Por mais que as coisas tenham mudado desde o tempo de Karl Marx,
suas
percepções fundamentais sobre a conexão entre trabalho,
exploração e lucro continuam sendo o melhor guia para a
compreensão do capitalismo e da sua crise. Teóricos vêm e
vão, alternando revisões elaboradas ou alternativas baseadas em
conceitos de subconsumo, superprodução, desequilíbrio,
etc.
Muitos têm encontrado nas características mutantes do capitalismo
– como monopolização, automação,
integração vertical, descentralização,
inovação em chips e robôs, globalização,
financiarização, etc. – a alternância entre a
lógica da produção capitalista e sua
inclinação à disfunção.
Outros ainda têm visto as mudanças nas relações
gerenciais e de propriedade como mudanças na dinâmica da
acumulação capitalista. Ainda que tudo isso reflita verdades e
perspectivas úteis, perdem de vista ou obscurecem o mecanismo que
dirige
todos os processos capitalistas: a busca do lucro pela exploração
da empresa capitalista.
Para Marx, a expressão desse mecanismo e da sua propensão para
errar o alvo reside na luta para manter lucros mesmo com sua
tendência
intrínseca ao declínio. Chamem-me de fundamentalista, mas eu
acredito que isso era, e ainda é, o melhor, se não o
único, caminho para entender a crise capitalista, incluindo a
recente
profunda recessão.
Exploração, lucros e salários
Tenho frequente e enfaticamente escrito acerca da elevação da
taxa de exploração nos EUA como consequência do severo
declínio econômico. Apontei a explosão de produtividade do
trabalho gerada pelo desemprego em massa, fraca resistência
organizada e
cumplicidade governamental.
Os números oficiais são assombrosos, e superam todos os
precedentes recentes (ver
A exploração aumenta, o desemprego dispara!
e
A guerra de classes: como estão as coisas
). E os relatórios desta radical reestruturação das
relações entre trabalho e capital continuam a aumentar, apesar de
haver pouca repercussão na imprensa trabalhista e esquerdista.
O Departamento do Comércio relata que os lucros corporativos
antes de
impostos no quarto trimestre de 2009 subiram quase 30% em relação
ao ano anterior e 8% em relação ao trimestre anterior (a
elevação no terceiro trimestre foi de 10,8% sobre o segundo
trimestre). A economia dos EUA não via aumento igual nos lucros
corporativos antes de impostos desde 1984, durante a
administração Reagan. Claramente, a produtividade do trabalho e a
taxa de lucro estão se movendo atreladamente. Isso é uma
evidência adicional de que os lucros estão crescendo a partir da
intensificação do processo do trabalho – nas costas dos
trabalhadores.
Se algum dado adicional ainda fosse necessário, o Departamento de
Comércio também relata que o rendimento pessoal caiu em 42 dos 50
estados no último ano a uma taxa acumulada de 1,7%, não ajustada
pela inflação. Deve-se notar que este relatório agrupa num
bolo só os salários, dividendos, rendas, pensões de
aposentadoria e benefícios governamentais, subestimando o impacto
sobre
a classe trabalhadora.
É claro que nem todos os lucros foram gerados diretamente a
partir da
exploração no nível da produção. Metade da
explosão de lucros foi gerada no setor financeiro. Com o setor
financeiro, os trabalhadores foram, todavia, indiretamente
explorados pelos
numerosos empréstimos, pela assunção de ativos cancerosos
e pela extensão dos empréstimos essencialmente livres de juros e
risco. Alguns estimam esse fardo – a ser recuperado através de
juros futuros e dos cortes em ativos públicos comuns e programas
sociais
– em um total de US$ 14 milhões de milhões
(trillion).
Outros estimam ainda mais.
Admito que o trabalho organizado nos EUA está mostrando alguma
iniciativa no campo eleitoral, incentivando a administração e os
Democratas a mostrar alguma fibra na defesa de programas que
beneficiam
trabalhadores. Não obstante, o legado de cumplicidade na
destruição do sindicalismo de luta de classes nos primeiros
estágios da Guerra Fria atrelou os atuais líderes trabalhistas a
um tímido colaboracionismo de classe que falha em opor mesmo uma
resistência modesta a esta brutal ofensiva de classe.
O crescimento, a rede de segurança e a luta de classe
Graças a movimentos mais militantes e mais fortes de
trabalhadores,
formações oposicionistas e partidos políticos genuinamente
de esquerda, tem havido muita resistência na União Européia
a qualquer rendição no estilo americano a uma
recuperação unicamente capitalista construída nas costas
dos trabalhadores e a partir dos seus bolsos.
Num raro distanciamento das práticas passadas, de reservar
diatribes
ideológicas às páginas finais,
The Wall Street Journal
apresentou um discurso na primeira página à União
Européia: "A escolha da Europa: Crescimento ou rede de
segurança" (25/3/2010). Os redatores do
WSJ
encamparam a causa do alto desemprego de jovens na Europa, mas
estranhamente
deixaram de reconhecer qualquer conexão com os fracassos do
capitalismo.
