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Marcelo Pompêo - Correio da Cidadania | |
A descabida exploração ambiental à luz do dia será mais escancarada?
Hoje vivemos uma avalanche de discussões sobre problemas ambientais, passando pela necessidade de proteção da mata atlântica e da Amazônia, entre outros biomas brasileiros, mas também relativamente à destruição da camada de ozônio, ao efeito estufa e aos efeitos das mudanças climáticas globais na vida de todos nós. Outras discussões debatem se há propriedade ou prioridade para instalar grandes usinas hidroelétricas na Amazônia ou se o mais indicado seria instalar PCH (pequenas centrais hidroelétricas) ou ainda se a troca de motor e gerador das atuais hidroelétricas em funcionamento traria ganho na produção de energia e refletiria em baixo impacto ambiental, pois não seria necessária a construção de novas barragens.
Ainda para a região Amazônica temos o eterno debate relacionado aos problemas decorrentes das queimadas, da ação devastadora da agricultura e da pecuária extensiva e, refletindo na perda de área da floresta em pé e de diversidade biológica, mais recentemente, sobre o problema da emissão de carbono liberado pelas queimadas, entre outros.
Há também inúmeras discussões sobre as significativas alterações na qualidade das águas, seja de lagos, rios e reservatórios em todo território nacional ou de nossos mares, com reflexo na biota e na redução dos usos prováveis desses recursos, passando pela redução da quantidade de água com qualidade para o uso mais nobre, o abastecimento público, principalmente próximo aos grandes centros urbanos. Relativo à água, também é premente ampliar a discussão sobre a necessidade de coletar, afastar e de fato tratar as águas residuárias domésticas que são lançadas indiscriminadamente nos corpos de água, causando inúmeros problemas de saúde pública e agravando o processo de eutrofização no Brasil. Para se ter uma idéia, o esgoto não tratado lançado nos corpos de água da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é representativo a 10 milhões de habitantes.
Também estão na ordem do dia discussões sobre a ampliação da produção de álcool combustível derivado da monocultura da cana-de-açúcar e a produção do biodiesel. O intenso e descontrolado uso de agrotóxicos também preocupa, mas, para piorar, há proposta em curso no Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) que, se aprovada, permitirá a aplicação direta de agrotóxicos em ambientes aquáticos para o controle do crescimento da fauna e flora.
Há sempre o polêmico uso da energia nuclear e seus resíduos tóxicos. Há também os organismos geneticamente modificados, em particular a falta de controle no seu uso nas diversas etapas da cadeia produtiva. E vai longe, pois a agenda de discussões e problemas ambientais é vasta.
Com base nesse pequeno histórico de problemas ambientais, todos concordam que o meio ambiente não suportará a continuidade de mais um século de exploração humana, nos moldes dos últimos cinqüenta anos, e algo deve ser feito. Assim, há calorosos debates sobre a necessidade de alterações na legislação ambiental brasileira para que ela seja menos permissiva. No entanto, na contramão, sob patrocínio do governo federal, alguns debatem sobre a necessidade de alterações na direção de reduzir as restrições ambientais para a instalação de qualquer empreendimento. Como justificativa, alegam que a redução nas restrições ambientais e nas exigências para as compensações ambientais agiria como um facilitador, pois permitiria maior rapidez na liberação de autorizações para o início das obras e de operação do empreendimento, contribuindo para ampliar a oferta de emprego e renda. Caso essa discussão em curso de fato se qualifique e reduza as restrições ambientais, e tudo indica que isso ocorrerá, será um estrondoso retrocesso na já fragmentada política ambiental brasileira patrocinado pelo governo Lula.
Água, ar e alimentos
A água, o ar e os alimentos devem ser considerados como recursos inalienáveis aos seres humanos e cada família deveria ser provida de uma quantidade digna desses itens para permitir a manutenção de sua vida com qualidade. Se privados de ar, em minutos morremos, mas, privados de uma porção adequada de água ou de alimento, podemos ser subjugados por décadas.
Além disso, há dificuldades em controlar o ar que respiramos; desta forma, é o único recurso ainda gratuitamente disponível. Ao longo dos séculos, paulatinamente os demais recursos foram apropriados por alguns poucos homens e hoje estão nas mãos de empresários e banqueiros e somente mediante pagamento são disponibilizados. A terra, seu subsolo e demais produtos naturais (fauna, flora e minerais) e os produtos trabalhados (indústria, agricultura e mineração etc.) pela grande massa de homens permanecem de poucos. Isso tem que mudar.
Especialistas em meio ambiente e o setor produtivo
As posições de inúmeros especialistas e técnicos em meio ambiente, tais como "pouco importa se os recursos ou serviços ambientais são fornecidos por empresas públicas ou privadas", ou "a questão central é quem vai pagar a conta quando o governo investir", ou ainda "somente o setor produtivo poderá trazer a melhor solução", devem ser analisadas com cautela.
