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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
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A realização da Eurocopa 2008, a partir do próximo sábado (7), em dois países tradicionalmente receptores de mulheres vítimas do tráfico, Suíça e Áustria, levou organizações européias de direitos das mulheres a desenvolver uma campanha de prevenção desse crime. O temor delas é que a grande presença masculina incentive o tráfico de mulheres com fins de prostituição.
A campanha começou em março e busca sensibilizar os homens que irão visitar a Suíça e a Áustria, durante os jogos, e as populações locais para a gravidade do problema. Além disso, a campanha também denuncia a falta de medidas de proteção às vítimas. Ao invés de serem tratadas como vítimas, as mulheres são vistas pela polícia de imigração como criminosas.
Assim, a campanha pede que elas não corram risco de deportação, quando denunciarem crime de que são vítimas; recebam acomodação segura e acompanhamento profissional; e que as autoridades policiais, judiciais e migratórias sejam instruídas, para que colaborem com as organizações que trabalham com o problema.
Por ano, cerca de 2,5 milhões de pessoas são vítimas de tráfico humanos. Cerca de 80% delas, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), são mulheres e crianças. Só na Suíça, chegam entre 1.500 e 3 mil mulheres, anualmente, para trabalhar em bordéis, cabarés, como escravas domésticas ou no "mercado do matrimônio".
Todos os países do mundo estão envolvidos - seja como país de origem, de trânsito, ou de destino -, por isso, é necessário que eles promovam ações conjuntas de combate ao tráfico de pessoas, que é uma atividade tão lucrativa quanto o tráfico de armas e o de drogas. Os lucros anuais são em torno de 3,5 bilhões de dólares.
Como parte da campanha, se está ainda colhendo assinaturas para serem entregues às autoridades suíças, a fim de que façam algo para proteger as vítimas e atuem, no marco de ações legais, para permitir que essas mulheres possam continuar no país. Até hoje, a Suíça não ratificou o Convênio contra o Tráfico de Seres Humanos do Conselho de Europa, que promove a defesa dos direitos humanos dessas pessoas.
Dez anos após a aprovação da Lei Pelé, Executivo e Congresso finalmente estudam medidas para coibir a evasão clandestina de jogadores. Mas, influenciadas pela lógica de mercado e pelo desejo de satisfazer os clubes, as propostas em debate podem agravar o problema, ao invés de saná-lo
Em março último, sob pressão de denúncias na imprensa, o Congresso Nacional voltou a debater medidas para limitar a transferência ao exterior (muitas vezes sob forma de tráfico) de atletas de futebol. O fenômeno cresce a cada dia, desde a aprovação da Lei 8615/98, a chamada “Lei Pelé”. Acompanhado de dirigentes de clubes, o ministro do Esporte, Orlando Silva, compareceu à Câmara dos Deputados e pediu que sejam acelerados os trâmites para efetivar as mudanças. A intenção é bem-vinda mas o caráter das propostas, não. Governo e Congresso querem, essencialmente, antecipar a idade a partir da qual os jovens jogadores podem vincular-se – assumindo contratos de trabalho de caráter mercantil – com os clubes brasileiros. Neste afã, atenta-se contra o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Seria perfeitamente possível enfrentar o problema de outra maneira — como fazem, aliás, outros países. Para tanto, o Estado precisaria, ao invés de reforçar relações de clientelismo com os clubes e seus “cartolas”, assumir seu papel de criador de mecanismos de proteção social.
Assunto de numerosas matérias jornalísticas, o êxodo intensificou-se desde que a “Lei Pelé” “libertou” os atletas dos vínculos que os atavam às equipes (em especial o chamado “passe”, que precisava ser “comprado” junto ao clube de origem, quando o jogador se transferia para outra) nas transferências interclu). “Livres” para buscar contratos vantajosos, milhares de jovens jogadores são seduzidos pela miragem dos contratos milionários no exterior. Mas a fortuna dos que têm visibilidade na mídia é exceção, como demonstrou a Comissão Parlamentar de Inquérido (CPI) da CBF-Nike, instalada a em 2000. Um dos pontos marcantes da CPI foram os resultados de investigações sobre comércio de atletas brasileiros no futebol mundial. Uma rede de falsificação de passaportes e identidades com idade adulterada acabou emergindo. A Comissão fez recomendações à CBF, à Fifa, às autoridades brasileiras e apresentou proposta sugerindo mudanças na legislação, para prevenir tantos abusos. Os passaportes falsos repercutiram internacionalmente, aumentando o controle em vários países, como a Itália.
A denúncia reforçava os sinais de algo que continua a incomodar a humanidade: o tráfico de seres humanos. Na indústria dos lazeres, nascida e consolidada durante o século vinte, o futebol ganhou uma posição de destaque, mesmo que para isto leis internacionais sejam desrespeitadas. Segundo a Organização Internacional para Migrações (OIM), o tráfico de jogadores menores de idade é um fenômeno que precisa ser controlado. Por isso, um guia sobre formas de prevenir o tráfico de jogadores, com conselhos práticos para jovens, vem sendo distribuído aos clubes na França, para facilitar a integração dos jogadores e informá-los sobre seus direitos.
