuem minorias
consideráveis, especialmente na região dividida de Mopti e nas cercanias
de Timbuktu.
Sabendo negociar, os Tuaregues podem conseguir um acordo que os
colocará sob o controle de boa parte de suas riquezas naturais e lhes
garantirá um autogoverno com relativa independência de Bamako (capital
malinesa), ainda que dentro de um mesmo Estado, mas será preciso
balancear alianças e descontentamentos.