Importa sim, principalmente quando o recurso ou serviço ambiental é ofertado por companhia privada. Esta última tem interesses próprios que seguem a lógica de mercado, pois o que importa não é a oferta em si necessária ou não do recurso ou serviço, mas o espectro dessa necessidade e a conseqüente obtenção do lucro rápido para poucos homens, suas famílias e alguns associados, que se sentem donos desses recursos e serviços ambientais. Para tanto, visando obter lucro, basta operar qualquer recurso ou serviço, independente do que representa e da sua necessidade objetiva.
Ao setor produtivo não interessa garantir a manutenção da vida ou a sua qualidade, o importante é a manutenção do lucro certo e imediato, mas para poucos. Quanto a pagar a conta, esta também é uma questão fundamental. Assim, os empresários querem operar só no que dá lucro e são avessos a qualquer forma de tributo, taxa ou regulamentação, pois interferem na ampliação do lucro. Captam água e energia elétrica, por exemplo, e usam nas suas atividades produtivas, mas não querem pagar nem pelo uso particular, pelo impacto ambiental gerado pelas obras necessárias para instalar toda estrutura para captar, produzir e distribuir água e energia elétrica e, posterior ao uso, não têm interesse em pagar pelo adequado descarte dos eventuais resíduos gerados em suas atividades produtivas.
Como se diz no popular, interessa somente o filé, e não cuidam do osso. Desta forma, fica garantido para toda sociedade, presente e futura, o passivo ambiental gerado pelo interesse de poucos. Reduzir as restrições ambientais ao estabelecimento de empreendimentos, como tem sido proclamado por ministros, governadores, secretários de estado e inúmeros empresários, vem a gosto da iniciativa privada, que vê nesses facilitadores a possibilidade de ampliar seus lucros e manter o domínio sobre esses recursos e serviços ambientais, deixando de lado importantes preocupações e ações que visem minimizar os impactos sobre os ecossistemas.
Portanto, não é o setor dito produtivo quem tem o interesse e as competências para atender a todos, principalmente sobre a manutenção da qualidade ecológica e da saúde de nossos ecossistemas. Quando este setor apresenta solução, é de momento e segue interesses particulares, almejando unicamente a manutenção ou ampliação do lucro.
Meio ambiente & políticas públicas
Ao se discutir o uso pelo homem dos recursos e serviços ambientais, o que deve vir em primeiro lugar é a política pública que definirá como, quando e por que esses recursos ou serviços serão utilizados e quem será o principal beneficiado, tanto durante o período de instalação do empreendimento e principalmente quando este já estiver em operação. É importante que se inclua na discussão o tema "quem pagará a conta" e qual a política que definirá as diferentes taxas atribuídas aos vários setores beneficiados pelo empreendimento.
Hoje, os detentores dos meio produtivos e do capital estão em postos chaves de decisão e, ao lado da falsa necessidade relativa aos inúmeros bens e serviços que produzem, reiterada pela televisão, jornais e revistas, passam a ser justamente os setores que ditam a agenda ambiental brasileira. Desta forma, as atuais políticas públicas são muito permissivas e sempre caminham na direção do lucro, da pouca regulamentação e da exploração ambiental sem preocupação com a sustentabilidade. Os recursos água e energia elétrica, por exemplo, são então prioritariamente empregados para atender aos interesses do capital e dos empresários.
Mas toda a facilitação hoje existente no Brasil ainda não satisfaz e o setor produtivo e o capital querem menor regulamentação visando ampliar as facilitações para explorar os recursos e serviços ambientais, sem dúvida agravando o quadro de exploração ambiental e os inúmeros problemas ambientais decorrentes dessa exploração mais permissiva. A recente alteração no regimento do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) do estado de São Paulo, ampliando de 8 para 12 o número de assinaturas dos Conselheiros para se avocar EIAs-RIMAs para exame pelo Conselho, pode ser compreendida como uma das ações facilitadoras em curso para permitir agilidade na instalação de empreendimentos no estado, particularmente a construção do trecho norte do Rodoanel, que passará em importantíssima área de manancial, o sistema Cantareira, que abastece cerca de 8,1 milhões habitantes da região metropolitana.
A ampliação das facilitações na exploração dos recursos e serviços ambientais caminha na contramão da sustentabilidade e se contrapõe a uma visão de mundo mais igualitária, onde "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida" (*). Assim, é urgente trocar os atores que comandam a agenda ambiental brasileira e inverter as prioridades atendendo à maioria, mas em busca da sustentabilidade ambiental.
* Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 225º, 1988.
Marcelo Pompêo é professor do Departamento de Ecologia da USP.
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