No Brasil, prossegue o drama. Oito anos depois da CPI, a Folha de S.Paulo fez uma série de reportagens denunciando a exploração de crianças por supostos agentes e clubes em Minas Gerais. Em dezembro de 2007, o jornal publicou matéria sobre a ação do Ministério Público do Trabalho do Estado, que investigou a situação de jovens aspirantes a atletas de futebol em clubes mineiros. Mais tarde, em março deste ano, a polícia civil fechou um alojamento, em Belo Horizonte, com um grupo de 22 jogadores amadores (sendo uma criança, 19 adolescentes e dois jovens de 18 anos). As famílias dos garotos pagavam até R$ 1.500 para que os filhos tivessem a oportunidade de realizar testes em clubes, o que não aconteceu para a maioria. Um agente, sem credenciamento junto à Fifa (Federação Internacional de Futebol Association) ou CBF, foi preso por aliciamente de menores e estelionato. O Conselho Tutelar da Pampulha também participou da ação.
Pressionados, Congresso e governo procuraram mostrar sinais de ação. Mas, a pretexto de coibir a migração descontrolada de jovens e adolescentes, propõem medidas que mercantilizam ainda mais o futebol, favorecem os clubes e não exigem destes nenhuma contrapartida social. Estão em debate alterações na Lei Pelé tais como a diminuição da idade para vincular e federar atletas. Criam-se vínculos empregatícios para crianças a partir de oito anos de idade, embora o ECA considere crianças (portanto, protegidas do trabalho) aqueles que têm até 12 anos incompletos. Segundo este critério, pela primeira vez a Federeção Paulista de Futebol e alguns clubes de São Paulo criaram novos mecanismos para lucrar com as crianças. São os campeonatos paulistas sub-11 e sub-13 anos, instituídos em janeiro.
A tentação para transformar esporte em lucro é imensa. O impulso econômico proporcionado pela prática de modalidades esportivas, somado às atividades de produção, comércio e serviços ligados direta ou indiretamente ao esporte movimentou R$ 37,1 bilhões em 2005, valor correspondente a 1,95% do PIB brasileiro.
Em nome desta receita, esquece-se a uma dimensão cultural do esporte, que torna particularmente o futebol um fenômeno social. Esta dimensão está no futebol praticado nas ruas e nos campos pelados de terra batida, revelando todo o seu potencial educativo e criador de comportamentos sociais, e que, em certa medida resiste ao entretenimento do espetáculo esportivo.
A armadilha está em enxergar só o negócio, que nega o ócio. Violenta-se, assim, a própria origem do esporte. O futebol foi organizado na Inglaterra vitoriana e incorporado nas public schools por sugestão de Thomas Arnold [1], pedagogo inglês no século XIX. Foi este sentido, educacional e comunitário, que levou o esporte “bretão” a espalhar-se pelo mundo.
Também se esquecem exemplos bem-sucedidos, inclusive do ponto de vista financeiro, porque guiados por projetos menos imediatistas. É o caso da Inglaterra, cujos clubes de futebol estão entre os mais ricos do mundo [2]. Lá, os clubes são sociedades anônimas de capital aberto. Mas a legislação britânica é rigorosa no controle e na definição de responsabilidades sociais para as entidades — neste caso empresas esportivas.
Desde o final dos anos 1980, em resposta à violência promovida no futebol pelo chamado “hooliganismo”, a legislação obriga os clubes a manter trabalho junto às comunidades, principalmente para as crianças e jovens. Graças a isso, criaram-se, por exemplo, centros comunitários e escolas que ensinam futebol, informática e reforço escolar.
Há também uma forte rede de proteção à infância. Chamada de “The Child Protection in Sport Unit (CPSU) [3]” encarrega-se de fiscalizar e punir abusos cometidos contra crianças e adolescentes. O Child Protection é parte do The National Society for the Prevention of Cruelty to Children (NSPCC) organização fundada em 1884, antes com o nome de London Society, alterado para National Society em 1889. Os clubes de futebol são parte deste sistema e só podem receber crianças após aval do sistema, estando obrigados a seguir as orientações e condutas definidas por ele.
No Brasil, apesar dos múltiplos benefícios oferecidos pelo Estado aos clubes (a Timemania é apenas o mais recente), e da tolerância infinita diante da sonegação de impostos (em especial as contribuições previdenciárias), não há, ainda, nenhuma exigência legal que os comprometa com obrigações e responsabilidades sociais. O Estado despreza suas próprias prerrogativas e deixa de adotar medidas que defendam a juventude, ou que efetivem a relevância que o futebol pode ter em sua formação. Surge um triste híbrido de liberalismo com clientelismo. Foi um decreto-lei no Estado Novo, assinado por Getúlio Vargas em 1941 (depois convertido em Lei 3199/41) que deu aos clubes a condição de base do sistema esportivo brasileiro. Na essência, a lógica foi reforçada por nova lei, de 1975 (na ditadura militar) e pelas leis “Zico” e “Pelé”, frutos da onda neoliberal dos anos 1990.