Ao invés disso, culparam as pensões, benefícios,
proteção ao emprego e outros elementos da rede de
segurança social-democrata histórica na Europa. Estranho, mesmo.
Eles notam que "… muitos economistas dizem: vamos acabar com o
precioso 'modelo social'.
Isso significa limitar as pensões e benefícios àqueles que
realmente necessitam deles, assegurando que os capacitados
estejam trabalhando
ao invés de viver do estado, e eliminando leis de comércio e do
trabalho que desestimulem o empreendedorismo e a criação de
empregos".
Esta prescrição pode ter sido considerada um atrativo para o
modelo americano quando a economia dos EUA estava indo bem
sozinha, mas
inspira desprezo face ao desemprego maciço dos EUA, com pensões e
benefícios financiados ou inexistentes, cuidados médicos
criminosamente inadequados, execuções de hipotecas residenciais,
aumento da fome, etc. Não admira que escritores comentem "Mesmo
nas
melhores épocas, os europeus relutam em migrar para o modelo do
tipo dos
EUA". E deviam mesmo relutar.
As trincheiras desta batalha pelo futuro da classe trabalhadora
européia
estão nos países tradicionalmente mais pobres –
Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda – que tomaram extensivamente
empréstimos para manter um ritmo econômico e um padrão de
vida consoantes com seus vizinhos mais ricos: acompanhando os
outros numa
escala nacional. Agora, os membros mais fortes da comunidade
européia
querem puni-los por suas dívidas – dívidas em escala
não muito diferente da dos EUA ou Reino Unido. Os estados mais
poderosos
estão insistindo em cortes orçamentários que
reduzirão drasticamente salários, pensões e
benefícios, ao mesmo tempo em que também sufocarão
qualquer potencial para o crescimento. Isso é simplesmente impor o
modelo americano por decreto.
Na Grécia, em particular, as classes trabalhadoras estão vigorosa
e determinadamente resistindo a essas mudanças draconianas,
dirigidas
por um movimento trabalhista combativo e pelos comunistas gregos.
Eles merecem
nossa solidariedade e servem como exemplo ao nosso próprio
movimento
trabalhista.
Dívida e a luta de classe
A dívida é um monstro de duas cabeças. No pior momento da
crise, a carga de débitos incorridos por instituições
financeiras irresponsáveis foi pronta e não-democraticamente
transferida do setor privado para o setor público através de
imensos empréstimos. O problema deles com as dívidas é
agora nosso problema. Zhu Min, vice-governador do Banco Popular
da China,
coloca bem isso: "Os governos tentam colocar todo o fardo do seu
setor
financeiro sobre os seus próprios filhos".
Mas agora, com esta carga sobre os ombros dos trabalhadores,
estes mesmos
governos pedem alarmados a redução das dívidas. Não
surpreendentemente, seguem de perto a estratégia da UE de exigir
reduções em programas sociais. No caso dos EUA, a dieta de
dívidas prescreve cortes no "desperdício" de programas
sociais como Medicaid, Medicare e Segurança Social. Naturalmente,
não se fala em reduzir o imenso orçamento militar ou elevar
impostos sobre corporações e grandes riquezas. A questão
da dívida é calculada para ser outra arma no assalto aos
padrões de vida dos trabalhadores.
Devem-se extrair lições desta ofensiva intensa contra os
trabalhadores. Nos EUA, a administração Democrata e sua tropa de
congressistas fizeram pouco o nada para apoiar os trabalhadores
na luta de
classe. Ao contrário, eles incentivaram medidas que
intensificaram a
exploração, acumularam dívida sobre a classe trabalhadora
e ameaçaram sua rede de segurança. Os líderes do movimento
trabalhista conseguiram muito pouco com lobbies, persuasão e
afagos;
eles falharam em levar a luta para os locais de trabalho e para
as ruas.
A crise capitalista está longe de ultrapassada. As
monstruosidades
financeiras que desencadearam a crise estão novamente gordas,
desreguladas e perseguindo ardorosamente novas aventuras
arriscadas que
acelerarão sua taxa de lucro. Há todas as razões para
acreditar que irão cair por terra novamente. Tivemos uma
oportunidade de
parar este ciclo louco com a nacionalização, mas nossos
líderes econômicos escolhem premiar os bancos e
encorajá-los a continuar com suas loucuras.
Empresas não financeiras estão inchando com lucros da
exploração intensificada, mas não têm mercados ou
crescimento de consumo que justifiquem investimento, expansão ou
aumento
de empregos, uma situação que promete ainda mais pressão
em sua taxa de lucros. Naturalmente eles podem arrochar ainda
mais os
trabalhadores, mas esperançosamente aprenderemos a lição
dos nossos camaradas gregos e a eles nos uniremos nas ruas.