Tudo isto gera, como conseqüência falta de controle e fiscalização efetivas sobre os clubes, permitindo, muitas vezes, que jovens deixem de estudar para ficar à disposição de possíveis negócios. Mesmo o Estatuto do Torcedor, que deveria transformar estádios em espaços seguros e confortáveis, pela lógica do entretenimento, surtiu efeitos limitados. O exemplo emblemático foi a tragédia ocorrida em 26 de novembro 2007 na Fonte Nova, na Bahia, como 7 torcedores desabando da arquibancada.
Com os olhos secos diante dos miseráveis | | | |
Mário Maestri | |
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Em ‘A destruição da razão’, de 1953, escrita após a hecatombe da grande guerra inter-imperialista de 1939-45, com seus talvez cinqüenta milhões de mortos, George Lukács traçou magnífica crítica da gênese e do desenvolvimento do pensamento irracionalista moderno, de candente vigência nos dias de hoje. Lamentavelmente, como tantos outros trabalhos desse importante filósofo marxista húngaro, esse livro também não se encontra disponível no Brasil.
Naquele trabalho, Lukács lembrava que o irracionalismo moderno assumiu faces diversas nos dois últimos séculos, sendo, porém os nexos fundamentais dessa vertente filosófica a incessante desvalorização do intelecto e da razão em prol da intuição; a refutação da objetividade das leis históricas e da possibilidade de conhecê-las; a subjetivação da história e a negação da idéia da possibilidade de progresso.
Lukács assinala que, nesse contexto geral, a defesa da ordem capitalista dá-se através da apologia direta e indireta. A primeira louva aquela sociedade e nega e dissimula seus aspectos mais negativos. A segunda, quando o mundo real começa a horrorizar até mesmo os insensíveis, defende o caráter incompreensível da história; a desigualdade, a agressividade, o egoísmo etc. como atributos da natureza humana e próprios a todas as ordens sociais.
O objetivo último dessa apologia é fortalecer as tendências à destruição da confiança na práxis social como fator de progresso social; a passividade e o imobilismo como comportamentos políticos gerais; o cinismo e o pessimismo como estados psicológicos diante das mazelas da sociedade que avançam a galope desenfreado.
George Lukács lembrava que as interpretações irracionalistas do mundo assumem singular importância em épocas de transição e quando de graves crises sociais, como a que vivemos atualmente. Então, diante das novas demandas postas pela história, a razão irracional transforma os problemas em respostas, nega ao pensamento materialista dialético a capacidade de desvelar os nexos fundamentais do mundo social, transforma a maior riqueza do fenômeno em relação a sua representação teórica, em desvalorização da capacidade de compreendê-lo teoricamente.
Hoje, as novas tendências neo-irracionalistas apresentam-se sob aparências diversas. Pensadores partidários das concepções do ingresso da humanidade em idade pós-industrial e pós-moderna defendem o fim da credibilidade nos "grandes relatos" sobre a necessidade e possibilidade da superação das contradições sociais; sugerem a definitiva subjunção do homem aos processos tecnológicos; proclamam o fim da objetividade e da unidade da vida social.
Na aparente contramão, defensores de retorno aos valores superiores, intemporais e ideais do Século das Luzes criticam a atual barbarização da cultura impulsionada pelos pós-modernos. Todos convergem na proclamação do fim da "radicalidade" de toda e qualquer interpretação social a partir das oposições interclassistas e proclamam a morte do marxismo, do socialismo, do terceiro-mundismo.
Neo-iluministas e pós-modernistas predizem que o desnível abismal e crescente entre países ricos e pobres "não cessará de alargar-se", sendo os próprios miseráveis culpados pela miséria que vivem. Convergem em apreciação filosófica da história e da sociedade atual que incentiva e justifica o cinismo e o elitismo dos privilegiados, o pessimismo e a inatividade dos explorados. Sobretudo nos últimos vinte anos, após a maré neoliberal que açoitou o mundo, para número crescente de pensadores, a história apresentar-se-ia finalmente em sua natureza: processo eminentemente ininteligível e filha do absoluto caos.
Como resultado do crescente prestígio intelectual do irracionalismo, cresce igualmente em forma frenética o interesse pelos pais do moderno irracionalismo – Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche, Spengler, Heidegger etc. Para a razão irracional, a consciência da agonia final das ilusões sociais de redenção e uma existência cruel que escapa à compreensão humana aconselhariam o refúgio no imóvel, contemplativo e desesperado eticismo kierkegaardiano ou, talvez, no imperativo nietzschiano de ficar de olhos secos diante dos miseráveis.
Mário Maestri, 59, rio-grandense, historiador, é professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF.
E-mail: maestri@via-rs.netEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
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